RESENHAS
https://doi.org/10.51880/ho.v24i2.1206
Histórias de canções pop latinas
Igor Lemos Moreira*
ORCID iD 0000-0001-6353-7540
Universidade do Estado de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, Brasil
COBO, Leila. Decoding “Despacito”: an Oral
History of Latin Music. New York: Vintage, 2021.
*
Doutorando em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), com orientação da
Profa. Dra. Márcia Ramos de Oliveira. E-mail: igorlemoreira@gmail.com.
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MOREIRA, I. L. Histórias de canções pop latinas
Em 2021, a jornalista colombiana Leila Cobo lançou sua nova obra na qual reúne
depoimentos sobre a história da Latin1 Music baseados no uso de entrevistas com artistas,
produtores musicais, empresários, comunicadores sociais e compositores. Intitulado
Decoding “Despacito”: an Oral History of Latin Music/La fórmula “Despacito”: los hits de
la música latina contados por sus artistas, o livro conta com uma versão em inglês e outra
em espanhol, e é resultado dos anos da comunicadora social dedicados à cobertura da
indústria fonográfica, em especial como colunista e jornalista da seção Latin da revista
Billboard. Apesar da semelhança com coletâneas organizadas por jornalistas que atuaram
na indústria fonográfica, a exemplo de Everyone loves you when you're dead (2011), de Neil
Strauss, que pretendem ser uma reunião de entrevistas, Cobo apresenta uma perspectiva
distinta, concentrando-se na construção de um texto que usa os depoimentos para uma
biografia das canções. Em linhas gerais, trata-se de obra que apesar de se intitular como
trabalho de História Oral não se destina propriamente ao ambiente acadêmico, sendo seu
principal público-alvo leitores e/ou curiosos sobre a história da música, o que não significa
(como veremos nesta resenha) que suas metodologias e escolhas narrativas não possam
fornecer contribuições valiosas para se pensar o campo historiográfico.
Os capítulos não se concentram na trajetória de artistas ou de “períodos” da Latin
Music, eles elaboram histórias de canções que ficaram marcadas como grandes “hits”
da música pop latina globalmente. A ideia de Cobo é narrar a trajetória do segmento
musical através dos fonogramas, estabelecendo biografias das canções (Paranhos, 2004),
que demonstrem o contexto dessa indústria musical, a trajetória de artistas e o processo
de constituição e (re)atualização constante do campo artístico. A perspectiva linear
estabelecida na estruturação dos capítulos estabelece uma linha do tempo da Latin Music
sem necessariamente adotar uma perspectiva progressista ou evolucionista. A periodização,
estabelecida de forma sutil, visa discutir a dimensão processual do campo artístico,
demonstrando supostas “fases” da música pop latina globalmente, com destaque àquelas
produzidas por latinxs que passaram pelos Estados Unidos. Neste sentido, a construção
da narrativa foi pensada da seguinte maneira: a constituição, a partir de relatos orais, de
biografias de canções que demonstrem os bastidores desses fonogramas como forma de
apresentar ao grande público o funcionamento dessa indústria fonográfica.
Em seu livro, Leila Cobo não desenvolve uma coletânea de transcrições literais de
depoimentos, mas sim uma narrativa pautada no método storytelling ao focar cada capítulo
nas trajetórias de canções. Através de um processo de “montagem” de depoimentos que são
1
Ao longo de toda a sua existência, a revista Billboard adotou diferente terminologias para as suas seções
temáticas que, de certa forma, ecoavam as definições correntes na própria indústria fonográfica do
contexto. Desta forma, ao longo dos anos 1960 até o presente, a revista já usou diferentes terminologias
para definir a parte de sua edição impressa dedicada à música pop latina, a exemplo da Latin e Latin
Music. Todavia, registra-se que, em uma consulta de mapeamento das edições publicadas desde 1977 o
termo “Latin” sempre esteve presente nas diferentes versões de título da seção. Desta forma, optamos
nesta resenha em delimitar a referência ao campo de atuação de Cobo na revista a partir do termo mais
amplo pelo qual o veículo no qual trabalhou define a seção.
História Oral, v.24, n. 2, p. 329-332, jul./dez. 2021
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transliterados entre frases e trechos dos depoentes e narrativas breves da autora, se criam
capítulos que em um primeiro momento visam uma coerência interna. Tal perspectiva,
assemelha-se a outros trabalhos no campo da História Oral desenvolvidos nos EUA que
tem como foco temas ligados à história da música. Dunaway e Beer (2010), ao elaborarem
sua obra sobre a história da Folk Music, partem de uma proposta semelhante, na qual
diferentes relatos/entrevistas são transcritos de forma fragmentada e alternados com
parágrafos constituindo uma narrativa que, mais do que uma análise, propõe preencher
lacunas e contextualizar determinadas falas.
Esse procedimento, recorrente, por exemplo, na produção de documentários,
pode ser definido como uma “montagem” (Hagemeyer, 2012), no qual há a atuação
do entrevistador e/ou historiador oral de intervir nos relatos de seus depoentes visando
constituir uma outra narrativa que altera significativamente a própria intenção do uso de
fontes orais. Ao propor uma “montagem”, Cobo não transcreve literalmente as entrevistas
que reuniu ao longo de toda a sua trajetória, ou produz uma ideia de “história” periodizada
na qual usa dos depoimentos orais para construir grandes quadros analíticos. Sua proposta
parte de canções lançadas a partir da década de 1970, a exemplo de Feliz Navidad,
chegando até o ano de 2018, com Malamente, para reunir fragmentos das entrevistas com
diferentes sujeitos envolvidos na história da própria canção.
O capítulo dedicado à canção Conga, da banda Miami Sound Machine, lançada
em 1985, por exemplo, estabelece uma trajetória da composição que inicia com falas
de Gloria Estefan e Enrique Garcia sobre a inspiração da faixa, passa por relatos da
cantora, Emílio Estefan e empresários que narram os bastidores da recepção da canção
na gravadora e a resistência do selo em liberar o lançamento, e, por fim, sobre como foi
a experiência de lidar com os impactos midiáticos do fonograma. O capítulo dedicado à
Wherever, wherever, da cantora colombiana Shakira, segue um padrão bastante semelhante,
estabelecendo uma conversa “indireta” entre trechos de depoimentos da própria artista,
seu empresário e produtores musicais que trabalharam na composição, Emílio Estefan, já
citado, incluso. Os capítulos dedicados à Latin Music em sua configuração mais recente,
como Despacito, Mi gente e Malamente, seguem o mesmo padrão, mas demonstram uma
tentativa da autora de evidenciar, a partir da interlocução entre artistas, produtores e
compositores, a existência um novo processo de segmentação do gênero musical no século
XXI, indicando não somente a abertura a gêneros mais urbanos, mas o estabelecimento
de novas identidades através da reafirmação do espanhol como idioma com potencial
penetração no mercado anglófono.
Em linhas gerais, a obra de Leila Cobo, apesar de não ter uma pretensão de
estudo acadêmico na área de História Oral, baseia-se no uso dessa metodologia para
narrar uma versão da história da Latin Music. Essa visão, estabelecida na escolha dos(as)
entrevistados(as) pela autora, é linear e destaca apenas grandes sucessos e artistas que
demonstram os desafios de atuar nesse segmento, e acaba por construir uma história
de “sucessos”. A perspectiva de Cobo converte os depoentes, em especial os artistas, e,
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principalmente, as canções em “ídolos” ou modelos de produção que venceram barreiras
dentro do mercado fonográfico. Apesar dos problemas perceptíveis, interessa-nos
principalmente destacar o potencial da abordagem narrativa estabelecida por Cobo que,
ao confrontar diferentes relatos em fragmentos, estabelece um diálogo que, apesar do
fato de que de nunca existiu, constitui uma ideia de processo. Em um contexto no qual
a História Oral brasileira tem procurado repensar seus procedimentos metodológicos
de narrativa e análise (Santhiago, 2018), talvez seja hora de olharmos e repensarmos as
formas como contamos nossas histórias e como os sujeitos se fazem presentes em um
campo que naturalmente deveria privilegiar a própria voz que entoa os testemunhos.
Referências
DUNAWAY, David King; BEER, Molly. Singing out: an oral history of America’s folk music
revivals. Oxford: Oxford University Press, 2010.
HAGEMEYER, Rafael. História & Audiovisual. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
PARANHOS, Adalberto. A música popular e a dança dos sentidos: distintas faces do
mesmo. ArtCultura, Uberlândia, v. 6, n. 9, p. 22-31, 2004.
SANTHIAGO, Ricardo. História pública e autorreflexividade: da prescrição ao processo. Tempo
e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 23, p. 286-309, 2018.
STRAUSS, Neil. Everyone loves you when you're dead. Nova York: HarperCollins, 2012.
Recebido em 12/07/2021.
Aprovado em 24/08/2021.
Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) – Bolsa.
Conflitos de interesse: nada a declarar.