Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Introdução ao Direito

2018

Concept of Justice as the beginning and ending of Law.

22/12/2018 Introdução ao Direito Licenciatura em Estudos Europeus | Universidade Aberta Rosa Albuquerque Nunes Rosa Albuquerque Nunes Introdução ao Direito Licenciatura em Estudos Europeus | Universidade Aberta “Como temos vindo a observar, a Justiça é, ao mesmo tempo, princípio (ou fundamento) do Direito e a sua finalidade ou fim. Além disso, é ainda valor e virtude. Porque o Homem é livre, racional e capaz de Justiça há Direito, tem de haver Direito; e há-o e tem de havê-lo para que seja feita Justiça. O Direito é objeto da Justiça e caminho para ela.”. (Cunha, Paulo Ferreira da. Teoria Geral do Direito, Lisboa, Causa das Regras, 2018, p.177). Com base no texto apresentado, defina e desenvolva criticamente o conceito de Justiça como princípio e fim do Direito. No princípio era a Justiça. E a Justiça se fez fundamento do Direito. O Direito realizase quando a Justiça se concretiza. Tendo em vista a paz social, o Homem redigiu um conjunto de normas jurídicas, baseadas na sua experiência, costumes, valores, ética e moral. A ideia de Justiça encerra em si a necessidade de ordem na sociedade, visando alcançar o bem. Para que o Homem consiga viver em sociedade é fundamental que atinja o equilíbrio e a harmonia social. As regras sociais existentes são cumpridas espontaneamente ou sob coação (cumprindo uma obrigação). O ato moral entra em ação quando somos autênticos ao aderirmos a uma regra. Quando cedemos o lugar aos mais velhos no transporte público, demonstramos respeito e solidariedade humana. É uma questão de consciência. Mas no sistema atual também existem lugares reservados para os mais vulneráveis. Porque há regras da moral que foram absorvidas no Direito. A justiça é objetiva por se centrar nos valores que cada um encerra em si e na relação 1 Rosa Albuquerque Nunes entre dois indivíduos. O Direito (jus est ars aequi et boni)1 representa a força que obriga ao cumprimento das regras. O Direito enquanto ordem jurídica vigente tem de intervir quando um indivíduo causa dano a outro e compreende a relação entre dois indivíduos ou vários. Em termos de valores morais, o Direito pode significar Justiça e a sua concretização (jus ex cententia iudicis fieri)2. Quando um indivíduo se sente lesado dos seus direitos pode recorrer à justiça e reestabelecer a legalidade dos factos. E aqui, o Estado, enquanto garante dos meios jurisdicionais de apelo à justiça, aparece como a entidade com competência para agilizar os meios para coagir e aplicar uma medida justa3. Na verdade, o cidadão, na aceção moderna do termo, cumpre e obedece as regras elaboradas por quem ele mandatou para as fazer cumprir; a isto se chama democracia representativa. Os grupos sociais são orientados por uma moral estruturada em direitos e obrigações em reciprocidade. “O seu efeito é criar entre os indivíduos uma moral e, em certo sentido, uma igualdade artificial para compensar as desigualdades da natureza.”4 “Ora a Justiça não é uma coisa abstrata.” “Por isso a Justiça é uma perpétua e constante vontade…”5, dado que os juízes aplicam a lei a cada caso concreto, numa “constante e perpétua luta pela aplicação concreta da Justiça”6. Administrar a Justiça é, na prática, realizar o Direito. A Justiça representa o princípio da igualdade e apresenta-se sob três vertentes: social (em proporção de um para o todo), distributiva (em proporção geométrica, onde o Estado recolhe taxas e impostos e distribui equitativamente) e comutativa (em proporção própria, audi alteram Segundo o brocardo latino, o direito é “a arte do bom e do justo”. O Direito nasce da sentença do juiz. 3 N.º 1, do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa. 4 Hart, 2011, p.179. 5 Cunha, 2014, p. 115. 6 Idem, p. 126. 1 2 2 Rosa Albuquerque Nunes partem7). “Mas não chega. Tal como a instituição dos tribunos da plebe em Roma, tal como os visitadores dos cárceres na Espanha medieval, parece que são precisos ainda novos magistrados com poderes excecionais.”8 “O Direito tem potencialidade para ser um instrumento de Progresso, de Paz e de Justiça Social.”9 Segundo Paulo Ferreira da Cunha “Porque o Homem é livre, racional e capaz de Justiça há Direito, tem de haver Direito”10. Existe um pressuposto utópico de que o Homem sabe fazer um Direito justo. Mas o homem é, antes de mais, um ser imperfeito e individualista. “Os termos mais frequentemente usados pelos juristas no elogio ou na condenação do direito, ou da sua aplicação, são as palavras ‘justo’ e ‘injusto’ e muito frequentemente eles exprimem-se por escrito como se as ideias de justiça e moral fossem coextensivas.”11 A atitude do pai repreender o filho pode ser considerada, pelos outros, como errada, mas provavelmente não será injusta, dado que pode estar a transmitir valores e educação. Por outro lado, é senso comum considerar como justa penalizar os mais abastados com maior carga fiscal. “…a esperança da Justiça pode residir em quem tenha circunstancialmente as armas para a defender…”12 tal como os Tribunais, que não dependem do poder político e do poder económico. Mas recordemos o Acórdão proferido pelos Juízes Desembargadores Neto de Moura e Maria Luísa Arantes, do Tribunal da Relação do Porto, a 11 de outubro de 2017, no âmbito do processo comum sob o n.º 355/15.2 GAFLG. Na página 19 pode ler-se: “Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Isto é, ninguém pode ser juiz em causa própria e a exigência da Justiça implica a imparcialidade e a objetividade concebidos para que o Direito seja aplicado a todos. (Hart, 2011, p. 175) 8 É a opinião crítica de Paulo Ferreira da Cunha (2014, p. 123) que, a meu ver, defende, nesta expressão, uma utopia de justiça plena. 9 Cunha, 2014, p. 126. 10 Idem, p. 177. 11 Hart, 2011, p. 171. 12 Cunha, 2014, p. 120. 7 3 Rosa Albuquerque Nunes Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal (Código Penal de 1886, artigo 372.0) punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse. Com estas referências pretende-se, apenas, acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.” Não se trata de um caso inédito. O que realmente assusta é a argumentação do Juiz Desembargador, que revela um saudosismo de antanho, fundado em convicções pessoais. Tal como refere Gomes Canotilho13 “…, a consciência individual é a última ‘fonte’ para aferir da ‘justiça’ dos actos e decisões; o ‘contrato’ dos cidadãos é a única possibilidade de se superar a subjectividade individual e chegar a uma consensualidade informada pelos princípios de justiça”. A fundamentação deste Acórdão levou a que a opinião pública se manifestasse negativamente, apresentando queixas no Conselho Superior de Magistratura. Trata-se da aplicação injusta do Direito. O juiz tem como função apurar a verdade do facto, verificar se existe lei que lhe seja aplicável e, por fim, aplicar o Direito. Enquanto representante do povo, o juiz deve prestar um serviço público, onde a equidade (Summum jus, summa injuria)14 reine e seja aplicada a cada caso concreto. Entende-se por Justiça o respeito pela “Dignidade da Pessoa, pelos seus Direitos Humanos e Fundamentais”; “a reta atribuição do seu a seu dono”; “a justa partilha por todos” e “o direito individual de cada um a poder livremente desenvolver a sua Personalidade”.15 A ideia de Justiça varia de sociedade para sociedade, tendo em consideração os valores que elas emanam. O Gomes Canotilho, 1993, p. 114. Brocardo latino, utilizado como aforismo, que significa "o máximo do direito, o máximo da injustiça". 15 Cunha, 2014, p. 124. 13 14 4 Rosa Albuquerque Nunes anacronismo da sentença supracitada demonstra cabalmente como alguma jurisprudência denota a inadaptação à realidade dos Direitos Fundamentais da Mulher já positivados nos Tratados16 e na Constituição17. “Por isso a justiça é tradicionalmente concebida como mantendo ou restaurando um ‘equilíbrio’ ou uma ‘proporção’ e o seu preceito condutor é frequentemente formulado como ‘tratar da mesma maneira os casos semelhantes; ainda que devamos acrescentar a este último ‘e tratar diferentemente os casos diferentes.”18 Mas este elemento central na ideia de justiça apresenta-se incompleto; os indivíduos podem ter aspetos comuns que os assemelhem ou diferenciem. A ideia de justiça abarca uma complexa estrutura bicéfala: ao tratar da mesma maneira os casos semelhantes apresenta uma faceta uniforme e, quando determina que os casos são diferentes, expressa uma variável (o princípio da igualdade é estruturante, i.e., apesar de consagrada a igualdade social e cultural entre os portugueses, uma ida à ópera a São Carlos exige que se pague o bilhete)19. Mutatis mutandis, a natureza dinâmica do Direito deveria ter como fim a aplicação da Justiça, enquanto valor e virtude. Implica, por um lado, a garantia de um Estado de Direito democrático e, por outro, o exercício de uma cidadania ativa. 16 “Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica”, Istambul, 11 de maio de 2011. 17 N.º 2, do art. 13.º; n.º 1, do art. 8.º e n.º 2, do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa. 18 Hart, 2011, p.173. 19 Alínea a), do n.º 2, do art. 78.º da Constituição da República Portuguesa. 5 Rosa Albuquerque Nunes Fonte: “O Bartoon 10.000”, de Luís Afonso, https://acervo.publico.pt/edicao10000/bartoon. Bibliografia AAVV – Constituição da República Portuguesa, 6.ª revisão. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2004, p.210, ISBN: 978-972-271-349-8 COUNCIL OF EUROPE – Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, Istambul, 11/05/2011. [Em linha]: [Consult. em 21/12/2018]. Disponível na internet: <URL:https://rm.coe.int/168046253d> FERREIRA DA CUNHA, Paulo – Desvendar o Direito – Iniciação ao Saber Jurídico. Lisboa: Quid Juris, 2014, p.366, ISBN: 978-972-724-691-5 6 Rosa Albuquerque Nunes GOMES CANOTILHO, J. J. – Direito Constitucional. 6.ª ed. revista, Coimbra. Almedina, 1993, p.1228, ISBN: 972-40-0757-X HART, Herbert L. A. – O Conceito de Direito. 6.ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, p.348, ISBN: 978-972-31-0692-3 TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – Processo n.º 355/15.2 GAFLG.P1, 11/10/2017. [Em linha]: [Consult. em 20/12/2018]. Disponível na internet: <URL:https://jumpshare.com/v/XmGPjJyBg6mJMdehLjp8> 7