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ReVeLe - nº 4 - maio/2012
A HABILIDADE DE ARGUMENTAR DE CRIANÇAS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Cláudia Barbosa Siqueira1
RESUMO
Este artigo analisa o processo de desenvolvimento da habilidade de crianças do
5º ano
em
produzir
textos
argumentativos.
Este
estudo
justifica-se
principalmente pelos poucos trabalhos linguísticos na área, bem como pelo
alto índice de dificuldade enfrentada pelos alunos com esta modalidade
textual. Coletou-se a produção escrita de crianças da rede particular de ensino,
durante o período de um ano. O material foi analisado buscando-se identificar
os operadores argumentativos, os tipos de argumentos utilizados e a
estratégia utilizada pelos alunos em relação à capacidade argumentativa das
crianças. O estudo sugere que a introdução do texto argumentativo nas séries
iniciais do 1º grau, além de proporcionar mais chances de sucesso aos alunos na
produção deste tipo de texto ao término do 2º grau, certamente facilitará o
desenvolvimento de uma postura crítica, possibilitando aos alunos refletirem
sobre temas polêmicos que fazem parte da sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Argumentação. Ensino de Português. Gênero Textual.
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Doutoranda em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas
Gerais.
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ABSTRACT
This article analyzes the process of skill development of children in the 5th year
producing argumentative texts. This study is necessary mainly because the fact
that there are a few linguistic works that focus this subject as well as the high
level of difficulty faced by students with this textual form. The data has been
collected from the written production of children’s private school, during the
period of one year. The material was analyzed aiming to identify the
argumentative operators, the types of arguments used and the strategy used
by students in relation to the argumentative capacity of children. The results of
this research suggest that the introduction of an argumentative text in the first
series of the first degree provide more chances of success for students in the
production of this type of text to the end of the second degree and certainly
facilitates the development of a critical, enabling students to reflect on
controversial issues that are part of contemporary society.
Keywords: Argumentation. Portuguese Teaching. Textual Genre.
INTRODUÇÃO
Geralmente, o ensino da argumentação nas escolas brasileiras tem seu
início nos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, mas ocupa lugar de destaque no
Ensino Médio. Tal fato se daria porque, neste momento, já estaria o aluno
cognitivamente preparado para um raciocínio de ordem analítica (que solicita
determinada organização de dados da realidade). Além disso, o aluno,
provavelmente, já deveria possuir arcabouço ideológico para tal: muita leitura e
interpretação de diversos gêneros textuais.
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Embora os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa, no Brasil,
orientem para a necessidade de se desenvolver a capacidade de contraposição
e argumentação de ideias desde os primeiros anos do Ensino Fundamental, o
ensino mais sistemático da argumentação é introduzido nas aulas de Língua
Portuguesa muito tardiamente, por se considerar, também, que nas séries
iniciais deve-se ensinar a narração e a descrição, pois os textos desses tipos
seriam mais simples e apresentariam níveis de dificuldade que poderiam ser
vencidos gradativamente. Acredita-se, também, que seriam mais acessíveis e
atrativos do que os textos argumentativos. Brassard (1990 apud DOLZ, 1996,
p. 3) afirma que as crianças somente conseguem adquirir uma argumentação
mais elaborada, articulando argumentos e contra-argumentos, por volta de 1213 anos, aliado ao desenvolvimento cognitivo, o que contrariamente revela este
artigo.
A propósito do ensino do discurso argumentativo na escola, Osakabe
(1977, p. 52) ressalta que “o desempenho dissertativo implica o bom
desempenho argumentativo”; por isso é importante considerar que a atitude
reflexiva ou argumentativa deve ser estimulada tanto quanto ou mais que os
outros discursos trabalhados na escola do Ensino Fundamental. Cabe ressaltar
que o termo “texto ou discurso dissertativo” é utilizado por alguns autores de
acordo com algumas bibliografias consultadas. Em pesquisas mais recentes
sobre o assunto, nas línguas inglesa e francesa, o termo citado pelos autores é
“texto ou discurso argumentativo”. Desta forma, optou-se por utilizar o termo
“texto argumentativo” neste artigo; porém, nas citações bibliográficas, será
respeitado o uso do termo utilizado pelo autor citado.
O texto argumentativo é conhecido como um produto do processo de
escolarização do aluno. Segundo Vogt:
A dissertação é um tipo de discurso através do qual
procedemos à reflexão sobre as coisas, onde explicitamos
opiniões, e sobretudo onde a nossa intenção é fazer com que o
nosso interlocutor acate as nossas opiniões e, desse modo, se
ponha do nosso lado nas considerações que tecemos. (VOGT et
al., 1988, p. 91)
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Essa intenção de persuasão, presente na linguagem discursiva, implica
o esforço de uso da argumentação, ou seja, o ato de orientar o discurso no
sentido de determinadas conclusões.
Quando o indivíduo reflete sobre algo e emite sua opinião, ele expressa
os juízos de valor que quer fazer refletir no interlocutor para persuadi-lo e
conseguir adesão a seu ponto de vista, afinal não há neutralidade do discurso.
Não é o que ocorre no argumentar, no entanto, pois quando se
comenta e se posiciona sobre algo, emitem-se julgamentos de valor sobre o
objeto em discussão com o intuito de persuadir o interlocutor. O indivíduo usa
sua linguagem para “construir” ou “montar” o seu discurso, do qual dependerá
o êxito de sua intenção, o que demanda conhecimento sobre o assunto que se
vai abordar e uma tomada de posição crítica diante do tema.
A questão da argumentação tem sido tratada por linguistas, psicólogos
e educadores a partir de diferentes pontos de vista – há, entretanto, alguns
aspectos divergentes como a observação de que a argumentação está na
linguagem da criança desde bastante cedo. Em seu livro “Aprendendo a
argumentar”, Pereira de Castro estuda a construção de justificativas,
inferências e pedidos de justificativas com por quê?, considerando-as da
perspectiva do desenvolvimento linguístico. Pereira de Castro (1996) encontra
enunciados com porque nos dados de fala de duas crianças já desde os dois
anos e oito meses. Banks-Leite (1996) estuda enunciados argumentativos na
fala de crianças com cinco anos de idade, produzidos em contexto escolar (préescola) – ela seleciona enunciados em que há conectores e operadores
argumentativos, além daqueles em que há encadeamentos que evidenciam
relações argumentativas, e os discute a partir da perspectiva da Teoria da
Argumentação na Língua.
No mesmo sentido, Lopes (1992) apresenta as seguintes hipóteses:
Resta indagar se as crianças construiriam suas respostas
escritas da mesma maneira que fazem oralmente. Na faixa dos
seis aos oito anos a criança ainda não domina plenamente a
forma padrão escrita da linguagem, dessa forma acreditamos
que o discurso oral funcione como um apoio e também um
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meio de se atingir esta forma. Talvez um estudo futuro possa
nos trazer uma luz sobre estas hipóteses. (LOPES, 1992, p. 121)
Se tais pesquisas mostram que existem formas de argumentação oral,
como atividade linguística rotineira em crianças, não há sentido esperar o
Ensino Médio para começar a explorá-la na modalidade escrita. Sendo assim,
este trabalho propõe demonstrar que as crianças de 5º ano são capazes de
construir textos escritos da mesma maneira que o fazem oralmente, emitindo
definições, explicações e sustentando opiniões.
Esta pesquisa buscou analisar a habilidade de produzir textos do tipo
argumentativo por crianças de 10 a 11 anos, que estavam no 5º ano. Optou-se
por analisar os operadores linguísticos argumentativos, os tipos de argumentos
utilizados e o desenvolvimento da habilidade de argumentar.
Para
a
análise
dos
operadores
linguísticos
argumentativos
apresentados nos textos produzidos foram utilizados, como referencial
teórico, os princípios da Linguística Textual.
Conforme Koch (1992, p. 14), a Linguística Textual toma como objeto
particular de investigação não mais a palavra ou a frase isolada, mas o texto,
considerado a unidade básica de manifestação da linguagem, visto que o
homem comunica-se por meio de textos; além disso, entende que existem
diversos fenômenos linguísticos que só podem ser explicados no interior do
texto. Este trabalho foi elaborado, portanto, com base nos princípios da
Linguística Textual, pois essa tem como objeto de pesquisa o texto,
considerando-se como princípio fundamental a construção do sentido. A
Linguística Textual propõe uma nova concepção de texto, definindo-o da
seguinte maneira:
Texto é uma unidade linguística concreta (perceptível pela
visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua
(falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de
interação
comunicativa
reconhecível
e
reconhecida,
independentemente da sua extensão. (KOCH, 1993, p. 10)
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Nessa linha de raciocínio, a autora considera texto “...todo trecho
falado ou escrito que constitui um todo unificado e coerente dentro de uma
determinada situação discursiva” (KOCH, 1993, p. 18).
Quanto à análise dos aspectos referentes à argumentação, ou seja, os
tipos dos argumentos, e o desenvolvimento da habilidade de argumentar das
crianças, utilizaram-se como referencial teórico os estudos realizados por
estudiosos integrantes do Laboratoire de Psychologie du Langage da
Universidade de Poitiers e da Universidade de Genebra. Esta linha teórica
interessa-se pelas
operações
lógicas
entendidas
como
operações
do
pensamento, expressas e manifestas pelas atividades discursivas. O estudo da
argumentação é de grande interesse dessa linha teórica, uma vez que
argumentar é uma das facetas do raciocínio, assim como o provar e o calcular
(GRIZE, 1981 apud BANKS-LEITE, 1996, p. 53). Conforme Banks-Leite (1996), tais
estudos concebem o discurso argumentativo da seguinte maneira:
É um tipo de discurso finalizado que se produz em situação
dialógica, que tem o objetivo de agir sobre um interlocutor,
tentando modificar suas atitudes, suas opiniões e mesmo seu
comportamento, com a ajuda de esquematizações adequadas,
e estas esquematizações se constroem em função da finalidade
do locutor e da representação que este tem de seu auditório
ou ouvinte. (BANKS-LEITE, 1996, p. 53)
Segundo
a
autora
(BANKS-LEITE,
1996,
p. 60),
o
discurso
argumentativo concebido como a construção, por um locutor, de uma
esquematização, com o objetivo de modificar a representação de um
interlocutor sobre um objeto determinado, constitui uma conduta linguística
que faz intervirem operações, tais como:
• operações de sustentação: para ter possibilidade de convencer um
auditório, o locutor deve sustentar, apoiar suas afirmações;
• operações de construção e de interpretação do referente: uma das
características deste discurso reside na possibilidade ou necessidade
de reconstrução dos objetos dos quais ele trata;
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• operações de implicação do locutor: considerando-se que o locutor
visa convencer seu parceiro, ele é levado a definir o lugar deste e o
seu em relação às posições tomadas.
A análise dos textos argumentativos desta pesquisa foi baseada em
alguns aspectos da conduta linguística.
MÉTODO
O método empregado neste trabalho fundamenta-se na abordagem
qualitativa do discurso argumentativo escrito. A pesquisa qualitativa em
educação, segundo os autores Bogdan e Biklen (1982 apud LÜDKE, ANDRÉ,
1986, p. 13), “envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato
direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do
que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes”.
Sujeitos
Os dados foram coletados com um grupo de 20 alunos do 5º ano de
uma escola particular de Belo Horizonte na qual a pesquisadora leciona.
Foram coletados dados relacionados com a produção escrita de
crianças em sala de aula, como produto das interações professor-aluno e alunoaluno e de intervenções pedagógicas por parte da professora/pesquisadora.
Descrição do processo de produção escrita
• O planejamento das atividades tinha como intenção a produção de
textos argumentativos baseada na proposta sócio interacionista da
linguagem. Tal proposta,além de tudo, muito tem contribuído com
os educadores ao privilegiar a interação da criança com o adulto
educador. Conforme Lemos (1986, p. 245), é por meio do processo
dialógico que a criança pode “conceber a si e ao outro como
sujeitos” na construção de sua linguagem. A criança, ao mesmo
tempo em que vai compreendendo as características próprias do seu
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discurso argumentativo oral, vai também compreendendo e
desenvolvendo as particularidades do tipo argumentativo escrito.
Acrescente-se, ainda, que a linguagem escrita não é considerada
como a representação direta da linguagem oral, mas sim uma
modalidade de linguagem que tem características próprias.
Foram realizados três processos de produção escrita:
• Anotações sobre o tema proposto, informações retiradas após a
leitura de jornais, revistas, internet e produções da própria
pesquisadora sobre o tema proposto.
• Anotações de preparação sobre o tema em questão para o debate
oral em sala de aula.
• A produção do texto argumentativo, realizado logo após o debate.
Escolha do tema
A escolha do tema teve como ponto de partida uma conversa coletiva
com os alunos sobre fatos polêmicos ocorridos na sociedade e que eram
motivo de discussão espontânea entre os alunos. Naquele momento, as
crianças eram solicitadas a relatar fatos do cotidiano,adequados a elas, a fim de
que a professora pudesse ter elementos que oferecessem uma boa
discussão,além da possibilidade de eles poderem se posicionar com clareza
tanto
oralmente
como
por
escrito.
A
professora
procurava
atuar
problematizando e questionando as colocações apresentadas. Desenvolvia-se,
então, um período de intenso diálogo que finalizou quando a professora dividiu
o grupo entre os que eram a favor ou contra o tema colocado.
O tema escolhido foi se “O Brasil conseguiria ou não conquistar o
pentacampeonato.” A partir dessa escolha, foi proposta a dinâmica do Júrisimulado.
Coleta de informações sobre o tema
Foram realizadas atividades de leitura selecionadas pelos alunos e
professora visando à obtenção de informações sobre o tema.
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Na segunda produção, desenvolveram-se atividades de leitura de
textos selecionados enfocando aspectos negativos e positivos sobre o tema. As
leituras eram precedidas de momentos de discussão, troca de experiências e
opiniões, além do processamento dos textos de opinião escritos por outros
autores, com o foco em como foram construídos (apresentação de pontos de
vista através de argumentos, as justificativas, as estratégias argumentativas, a
função dos operadores argumentativos) de seus produtores, visando, assim, a
análise e o contato dos alunos com o texto argumentativo e as variadas
maneiras de se registrar um texto desta natureza.
Momento de síntese das informações coletadas sobre o tema
A síntese destas informações estava relacionada à preparação para o
debate oral baseada nas informações lidas e discutidas nos dois grupos: um a
favor e o outro contra o Brasil conquistar o pentacampeonato.
Elaboração do texto
Após o debate, foi feita a proposta de escrita do texto argumentativo
em que cada aluno elaborava o seu próprio texto, e a escolha do título era de
livre escolha.
Revisão do texto
Após a escrita dos textos, a sua leitura era feita pela professora com
cada aluno, momento em que se exigia muita concentração e atenção de
ambos e que demandava dois ou três dias para o término dessa sessão. A
professora fazia seus comentários, sugeria mudanças, questionava sobre o que
não estava claro etc. com a concordância do aluno, além da revisão dos
aspectos formais (ortografia, pontuação, concordância...), realizada num
segundo momento. No momento da revisão do conteúdo do texto, a criança
tinha, então, a oportunidade de reescrever o texto, após relê-lo e refletir sobre
a “conversa” com a professora. Para que essa intervenção fosse eficaz era
preciso deixar claro para os alunos que o que acontecia ali era uma forma que
eles tinham de aprimorar e aperfeiçoar a qualidade dos textos, e que o
momento de revisão é uma estratégia utilizada por qualquer escritor, seja ele
famoso ou não. Tais esclarecimentos eram desenvolvidos no sentido de
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incentivar os alunos a aprofundar mais seus posicionamentos críticos, através
do processo de construção escrita da argumentação, sustentados nos
argumentos desenvolvidos e, assim, colocá-los efetivamente no processo de
interação entre professor e aluno.
Leitura dos textos em sala
Para finalizar o processo, os textos eram lidos em sala com o
consentimento dos pequenos autores, com a função de informar às outras
crianças o ponto de vista escrito registrado pelos seus colegas, além de
apresentar novos modelos de se escrever textos de opinião produzidos por
autores da mesma idade sobre o tema estudado.
É importante ressaltar que a relação de diálogo foi constante em cada
etapa desta pesquisa, além de estabelecer claramente a funcionalidade da
escrita (aspectos do cotidiano dos alunos) – havia um “para quê” e “para
quem” estar escrevendo.
ANÁLISE E RESULTADOS
Na análise dos enunciados argumentativos, buscou-se identificar como
se construiu a argumentação nos textos produzidos pelas crianças. Foram
desenvolvidas quatro modalidades de análise:
• Identificação e/ou caracterização, nos textos produzidos, dos
operadores argumentativos;
• Levantamento dos tipos de argumentos utilizados;
• Verificação da capacidade argumentativa (estratégias);
• Observação do desenvolvimento da habilidade e competência de
produzir textos argumentativos por crianças de 10, 11 anos.
As análises realizadas foram dos textos produzidos logo após o debate
sem a intervenção da professora e sem passar pelo processo de revisão. A
opção por esta produção escrita justifica-se pelo fato de se querer analisar
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como os alunos compreenderam a argumentatividade escrita, por meio de seus
textos sobre o assunto em questão.
Os operadores linguísticos argumentativos
Segundo a Linguística Textual, o termo operador argumentativo referese a certos elementos da gramática de uma língua que têm por função indicar a
força argumentativa dos enunciados no sentido de determinadas conclusões,
com exclusão de outras. Conforme Koch (1992), é necessário explicitar que na
Linguística Textual emprega-se o termo operador argumentativo ou operador
discursivo para se referir às partículas que a gramática tradicional classifica
como conjunção ou conectivo. Além de conjunções ou conectivos, também
certas palavras que não se enquadram nas dez classes gramaticais tradicionais
são nomeadas como operadores. Tanto as conjunções quanto essas palavras
sem classificação especial são marcas linguísticas determinantes no processo
de enunciação.
É bem possível, através da análise dos operadores argumentativos,
caracterizar o fenômeno da argumentação, mas é importante lembrar que nem
todos os enunciados foram analisados, ou que um mesmo enunciado pode ter
sido objeto de mais de uma análise, dependendo do aspecto que foi tratado.
Neste presente artigo, apresentam-se quatro textos analisados que foram
transcritos (digitados) respeitando-se a organização textual de cada aluno,
bem como o padrão ortográfico.
TEXTO 1
Buscando o penta
Todo mundo sabe que esse ano vai ser realizada a Copa do
Mundo. E é de conhecimento geral que o Brasil vai participar,
por ser um time muito bom, o melhor e também o mais forte
candidato.
Portanto, acredito que o Brasil vai ganhar. Além de ser ótimo,
vai ter também Zico pela primeira vez como coordenador
técnico. Ele, então, vai ser uma ótima ajuda para a seleção, por
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ele já ter experiência e ter sido um ótimo jogador podendo
ajudar com truques e manobras.
Todos nós sabemos como ninguém que Zagalo é teimoso e um
belo de um cabeça dura, mas por outro lado isso pode ajudar
os jogadores. Uma das coisas boas é ele acreditar muito na
seleção. Se o Brasil perder 1 ou 2 jogos ele não vai desanimar e
continuar firme e forte.
O outro e último fator é que a maioria dos técnicos e jogadores
concordam em um ponto, o Brasil é o mais forte candidato. Da
Tunísia ao Japão. Dá Noruega à África do sul o coro é unânimi.
Diante disso tudo, concluímos que com Zagalo no comando,
Zico como coordenador técnico, e a nossa torcida dando a
maior garra, a seleção brasileira pode destruir a defesa
adversária, com as demais jogadas de Romário e Ronaldinho e
gravar para sempre na camisa amarela a quinta estrela campeã.
Análise da argumentação do aluno no texto
Esse texto apresenta-se bem estruturado por apresentar todos os
elementos necessários à sua compreensão e obedece às condições de
progressão, coerência e coesão. A rede de relações entre parte e todo revela a
conexão entre as intenções do produtor, as ideias e as unidades linguísticas
que o compõem. É nesse sentido que este trabalho teve apoio nas ideias de
Halliday e Hasan (1973 apud KOCH, 2002) ao imaginar um sistema capaz de
explicar tanto a estrutura do enunciado como o jogo da enunciação, que define
o texto como “realização verbal entendida como uma organização de sentido,
que tem o valor de uma mensagem completa e válida num contexto dado.”
Segundo Vogt (1988), “todo enunciado diz algo, mas o diz de um certo
modo”. É o que acontece com a estrutura organizacional desse texto, em que o
produtor, de início, apresenta, pelo título Buscando o Penta, o fato presente
que foi o tema de debate “O Brasil vai ou não conseguir o pentacampeonato?.”
A partir daí, ele constrói a defesa de sua tese utilizando-se de variadas
estratégias argumentativas, de acordo com a sua intencionalidade.
As
relações
argumentativas
utilizadas
pelo
aluno
implicam
a
apresentação de explicações, justificativas, razões, vozes da autoridade, entre
outros.
O início de alguns parágrafos instiga o leitor a concordar com ele pela
escolha das expressões (“todo mundo sabe”, “é de conhecimento geral” ou
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“todos nós sabemos”); dessa forma, as relações que se estabelecem possuem
caráter pragmático por serem uma representação de si mesmas, de certa
forma, com uma lógica própria e, acima de tudo, pela argumentatividade. O uso
de tais expressões mostra como o produtor quer determinar a verdade dele,
como se todas as pessoas concordassem com a sua verdade.
Podemos considerar essas relações discursivas ou pragmáticas como
aquelas
de
caráter
eminentemente
subjetivo
já
que
dependem
da
intencionalidade, dos efeitos a que este visa ao produzir o seu discurso.
Segundo esse Ducrot, “pressupor não é dizer o que o ouvinte sabe ou o que se
pensa que ele sabe ou deveria saber, mas situar o diálogo na hipótese de que
ele já soubesse” (DUCROT, 1966, p. 77).
Outra observação é o uso do tempo verbal predominantemente no
presente, que, segundo Weinrich (1964), nada tem a ver com o tempo real, pois
constitui, justamente, o tempo principal do mundo comentado, o que designa
uma atitude comunicativa de engajamento, de compromisso com o que é dito.
Outra análise importante é a estratégia de exemplos ou ilustrações,
usando grandes nomes do futebol brasileiro, como Zico e Zagallo, ou, como se
fosse, aqui no caso, a voz da autoridade, mais característico dos argumentos de
prestígio, que é o argumento da autoridade, pois utiliza os atos ou julgamentos
de uma pessoa ou de um grupo de pessoas como meio de prova em favor de
uma tese, o que ocorre pontualmente no texto do aluno.
O operador argumentativo “mas” foi também utilizado com muita
habilidade pelo aluno, numa frase que parece antecipar um argumento
contrário ao que ele defende, ou seja, ele apresenta uma contra-argumentação,
e logo frustra a expectativa criada pelo leitor (“[...] Zagallo é teimoso e um
belo de um cabeça dura, mas, por outro lado isso pode ajudar os jogadores.”).
Na frase “Além de ser ótimo, vai ter também Zico pela primeira vez
[...]”, o uso da expressão “além de” introduz um argumento que pode ser
decisivo ou bem forte. Segundo Koch (2002) ele é usado como “se fosse um
acréscimo (‘lambuja’), como se fosse desnecessário, justamente para dar o
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golpe final” ou “retórica do camelô”, no dizer de Ducrot (1987). O operador
“mas” soma argumentos a favor de uma mesma conclusão.
“Se o Brasil perder 1 ou 2 jogos ele não vai desanimar e continuar firme
e forte.” O uso do “se” nessa frase revela um enunciado condicional, também
chamado de hipotético;outra observação é o fato do demonstrar que o
antecedente é verdadeiro, mas tão somente que, sendo o antecedente
verdadeiro, o consequente também o será.
Enfim, o texto Buscando o penta possui uma apresentação limpa (no
original), boa letra, paragrafação adequada. Os aspectos gráficos também
contam e não deixam de revelar a posição do autor, como o título que aparece
colorido, o desenho e o substantivo Brasil em maiúsculas. O tom formal
escolhido pelo autor combina perfeitamente com o ponto de vista defendido
pelo aluno que está a favor de o Brasil conseguir ganhar o título de
pentacampeão.
TEXTO 2
Pedras no caminho
O Brasil, campeão de quatro copas, vai tentar este ano na
França, ganhar o seu quinto título mundial.
Ninguém desconhece a força do Brasil, mas outras seleções
estão tão fortes que podem até derrubar o país do futebol.
Uma pedra no caminho da seleção é a extrema confiança do
time. Zagallo acha que, com a entrada de Zico, as coisas vão
melhorar, já que venceram a Alemanha, também favorita. Mas
amistoso não se compara com o clima de copa.
Outro problema é o sistema defensivo que, nos últimos jogos,
tem apresentado várias falhas, levando o Brasil a levar gols.
O pior problema foi Pelé, considerado o melhor jogador da
história, falar que Romário (atacante titular), do jeito que está
indo, sem preparo físico, não fará uma grande copa não.
Outro fator importantíssimo são os comentários ruins, feitos
pelos grandes nomes do futebol mundial, sobre a defesa e o
favoritismo brasileiro, como: Zinidine Zidane, Franch
Backenbauer e outros.
Com todos esses fatores, será que o Brasil vai ter este título
fácil, igual muitas pessoas pensam? Será quem levará este
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título? Será que a glória do será ao Brasil ou será a felicidade
do resto do mundo?
É esperar pra ver.
Análise da argumentação do aluno no texto
Quanto à estrutura argumentativa, este texto também analisa a
possibilidade de o Brasil vencer o campeonato mundial de futebol em 98. Neste
caso, o tema (ou tese) principal é subdividido em vários itens.
O primeiro parágrafo serve como pano de fundo diante da hipótese a
ser defendida, que aparece logo no início do segundo parágrafo: “[...] mas
outras seleções estão tão fortes que podem derrubar o país do futebol.” –
“Uma pedra no caminho da seleção [...]” e a partir daí, em cada parágrafo, o
autor introduz um obstáculo específico a ser vencido pelo time brasileiro antes
de se tornar campeão. Para facilitar a leitura, ele aponta cada obstáculo que o
Brasil tem que vencer, de acordo com o seu ponto de vista, utilizando-se das
seguintes expressões, na ordem em que aparecem, do terceiro ao quinto
parágrafo, materializando, assim, uma sequência de ideias:
• “outro problema”;
• “o pior problema”;
• “outro problema”;
• “outro fator importantíssimo.”
Note-se que cada novo argumento aparece como tema principal do
parágrafo encabeçado por ele. Para ganhar variedade, no terceiro e quinto
parágrafos o obstáculo foi introduzido como um rema. Finalmente, um quinto
argumento é introduzido no parágrafo de conclusão, quando o autor questiona
a facilidade ou não de o Brasil ganhar o título. Nesse último parágrafo, ele
questiona, através do recurso expressivo e enfático da interrogação, “será a
glória do será ao Brasil ou será a felicidade do resto do mundo?”. Ele retoma
também o título, e volta a antecipar a posição do autor sobre o tema, o que é
bastante sugestivo: Pedras no caminho.
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A intencionalidade do autor é claramente mostrada, pois explicita a sua
desconfiança quanto a um resultado favorável ao Brasil a partir das seguintes
expressões sublinhadas aqui:
• mas nem todo mundo pensa assim;
• ficou provado, contudo, que nome e tradição não ganham jogo;
• como aconteceu na péssima campanha da Copa Ouro;
• e nos amistosos também;
• pedra no sapato;
• fator (...) contra a seleção;
• outro vilão;
• perigo de um contra-ataque;
• portanto, se.
Por isso, tais expressões ajudam a estabelecer a orientação
argumentativa do texto, neste caso, no nível da frase.
Neste segundo texto, a linguagem usada pelo autor mantém um tom
pessimista através de uma linguagem informal, ancorada não só nas
expressões acima, como na escolha vocabular em geral, o que não deixa de ser
uma explicação para a formação de uma rede semântica de sentidos: mal-estar,
pânico, infernal, muito teimoso.
Finalmente, observam-se os aspectos coesivos presentes neste texto.
Ao contrário do primeiro – Buscando o Penta – aqui a progressão sequencial é
bem mais trabalhada que a progressão referencial, possivelmente por ser a
base da estrutura argumentativa, com a divisão da tese em subteses, o que
pode-se entender como uma motivação, sugerindo um esforço maior ao se
trabalhar a carga argumentativa do texto; afinal é mais difícil defender um
ponto de vista contrário ao da maioria, no caso de o Brasil perder a Copa do
Mundo.
Mais uma vez, é utilizado o presente do indicativo por todo o texto,
fora uma única ocorrência do futuro – ambos, tempos verbais próprios do
discurso reflexivo.
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Quanto à progressão referencial, algumas anáforas indiretas (KOCH;
ELIAS, 2009, p. 136) são empregadas, retomando o tópico futebol: ‘amistoso’,
‘sistema defensivo’, ‘posicionamento dos jogadores’, ‘defesa’.
Neste texto, ao contrário do primeiro, utilizam-se pronomes de vários
tipos: ‘ele’, ‘este’, ‘esse’, ‘essa’, ‘seu’, etc. O encadeamento por conexão
explícita é também mais recorrente. Alguns exemplos são: ‘mas’, ‘se’, ‘mesmo
se’, ‘mais uma vez’, ‘ainda maior’, ‘por exemplo’, ‘para’, ‘portanto’, ‘com todos
esses fatores’.
Uma análise comparativa entre o Texto 1 e o Texto 2
Como dito anteriormente, o objetivo imediato do Júri Simulado é
facilitar
a
aprendizagem
do
texto
argumentativo.
O
sucesso
desse
empreendimento pode ser medido pela qualidade das produções escritas cujo
mérito é demonstrado a seguir.
Passa-se, então, a uma apreciação do trabalho dos pequenos autores.
O próprio tamanho dos textos – aproximadamente o mesmo número de
palavras que os modelos escritos pela professora – revela a seriedade com que
os alunos abordaram a tarefa. O compromisso com a posição assumida mostrase desde o título, em cada caso. Assim, Buscando o Penta conota esperança
quanto a um resultado favorável, enquanto Pedras no Caminho não. Os alunos
demonstram ter se apropriado da estrutura canônica do texto argumentativo,
pois, além de um título, ambos os trabalhos apresentam introdução,
desenvolvimento e conclusão facilmente identificáveis.
A coerência é também notável, principalmente quando se percebe que
ambos os autores lançam mão de contra-argumentos sem se confundir no
processo. É assim que o aluno, Texto 1, constrói o argumento de que Zagallo,
como técnico, aumenta a chance do Brasil ao título:
“Todos nós sabemos como ninguém que Zagalo é teimoso e
um belo de um cabeça dura mas, por outro lado isso pode
ajudar os jogadores. Se o Brasil perder um ou dois jogos ele
não vai desanimar e continuar firme e forte.”
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Utilizando o mesmo recurso, o aluno, do Texto 2, introduz seu
posicionamento descrente: “Ninguém desconhece a força do Brasil, mas outras
seleções estão tão fortes que podem até derrubar o país do futebol.”
Ainda quanto à coerência, constata-se que a conclusão de cada texto é
justa, não ultrapassando os limites da argumentação desenvolvida. Enquanto o
Texto 1 retoma seus argumentos principais, acrescentando-lhes dois outros
para reforçar sua tese, o 2 conclui o texto com questões, ao invés de
afirmativas. Esta solução é coerente, não só com o ponto de vista desconfiado
que o autor assume, como também com o fato de que o futuro é sempre
especulativo.
Outro ponto forte nas produções escritas é o conhecimento dos alunos
quanto às diversas vozes, a partir das quais podem elaborar seus argumentos.
Apesar de o aluno estar defendendo a opinião geral da época, por exemplo, ele
personaliza a sua fala, distinguindo-a das demais. É assim que introduz a
hipótese a ser defendida:
“Todo mundo sabe que esse ano vai ser realizada a Copa do
Mundo. E é de conhecimento geral que o Brasil vai participar,
por ser um time muito bom, o melhor, e também o mais forte
candidato.
Portanto, acredito que o Brasil vai ganhar.”
No Texto 2, por sua vez, o aluno emprega o argumento da autoridade,
quando declara:
• O pior problema foi Pelé, considerado o melhor jogador da história,
falar que (...)
• Outro fator importantíssimo são os comentários ruins, feitos pelos
grandes nomes do futebol mundial (...)
Os autores dos dois textos analisados deixam clara sua intenção à
medida que explicam ou justificam a qualidade argumentativa das informações
expostas, mostrando, com isso, autonomia na elaboração dos argumentos. A
título de exemplo, citamos a seguir:
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Uma pedra no caminho da seleção é a extrema confiança do
time. Zagallo acha que, com a entrada de Zico, as coisas vão
melhorar, já que venceram a Alemanha, também favorita. Mas
amistoso não se compara com o clima de copa.
Quanto aos aspectos coesivos, o Texto 1 se apoia mais na progressão
referencial, enquanto o Texto 2 prioriza a progressão sequencial. O texto 2 se
refere a Zico, por exemplo, como ‘uma ótima ajuda para a seleção’, ‘um ótimo
jogador’; ao Zagallo, como ‘um belo de um cabeça dura’, e à seleção brasileira,
entre outros, como ‘o mais forte candidato’. No Texto 2 utiliza o recurso de
subdividir seu tema, sempre marcando a introdução das partes, como a seguir:
• “uma pedra no caminho da seleção”;
• “outro problema”;
• “o pior problema”;
• “outro fator importantíssimo”.
Observa-se ainda a predominância do presente do indicativo em ambos
os textos. Muito adequadamente, o Texto 1 introduz o pretérito perfeito para
mencionar eventos pontuais anteriores, necessários à construção de seus
argumentos. E do futuro, para especular sobre o resultado da Copa.
Finalmente, é de se evidenciar o estilo próprio de cada escritor. O
Texto 2 recorre mais abertamente ao texto-modelo da professora, inclusive
copiando uma ou outra de suas frases mais atraentes. No entanto, sua
personalidade é clara na escolha e na construção dos argumentos. O Texto 1,
por outro lado, mostra mais independência, apesar de modelar a progressão
sequencial do texto equivalente ao da professora-escritora.
Obviamente, os textos podem ser melhorados, por exemplo, no que
toca à repetição excessiva. Veja-se este trecho do Texto 2: “Ele, então, vai ser
uma ótima ajuda para a seleção, por ele já ter experiência e ter sido um ótimo
jogador podendo ajudar com truques e manobras.”
Entretanto, lembrando que as versões apresentadas não passaram por
nenhum tipo de revisão externa e que esses alunos tinham entre dez e onze
anos de idade, e eram iniciantes na aprendizagem da argumentação escrita,
pode-se concluir que seu desempenho foi altamente satisfatório, face aos
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mesmos critérios de análise realizado com os vários tipos de textos lidos pela
turma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base em todas as análises propostas neste trabalho, quer diante
das teorias levantadas, ou diante das avaliações nele realizadas, é possível
concluir que a linguagem é essencialmente argumentativa e é inerente à língua,
conforme postula Garcia (2000). Diante dos textos analisados a argumentação
está presente de forma efetiva.
Os elementos analisados indicam a existência de uma orientação
argumentativa, mas para isso tornou-se imprescindível a necessidade de
estabelecer um trabalho adequado e produtivo no sentido de proporcionar aos
alunos condições de compreender a estrutura dos textos de natureza
argumentativa nos níveis de contato, uso e análise. Da mesma forma, provouse importante trabalhar as particularidades desse tipo de discurso escrito, ao
se propor situações didáticas desafiadoras, motivadoras e interativas, através
de intervenções eficazes na sala de aula, como as variadas dinâmicas de
debates. Pode-se dizer que isso consolidou a construção de um discurso
argumentativo elaborado e, gradativamente, aprimorado pelos alunos.
É necessário reafirmar não só a importância de uma análise da
dimensão linguístico–cognitiva dos alunos, já que é evidentemente importante
na elaboração dos textos, como também o papel de apoio do professor para a
implementação efetiva do projeto.
É possível que a construção deste trabalho introduza uma nova
possibilidade de estudar a linguagem argumentativa, em sua totalidade teóricometodológica, e faça trazer à consciência dos professores de diferentes áreas
de conhecimento que eles podem participar do processo de ensino da
elaboração/construção do discurso argumentativo.
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Quanto aos professores de Língua Portuguesa, pretende-se que
agucem, sempre que possível, a capacidade de argumentar de seus alunos
desde cedo – mesmo em diferentes graus – pois é uma aquisição importante, às
vezes preciosa, capaz de fazer a diferença entre o fracasso e o sucesso.
Acredita-se que muitos aspectos da pesquisa relatada neste trabalho poderão
ser levados adiante por outros pesquisadores de modo a originarem outras
reflexões, como, por exemplo, as relações entre a argumentação e os
diferentes gêneros discursivos em que a argumentação possa estar presente.
De qualquer modo, o percurso seguido foi o de colocar em evidência
que a argumentação está na língua, sim, e que a sua relação está diretamente
relacionada ao efeito que a subjetividade tem sobre todos os seus usuários: a
criança, o adolescente e o adulto que a interpretam. Tal fenômeno acontece
através dos efeitos promovidos - no e pelo texto, na e pela linguagem – efeitos
de sentido, de referencialidade, de intencionalidade, de argumentatividade.
Os textos apresentados foram marcados pela argumentatividade, pelos
aspectos nela apresentados e já citados anteriormente. Tais textos formam um
corpus de textos de opinião, em que se reconheceu o uso significativo de
operadores argumentativos, de variadas estratégias argumentativas, além de
ser notória a habilidade de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental
apresentarem a sua capacidade argumentativa na escrita.
Um aspecto a ser destacado é o que se pode considerar como um
poder avaliativo dos textos no sentido informacional, por apresentarem um
ponto de vista do produtor ou de outro agente textual, afinal uma avaliação
pode ser uma estimativa, uma avaliação referente a valor, uma interpretação
ou avaliação interpretativo-valorativa de uma determinada situação. Insiste-se
no caráter de juízo de valor em destaque na definição desse segmento
informacional.
Os textos de opinião apresentados confirmam essa afirmação,
mediante as observações analíticas, consoante à metodologia descrita, como
um texto de caráter argumentativo por excelência, que cumpre o fim
fundamental de fazer-crer, ao defender um ponto de vista sobre uma dada
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realidade,
que,
afinal,
é
o
que
se
deve
entender,
também,
por
argumentatividade. A propriedade da avaliação, portanto, tem base crucial em
um “juízo de valor”, um dos aspectos predominantes da argumentatividade.
Ao se propor o estudo da argumentação na escrita de crianças, este
trabalho teve como uma de suas tarefas discutir o funcionamento da
argumentação na língua. Assim foi que, intermediado pela reflexão de Ducrot
sobre a argumentação na fala da criança, se deu o encontro com Koch , que em
sucessivas etapas de seu trabalho vem procurando circunscrever sua
abordagem da argumentação ao funcionamento interno da língua. A
argumentação é entendida por Ducrot como uma miragem, uma ilusão
construída pela linguagem – “é impossível argumentar com as palavras, nossos
discursos [...] não correspondem a nada do que se entende por argumentação”
(DUCROT, 1999, p. 1). Isto é, não existem argumentos que por si conduzam a
determinadas conclusões, não existem argumentos independentemente das
conclusões a eles associadas; argumento e conclusão só se definem um em
relação ao outro. É o encadeamento argumentativo que possibilita a existência
da argumentação. E esse encadeamento pode ser observado nos textos
apresentados.
A definição de argumentação como um discurso ou como um
encadeamento foi fundamental para o desenvolvimento deste trabalho. Por
outro lado, há a definição de que a argumentação é o “próprio tecido do texto”
(DUCROT, 2001, p. 64), pois ela constitui o sentido do texto.
No entanto, considera-se que ainda há um largo espaço oferecido para
a discussão com Ducrot e Koch, nesta pesquisa, mediante suas reflexões e
análises. A noção de orientação argumentativa permitiu tratar a argumentação
no texto tomando-a como uma questão linguística, uma vez que em tal
conceito não estão em jogo nem as informações contidas no enunciado nem as
suas condições de verdade, mas indicações acerca do “futuro do texto”
(LEMOS, 1986).
Assim
como
o
encadeamento
argumentativo,
a
orientação
argumentativa permite tratar a argumentação como uma questão linguística, e
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não lógica, psicológica nem sociológica. Trata-se de injunção à interpretação: a
orientação argumentativa aponta os sentidos nos quais se espera que seja
interpretada a sequência de determinado enunciado. Nesse sentido, o conceito
de orientação argumentativa permitiu olhar para os textos escritos e discutir a
argumentação que ali se constituía mesmo quando não havia encadeamentos
argumentativos explicitados na cadeia textual.
Contudo, nos mesmos textos em que se observou a incorporação do
discurso do outro, muitas vezes percebe-se também o funcionamento da língua
e a fala da criança se enunciando no texto, seja através de rasuras, seja através
de deslizamentos, rupturas ou cruzamentos de estruturas. Assim, quando se
observam nos textos marcas indicativas de incorporação de argumentos, de
submetimento aos movimentos da língua, ou ainda de escuta da própria fala,
não se trata de um processo de desenvolvimento flagrado na escrita, uma vez
que não há superação de nenhuma das três posições que a criança pode
assumir na estrutura; trata-se da dominância de um dos três polos da relação
da criança com sua língua: dominância da fala do outro, do funcionamento da
língua ou da relação do sujeito com sua própria fala (LEMOS, 2002).
Outra observação a ser feita é que na produção do discurso,
especificamente argumentativo, é necessário um planejamento, levando em
conta a articulação com os argumentos entre si e a articulação do interlocutor.
Em alguns enunciados, é possível identificar claramente o conflito criado entre
as ideias pessoais do enunciador e as informações do senso comum.
Ao enfocar as questões linguísticas, percebeu-se o uso de várias
estratégias de argumentação, como: comparação, desdobramento de sujeitos
(polifonia), exemplificação, conclusão, voz da autoridade, etc.
O processo de referenciação foi outra questão analisada nos textos, o
que não deixa de ser entendido como uma habilidade ou competência a mais
na produção dos textos pelas crianças. Ao estudar a progressão referencial,
Koch (2002) situa as expressões nominais como definidas e indefinidas como as
principais estratégias de referenciação, ao lado do uso de pronomes. As
expressões nominais são um dos recursos de coesão mais produtivos da
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textualidade, pois podem funcionar tanto quanto anáforas como catáforas. O
fenômeno da referenciação aparece nos textos de várias maneiras,
principalmente para se evitar repetições, através do uso também de sinônimos.
A intenção deste trabalho era de que a investigação caminhasse
fundamentada, procurando identificar e compreender as estratégias da
construção textual argumentativa, o que foi perseguido durante toda a
pesquisa.
A análise dos textos obtidos pelos procedimentos adotados demonstra
a riqueza com que as crianças do 5º ano construíram textos argumentativos.
Pesquisas sobre a aquisição do discurso, citadas por Dolz (1996), por exemplo,
mostram que não existe uma progressão da aprendizagem relativa à língua
escrita entre os gêneros narrativo, descritivo e dissertativo, como se acredita
no meio escolar. É bem possível encontrar essa falsa concepção sustentando a
estrutura curricular do ensino da Língua Portuguesa em muitas esferas
escolares.
Tal perspectiva tradicional considera que a aprendizagem das formas
discursivas da explicação e da argumentação é mais complexa e aparece
relativamente mais tarde, necessitando que o aluno possua um arcabouço
cognitivo para se desenvolver a argumentatividade – o que vem sendo
questionado, inclusive por esta pesquisa. Isto porque, conforme os vários
autores já citados, a narração, a descrição e a argumentação são modalidades
diferentes de discurso que abrangem elementos particulares e requerem um
aprendizado específico.
No caso da argumentação, o que a diferencia dos outros gêneros
discursivos são: a situação de comunicação na qual é produzida, as operações
que requer do locutor, as articulações dos argumentos com o intuito de servir a
uma intenção, as numerosas formas expressivas e propriedades linguísticas
que são associadas dominantemente a ela e algumas características
superestruturais específicas.
Desta forma, tudo indica que a apropriação desse tipo de discurso
escrito ocorre mais tardiamente, não apenas pela sua complexidade, mas
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porque a escola não tem proporcionado, sistematicamente, situações para as
crianças exercitarem esse gênero textual.Pode-se, portanto, afirmar que as
crianças são capazes de elaborar textos argumentativos desde que convidadas
a fazê-los e que lhes sejam proporcionadas condições pedagógicas favoráveis.
Neste estudo, algumas condições pedagógicas desenvolvidas no
procedimento
utilizado
podem
ser
consideradas
fundamentais,
como
facilitadores do processo de produção de textos de opinião pelas crianças:
• o contato com diferentes textos argumentativos através da leitura;
• a produção e elaboração escrita deste tipo de texto;
• o acesso a informações variadas sobre o tema, por meio dos grupos
de estudo e da relação de interação entre alunos, aluno-professor,
na troca e no confronto de ideias, como o júri-simulado;
• o tema em estudo ter sido escolhido a partir de uma negociação
entre alunos e professora;
• o fato de atender a uma finalidade social, ou seja, tentar
conscientizar as crianças quanto às causas, consequências e
prevenções de questões que venham a ser estudadas.
Tais
condições
possibilitaram
aos
alunos
confrontarem
essa
modalidade de texto com as que já conheciam e buscarem compreender as
estratégias e situações de argumentação. O exercício da elaboração escrita
possibilita o aprimoramento gradativo da criança nesse e em qualquer tipo de
texto.
Por outro lado, a relação dialógica estabelecida entre os alunos e o
professor, através das trocas de informações e confronto de opiniões na sala
de aula, sem dúvida, possibilitou à maioria das crianças condições para uma
tomada de posição mais crítica sobre o assunto.
Conforme mostram os estudos sobre os processos de aquisição, a
linguagem não é apenas um elemento da cognição; ela exerce o papel de
atividade constitutiva do próprio pensamento (LOPES, 1992, p. 1).
A importância da relação dialógica entre as crianças e os adultos fica
clara ao se observar que os argumentos construídos por elas, em geral
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demonstraram as compreensões e os julgamentos que fizeram das informações
recebidas
(principalmente na apreciação
dos textos produzidos pela
professora) e somadas às suas vivências cotidianas.
De acordo com as relações observadas nesta pesquisa, e às afirmações
de Dolz (1997), destacam-se as seguintes situações para o aprimoramento do
ensino da habilidade de argumentar:
• contato com situações argumentativas e com textos argumentativos
contrastados;
• treino de elaboração de diferentes argumentos e contra-argumentos
e organização desses argumentos em um plano de texto;
• a iniciação de situações verbais e escritas de colaboração que
facilitem a aprendizagem da negociação, e a prática de certas
estratégias específicas da argumentação.
A partir dos dados observados e revelados nesta pesquisa, fica a
sugestão de que, quanto mais estudos sejam realizados no sentido de levar a
escola a garantir maiores conhecimentos sobre a estrutura textual e as funções
sociais do texto argumentativo na Língua Portuguesa,mais a criança será capaz
de questionar os problemas do seu entorno. Proporcionar-lhe oportunidades e
condições favoráveis para que ela desenvolva adequadamente sua produção
escrita argumentativa desde cedo possibilita-lhe mais chances de sucesso na
produção dessa modalidade de texto ao término do Ensino Médio o que
certamente facilitará o desenvolvimento de uma postura crítica.
Oferecer a possibilidade de se expor, de defender seu ponto de vista,
enfim, criar condições para a habilidade de argumentar, vislumbra-se como um
dos caminhos para incentivar a criticidade nos alunos, partindo-se do uso da
linguagem em si e dos temas relacionados à realidade atual sem, no entanto,
desmerecer os outros gêneros textuais.
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