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A antropologia na atualidade

1994

A ANTROPOLOGIA NA ATUALIDADE* C ornelia Eckert AGRADECIMENTOS E APRESENTAÇÃO Quero, antes de 1nais nada, agradecer ao CPG em História, pelo convite para compartilhar desta discussão interdisciplinar que considero muito pertinente, 1nas também impertinente e, por que não dizer, pretensiosa. Além do que, falar de uma área de conhecimento na atualidade nos deixa setnpre um gosto amargo do inacabado. Ciente destes lünites tentarei trazer algumas reflexões sobre as produções teórico-metodológicas que dão forma e conteúdo à Antropologia hoje. ... .,. Desde já posso convencê-los qe que essa disciplina vive um rico momento de auto-avaliação, autocrítica do passado e do presente, sem costurar necessariamente afirmações certeiras ou respostas convictas. Não se constrói algu1na coisa sem desconstruir outra; não se produz paradigtnas inéditos, mas paradigtnas existentes ·são criticados, repensados, bricolados e se complementam no deci:fratnento lógico sobre o real; não se produz uma sinfonia antropológica melódica ou harmônica, mas ruídos e barulhos entre velhas fonnulações de probletnas e alternativas ditas pós-modernas. Uma tnudança associada "ao processo de autocrítica por que passa a antropologia hojem, aos "desenvolvimentos recentes nas áreas da crítica de textos, história cultural, semiótica,filosofia hermenêutica e psicanálise" e à conquista de "um espaço novo, aberto pela desintegração do homem com te los de uma disciplina", sugere o antropólogo americano Jatnes Clifford. 2 Desde sua premissa básica, do relativistno cultural, a Antropologia tem absorvido um caráter crítico na própria estrutura epistemológica. Crítica que lhe garante a credibilidade científica. Cornelia Eckert é professora do Departamento de Antropologia e do PPG em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul * Comunicação apresentada no cusro de Extensão História, hoje I CPG História/ UFRGS/ 1993. Anos 90, Porto Alegre, n.2, maio 1994 É com este pano de fundo de questionrunentos que busquei fazer uma reflexão das interpretações recentes sobre os catninhos trilhados pela Antropologia, não tanto etn tomo de seus objetos de estudo (cultura e sociedade), que confinnam sempre a Antropologia como. o estudo "dos modos de viver, de pensar e de conhecer de outros povos ou de diferentes setores da sociedade a que pertencemos" 3 , 1nas para 'pensá~ la em seus fundamentos, co1no uma modalidade de conhecimento''4 , numa espécie de etnografia do pensa1nento antropológico cujas autorias e raízes são intemacionais. Mas antes de mergulhar nas correntes paradigtnáticas da Antropologia gostaria de trazer-lhes uma notícia ... NOTÍCIA À GUISA DE INTRODUÇÃO Etn julho deste ano ocorreu o XIII Congresso Intemacional de Ciências Antropológicas ..... e Etnológicas na cidade do México5 cujo tetna foi As dimensões culturais e biológicas da troca global. O que estava em debate não era o destnoronrunento de paradigtnas antropológicos, mas como, a partir dos paradigtnas ~xisten (e a perspectiva ética da antropologia), pode-se ambicionar a ampliação do projeto antropológico, o dar conta dos tnovitnentos contetnporâneos da sociedade, da pluralidade dos diálogos, dos avanços tecnológicos sobre culturas singulares, e da dissetninação de identidades, dos movünentos transculturais, transnacionais. O tetna, se1n dúvida complexo, foi abordado levando em conta a heterogeneidade de cada país quanto aos seus problemas, conflitos étnicos, pobreza, lutas de identidade, descrédito sobre a ética de govemos e políticos, guerras milenares, mas tatnbétn a superação de cisões históricas, refiguração espa~il do planeta etc. A meu ver, um corpo de problemas foi levantado e discutido sob conceitos 1nais ou menos recorrentes: a) Como entender o tnundo como utna articulação ordenada de múltiplas e singulares histórias? b) Como abordar a dinâmica destas instituções globais, culturas globais, probletnas globais (os direitos hutnanos, o desenvolvimento sustentado, controle da aids etc)? c) Cotno pensar a diversidade das culturas subtnetidas a este movhnento geral de globalização sem cair no erro de pensar e·t n mna tendência à unifonnização identitária? 8 Anos 90 d) Como dar conta das distintas manifestações que constroem os reais valores de uma civilização? Questionava-se também: a) A partir de que correntes paradigtnáticas e através de que meios teóricos podemos entender as participações das distintas populações humanas no surglinento e reprodução do atual sistema global em que vivemos? E isto sem ter que "esquizofrenizar" co1n a angústia de ver nestes instrumentos analíticos, mais mna fonna de do1ninação no mundo moderno. b) Cotno pensar teórica e metodologicamente o 1novünento transcultural, o desenvolvimento sünultâneo de integração global e diferenciação local setn cair na annadilha de utna teoria planetária co1no uma "física de relações equilibradas entre Ílnpacto econôtnico e reações culturais", mas sün perceber "que os efeitos específicos das forças materiais globais dependem dos diversos modos como são mediados em esquemas culturais loçqis" 6 ? Tampouco era o caso de concluir? cmno bem colocou Sahlins, " que só resta à .Antropologia a tarefa de fazer uma etnografia global do capitalismom. No âmbito das questões es · ~ àva também colocada a tensão de combinar uma auto-avaliação crítica 1ntropológica- do relativismo cultural8 - cotn o universalismo como valor ideológico da ciência, ou e1n outros termos, discutiu-se sobre as implicações da ideologia (relativizadora) da Antropologia no mundo moderno ou pós-1nodemo. Se os antropólogos não responderam a todas estas questões, a Ílnportância delas no mínimo justificava este evento cientítico. UM ITINERÁRIO OBRIGATÓRIO: A EXPIAÇÃO DE CULPAS DE UMA ANTROPOLOGIA INGÊNUA (SÉCULO XIX) Gostaria de rião abusar da paciência de ninguétn repetindo o longo caminho percorrido pela Antropologia até adquirir estas tonalidades ditas "atuais", "modernas", "conte1nporâneas" etc. Mas sabe-se da quase iinpossível e1npreitada de evitar-se o reconhecimento da construção do objeto primordial da Antropologia cmno a ciência que se propunha a estudar a origem ~a espécie humana como uma série rígida de sucessões. A questão da evolução estabelecendo mna noção de Ho1nem Universal9 carece sempre de revisão e autocrítica do 1nodelo clássico de Anos 90 9 etnografia pela sua atuação junto a um processo político imperialista, de expansão da ideologia colonialista européia dotninante. No século XIX, Lewis Morgan introduz a história no reino natural e proclarna mna premissa antropológica básica: "a teoria da unidade psíquica da humanidade", enunciação que é tatnbém o 1nito de origetn da ciência antropológica. Para cotnprovar as fases evolucionárias, propõe a análise das culturas a partir de etapas de evolução progressiva e unilinear, delineadas por detenninantes extemos sobre as necessidades humanas básicas. O questionarnento do evolucionisrno ingênuo vetn de todas as partes, rupturas que fonnaratn Escolas: a Escola Histórico-Culturalista notadamente nos EUA, a Escola Funcionalista ou Funcional-Estruturalista, notarnente na Grã-Bretanha, as da Antropologia Social, Siinbólica, Estruturalista e Dinâtnica, notarnente na França. Mesmo o evolucionista francês Lévy-Brühl, o pensador da mentalidade primitiva (1922), reavalia sua noção de pré-lógico ao afirtnar que "a estrutura lógica do espírito .é•.a n1.esma en1 todas as sociedades humanas conhecidas"10. A Antropologia visa doravante propor u1na teoria da relatividade cultural restrita, a princípio, generalizada ern seguida. Não se trata mais de falar de mentalidades, rnas de pensanJ.entos e lógicas diversas, de visões de Inundo e estilos de vida diferentes, de representações sin1.bólicas e práticas sociais tnúltiplas. Junto a urn novo método, o de Boas, o de Malinowski, refonnulado teoricatnente por Mauss, que aponta utna ética outra de interação, de intervenção e participação, faz-se utna antropologia explicativa. De fato é sobretudo via utna etnologia francesa que nascetn os instrutnentos metodológicos e analíticos para rornper cotn o etnocentristno. 11 É toda urna nova geração de antropólogos atnericanos, franceses e ingleses que priorizatn a representação do vivido pelo "outro'' (o "nativo"), a partir do processo interativo ern catnpo (o encontro intersubjetivo entre o pesquisador e os pesquisados). O outro é descrito con1.o diferente a partir do seu próprio ponto . de vista, seu próprio discurso (visão êtnica), traduzido pelo antropólogo etn textos etnográficos/etnológicos. Mas isto não sern os vícios de mna Antropologia aplicada, de análises comprometidas com a ideologia das instituições científicas e govemarnentais americanas e européias financiadoras e solicitantes das pesquisas de carnpo. De qualquer fortna, não se trata tnais de descrever sistetnas evolutivos, de provar supretnacias raciais, n1.as de descrever a diversi1 o Anos 90 dade do mundo, a singularidade de cotidianos vividos, das práticas típicas ou tradicionais e seus sentidos, enfatizando as pennanências sociais (Malinowski) ou a dinâ1nica das mudanças culturais (R. Firth, EvansPritchard) as fonnas de dramatizar o social (Glucktnan, Turner) que podem ser observadas pelo pesquisador. 12 As culturas a partir de percepções subjetivas objetivadas, práticas e ações sociais como objetos fundarnentais da Antropologia passam a ser analisadas co1no "ordens de significado de pessoas e coisas" 13 • De Boas, de Malinowski, de Mauss apreende-se o 1nétodo de uma observação completa, participante e viva das sociedades estudadas, de uma "imersão no cotidiano de uma outra cultura" 14 e a ética profissional (domínio da língua nativa, relativização ética dos dados colhidos, qualitativa e quantitativamente) 1S, revelando o sentido de culturas diferentes numa crítica ao etnocentrismo e ao racis1no. Fica clara a tarefa do antropólogo, encarregado de investigar "um sentido em configurações muito diferentes, por sua ordem de grandeza e por seu afastamento,.c{çzs que estão imediatamente próximas do observador"16, e fica evidente a prática antropológica co1no a "busca da gramática da vida humana e social a partir da diversidade presente" 17 • Isto se faz com o postulado" do relativis1no cultural de que os coinportamentos das pessoas e as con -;truções sociais deve1n ser apreendidas desde sua própria cultura para só então conquistar UITI plano coinparativo e u1na perspectiva generalizante, que transcende a diferença particularizada e relativa, para encontrar os princípios básicos inconscientes e universais, "as estruturas permanentes", "as formas elementares", nos tennos de Lévi-Strauss. UM JOGO DE FUSÕES E TENSÕES: OS PARADIGMAS ANTROPOLÓGICOS NA MATRIZ DISCIPLINAR DE CARDOSO DE OLIVEIRA Reafinno que a Antropologia hoje te1n questionado e "desconstruído" seus paradig1nas emble1náticos. Para co1npreender estas transformações, apresento estes paradigmas confonne exposição de Cardoso de Oliveira. Este autor reavalia os diferentes paradig1nas numa espécie de fusão de horizontes antropológicos fonnadores de uma 1natriz disciplinar de duas perspectivas: tradição e cronos. Nesta 1natriz os paradigrnas antropológicos aparece1n associados etn relação estrutural (binária e antinômica). 18 Anos 90 11 'Temos, assün, na perspectiva de suas tradições utna linha vertical abrigando uma tradição intelectualista e outra e1npirista. Na linha horizontal tetnos a perspectiva caracterizada pela categoria tempo presente nas citadas tradições, contendo utn eixo sincrônico, isto é, utna ''perspectiva atemporal (pois mesn1o negando o tempo por ele se define)" e um eixo diacrônico, ou seja, utna perspectiva "te1nporal ou histórica, no seu mais a1nplo sentido". 19 Divididas por coordenadas cartesianas encontramos, segundo Cardoso de Oliveira, as seguintes associações: 1. A tradição intelectualista cruzada cotn o eixo sincrônico: paradigma racionalista, exemplificado cotn a Escola Francesa de Sociologia de Durkheim, Mauss e Hubert. Em sua forma modema, estruturalista, cotn Lévy-Strauss. 2. A tradição etnpirista cruzada co1n o eixo sincrônico: paradigma estrutural-funcionalista, expresso na Escola Britânica de Antropologia, com Rivers e Radcliffe-Brown, onde "o te1npo é colocado entre parênteses em nome da de.fe$a do conhecilnento objetivo a1neaçado pela história especulativa". 20 3. A tradição en1.pirista cruzada com o eixo diacrônico - paradigtna culturalista na fonna etn que é atualizado pela Escola Histórico-Cultural Norte·-Americana, cotneçando com Boas e seus seguidores, como Kroeber. Nesta tradição a história e o interesse pelo indivíduo são reintroduzidos via noções de cultura-personalidade através da obra de Benedict, Mead, Sapir etc. 4. A tradição intelectualista cruzada cotn o eixo diacrônico paradigtna hertnenêutico, gerador de utna tnodalidade de Antropologia dita interpretativa, confor1ne propõe Clifford Geertz21 • O tempo é interiorizado, confonne o pensa1nento hermenêutica de Dilthey, Ricoeur, Heidegger.ou Gadatner. Cardoso de Oliveira acrescenta ainda que 1nuitos dos mais importantes antropólogos setnpre transitara1n, "consciente e critica1nente, entre os paradigmas, entre as Escolas", cotno Malinowski, EvansPritchard, Leach, Schneider, Godelir~ Louis Dmnont etc, buscando seus referenciais cotnpletnentares muitas vezes etn outras abordagens, cotno é o caso de Godelier cotn a chatnada "antropologia tnarxista" ou Balandier com a "antropologia política". Analisando esta matriz, pode-se verificar que "historicamente passalnos de u1na concepção de ciência marcada por uma visão racionalista do conhecimento, para uma tradição empirista ciosa de diferenciar-se da metafisica". Acrescenta Cardoso de Oliveira: "A passagem entre 12 Anos 90 esse segundo e o terceiro paradigma, am.bos ( . .) imersos na mesma tradição, representou a recuperação da história, encontradiça nos primórdios da disciplina". No últilno paradigtna, o hermenêutica, ((por meio do qual a antropologia, interiorizando o tempo exorciz a a objetividade, é que a vemos reconciliar-se com um pensamento não comprometido com o ideário científico ou 'cientificista ' ". 22 No paradigma da Antropologia Interpretativa23 , encontra-se a proposta de uma antropologia "nova" e1n continuidade aos outros paradigtnas englobados doravante pelas definições de clássicos ou tradicionais, isto é, antropologias tradicionais. É a Antropologia Interpretativa que perInite a fusão de horizontes de que fala a filosofia hermenêutica de u1n Gadamer ou de Uin Ricoeur. 24 Assim, o paradigma hermenêutica reivindicado por Geertz se opõe à Antropologia Tradicional, ''primeiramente por uma negação radical daquele discurso cientificista exercitado pelos três outros paradigmas; em segundo lugar, por uma reformulação daqueles três elementos que haviam sido domesticados pelos paradigmas da ordem: a subjetividade, que liberada da coerção da objetividade, toma sua forma personalizada (portanto o indivíduo socializadà) e não teme assumir sua individualidade e a história, desvencilhada das peias naturalistas que atornavam totalmente exterior ao sujeito cognoscente, pois dela se esperava fosse objetiva, toma sua forma interioriz ada e se assume como historicidade. Esses três elem.entos, assim reformulados, passam a atuar como fatores de desordem daquela antropologia que os interpretativistas tendem a chamar de 'antropologia tradicional', sustentada pelos paradigmas da ordem". 25 Para Cardoso de Oliveira, interiorização do tempo não significa, então, outra coisa que a ad1nissão tácita pelo pesquisador henneneuta de que a sua posição históricajmnais é anulada; ao contrário, ela é resgatada como condição do conhecimento. Conhecimento que, abdicando de toda objetividade positivista, realiza-se no próprio ato de " tradução".26 Indica a transfonnação da história exteriorizada e objetivada em historicidade, viva e vivenciada nas consciências dos hon1ens e, por certo, do antropólogo. A CIÊNCIA DAS SIGNIFICAÇÕES Privilegio neste mo1nento refletir sobre as teorias idealistas de cultura em detrimento, por falta de te1npo, de teorias que consideram a Anos 90 13 cultura como mn sistema adaptativo (Leslie White, Marvin Harris, B. Meggers), onde de forma renovada destaca-se o trabalho de Sahlins, autor, a meu ver, de uma das mais ricas revisões críticas de teorias da cultura.27 Retome1nos a proposição de u1na antropologia social, para isto detenho-1ne na produção francesa. Na França do início deste século, depois de Durkheim·que defende a pree1ninência do fator social e que participa com seus seguidores da fundação de L'Année Sociologique e1n 1898, te1nos a constituição de programa específico da ciência etnológica, tarefa empreendida por Mareei Mauss, Paul Rivet, Lévy-Brühl, Hubert entre outros. Nasce uma nova disciplina, a Antropologia Social, tendo por especificidade de objeto o estudo das sociedades sÍlnples e por procedilnento epistemológico a perspectiva alimentada pelo método comparativo e o conhecimento etnográfico de sociedades diferentes da do pesquisador. Nesta dilnensão antropológica, o estudo do "outro" é reciprocamente o estudo de um "nós", com o objetivo de se atingir, num segundo nível de análise, uma dünensão universal. ~ Mauss recorre à noçâo de inconsciente _para 1nelhor dar conta da natureza das representações coletivas ("categorias do entendimento") e já em 1902, reco1nendava aos etnógrafos " buscar os fatos profundos, inconscientes quase, porque eles existem apenas na tradição coletiva".28 Talvez seja o conceito de fato social totaF 9 , proposto por Mareei Mauss, aquele que melhor caracteriza a abordagem antropológica ligada à prática etnográfica: "Menos a preocupação de isolar e analisar sistemas econômicos, politicos, jurídicos ou religiosos, do que o esforço de integrar todos estes aspectos em termos de práticas sociais cujas múltiplas dimensões se unificam pelo signi.ficado". 30 É esta mes1na tradição que contemporaneamente encontramos na obra de Lévi-Strauss e de Dumone 1 : " ( . . ) em mnbos as categorias do entendimento continuam a se constituir no centro das indagações antropológicas"32. Nesta tradição o "nós" segue não se referindo ao antropólogo como ator, "mas à ideologia ou civilizaçãodo mundo (ocidental) que ele representa e in.corpora, e tem como objeto primordial o estudo de uma perspectiva comparativa, de valores sociais, também definidos como ideologia ou representações". 33 Entretanto, é ern Lévi-Strauss que a Antropologia Explicativa ganha seu maior refinamento3 4 : a Antropologia colocada como mna ciência semiológica (Saussure). O antropólogo em campo toma as narrativas cmno modelos conscientes, traduções de vivências e1npíricas. Seu ·- 14 Anos 90 objetivo é alcançar a estrutura inconsciente do espírito hun1ano; das subjetividades interpretadas chega à objetividade encontrada, "onde não há variação possível: a inconsciência"35 • Por "baixo da sujetividade da consciência", Lévi-Strauss busca a "objetividade do inconsciente"36 • A cultura é definida co1no sistemas estruturais, como "um sistema simbólico que é uma criação acumulativa da mente humana"37 • A tarefa do antropólogo aqui é descobrir na estruturação dos do1nínios culturais mito, arte, parentesco e linguagem- "os princípios da mente que geram essas elaborações culturais". 38 Lévi-Strauss formula autrement uma nova teoria da unidade psíquica da humanidade, uma etnologia comparável à astronomia: u1na observação a partir do exterior39 • A metáfora é usada para sugerir mna distância que separa o olhar do objeto sobre o qual repousa. Apesar de a intenção do olhar não ser questionada, tampouco a natureza apreendida do objeto, essa abordage1n evidencia mna pretendida relação de objetividade entre ambos. A distância, a manipulação de u1n 1nétodo, não influencia eventuais transformações ocorridas no objeto, nem altera sua natureza.40 Mas o 1nergulho ortodoxo no estrúturalis1no lévi -straussiano a porta dificuldades ao trabalho antropológico no que se refere ao ''privilegiamento da razão analítica em detrimento, quase uma anulação, da razão dialética"41 e à supre1nacia do tno1nento sincrônico. O "rigor formal exigido pelo estruturalismo" afasta-se da história, "sacrifica o particularismo, a multidimensionalidade revelados pela pesquisa empírica voltada para grupos atuantes". 42 Cmno elucida Cardoso de Oliveira, era preciso encontrar na história dos contatos entre sociedades e na própria história da disciplina os lünites e as eficácias na construção do conhecimento antropológico. 43 É aqui que entra a últüna peça deste bric-a-brac de paradig1nas. A proposta interpretativa do runericano Geertz coloca a Antropologia próxima de utn antigo casamento: a história. Em suas obras A interpretação das culturas e O conhechnento local, o autor acentua não só o encontro intersubjetivo (pesquisador/infonnantes) 1nas també1n o contexto do encontro histórico e1n si e a construção da narrativa, o trabalho artesanal das etnografias (estas são ficções no sentido de "algo feito", "algo construído"44 ). Segundo os pressupostos de Geertz, "é o sentido que proporciona um entendimento sobre o mundo, e a racionalidade é apenas uma expressão desse entendimento. A racionalidade, também ela, está mesmo inserida dentro de um ponto de vista. Assim, só há racionalidade se houver sentido. A racionalidade, também é uma racionalidade-para". 45 . Anos 90 ~ - 15 Ao contrário de Lévi-Strauss, para Geertz, "os símbolos e significados são partilhados pelos atores (os membros do sistema cultural) entre eles, mas não dentro deles. São mais públicos que privados. Estudar a cultura é portanto estudar ~ ~ m código de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura"46 ; { ,[erpretá-lo e não decodificá-lo, como propõe L évi-Strauss. Geertz não busca as estruturas profundas e permanentes do pensarnento humano; busca interpretar "como pensamos atualmente" e reivindica mna etnografia do pensamento moderno: "uma tentativa não de exaltar a diversidade, mas de tomá-la seriamente em si mesma, como um objeto de descrição analítica e de reflexão interpretativa". 47 Se com a Antropologia Estrutural de Lévi-Strauss, temos "uma codificação de leis regulares"48 , ern Geertz "o conhecimento obtido resulta na compreensão de um evento, que não tem na influência das leis sua explicação. Se o conhecimento estruturalista tem pretensão à universalidade objetiva, o interpretativista adota um ponto de vista e assume uma intersubjetividade".49 Se mn é explicativo, o outro é compreensivo. E neste caso a Antropologia nãÕ aparece cmno urna "ciência da alteridade" pela construção de um discurso sobre o oütro, rnas de mn diálogo com o outro, caracterizando urna Antropologia reflexiva, dialógica. 50 Mas assün como Lévi-Strauss, Geertz vai beber na fonte da Teoria dos Significados (Semiologia e Serniótica). 51 Ern Geertz a Antropologia é compreensão52, e a cultura (serniótica) é "uma teia de significados" (no que se inspira ern Weber), "um complexo jogo de interpretações e contra-interpretações, possíveis porque intérprete e interpretado comungam os mesmos mundos de sentidos, que produz tal 'teia' "53 • Embora se inspire ern Weber, ao contrário deste para Geertz "a ação social é o pressuposto do sentido, seu lugar. Não há sentido sem ação"; não é de se estranhar portanto que hoje Geertz proponha uma Antropologia hermenêutica. 54 A Antropologia de Geertz não se opõe radicahnente ao trabalho de Lévi-Strauss. Esta consciência hennenêutica reinvindicada por Geertz "consolida-se exatamente na interação dialética entre explicação e compreensão, num vaivém entre elas que pressupõe a superação de ambas numa hermenêutica que as ultrapassa". 55 Azzan Junior critica em Geertz, que hermenêutica e empirismo, se confundern na Antropologia56 • Cardoso de Oliveira, por sua vez, pergunta se "consciência hermenêutica na Antropologia pós-moderna" não estaria nos levando para os limites da ciência cmn a filosofia? Ou ainda, do cientificisrno ao humanisrno? Ou ainda, nos deslocando- cmno antro- 16 Anos 90 ~ - • • pólogos- da explicação causal ou funcional-estrutural para a compreensão de sentido? 57 Acrescento mais mna crítica, a de Michael M. J. Fischer, que avalia que a "estética do insightfragmentário (..)é uma forma de crítica salutar e atenta e tem um efeito renovador ao trazer de volta o prazer de explorar e descobrir". Mas, etn última análise, segue ele, "é insatisfatória porque deixa de responder àquela obrigação para com o lado cientifico, sistematizante e generalizante da empresa antropológica".ss Apesar dos liinites deste "enxerto do problema hermenêutica na disciplina", pode-se apontar utn ganho, visto que "graças ao exercício contínuo da suspeita (da teoria, do autor, da exclusividade do conhecimento cientifico, etc), uma perspectiva crítica sistemática sobre as diferentes modalidades de saber" vem sendo introduzida na Antropologia totnando-a "uma disciplina sensível não apenas à relatividade de culturas outras que a do pesquisador mas também às 'culturas ' interiores às disciplinas, isto é, aos seusparadigmas: Finalmente tornou a questão epistemológica um problema de consideração inevitável para qualquer investigação etnográfica que se pretenda contemporânea e consistente com a atualidade daAntropologia". 59 . NOVA ANTROPOLOGIA OU NOVIDADES NA ANTROPOLOGIA? A nova etnografia Importa agora falar um pouco sobre o que tem se autodenominadado de uma nova antropologia. Inicie1nos pela chamada nova etnografia (Willirun Sturtevant, W ard H. Goodenough), que surge nos Estados Unidos no início dos anos 80. O interesse recai sobre as várias "abordagens formais da análise de materiais etnográficos - etnociência, etnossemântica, análise componencial etc".6 0 A nova etnografia problen1atiza questões em torno do método etnográfico, da prática de crunpo, apoiando-se sobre mna reflexão conceitual da " relação entre a linguagem, as regras cognitivas, os princípios e códigos, por wn lado, e os padrões de comportamento e organização sociocultural, por outro lado". 6 1 Ao contrário de LéviStrauss e mesmo de Geertz, a nova etnografia aceita simplesmente "os modelos conscientes de uma comunidade", forma reducionista de afirmar que "os significados estão na cabeça das pessoas"62 • Seu objetivo imediato é de ''tentar eliminar ou, ao menos, neutralizar, as Anos 90 17 tendenciosidades potencialmente distorcidas do etnógrafo"63 voltandose apenas para as categorias dos informantes (em i c) e1n detrimento das categorias do antropólogo (etic). Isto é, "tornar a descrição etnográfica mais acurada do que fora, presumivelmente, no passado". Goodenough chega mes1no a propor uma separação entre ser etnógrafo descritivo e ser etnólogo comparativo. Fonnulação inaceitável pela academia clássica em vários aspectos, sobretudo por apoiar-se, a Antropologia, na constante inter-relação entre os conceitos e princípios da disciplina e suas investigações empíricas e por entender o método antropológico composto por estas duas práticas como "mon1entos distintos mas complementares, cuja união permite apreender o que Mauss denomina o 'fato social total ' (1. a apreensão da significação do comportamento dos indivíduos; 2. a transposição desta vivência nos termos de uma compreensão objetiva). " 64 Ou então, para parafrasear Sahlins, o estudo da cultura visto "não silnplesmente mediando a relação humana com o mundo através de uma lógica social de significação, mas compreendendo através daquele esquema os termos objetivo e subjetivo relevantes da relação. " 65 • ... . Com certeza a nova etnografia pôs e1n_ cena a iinportância de reavaliar-se o método tradicional da Antropologia, historicizando o próprio método e criticando algu1nas linhas analíticas de forte generalização.66 Pode-se dizer, no entanto, que houve um 1nergulho exagerado nas categorias enúc, -colocando-se nos limites de um método analítico esotérico ou paramentai. Afmal, "ninguém tem acesso direto à mente de qualquer pessoa. Portanto a etnografia é tarnbé1n, e1n última análise, inferências traçadas pelo etnógrafo- elas são as suas concepções do que deveriam ser as concepções dos informantes"67 , a interpretação de interpretações, co1no nos ensina Clifford Geertz, ou uma das leituras possíveis do social, co1no nos ensina Lévi-Strauss. Ou, ainda, somos todos inevitavelmente co1nparadores, ensina a pre1nissa antropológica, e isso significa que o etnógrafo " te1n que empregar categorias de pensamento traçadas da antropologia e não exclusivaTnente do informante nativo " 68 . Etnografias realistas e pós-modernas, Antropologia do texto, da retórica, da crítica. Por uma pós-Antropologia? Os mais recentes ruídos vêm igualmente do questionamento da pesquisa de ca1npo e da construção do texto etnográfico tomando ora as tonalidades de mna antropologia interpretativa, ora de u1na antropolo1 8 Anos 90 gia crítica, dialógica, alegórica, pós-moderna etc. Segundo Cardoso de Oliveira: Tais estudos (..)partem do paradigma hermenêutica, cujo núcleo está na própria noção de Comprender (Verstehen), independentemente das diferentes modalidades de apreensão etnográfica - elas mesmas destinadas a se constituirem em verdadeiros 'experimentos ' ( . .) onde a intersubjetividade, a individualidade e a historicidade passam a ser exercitadas pelo pesquisador. 69 A repercusão das posturas henneneutas (pós-modernas) foi tanta que pode-se falar em um movimento, sendo no entanto falso pensar-se em uma postura homogênea - este proposto "movimento" é marcado pela heterogeneidade de posições, o que o próprio título deste item denunCia. A proposta 1nais cotnuin é a de "escrever etnogra.fias tendo como modelo o diálogo ou, melhor ainda, a polifonia. " 70 Os "metaetnógrafosm1 (Geerti,'Rabinow) quere1n chmnar a "atenção para o fato de que a maneira como se faz etnografia/pesquisa de campo está intimamente ligada à forma como se escreve, como se constrói etnogra.fias em textos. Assim, estão intimamente relacionados na construção etnográfica a pesquisa de campo (incluindo, naturalmente a escolha do objeto), a construção do texto e o papel desempenhado pelo leitor"72 • O certo é que a etnografia é um exercício reflexivo. A novidade consiste em pensar sujeito, objeto e contexto co1no uma totalidade e em avaliar o contexto no qual ocorre1n estas preocupações e se produze1n as etnografias. De acordo cmn Caldeira: Nesta visão, 'cultura ' é sempre algo relaciona!, uma inscrição de processos comunicativos que existem, historicamente, entre sujeitos em relações de poder ( ... )13 • A ênfase é nos ele1nentos do encontro intersubjetivo historicizado (o contexto em que são produzidos também é historicizado), e aqui a postura teórica do etnógrafo é visível, suas tendenciosidades culturais são trabalhadas e o seu papel participante está explícito: ( ... )não se trata de um presente definido pela narrativa histórica, mas sim pela memória, as suas próprias narrativas e traços, uma 'arte de memória' que é sinônimo com o processo fragmentado da construAnos 90 19 ção de identidade num local- um presente cujas formas sociais específicas são dificeis de serem captadas ou até de serem, vistas de forma etnográfica - e que por isso coloca outra problemática a ser explorada na produção de obras modernistas. 74 Mas quem é esta "turma do batulho"? E de onde partem estes no.. vos sons "polifônicos" e ditos pós-modernos? Localiza-se a oficialização deste movilnento no Seminário realizado e1n Santa Fé Novo México, em 1984, do qual participaram, entre outros, Jmnes Clifford, Mary L. Pratt, Vincent Crapanzano, Renatp Rosaldo, Stephen Tyle, Talal Asad, George Marcus, Michael Fischer,'Paul Rabinow etc. Entre eles, George Marcus e Michel Fisher defende1n a disciplina como "crítica cultural e o fazem num momento experimental das ciências humanasm 5 , como prefere1n classificar o período atual da Antropologia cultural mnericana. Diz Trajano: É exatamente a partir de uma elaboração crítica da noção de cultura como texto que temas tais como a autoridade científica e etnográfica, a crise da representação, recursos retóricos e fazer etnográfico, diálogo e polifonia, poder e dominação, entre outros, são objetos de reflexão na obra de Clifford e Marcus in Writing Culture. 76 E Geertz como se posiciona nesta polê1nica? Incorporado à Antropologia Interpretativa, Geertz é criticado pelos "pós" (Dwyer, 1979, Crapanzano, 1986) por limitar o aspecto dialógico e situacional da interpretação. A reflexão 1naior cai sobre o aspecto artesanal da construção etnográfica, "'abrindo-se espaço para criações e construções literárias que independem de definições do que seja arte, literatura, ciência ou história". 77 Como le1nbra Peirano: Neste contexto, a linguagem volta a merecer uma atenção especial. De novo, é preciso lembrar que a dimensão literária nunca esteve ausente da antropologia, como atestam os trabalhos de autores clássicos, de Malinowski e Bateson a Lévi-Strauss e Geertz. No entanto, a questão da <fiteraridade 'da antropologia e, especialmente, da etnografia é hoje mais que uma questão de estilo.78 Sem querer formar escola, estes antropólogos buscmn romper com "o positivismo científico, com as diversas formas de reducionismo e com o empirismo ingênuo", assumindo a "defesa de uma postura 20 Anos 90 r---------------------------- humanista para o fazer antropológico e do caráter provisório e parcial de toda análise cultural"79 , onde a função de uma etnografia modernista se coloca sobremaneira cmno a de fazer "uma crítica cultural" 80 • O que perpassa em todos estes autores da nova Antropologia é assim sintetizado por Peirano: 1°) ((A dimensão literária que diz respeito à 'constituição dos objetos culturais, às maneiras com que fenômenos coletivos são configurados ( ..) e às formas com que estas configurações fazem sentido em determinadas formas de leitura' " 81 • 2 °) "A noção de 'observação participante ' é complexificada pela questão do 'confronto etnográfico ', onde a pesquisa de campo resulta em um diálogo, e é nesta dimensão dialógica que o texto antropológico é dimensionado ". 82 Dir-se-ia que são requisitos para uma etnografia modernista: a) revelar uma ~tiude experiinental transposta na análise e na elaboração do texto, tanto no relato experiências reflexivas explicitadas pelo autor co1no no processo de explicar cmno a estrutura se articula corn as experiências culturais específicas; b) a especificação de como o global se articula co1n o local ou de co1no se exprime atuahnente, como as identidades se fonnam na simultaneidade da relação entre níveis de vida e organizações sociais ("isto é, a co-existência (..) do Estado, economia, mídia internacional, cultura popular, região, do local, contexto transcultural, do mundo do etnógrafo e dos seus sujeitos tudo ao mesmo tempo"). 83 Trajano Filho organiza e1n quatro tópicos, a produção deste grupo&4: 1°) denúncia e desrnistificação do estilo realista das etnografias clássicas, focalizando temas como a constituição da autoridade do autor da etnografia e os recursos estilísticos utilizados para tal (Pratt, Crapanzano e Rosaldo ); 2°) reflexão sobre as possibilidades e os limites do conhecimento antropológico contemporâneo e por sugestões de caráter mais geral e teórico o alargamento destes lünites (Clifford e Tyler); 3 °) exame de formas concretas e existentes de experünentação em etnografia (Marcus e Fisher); 4 °) relação entre o experünentalistno e as condições de poder e dominação (Asad, Rabinow e a conclusão de Marcus). Estes estudiosos, na opinião de Trajano Filho, advogmn "uma conAnos 90 2.1 cepção abrangente para a etnografia, uma dimensão ética para o fazer antropológico e uma ênfase nas instâncias especificas do discurso; em vez do foco na representação do mundo" . Continua-se a incentivar a experimentação na construção das etnografias, ''propondo o modelo do diálogo que sempre conduz à explicitação das diversas vozes que falam e do contexto dasfalas" .85 Etn acréscimo: ( . .) a alternativa modernista de 'voz ', no sentido de aceitar a montagem de polifonia como simultaneamente um problema de representação e de análise, provavelmente tem tanto a ver com as mudanças de ética no emprendimento etnográfico como com uma insatisfação no que se refere à análise estrutural de fenômenos culturais. 86 Neste contexto, aintersubjetividade concretizada na experiência de campo reflete uma nova dünensão comparativa, a preocupação com u1n "nós": "não se desenvolve como perspectiva teórica, mas como resultado político da pesquisd'87 • Não se trata apenas de "ler" e " traduzir" um corpus estável de símbolos e significados, cmno. nos sugere Lévi-Strauss, ou interpretar as interpretações, segundo Geertz, "adere-se agora a uma definição de cultura temporal e emergente, na qual os códigos e representações são suscetíveis de serem sempre contestados" 88 • Daí surgem duas conseqüências, aponta Peirano: 1. "a primeira, que a etnografia passa a s er vista como tarefa experimental e ética J}; 2. "a segunda, que o leitor deixa de lado sua atitude passiva e é visto como necessariamente implicado no projeto de construção etnográfica. Quer aceitando, rejeitando, ou modificando a percepção do ·antropólogo, o leitor tem que se unir ao diálogo (Dwyer, 1979; Clifford, 1986) ". 89 Segundo Marcus, na etnografia realista ou modernista (em direção a pressupostos 1nodernistas sobre a organização da realidade social contemporânea), três requisitos tratam da construção dos sujeitos de uma etnografia: espaço, tempo e perspectiva ou voz. Além disso, três requisitos dão conta das estratégias para estabelecer a presença analítica do etnógrafo no seu texto: o diálogo adequado de conceitos analíticos (onde se privilegiam autobiografias, que melhor permitem avaliar as experiências históricas " carregadas na memória e que determinam a for- 22 Anos 90 ma de movimentos sociais contemporâneos"), a bifocalidade e a justapósição crítica das possibilidades. 90 Considera Marcus o caráter bifocal da pesquisa etnográfica, "um caráter que é ressaltado pelo significado modernista do real - que o mundo geralmente e intimamente está se tornando mais integrado, e que isto paradoxalmente, não está levando a uma compreensão mais fácil da totalidade, mas muito pelo contrário, a uma diversidade cada vez maior das ligações entre os fenômenos, antigamente concebidos como dísparos e pertencendo a mundos diferentes". 91 Nos fóruns atuais da Antropologia brasileira as reflexões e críticas aos pós-modernos é tema de peso, como pudemos perceber nos posicionamentos aqui citados de Mariza Peirano, Tereza Caldeira, Trajano Filho etc. Como mostra Caldeira, " os pressupostos de que partem os pós-modernos nascem da crítica ao uso das convenções clássicas, inspiradas pela teoria que concebia as culturas como totalidades e pela construção da experiência de campo segundo os requisitos de cientificidade". 92 . No entanto, està pÓs-antropologia, ou antropologia auto-reflexivá, ''preocupada ao extremo com a constituição e a construção de etnografias, tem abdicado de ver no antropólogo, no informante e no leitor atores sociológicos. Tem abdicado, assim do importante aspecto da auto-reflexão teórica e histórica da disciplina" . Como sugere Peirano, "sem negar a importância da problemática do encontro etnográfico em si, somente a inclusão de um questionamento num contexto teórico mais amplo poderia, em última instância, abrir espaço para um diálogo maior entre os praticantes da disciplina. Este tipo de diálogo implicaria combinar os problemas do encontro etnográfico, a construção de etnografias e a reflexão teórico-sociológica". 93 Continua esta autora: ( ..) é justamente aqui que a questão sobre uma reflexividade da antropologia sobre si própria em termos sociológicos e históricos se torna necessária. Porque, se uma antropologia (teoricamente inspirada' pode não atingir leigos, uma antropologia-para-leigos pode ainda se considerar antropologia? Esta é uma questão que justamente uma nova concepção etnográfica deveria resolver.94 Como diz Trajano Filho, este "barulho" todo ve1n de uma academia americana e1n crise com problemas na produção da demanda. Temos sempre que perguntar até onde chegaram os pós-modernos e, lembra ainda o autor, apesar dos pós-modernos apontare1n para questões gerais de AnAnos 90 23 tropologia, o mais realista é afirmar sobre a existência de Antropologias, aquelas feitas no Brasil, na India, no México etc, e que estas não são exatamente idênticas e não dividem as mesmas questões daquela feita na América do Norte95 . · Tereza Caldeira avalia um aspecto importante, os pós-modernos recolocam em discussão a dimensão política e de crítica cultural. Mas, denuncia a autora, a discussão se limita à política do texto, assinalando a ausência de discussões sobre o contexto político em que se dá o processo de construção etnográfica e a avaliação da construção: As alternativas são basicamente textuais: referem-se a como encontrar uma nova maneira de escrever sobre culturas, uma maneira que incorpore no texto um pensamento e uma consciência sobre seus procedimentos. 96 As críticas surge1n, aliás, da própria avaliação de pós-modernos como Rabinow: ..... (..)para Rabinow, a discussão textual nunca vai se sustentar por si só. Ela deveria estar aliadá á uma análise como a que é feita por Bourdieu (1983) e que tenta localizar autores em instituições num campo epistemólogico e de poder, com estratégias próprias e marcado historicamente. Deveria estar também associada a uma análise inspirada em Foucault, que tentasse analisar as relações de poder que definem quais enunciados podem ser aceitos como verdadeiros em cada momento. A discussão textual seria ainda insuficiente, na perspectiva de Rabinow, por não incorporar uma análise sociológica que estabeleça as mediações entre, por exemplo, as críticas ao colonialismo realizadas em um nível macro e os experimentos textuais. O que estariafaltando, em suma, seria questionar a academia americana nos anos 80 e seus jogos de poder. Até hoje, contudo, os pós-modernos parecem não ter se atrevido a isso. 97 Assün a diinensão política da crítica antropológica não se limitaria a mna apreciação das condições de produção do conhecilnento, coloca-se a possibilidade da antropologia vir a realizar u1na crítica cultural das sociedades que estuda e mes1no das sociedades dos antropólogos 98 • De fato, penso que este vasto panormna aqui resmnido não faz mais que mostrar a dinâ1nica de abordagens e perspectivas, nem sempre complementares, das diversas maneiras do fazer antropológico. Limites 24 r Anos 90 e "furos" existe1n, mas acredito que Marcus tenha razão ao dizer que o estudo do 1nodemo ou da tnodernidade, da organização da realidade social contemporânea, "exige um quadro de referência diferente, a consciência disto é o que tem ocupado tanto tempo na teoria social do século xx; ela mesma um projeto de auto-identidade que ainda não se completou ou que talvez não seja possível completar". 99 UM POUCO DOS REFLEXOS DA TENSÃO DE PARADIGMAS MARCANDO A ESPECIFICIDADE DA ANTROPOLOGIA NO BRASIL Não disponho de muito tempo para cmnentar sobre cmno percebo uma Antropologia brasileira na atualidade cmno lhe seria justo. No tníni. 1no um breve roteiro de sua trajetória deveria aqui ser perseguido. Me lünito a retneter ao roteiro de Julio Cezar Melatti, publicado no BIB n° 17. Só me resta discorr.errapidamente sobre alguns aspectos que vêm ao encontro dos textos de análise crítica citados no itetn anterior. 100 Penso que no Brasil os ünpasses quanto à adesão à prática tradicional antropológica da pesquisa etnográfica (tanto na tradição funcionalista, quanto na históricc -culturalista) integrando-a e concebendo-a e1n novos esquetnas interpretativos não positivistas formn rapidamente assimilados, pois respondiam a utna detnanda impotiante dos estudos antropológicos locais buscando tratar de um país con1plexo e heterodoxo, marcado pela dialética do tradicional e 1nodemo. Em grande parte as tentativas de saldar este etnbaraçmnento vêtn sendo buscadas de fonna saudável na tnultidisciplinaridade. Seja fazendo pesquisa no mundo indígena, no mundo agrário ou na cidade, o encontro etnográfico é discutido e rediscutido a partir de diferentes prismas antropológicos, por si só já interdisciplinares, mas nmn recurso a tneu ver constante com a sociologia, psicanálise, história, política, tnacro e micro economia etc. Etn grande medida a qualidade da nossa Antropologia se reflete não só na diversidade de tetnas, tnas tambétn no fato de a produção acadêtnica, e1n grande parte, não se radicalizar etn um tnétodo, ou em mna teoria antropológica, experienciando instrumentos tnetodológicos e teorias sob mna ótica interdisciplinar tnais ou 1nenos eficaz para o estudo de problemas brasileiros. Assim é que Da Matta pode estudar tanto os índios Apinayé aplicando o tnétodo estruturalista, cotno o carnaval carioca, quando busca recursos analíticos nas diferentes disciplinas hmnaníticas (política, sociologia, antropologia, na filoAnos 90 25 sofia e mesmo na literatura) e Roberto Cardoso pode relacionar o Inundo indígena ao mundo dos brancos, propondo pensar as relações entre etnia e classe social como uma "fricção interétnica" (influência do materialistno histórico), avançando a então já lünitada busca de explicações difusionistas, culturalistas e :ftmcionalistas. Tanto fazendo antropologia no meio indígena como na cidade, pode-se sugerir que no Brasil, boa parte das produções antropológicas, durante a década de 70 e 80, buscam não só captar totalidades sócioculturais e desvendar sistetnas de significados num sentido sócio-antropológico, mas relacionar a estes enfoques os processos de produção histórica e a dinâtnica vinculada a estrutura de poder. Busca-se "desconstruir" concepções obsoletas sobre a sociedade brasileira através de uma revisão crítica ao funcionalis1no positivista, elaborada primordialmente pelos sociólogos e incorporada pelos antropólogos (Durhan, Sigaud, Cardoso de Oliveira, Caldeira, Zaluar, Leite Lopes, Velho, Da Matta, Dias Duarte, Carneiro Cunha etc). O estudo antropQ.lógico no Brasil e1n geral nasce de uma experiência etnográfica interpretativa e não r.aro da construção de uma crítica cultural (critica "à ênfase no entendimento das culturas nos seus próprios termos e o distanciamento dos contextos culturais" 102 ). No que diz respeito aos estudos na cidade, a ênfase maior recai sobre os temas de cultura popular, etnia, religião, identidade, gênero, fmnília, sociabilidade, territorialidade etc, salientando as representações "interpretadas". Menos do que explicados, são interpretados. As representações são aqui vistas como sistemas sünbólicos, cabendo ao pesquisador cotnpreendêlos na interioridade de catnpos setnânticos identificáveis nas dimensões não de uma exclusiva subjetividade, tnas de utna intersubjetividade. 103 Pode-se avaliar (correndo-se sempre algmn risco) que a produção antropológica dos últünos dez anos te1n buscado superar este impasse de não passar unicatnente uma visão colada à realidade imediata e à experiência vivida das populações pesquisadas, procurando apreender o modo pelo qual os fenômenos estudados são produzidos, incluindo a contextualização da construção de experiência etnográfica e o produto final da etnografia.l 04 É aqui que a aproxhnação cmn a história é fundamental para a Antropologia brasileira. Penso, como Durhan, que o trabalho etnográfico é extretnamente rico, mas não pode1nos nos contentar e1n reconstruir as sotnbras que essa história projeta na consciência dos homens (referindo-Ine aos estudos de representação). Devemos, sün, apreender a relação entre ação e representação, "relação que permeia necessariamente r-~ 26 ~ ~- Anos 90 toda a discussão sobre a natureza da dinâmica cultural(..) desse modo, a prática social adquire forma e sentido, mas não é estritamente determinada, admitindo-se todo um espaço de arbítrio, criatividade, improvisação e transformação". 105 Acredito que em grande parte o expressivo consumo da produção antropológica deveu-se ao rico desvendmnento da situação de vida de brasileiros, tendo também uma força política de denúncia e de negociação por um maior reconhecimento humanitário por parte das estruturas de poder de grupos econômica e politicmnente desfavorecidos. Isto porque a Antropologia no Brasil iniciou uma tradição que não está de todo superada, a de elucidar as visíveis e incompreendidas contradições de um país terceiro mundista mas moderno, etnicamente 1núltiplo e idealmente branco, políticamente de1nocrático e socialmente injusto, um país que se quer sério e vanguardista obrigando a maioria a rir dos infindáveis erros éticos de políticos ou sugerindo a passividade frente a crimes humanitários. A Antropologia, como outras áreas afms, tem se instru1nentalizado justcunente para dar conta desta realidade ao mesmo tempo específica e dialeticmnente proquzida nmn âmbito internacional. PETITE FINALE Os limites rondam as técnicas e teorias antropológicas que jazem na observação do comportmnento, na interpretação do vivido, na transcrição de práticas culturais. Propõe-se a constante busca de um esforço interdisciplinar, para ver alé1n do circunstancial e analisar as forças subjacentes que dão forma as cotidianidades vividas, elucidando sobre as estruturas profundas, os sistetnas de significado, as forças contraestruturais que colocam as pessoas e1n certas relações entre si, a criatividade humana. A Antropologia brasileira tem produzido seu conhecimento a partir dos paradigmas que assinalei, buscando na enriquecedora tensão destes paradigmas, abrir um espaço salutar de negociação por lentes teóricas apropriadas para interpretar a situação brasileira na modernidade que ainda "não se esgotou" 106 • Talvez esteja exagerando na minha positividade, mas reivindico como tarefa, aqui, o exercício de uma certa sedução antropológica. Quanto à proposta dos intelectuais ditos pós-modernos, com uma etnografia modernista, não é tanto e1n tomo de discutir se estão corretos ou não, se estão utilizando os termos corretos ou não, que penso que Anos 90 27 - - - - - - -- - - .. . · - ·--- - devemos concentrar nossos esforços, 1nas e1n dünensionar os aspectos críticos que estes autores apontam, a respeito de referenciais teóricos e, sobretudo, a respeito de u1na ética que recoloca em questão "contradições embutidas na pesquisa e elaboração de etnografias·" e "que tornam o etnógrafo vulnerável a u1na parte critica da sua própria ética''J.107 E1n acréscüno, concordo co1n Cardoso de Oliveira quando diz: "( . .)a mim me parece que tal tensão, que nos dias atuais é a característica maior de nossa n-zatriz disciplinar, já é em si mesma um índice eloqüente de sua n-zodernidade'' 108 • Por fim, não se trata de destruir utna ordem científica estabelecida, tnas "desconstruir" 109 a orde1n para tnelhor avaliar nossos papéis na construção de utna te1nporalidade mais hutnanitária. NOTAS E REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. CALDEIRA. 1988. p_. 133. . · CLIFFORD, James:t986. p. 4. Apud PEIRANO. 1985. p. 252. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p.'15. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 15. Agradeço à Fapergs o financiamento de passagem para participação deste evento científico. 6. SAHLINS. 1988 p. 53. 7. SAHLINS. 1988. p. 49. Sahlins refuta uma teoria do sistema tnundial. "Utna história do sistema mundial deve, portanto, descobrir a cultura mistificada no capitalismo" . In: SAHLINS. 1988. p. 49. 8. "(... ) o relativistno cultural, ao marcar a diferença entre as culturas, ao enfatizar a unidade de cada uma delas e a impossibilidade de que uma fosse avaliada etn função dos valores e da visão da outra, acabou paradoxaltnente -dificultando que os antropólogos trabalhassem com o fato da diferença de utna maneira que não fosse para acentuar a distância entre as culturas. As diferenças acabaram sendo tão marcadas que ficou cada vez mais difícil fazer co1n que utna cultura falasse a outras em termos críticos." CALDEIRA. 1988. p . 140. 9. "O tema fundador neste itinerário da história da Antropologia é o Homem, sua origem, suas práticas culturais e expressões sociais, nun1 sistema progressivo promovido pelo sentiinento de propriedade que aparece na obra de Morgan, por exemplo, etn 1877 (Sociedade prhnitiva) nas suas pressuposições sobre a consangüinidade e sistetna de filiação''. AUZIAS. 1976. p. 29 10. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. 11. Para Mauss, o método antropológico consistia etn explicar " o que as pessoas crêem e pensa1n, e quais são os que crêetn e pensmn". LEVI-STRAUSS. In: MAUSS. 1985. 28 Anos 90 12. Nesse contexto "o outro e a sua cultura eram distanciados e definitivamente apresentados como diferentes. A diferença não era mais de estágios de evolução, mas de perspectiva. O ponto de vista nativo, ao se reproduzir o seu contexto específico, não poderia mais ser incorporado ao da cultura do antropólogo e de seus leitores. No máximo, os pontos de vista poderiam ser justapostos pelo antropólogo, este ser privilegiado que se movimenta entre dois mundos, que conhece o estranho, descobre seu caráter corriqueiro, e traduz essa perspectiva diferente para os leitores de sua própria cultura. A partir de Malinowski, os antropólogos têm que criar em seus textos uma consciência sobre a diversidade do mundo. Eles têm que criar uma 'ficção persuasiva' (Strathem 1987) sobre um outro que é radicalmente diverso". In: CALDEIRA. 1988. p. 140. 13. SAHLINS. 1979. p. 10. 14. "Culturas eram totalidades que deveriam ser recompostas pelo antropólogo e descritas como tais, embora não se apresentassem à experiência dessa maneira". CALDEIRA. 1988. p. 137. 15. Para construir uma realidade holistica, as etnografias clássicas usaram "uma série de convenções textuais: Marcus e Cushman (1982) apontam nove delas: 1) nas etnografias clássicas o texto está em geral estruturado seqüencialmente, apresentando as unidades nas quais considerava-se que as culturas (ou sociedades) estavam divididas. 2) O antropólogo, para garantir a cientificidade e a neutralidade de seu texto, retirava-se do texto. Simples observador, não usa a primeira pessoa ( ... ), mas expressa sua autoridade em wna 3° pessoa coletiva( ... ). O resultado desse seu afastamento do texto ( ... ) é paradoxal, já que a legitimação da autoridade depende também da exposição da experiência do antropólogo. 3) Essa exposição é relegada a posições marginais no texto, como apêndices, prefácios, notas de rodapé etc, e é acompanhada da publicação de fotos, mapas e desenhos, que reafumam o sentido de realidade e a presença do antropólogo no lugar pesquisado. 4) o indivíduo não tem lugar na etnografia realista: fala-se do povo em geral, ou de indivíduos típicos. 5) para enfatizar o caráter de realidade das vidas retratadas, acumulam-se detalhes da vida cotidiana. 6) pretende-se apresentar não o ponto de vista do antropólogo, mas o ponto de vista nativo, idéia que se assenta no pressuposto de que esse ponto de vista existe pronto para ser representado no texto. 7) apesar de cada trabalho de campo ser muito específico, nas etnografias tendeu-se a generalizações; o que era particular rapidamente vira típico, e assim se distancia a experiência de campo (sempre particular) do texto. 8) usa-se o jargão exigência científica. 9) faz-se a exegese de termos e conceitos nativos ( ... ) e reafirma-se a competência lingüística do antropólogo." CALDEIRA. 1988. p. 138. 16. LEVI-STRAUSS. In: MAUSS. 1985. 17. LEVI-STRAUSS. In: MAUSS. 1985. 18. Estes paradigmas "sobrevivem, vivendo um modo de simultaneidade, onde Anos 90 29 todos valetn a sua maneira (própria de conhecer), à condição de não se desconhecerem uns aos outros, vivenciando wna tensão da qual( ... ) nenhum dentre nós pode se furtar de levar em conta na atualização competente de sua disciplina e de seu ensino". CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 23. 19. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 15. 20. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 19. 21. Geertz (tb. em D. Schneider) considera a cultura como siste1nas simbólicos, "não um complexo de comportamentos concretos mas um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras para govemar o comportamento"; para isto "refuta a idéia de uma forma ideal de homem, decorrente do iluminismo e da antropologia clássica, ( ... ) e tenta resolver o paradoxo( ... ) de uma imensa variedade cultural que contrasta com a unidade da espécie humana" . LARAIA. 1987. p. 63. 22. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 19. 23. "O paradigma subjacente a essa 'antropologia interpretativa' pode ser chamado de hennenêutico." CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 97. 24. "A fusão de horizontes implica que na penetração do horizonte do outro, não abdicamos de nusso próprio horizonte. Assutnimos nossos preconceitos. ( ... )É somente nesta tensão entre .o outro e eu mesmo, entre o texto do passado e o ponto de vista do leitor que o preconceito se toma operante, constitutivo da historícidade:',. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 21. 25. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 97. 26. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 97. 27. Sahlins to1na corno "qualidade distintiva do home1n não o fato de que ele deve viver num mundo material, circunstância que co1npartilha com todos os organismos, mas o fato de fazê-lo de acordo com um esquema de significado criado por si próprio, qualidade pela qual a humanidade é única". É a cultura que constitui a utilidade; ton1a por qualidade decisiva da cultura "não o fato de essa cultura poder conformar-se a pressões materiais, mas o fato de fazê-lo de acordo com u1n esque1na simbólico definido, que nunca é o único possível". SAHLINS. 1975. p. 8. 28. "Para Mauss, a noção de inconsciente parecia indispensável para explicar não apenas a categoria, mas igualmente o costwne, os hábitos em geral". CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 38. 29. Uma vez "que dizer que o fato social é total não significa apenas que tudo o que é observado faz parte da observação, mas também, e principalmente, que em uma ciência em que o observador é da mesma natureza que o seu objeto, o observador é , ele mestno, parte de sua observação". LEVISTRAUSS. In:.MAUSS. 1985. p. 16. 30. DURHAN. 1974. 31 . " ( ... ) no que é seguido por D1.unont que à semelhança de Mauss, agrega a ditnensão do inconsciente aos ' elementos de base da ideologia'" CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p . 45. 30 Anos 90 32. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 45. 33. PEIRANO. 1985. p. 261. 34. "Ele trabalha privilegiadamente o nível da sintaxe". AZZAN JUNIOR. 1993. p. 41. 35. AZZAN JUNIOR. 1993. p. 52. 36. AZZAN JUNIOR. 1993. p. 52. 3 7. O estruturalismo "contribui para recolocar a Ílnportância da dimensão simbólica da vida social, pelo biais do conceito de estrutura que se coloca no próprio cerne dos fenômenos culturais, pois implica o reconhecimento de uma lógica própria da produção simbólica''. DURHAN. 1984. p. 9. 38.LARAIA. 1987. p. 62. 39. "O pensamento é 'coisa social' (não à maneira durkheiminiana como algo exterior ao antropólogo) e deve ser empiricamente levado a efeito pela via da interpretação; essa 'coisa social' é transcrita no horizonte do sujeito cognoscente"'. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 21. 40. "Por outro lado, a metáfora tmnbém é usada para sugerir uma vista geral, cuja vantagem sobre uma que fosse ' localizada' - como qualquer tipo de local knouwledge, para lembrar Geertz - bem poderia ser expressa na vantagem que leva .aquele que analisa um mapa, em relação àquele que olha direto para o chão sob seus pés. Mas, claro, o primeiro só leva vantagem se o objetivo for o conhecimento da geografia do país, não o tipo de solo onde pisa... ". AZZAN JUNIOR. 1993. p. 52. 41. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1983, p. 197. 42. DURHAN. 1984 43. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. 44. AZZAN JUNIOR. 1993. 45. AZZAN JUNIOR. 1993. p. 16-17. 46. LARAIA. 1987. p. 64. 47. GEERTZ Apud. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 15. 48. AZZAN JUNIOR. 1993. p. 22. 49. Para Geertz "é na parte e não no todo que reside o caráter diferenciador para análise, pois que se preocupa com a positividade". AZZAN JUNIOR. 1993. p. 21. 50. Em Geertz, "o que se generaliza não é uma regularidade, mas um conjunto de diferenças, e por isso mesmo tal generalização acaba por particularizar o objeto. O princípio é o da indução, pois esse processo consiste no estabelecimento de uma verdade a partir de dados singulares, não repsntai~ vos de qualquer generalidade. Ou seja, representatn apenas sua própria significação. Não remetem a uma estrutura ou a um código". AZZAN JUNIOR.1993.p.18-21. 51. "Desse modo, se Lévi-Strauss supõe que a significação é o produto das relações dos termos entre si, num sistema, se supõe que o acesso a essa significação se dá através de um código, regulador de tais relações, e que deve, portanto, ser decodificado; supõe também que a relação que interesAnos 90 31 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 32 sa desvendar se situa entre identidades abstratas de fenôtnenos similares. No entanto, para Geertz, o interesse não está na relação dos tennos, nem no sistema, mas no próprio termo enquanto individualidade. Seu pressuposto mais importante é o de que - como o que importa é a leitura e o sentido - a cultura não se resolve nmna estrutura, e assim não interessa saber o código e siln a escritura, o texto. Este deve ser lido e não decodificado. Nele Geertz busca 'relações sistemáticas entre fenômenos diversos.' Não há código que regulatnente essas relações aqui, sotnente significações." AZZAN JUNIOR. 1993. p. 17. "A semiótica aborda a dissociação da linguagem e1n eletnentos significativos; a semântica, a reconstrução do sentido não redutível apenas a esses eletnentos. ( ... ) a setniótica guarda algutna se1nelhança aos procedimentos explicativos e a setnântica, aos cotnpreensivos ( ... ) Ricoeur, a explicação e a cotnpreensão formam mna realidade dialética, cotnpletnentandose entre si. Pode-se dizer, portanto, que a senliótia supõe_uma semântica tanto quanto a setnântica não prescinde da senüótica. A relação dialética parece ser a mesma". AZZAN JUNIOR. 1993. p. 28/29. AZZAN JUNIOR. 1993. p. 15. Embora Geertz se diga hermenêutica, ele ainda não a pratica realmente. Geertz confunde sua antropologia con;tpreensiva cotn hennenêutica, não é de se estranhar que confunda-se esta ainda co1n a etnpírica. AZZAN JUNIOR, 1993. p . 39 . "Se o que aprendemos com Ricoeur puder ser tomado cotno paradigtnático e, de fato, as antropologias de Lévi-Strauss e de Geertz puderetn ser mesmo tomadas cotno explicativa e co1npreensiva respectivamente, então a mestna cotnpletnentaridade entre esses conceitos haverá tmnbém entre essas antropologias. Ocorre, porém, como fica claro na teorização de Ricoeur, que explicação e cotnpreensão são tennos co1nplementares, antípodas, e é so1nente numa espécie de superação sintética desses tipos de inteligência que a interpretação hermenêutica se dá. O Círculo hennenêutico (que cotneça cotn Dilthey) é reapr-opriado por Ricoeur e pretendido até mestno por Geertz. ( ... ) Nesse sentido, se as antropologias são mesmo explicativa e co1npreensiva, deve haver, para a superação desses dois tipos de inteligência que representatn, um terceiro, tmnbém surgido da interação dialética entre elas." AZZAN JUNIOR. 1993. p. 37. AZZAN JUNIOR. 1993. p. 39-40. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 22. FISCHER. 1983. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p.102-3 I<APLAN e MANNERS. 1981. p. 267. KAPLAN e MANNERS. 1981. p. 267. "Esta abordagetn antropológica tem se distinguido pelo estudo dos sistemas de classificação de folk (classtficação popular) isto é, a análise dos modelos construidos pelos membros da comunidade a respeito de seu próprio Anos 90 universo. A cultura é vista como sistema cognitivo, assiln para Goodenough, cultura é wn sistema de conhecunento". LARAIA. 1987. p. 62-64. 63. KAPLAN e MANNERS. 1981. p. 273 64. LEPINE. 1979. p. 1 O. 65. SAHLINS. 1979. p. 9 e 10. 66. KAPLAN e MANNERS. 198l..p. 275 67. KAPLAN e MANNERS. 1981. p. 273-274-275. 68. KAPLAN e MANNERS. 1981. p. 273 69. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 100. 70. "Ter cotno modelo não significa necessariatnente transcrever diálogos, e1nbora alguns autores tenham interpretado isso literaltnente. A idéia é representar muitas vozes, muitas perspectivas, produzir no texto uma plurivocalidade, uma 'heteroglossa', e para isso todos os tneios podem ser tentados: citações de depohnentos, autoria coletiva, 'dar voz ao povo' ou o que mais se possa itnaginar. O objetivo final, no que diz respeito ao autor, seria fazer cotn que ele agora se diluísse no texto, minünizando .e m muito a sua presença, dando espaço aos outros, que antes só apareciam através dele". In: CALDEIRA. 1988. p. 141. 71. "Aqueles que totnruu. como seu ·'outro' os textos etnográficos". CALDEIRA. 1988. p. 135. . 72. DWYER. 1982. p . 281 Apud PEIRANO. 19.85. p. 252. 73. "Assün que o dialogis1no e à polifonia são reconhecidos como modos de produção textual, a autoridade monofônica é questionada, aparecendo corno característica de utna ciência que pretendeu representar culturas". CALDEIRA. 1988. p. 142. 7 4. "Hoje etn dia existe wn esforço animado no sentido de ligar o local das detalhadas observações etnográ:ficas ao trajeto da história, dentro do qual pode ser explicado por referência às suas origens, não no sentido genérico da antropologia antiga, mas dentro do quadro da narrativa histórica." MARCUS. 1989. p. 12 e 14. 75. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 99 76. TRAJANO. 1986. p . 134. 77. PEIRANO. 1985. p. 254. 78. PEIRANO. 1985. p. 253. 79. TRAJANO. 1986. p. 134. 80. "As estratégias tnodemistas para un1a etnografia se articulam com as idéias foucaultianas e gratnscianas quanto à encenação das relações de poder nas cognições, ideologias e discursos - entendidos como VOZES aqui - culturais." MARCUS. 1989. p. 22 e conclusão. 81. CLIFFORD. 1986. p. 4. Apud PEIRANO. 1985. p. 253. 82. "Partilhando das características comuns a todos os encontros: ele é 'recursivo' - seu significado etn qualquer tnotnento depende daquele que o precedeu-; 'contingente' - o confronto pode ser interrompido a qualquer momento; e 'engajado' -no sentido de que é vinculado a forças específiAnos 90 3 3 cas que transcendem atividades puramente pessoais (Dwyer, 1979:215)" . .PEIRANO. 1985. p. 253. 83. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 23 84. TRAJANO. 1986. p. 135. 85. Rabinow, por exe1nplo, "exrunina a tendência de pensar a etnografia como texto e as estratégias neste caso adotadas: discute a questão da autoridade etnográfica, o surgimento de uma meta-antropologia e os conceitos diálogo e polifonia. Rabinow relaciona esta nova tendência com o surgimento de uma crise da representação e com a emergência de utna cultura pósmoderna.... um evento histórico específico e localizado ... tem utna visão crítica da cultura pós-modema e dos debates, a partir desta perspectiva, acerca da escrita etnográfica" . p.135 86. MARCUS. 1989. p. 15 87. PEIRANO. 1985. p. 261. 88. DWYER, 1979 e CLIFFORD, 1986 Apud. PEIRANO. 1985. p. 254. 89. PEIRANO. 1985. p. 254. 90.MARCUS.1989.p.10, 11 , 12, 14. 91. MARCUS. 1989. p. 20. 92. Argumentam os pós-rnodemos que "o que se acabou sendo produzindo nos textos foi uma visão deformada tanto das culturas, quanto da experiência do antropólogo junto a outra s culturas. Muito estaria sendo perdido ou sendo substanciabnente modificado na transformação que ocorre entre a pesquisa de campo e o texto. O que era uma experiência de crunpo fragmentada e diversa acaba sendo retratado co1no utn todo coerente e integrado.(... ) O que era um processo de comunicação, de troca, de negociação entre o antropólogo e seus informantes, vira algo autônomo (diários de campo, gráficos de parentesco, mitos etc). O que era um diálogo, vira mn monólogo encenado pelo etnógrafo, voz única que subsmne todas as outras e sua diversiçlade à sua própria elaboração. O que era interação vira descrição, como se as culturas fossetn algo pronto para ser observado e descrito. E por isso nos textos as ilnagens são sobretudo visuais, em detrimento de imagens que enfatizt?m a fala ou a audição (Fabian 1983). "Apagam-se as relações inter-pessoais e generaliza-se o nativo. Para usar uma expressão de Clifford (1983), o que era discursivo vira puramente textual". CALDEIRA. 1988. p. 13 8. 93 . PEIRANO. 1985. p. 262. 94. PEIRANO. 1985. p. 263. 95. TRAJANO. 1986. p. 150. Ver tb. p. 143. 96. CALDEIRA. 1988. p. 141. Ver tb. p. 143. 97. CALDEIRA. 1988. p. 144. 98. CALDEIRA. 1988. p. 144. 99. MARCUS. 1989 (conclusão). 100. Refiro-me aos textos de PEIRANO, CALDEIRA, TRAJANO, CARDOSO DE OLIVEIRA, etc. 34 Anos 90 1O1. Nem sempre o produto antropológico conseguiu escapar da "armadilha positivista" ou de deslizes semânticos, como o coloca Durhan, denunciando trabalhos antropológicos que utilizam conceitos como ideologia, hierarquia etc, desvirtuando-os de sua matriz original, esvaziando-os de sua conotação política. 102. CALDEIRA. 1988. p. 140. 103. "E a estas alturas já estaríamos falando de uma antropologia hermenêutica, cujo programa se funda numa recuperação do conceito de cultura, adotando-se( ... ) a noção de bildung". CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. 104. Aproveito para incluir aqui as dissertações de mestrado defendidas no PPG de Antropologia da UFRGS, quando penso nos trabalhos das colegas Ana Luiza Rocha (sobre mulheres separadas), Ondina F. Leal (sobre recepção de mensagens televisivas), Carmen Silvia Rial (sobre a comunidade da Lagoa da Conceição) e minha própria dissertação sobre mineiros de carvão em Charqueadas. 105. DURHAN. 1984. 106. CARDOSO DE OLIVEIRA. 1988. p. 102. 107. MARCUS. 1989. Conclusão 108. CARDOSO DE OhiVEIRA. 1988. p. 110. 109. DERRIDA apud MARCUS. 1989. Conclusão BIBLIOGRAFIA AZZAN JUNIOR, Celso. Antropologia e interpretação. Explicação e compreensão nas Antropologias de Lévi-Strauss e Geertz. Campinas, Ed. UNICAMP, 1993. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. A presença do autor e a pós-modernidade em Antropologia. NOVOS ESTUDOS CEBRAP. no 21,julho 1988. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto: Enigmas e soluções. Rio de Janeiro/Fortaleza: Tempo Brasileiro/UFCe, 1983. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Sobre o pensamento antropológico. Brasília, Tempo Brasileiro, 1988. DURHAN, Eunice. "Antropologia hoje: problemas e perspectivas". mimeog. Painel Cultura e Ideologia, PPG UFRGS, GEAS, 1984. DURHAN, Eunice. "Cultura e Ideologia". ANPOCS, Belo Horizonte 1974. FISCHER, Michael M. J. Da antropologia interpretativa à antropologia crítica. Anuario Antropológico 1983. Tempo Brasileiro/UnE KAPLAN e MANNERS. Teoria da Cultura. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. LARAIA, Roque de Barros. Cultura, um conceito antropológico. 2.ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1987. MARCUS, George E . "Identidades passadas, presentes e emergentes: requisitos para etnografias sobre a modernidade no final do século XX ao nível mundial." Tradução do original (por I. Boaventura): "Past, Present, and Emergent Identities: requirements for ethnographies of Late Twentieth Anos 90 35