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Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira Gilvan Ramalho Guedes CEDEPLAR/UFMG e Universidade de Indiana, Bloomington Bernardo Lanza Queiroz CEDEPLAR/UFMG Leah Karin VanWey Universidade de Brown, EUA Palavras-chave relações intergeracionais, transferências privadas, Amazônia, altruísmo, reciprocidade. Classificação JEL J10, J14, J19. Key words intergenerational relationships, private transfers, Brazilian Amazon, altruism, reciprocity. JEL Classification J10, J14, J19. Resumo Abstract O que motiva os membros familiares a se envolverem na troca de recursos? Amor, benevolência e altruísmo, por um lado, e interesse na reciprocidade, por outro, são as duas principais respostas que têm sido dadas pela literatura a essa pergunta. Este trabalho trata das transferências intergeracionais privadas que ocorrem entre pais e filhos residentes fora do domicílio parental de pequenos agricultores na área rural de Altamira, no Estado do Pará. Utilizamos dados primários coletados em 2005 por uma equipe da Universidade de Indiana e aplicamos a técnica Grade of Membership de modo a delinear perfis de transferências privadas. Os resultados sugerem três perfis distintos: o de baixo envolvimento nas transferências intergeracionais, o de alto envolvimento nas trocas através de visitas e ajuda com trabalho e o de alto envolvimento nas trocas com visitas e dinheiro. Não há evidências de preferências por ordem de parturição, embora tenhamos encontrado uma especialização sexual das trocas: homens enviam dinheiro, ao passo que mulheres proveem trabalho e visitas. As transferências monetárias ascendentes são particularmente importantes entre filhos com alta escolaridade e residentes em áreas urbanas, o que indica arranjos informais de repagamento a investimentos parentais feitos no passado. Tais evidências empíricas corroboram as teorias de reciprocidade e investimento parental e sugerem que as teorias altruístas tradicionais devem ser repensadas em contextos de restrição imposta pelos desafios ambientais e institucionais que envolvem as famílias de pequenos agricultores rurais em países em desenvolvimento. What motivates family members to share resources? Past research argues for, on the one hand, love and altruism, and on the other, the expectation of reciprocity. Drawing on this literature, this paper examines intergenerational transfers between small farmers and their non-coresident children in the rural area around the city of Altamira, Pará, Brazil. We apply GoM (Grade of Membership) models to create profiles of private transfers, using data collected in 2005 by a team from Indiana University. The results show three profiles: low intergenerational transfers, high levels of transfers of visits and help, and high levels of transfers of visits and money. There is no clear difference in profile by birth order, but we do find sex differences in profile. Men are more likely to send money while women provide time transfers (work and visits). Upward transfers are most common from children with high levels of education or living in urban areas, suggesting a repayment of prior investments made by parents. Thus, our empirical evidence supports theories arguing that transfers are motivated by intertemporal contracts between parents and children, and that altruistic theories of family transfers should be rethought among rural agricultural populations in contexts characterized by many environmental and institutional challenges. n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 326 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira 1_ Introdução O que motiva os membros de uma família a se envolverem na troca de recursos? Amor, benevolência e altruísmo, por um lado, e interesse na reciprocidade, por outro, são as duas principais respostas que têm sido dadas pela literatura a essa pergunta. Este trabalho trata das transferências intergeracionais privadas que ocorrem entre os pais e os filhos, que residem fora do domicílio parental, numa região de pequenos agricultores da Amazônia Brasileira. Para tanto, utilizamos três diferentes arcabouços teóricos, quais sejam, econômico, sociológico e sociobiológico (neodarwinista), para nos ajudar a compreender as transferências privadas interdomiciliares de recursos materiais entre proprietários(as) rurais ou filhos(as)/genros(noras) desses(as) proprietários(as) residentes em quatro cidades da Amazônia Legal: Uruará, Brasil Novo, Medicilândia e Altamira e seus(suas) filhos(as) que residiam fora do domicílio no ano de 2005. As transferências intergeracionais, chamadas amplamente de “solidariedade ou suporte geracional”, podem ser de dois tipos: simbólicas ou materiais. As transferências simbólicas ocorrem, por exemplo, no caso de apoio moral entre gerações diferentes em sociedades estratificadas por idade. As transferências materiais, por seu n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 turno, podem ser inter vivos ou sob a forma de transmissão de herança.1 As transferências intergeracionais são importantes, uma vez que os indivíduos, ao longo do ciclo de vida, não produzem o suficiente para o seu consumo. Em outras palavras, o ciclo de vida econômico é caracterizado por duas fases de dependência econômica intercaladas por uma fase produtiva, geradora de excedentes. Na maior parte das sociedades, crianças consomem recursos gerados por adultos, transferidos por intermédio da família ou do setor público. Idosos, por sua vez, dispõem de ativos acumulados durante sua fase ativa, de recursos produzidos e transferidos por outros adultos ou ainda de operações de crédito efetuadas através do mercado. Cada sociedade, em cada época, determina, por meio de normas sociais leis e decisões individuais, a combinação de mecanismos para a alocação de recursos no ciclo de vida (Lee, 2003). As transferências intergeracionais podem ser interpretadas como um presente, na medida em que não há necessidade de pagamento ou uma troca no momento em que as transferências estão sendo feitas. De forma geral, elas se dão entre pessoas que pertencem a gerações (coortes) diferentes. Por exemplo, as transferências que um pai ou uma mãe faz para seus filhos (cuidados, 1 A palavra em inglês é bequest e não possui uma tradução direta apropriada para o português. Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey 2 Cox et al. (2004) observam que o efeito crowding out das transferências públicas é mais relevante em países em desenvolvimento. educação, alimentação). Entretanto, podemos ampliar o conceito de gerações para indivíduos com idade diferente e que não sejam necessariamente relacionados (do ponto de vista familiar). A título de exemplo, podemos citar uma criança que recebe educação pública do Estado, financiada pelos impostos pagos por uma pessoa de 30 anos que está trabalhando (Lee, 2003). Apesar de as transferências não incluírem um pagamento formal, em situações de contratos informais, há um entendimento implícito que uma transferência similar vai ser feita em um período futuro para indivíduos em situações simetricamente opostas (Bernheim et al., 1985). Exemplificando, um pai faz transferências para um filho em idade escolar esperando que este, filho, faça transferências quando (ele) chegar à terceira idade, caracterizando uma espécie de seguro de longo prazo. Ou ainda, uma criança recebe transferências hoje e fará o mesmo para seus filhos quando chegar à idade ativa (Lee, 2003). Este último tipo de transferência é conhecido na literatura como “reciprocidade intergeracional indireta retrospectiva” (Arrondel e Masson, 2006). As transferências intergeracionais materiais dividem-se em públicas e privadas. Exemplos de transferências intergeracionais públicas são os programas da Previdência Social, respaldadas por um sistema formal- 327 mente conhecido como “de solidariedade intergeracional” (Lee, 1994). As transferências privadas, por seu turno, são aquelas que ocorrem entre os membros ligados por laços de parentesco e podem ocorrer tanto entre quanto no interior do mesmo domicílio. O cuidado com os pais idosos ou com os filhos jovens ou remitecências enviadas por membros da família que residem em outro domicílio são exemplos de transferências privadas. As trocas privadas de recursos são importantes por uma série de razões. Em primeiro lugar, elas proveem uma forma de transmissão de bem-estar entre os indivíduos. Em segundo lugar, podem influenciar a efetividade das políticas públicas de transferência de renda (Barro, 1974), dependendo da motivação dos agentes (Cox e Jakubson, 1995). Por exemplo, um aumento das transferências públicas de renda para um indivíduo pode levar a uma redução da ajuda monetária recebida de seus parentes se eles agirem de modo altruísta.2 Em terceiro lugar, os fluxos intergeracionais de riqueza intrafamiliares são considerados um dos determinantes da fecundidade (Cain, 1977; Caldwell, 1976). Em quarto lugar, as transferências através da família podem representar uma forma de transmissão de desigualdade entre gerações. Os pais podem fazer transferências compen- n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 328 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira satórias aos filhos mais necessitados ou repartir a herança de forma igualitária, o que poderia levar à mitigação ou à manutenção da desigualdade entre os filhos (Becker e Tomes, 1979; Menchik, 1988; Tomes, 1981). Em quinto lugar, as transferências privadas podem funcionar como mecanismo informal de relaxamento das restrições de crédito para domicílios jovens, especialmente em áreas com mercados financeiros pouco desenvolvidos (Foster e Rosenzweig, 2001). Em sexto lugar, as transferências privadas também podem afetar as taxas de poupança e acumulação de riqueza (Modigliani, 1988; Galé e Scholz, 1994). Enquanto os modelos de ciclo de vida preveem que a riqueza e a poupança são acumuladas para a aposentadoria, evidências têm sido coletadas de que parte da riqueza dos indivíduos advém de transferências privadas (Kotlikoff e Summers, 1981). Por fim, as trocas privadas influenciam os níveis de morbimortalidade (Mendes de Leon et al., 1999). Os motivos para as transferências privadas ganharam maior interesse em períodos recentes, e uma série de modelos teóricos foi desenvolvida para melhor entender os padrões observados (Becker, 1974; Berheim et al., 1985; McGarry, 1999; Stark e Zhang, 2002; Baker e Miceli, 2005). Apesar desse desenvolvimento, não existe uma literatura empírica muito extensa usando n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 esses modelos, principalmente por falta de dados adequados (Bernheim, 1985; Cox e Rank, 1992; Schoeni, 1997), e a maior parte dos existentes trabalham apenas com dados de países desenvolvidos (VanWey e Nelson, 2007; Arrondel e Masson, 2006) ou com países asiáticos (VanWey, 2004; DaVanzo e Chan, 1994). O sistema de transferência privada tem papel muito importante nos países em desenvolvimento, onde os sistemas de bem-estar social não são muito desenvolvidos. Apesar disso são poucos os estudos nessas regiões (De Vos, 1987; Saad, 1998; Carneiro, 2001; VanWey e Cebulko, 2007). Neste trabalho, contribuímos para a literatura estudando os perfis de transferências privadas em um arranjo tradicional de pequenos agricultores em uma área de assentamento no Estado do Pará. Para isso, usamos uma base de dados nova do projeto Amazonian Deforestation and the Structure of Household, desenvolvido pelo Anthropological Center for Training and Research on Global Environmental Change (ACT), da Universidade de Indiana, em Bloomington. Os dados se referem à população que vive, principalmente, nas áreas rurais da fronteira agrícola de Altamira, localizada na Amazônia Brasileira. Eles foram coletados em 1997/1998 e 2005 e contêm uma gama de informações socioeconômicas, demográficas e so- Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey bre transferências privadas, além de oferecer uma grande oportunidade de entender melhor os motivos das transferências privadas de parentes que residem em domicílios distintos. 2_ Arcabouço teórico e antecedentes As transferências intergeracionais privadas ganharam relevo a partir da década de 1970, especialmente após o trabalho seminal de Becker (1974) sobre as suas motivações. As teorias econômicas, assim como a teoria sociobiológica, têm como objetivo delimitar motivações universais para a ocorrência das trocas entre pais e filhos. As teorias sociológicas, por sua vez, utilizam as instituições, os processos culturais e a estrutura social como elementos fundamentais, válidos por si sós, para compreender a solidariedade geracional. As duas primeiras abordagens teóricas, no entanto, apesar de buscarem generalizar a discussão, compreendem as idiossincrasias como facilitadores ou elementos restritivos para que as trocas, sob suas motivações, realizem-se (Kohli, 2004). A teoria econômica das transferências intergeracionais trata, em geral, de dois aspectos distintos: o efeito da transmissão de recursos sobre a acumulação e a distribuição de riqueza das coortes, por um lado, 329 e as motivações para a troca, de outro. A primeira linha de argumentação procura determinar o peso das transferências inter vivos e dos bequests sobre o total de riqueza acumulada numa coorte e sobre o impacto dessas transferências em relação aos indicadores de desigualdade de renda (Kohli, 2004; Lee, 2003). A segunda repousa sobre duas principais teorias motivacionais: altruísmo (Becker, 1981) ou troca estratégica (Berheim et al., 1985). Sob um impulso altruísta efetivo, os indivíduos modificam seu nível de consumo de equilíbrio visando a garantir o bem-estar daqueles com os quais eles se preocupam. Por outro lado, sob a égide do autointeresse, um agente somente inicia um ato de transferência de recursos na medida em que alguma de suas necessidades seja suprida (total ou parcialmente) pela sua ação. Os estudos de contabilidade geracional têm demonstrado que os fluxos intergeracionais de riquezas são predominantemente descendentes (Kaplan, 1994; Lee, 2003), e que essa direção segue padrões diferentes de acordo com seu caráter público (dos adultos para os idosos) ou privado (dos pais para os filhos). Os estudos microeconômicos sobre motivações para as trocas apontam em direções conflitantes. Parte dos estudos argumenta que as trocas são principalmente motivadas pelo altruísmo n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 330 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira do indivíduo que faz a transferência (Foster e Rosenzweig, 2001; Laitner e Juster, 19963; Tomes, 1981; Lye et al., 1995; Bengtson e Murray, 1993; Cicirelli, 1981; Hamon, 1988; Logan e Spitze, 1995); outra parte aponta para a troca estratégica (Kotlikoff e Spivak, 1981; Bernheim et al., 1985; Menchik, 1988; Cox, 1987; Cox e Rank, 1992; Altonji et al., 1997; Yang, 1996). Estudos recentes têm trazido evidências de que as teorias econômicas motivacionais são, em algum grau, complementares, e que seu peso varia de acordo com o tipo de recurso transmitido (VanWey e Nelson, 2007), dos benefícios, preferências e necessidades dos agentes envolvidos (DaVanzo e Chan, 1994; Logan e Bian, 1999) e dos diferentes contextos culturais (Bongaarts e Zimmer, 2001). As teorias sociobiológicas (Low, 1998), também conhecidas como “teorias evolucionistas” (ou neodarwinistas), sugerem que os fluxos de riqueza devem ser descendentes, na medida em que os pais e os avós investem nos seus descendentes de modo a maximizar o valor reprodutivo familiar (ou seja, de modo a perpetuar, com máximo tamanho e probabilidade de sucesso, a linhagem genética). O foco é dado sobre a capacidade de uma determinada família de alocar recursos a fim de perpetuar o número máximo de genes que sejam mais adequados ao aumento do numerário familiar (Hrdy e Judge, 1993; Smith et al., 1987). n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 Apesar da redução da fecundidade em grande parte das sociedades contemporâneas, as evidências de fluxos descendentes de riquezas em sociedades em diversos graus de amadurecimento econômico (Lee, 2003; Kaplan, 1994; Lee e Kramer, 2002; Steklov, 1997) e preferência por investimento em filhos com maior valor reprodutivo (Smith et al., 1987) fornecem ainda vigor aos que advogam em favor da transmissão de riqueza material como forma de investimento parental. Ademais, há evidências empíricas de que a alocação de recursos (transmissão da terra e demais heranças relacionadas) entre filhos de famílias de agricultores sofre distinção por sexo e idade na intenção de resolver o trade off entre provisão dos filhos e manutenção da entidade econômica produtiva (a propriedade rural).4 Essas distinções são, em maior ou menor grau, influenciadas por pressão demográfica, nível de recursos relativos da família e número e sexo das crianças (Hrdy e Judge, 1993). A sociologia das trocas geracionais, por seu turno, utiliza três diferentes escopos: estrutural, institucional e cultural. Pela ótica estrutural, as trocas intergeracionais são influenciadas por mudanças demográficas, pelas relações de gênero, pela distribuição dos perfis ocupacionais, entre outros. Segundo as análises institucionais, as trocas são em parte reguladas e têm seu papel 3 Seus resultados sobre intenção dos pais de deixar bequests em forma de bens imóveis para os filhos com menor renda prospectiva, entretanto, é relevante apenas entre os domicílios menos afluentes. 4 Esse argumento também está por trás da justificativa econômica para a manutenção do sistema de primogenitura. Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey 5 Para tanto, foram utilizadas imagens classificadas de satélite sobre a cobertura do solo da área de estudo, sobreposta à grade original das propriedades fornecidas aos colonos pelo INCRA. Foram utilizadas imagens para diferentes anos: 1970, 1973, 1975, 1976, 1978, 1979, 1985, 1988, 1991 e 1996, representando aproximadamente 27, 24, 22, 21, 19, 18, 12, 9, 6 e 2 anos precedentes à coleta dos dados. Para as imagens da década de 1970, foram utilizadas imagens Landsat Multispectral Scanner (MSS), ao passo que para as décadas de 1980 e 1990, foram utilizadas imagens de satélite do tipo Thematic Mapper (TM). Foram também utilizadas fotografias aéreas no ano de 1970 para completar a seqüência de imagens que compuseram a série temporal classificada da cobertura do solo da área de estudo. Para maiores detalhes, ver Brondízio et al. (2002). modificado na presença, por exemplo, de instituições pró-idoso ou regras tácitas de apoio intrafamiliar por gênero e ordem do filho. A perspectiva culturalista dá relevo às especificidades locais e às manifestações idiossincráticas dos costumes como explicação para determinados arranjos de suporte geracional. Parte dos trabalhos culturalistas enfatiza o processo de modernização (individualização) como uma nova faceta cultural que leva a alterações nos arranjos de solidariedade intergeracional (Kohli, 2004). Essas teorias, em vez de conflitantes, podem revelar dimensões diferentes dos processos materiais privados de trocas. Além disso, a base de dados utilizada contém informações que nos possibilitam desenvolver, com razoável detalhe, perfis de transferências privadas baseados em atributos multidimensionais. Por essas razões, tendo em vista o limite de suas congruências, respaldamos nossa argumentação sobre as três possibilidades teóricas e as oportunidades geradas pela utilização de um arcabouço geral e multidimensional. 3_ Metodologia 3.1_ Dados Os dados utilizados neste trabalho fazem parte do projeto Amazonian Deforestation 331 and the Structure of Households, desenvolvido pelo ACT, da Indiana University at Bloomington. O projeto aborda três áreas principais: Santarém, Altamira e Lucas do Rio Verde. A região pesquisada em Altamira possui uma cobertura geofísica de 404.700 hectares e situa-se predominantemente na área rural de Altamira, Brasil Novo, Uruará e Medicilândia. Existem duas ondas de dados para a área de estudo com disponibilidade de informações sobre transferências privadas: a primeira em 1997/1998, e a segunda em 2005. Os dados de 1997/1998 correspondem a uma amostra de domicílios que representavam a posse de 402 parcelas de terra. As parcelas correspondem a uma amostra aleatória estratificada dos lotes definidos pelo Incra (digitalizados baseando-se em mapas impressos – de papel – dos limites das parcelas, com essas fronteiras então corrigidas com base em trabalho de campo). A amostra foi estratificada por coortes de assentamento (o ano de chegada para o domicílio de colonização), definidas pelo ano em que pelo menos 5% de área desmatada dentro de cada parcela de terra era visível nas imagens classificadas de satélite5 (Brondízio et al., 2002). Por exemplo, se 1973 foi o primeiro ano em que 5% de um lote específico, digamos o lote 15, foi classificado como área desmatada, sendo os n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 332 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira demais 95% sob cobertura florestal intacta, esse lote foi considerado como se estabelecendo na área de estudo em 1973. Portanto, o lote 15 foi tomado como membro da coorte de assentamento do ano de 1973. O mesmo procedimento foi repetido para todos os lotes da grade original de lotes definidos pelo Incra. Na pesquisa, o chefe do domicílio com propriedade própria (homem ou mulher) e seu respectivo cônjuge foram entrevistados (incluindo alguns que não viviam em suas propriedades). Para o homem, foi aplicado o questionário econômico e de uso da terra; para a dona de casa (mulher do chefe), aplicou-se um questionário socioeconômico e demográfico. Também foram entrevistadas todas as outras mulheres na propriedade que tinham 15 anos ou mais de idade. Para essas, foi aplicado apenas o questionário de história reprodutiva e de uso de métodos contraceptivos. Em 2005, foi conduzida uma pesquisa de acompanhamento (follow up) que procurou entrevistar três grupos de pessoas: o mesmo casal entrevistado em 1997/1998, os domicílios localizados em qualquer porção da propriedade amostrada em 1997/1998, e os filhos do casal entrevistado em 1997/ 1998 que haviam se mudado dos domicílios dos pais e residiam em seu próprio domicílio em 2005. O survey limitou o acompanhamento àquelas pessoas que ainda viviam na n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 zona rural da área de estudo e àquelas que viviam nas cidades de Uruará, Brasil Novo, Medicilândia e Altamira. Foi entrevistado pelo menos um dos membros dos casais entrevistados em 1997/1998 (ou seja, o chefe, a esposa, ou ambos) para 363 entre 399 domicílios originalmente entrevistados em 1997/ 19986. Dos 399 chefes de domicílios homens, 339 foram entrevistados, 21 faleceram, 25 haviam deixado a área de estudo, 3 se recusaram, e para 11 não se pode localizar nenhum tipo de informação. Das 372 mulheres donas de casa, 320 foram entrevistadas, 14 haviam falecido, 22 tinham deixado a área de estudo, 3 se recusaram, e não foi possível obter informações para 13. Foram entrevistados 384 domicílios próprios dos 402 da onda anterior (1997/1998). Finalmente, foram realizados acompanhamentos de 990 filhos que estavam no domicílio do casal entrevistado em 1997/1998. Desses, foram entrevistados 787, 17 faleceram, 119 estavam fora da área de estudo, e para 65 foi impossível obter informação. Utilizamos somente os dados referentes a 2005, preservando unicamente a informação sobre os filhos sobreviventes à data da pesquisa (julho, agosto e setembro de 2005) e que não corresidiam na mesma unidade domiciliar dos pais naquela data. Os filhos que moravam na mesma propriedade rural, porém em domicílios indepen- 6 Alguns desses 399 lotes originais foram vendidos para novos donos. Portanto, apesar de para apenas 363 lotes pelo menos um dos donos originais terem sido entrevistados em 2005, a amostra final, restrita apenas ao ano de 2005, resultou em 388 domicílios. Essa diferença ocorre em razão de novos domicílios terem sido criados com a chegada de novos donos após 1997/1998, os quais podem ter comprado o lote integralmente ou parte dele. Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey dentes, foram preservados na amostra. Para esses filhos que moravam no mesmo lote (propriedade rural) que os pais, todavia em domicílios diferentes, as perguntas sobre transferências privadas foram aplicadas. As informações sobre transferência só não foram feitas para os filhos corresidentes, uma vez que o desenho teórico da pesquisa assume income and commodities pooling para o mesmo domicílio. O total de observações resultantes foi de 1.569 pessoas (388 domicílios). Nenhuma informação da amostra de 1997/98 foi utilizada no presente trabalho. Os dados nos permitem identificar diversas formas de transferências privadas, tanto materiais como não materiais (tais como visitas). Neste trabalho, focamos nas seguintes formas de transferência: número de visita nos últimos 12 meses; tipo de ajuda nos últimos 12 meses (nenhuma, trabalho, dinheiro, múltiplas, outro tipo) dos pais para os filhos e dos filhos para os pais, e, por fim, transferência monetária líquida (recursos monetários transferidos dos pais para os filhos, subtraídos dos recursos monetários transferidos dos filhos para os pais). As demais variáveis empregadas para a análise de cluster foram: idade (até 9, 10 a 19, 20 a 29, 30 a 39, 40 a 49, 50 e mais, ignorado), sexo, local de residência corrente (propriedade rural, área de estudo, outra parte do Pará, fora do Pará, ignorado), status ci- 333 vil (solteiro, casado, unido, separado, divorciado, viúvo, ignorado), nível educacional (analfabeto, 1 a 4 anos, 5 a 8 anos, 9 a 11 anos, 12 anos e mais, ignorado), ordem de parturição (primogênito, intermediário, ultimogênito, filho único, ignorado), número de filhos tidos pela mãe (1, 2, 3 a 9, 10 e mais, ignorado), tempo fora da propriedade (menos de 1 ano, 1 ano, 2 a 4 anos, 5 a 9 anos, 10 a 19 anos, 20 anos e mais, ignorado), ocupação principal dos filhos (agropecuária, comércio, profissionais, serviço doméstico, outras profissões, ignorado). Embora a renda individual seja considerada pela literatura teórica como um importante marcador das transferências (Altonji et al., 1997), o banco de dados não traz essa informação no nível dos filhos que moram fora da unidade domiciliar. Para superar essa limitação, utilizamos os indicadores de escolaridade e status ocupacional corrente dos filhos. É comum nos trabalhos empíricos aproximar a renda dos membros não corresidentes utilizando-se o nível educacional – como renda permanente – e/ou a ocupação principal – como renda corrente (Turra e Queiroz, 2005). 3.2_ Método Neste trabalho, empregamos uma metodologia de lógica fuzzy, denominada “Gra- n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 334 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira de of Membership” (GoM), com vista a delinear perfis de transferências intergeracionais privadas (Woodburyet al ., 1978). O GoM é uma metodologia estatística utilizada para delinear perfis valendose de uma base de dados heterogênea, multidimensional, permitindo identificar grupos (clusters) e descrever as diferenças entre esses. Diferentemente da maioria dos métodos estatísticos de análise de cluster, o GoM não considera que pessoas e objetos são organizados em conjuntos bem definidos. Como um mesmo indivíduo pode ter certo grau de pertinência a múltiplos grupos, o modelo é também chamado de “modelo de conjuntos nebulosos”. A aplicação dessa metodologia para o delineamento de perfis considera que: 1. A associação não observada entre as categorias das variáveis no modelo delineia dois ou mais perfis bem determinados que se denominam “perfis extremos” ou “de referência”; 2. Esses perfis extremos correspondem a conjuntos fechados clássicos e com todas as suas propriedades; 3. A cada indivíduo são atribuídos graus de pertinência aos perfis extremos. Assim, se um indivíduo possui todas as características de n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 um dos perfis extremos, o grau de pertinência a esse perfil será de 100% e, consequentemente, 0% aos demais. Quanto mais esse indivíduo se aproximar do perfil extremo, maior será o seu grau de pertinência em relação a esse perfil e menor em relação aos demais. Não é raro ter-se indivíduos que estejam equidistantes a todos os perfis extremos, não possuindo, portanto, características que os aproximem daqueles perfis gerados; 4. Os graus de pertinência dos indivíduos constituem um conjunto nebuloso. Nesse sentido, quanto maior o número de variáveis, mais bem definido fica o conjunto; 5. Como os elementos desse conjunto são atributos individuais, a questão da heterogeneidade, presente e mal resolvida em muitos métodos estatísticos, não se torna um problema para o GoM; 6. O método estima os seus parâmetros por processos iterativos e, portanto, quanto menor o tamanho da amostra, menor o seu tempo de convergência. As considerações anteriores atestam que o GoM tem, entre outras, a qualidade de analisar dados categóri- Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey cos de pequenas amostras com um grande número de variáveis. O modelo estima um escore de grau de pertinência, para cada indivíduo, relativo aos diversos conjuntos, ou seja, a partição nebulosa dos indivíduos para se obter os perfis extremos. Para cada elemento em um conjunto nebuloso, existe um escore de grau de pertinência (g ik ), que representa o grau com que o elemento “i” pertence ao perfil extremo k. Esses escores variam entre 0 e 1: 0 indica que o elemento não pertence ao conjunto, e 1 que o elemento pertence completamente ao conjunto. O valor g ik representa a proporção ou intensidade de pertinência a cada perfil extremo. Assim sendo, temos as seguintes restrições para a medida: g ik ³ 0 para cada i e j k åg ik = 1 para cada i k=1 Para a formulação do modelo e estimação dos parâmetros (escores), são necessários os seguintes pressupostos: 1. as variáveis aleatórias representadas por Y ijl , onde “i” se refere ao indivíduo, “j” à questão e “l” à categoria de resposta de cada variável, são independentes para diferentes “i”. Ou seja, as respostas 335 dos diferentes indivíduos são independentes; 2. os g ik (k = 1, 2, ..., k) são realizações das componentes do vetor aleatório z i = ( z il ,... , z ik ) com função de distribuição H ( x ) =. P ( z i £ x ) Ou seja, os escores GoM são realizações de variáveis aleatórias quando um indivíduo é selecionado na população. A distribuição da amostra das realizações (os escores na amostra) fornece estimativas da função de distribuição H ( x ); 3. se o grau de pertinência g ik é conhecido, as respostas do indivíduo “i” para as várias questões Y ijl são independentes para as categorias de cada variável; 4. a probabilidade de resposta “l”, para a j-ésima questão, pelo indivíduo com o k-ésimo perfil extremo é l kjl . Por pressuposto do modelo, existe pelo menos um indivíduo que é um membro bem definido do k-ésimo perfil. Tal pressuposto dá a probabilidade de resposta para esse indivíduo para os vários níveis de cada questão. Podemos, então, escrever esse pressuposto como: n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 336 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira l kjl ³ 0 para cada k, j e l k ål kjl = 1 para cada k e j k=1 5. a probabilidade de uma resposta de nível “l”, da j-ésima questão, pelo indivíduo “i”, condicionada ao escore g ik , será dada por: k P ( Y ijl = 1 ) = å g ik l kjl = 1 k=1 Com base nos pressupostos acima, o modelo de probabilidade para a construção do procedimento de estimação de máxima verossimilhança é formulado. O modelo de probabilidade para uma amostra aleatória é o produto do modelo multinomial com a probabilidade de cada célula, dada por: k E( Y ijl ) = å g ik l kjl k=1 onde g ik é, por pressuposto, conhecido e maior ou igual a zero. Considerando os pressupostos acima, o modelo de máxima verossimilhança pode ser escrito com: I æ k L ( y ) = P P P çç å g ik l kjl i =1 j = 1 l =1 è k=1 J L ö ÷÷ ø yijl Foram gerados três perfis extremos de transferências intergeracionais privadas, n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 denominados de “Jovens Distantes Desligadas por Conflitos”, “Casadas Locais Ajudantes” e “Primogênitos Visitantes Financiados” (vide Tabela 1). Esses perfis deram origem a mais 13 perfis mistos além de um grupo sem predominância clara de nenhum dos perfis extremos, denominado de “Perfil Amorfo” (vide Tabela 1 e Tabela 2). Mais detalhes sobre a criação dos perfis extremos, o algoritmo utilizado para geração dos perfis mistos além das características de cada um dos perfis, são descritos na seção a seguir. 4_ Resultados 4.1_ Delimitação dos perfis extremos Há dois critérios para estabelecer o número de tipos puros: o que Sawyer et al. (2002) chamam de “significância substantiva” ou o critério técnico sugerido por Manton et al. (1994). De acordo com os últimos autores, um modelo com k + 1 perfis podem ser comparados com um modelo com k perfis, usando os valores do critério de Akaike (AIC) para cada perfil extremo como uma estatística de teste. Uma generalização do AIC estimado da função de máxima verossimilhança permite a seleção do modelo com a menor distância dos dados, mesmo em casos em que o modelo estrutural é desconhecido. Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey 337 Tabela 1_ Caracterização dos tipos puros e freqüências marginais absoluta e relativa dos perfis mistos dos filhos de proprietários rurais e seus(uas) filhos(as)/genros/noras residentes segundo tipologia de predominância de características dos perfis extremos – Altamira, Brasil Novo, Medicilândia e Uruará em 2005 Descrição do Perfil Extremo Jovens distantes desligadas por conflito: mulheres, jovens, solteiras ou divorciadas, com número intermediário de irmãos, primogênitas, ultimogênitas ou filhas únicas, analfabetas ou com maior escolaridade, profissionais ou sem profissão, que saíra pra estudar ou por conflito, para fora do Pará ou outras áreas do estado e que apresentam baixo envolvimento nas trocas familiares. Casadas locais ajudantes: mulheres, adultas jovens, casadas, separadas ou viúvas, de ordem intermediária de nascimento, com menor escolaridade, que trabalham na agricultura, pecuária ou tarefas domésticas, que saíram de casa para casar, residentes na área de estudo, e envolvem-se em trocas familiares especialmente através de visitas freqüentes e ajudas com trabalho. Perfis com Predominância EP1 67 0.0427 PL11 131 0.0835 PL21 11 0.0070 MP12 14 0.0089 MP13 44 0.0280 Subtotal 267 0.1701 EP2 245 0.1562 PL12 245 0.1562 PL22 35 0.0223 MP21 43 0.0274 MP23 90 0.0574 Subtotal Primogênitos visitantes financiados: homens, adultos, casados ou viúvos, com grande número de irmãos, primogênitos, com escolaridade média, trabalhadores da agricultura, pecuária, comércio e profissionais, que saíram de casa ou da propriedade pra trabalhar, a muito tempo, residentes no Pará, na propriedade ou nunca moraram na região e que envolvem-se em freqüentes trocas privadas através de visitas constantes e de dinheiro, com um fluxo monetário recebido dos pais maior do que o enviado a eles. Freqüência Marginal Absoluta Relativa 658 0.4195 EP3 10 0.0064 PL13 85 0.0542 PL23 15 0.0096 MP31 25 0.0159 MP32 49 0.0312 Subtotal 184 0.1173 NMP123 21 0.0134 Não definido TOTAL 439 0.2798 1569 1.0000 Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados de Altamira, 2005. Nota: EP.N correspondem aos perfis extremos; PL1.N correspondem aos perfis mistos do primeiro nível, com um mínimo de 70% de predominância do perfil N; PL2.N são os perfis de segundo nível em que apresentam predominância do perfil N entre 50 a 70% e menos do que 40% dos demais; MP.NM correspondem aos perfis mistos com predominância de N, com 60 a 70% de N e 30 a 40% de M; NMP123 corresponde ao perfil em que não há predominância de nenhum perfil, ou seja, 40 a 50% possível a qualquer de dois grupos pareados. Os demais indivíduos foram classificados no grupo mal definido. n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 338 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira Tabela 2_ Denominação dos perfis puros e mistos Denominação Código EP1 Jovens distantes desligadas por conflito PL11 Jovens distantes desligadas PL21 Jovens distantes desligados MP12 Primogênitas locais visitantes MP13 Solteiros locais co-produtores EP2 Casadas locais ajudantes PL12 Casadas locais visitantes PL22 Separadas locais MP21 Filhas estudantes visitantes MP23 Locais co-produtores de alto capital agrícola PL13 Locais visitantes com alto capital agrícola PL23 Casados urbanos visitantes MP31 Filhos remitecentes MP32 Adultos visitantes financiados EP3 Primogênitos visitantes financiados Fonte: Base de dados de Altamira (2005). Sawyer et al. (2002), no entanto, argumentam que é sempre preferível utilizar o número de perfis estabelecido pela literatura, caso alguma sugestão teórica exista, ou seja, caso algum modelo estrutural esteja disponível como referência. A literatura sobre transferências privadas estabelece três tipos de transferência: ascendente, nula e descendente (Arrondel e Masson, 2006; Laferrère e Wolff, 2006; Schokkaert, 2006). Testamos a criação de 2, 3 e 4 perfis extremos. Para cada número definido de perfis, procedemos n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 cinco rodadas do GoM e comparamos os resultados gerados. Após o teste de sensibilidade feito utilizando o critério técnico sugerido por Manton et al. (1994), o modelo final com três perfis extremos foi o que resultou em menor distância entre os dados (menor AIC). Graças à consistência entre o número de perfis sugerido no modelo estrutural estabelecido na literatura (três) e o resultante do critério de seleção baseado no valor do AIC, decidimos pela manutenção de três perfis extremos. Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey Após estabelecer o número de grupos de referência (perfis extremos), o próximo passo é definir quem eles são; ou seja, é necessário caracterizá-los. Para identificá-los, há três alternativas: 1) através de seleção aleatória, 2) via restrição externa, utilizando-se um atributo predefinido7 ou 3) fixando o grau de pertinência de um subgrupo de variáveis da amostra selecionada com vistas a delinear os perfis finais8 (Machado, 1997; Sawyer et al., 2002). Por exemplo, se há um consenso de que idade é um delimitador mais importante das transferências do que as demais variáveis, como sexo e escolaridade, a variável etária deveria ser eleita como uma restrição externa, a qual force os perfis extremos a serem selecionados com base nas diferentes categorias etárias. 8 Nesse caso, criam-se perfis extremos baseados somente nas variáveis específicas sobre transferências privadas. Esse passo corresponderia ao primeiro estágio de estimação. No segundo estágio, as demais variáveis, como idade, sexo, escolaridade, ocupação etc., seriam utilizadas para a criação de novos perfis, condicionados aos perfis extremos gerados no primeiro 7 estágio. Essa é uma forma semi-paramétrica de analisar a influência das variáveis do segundo estágio sobre o primeiro. Métodos alternativos, como a utilização de modelos logit multinomial para se avaliar o efeito marginal das variáveis do segundo estágio sobre os perfis gerados no primeiro estágio, são também utilizados nas aplicações da análise mista de análise descritiva através de grupos nebulosos combinadas com técnicas inferências (Seplaki et al., 2004). 9 Quando se objetiva descrever o comportamento amostral, a seleção aleatória é mais adequada exatamente por dar peso idêntico a todos os atributos utilizados na delimitação dos perfis finais. 339 No presente artigo, utilizamos a seleção aleatória nos dois grupos de variáveis (externas e internas) para livremente descrever a heterogeneidade presente em nossa amostra. A seleção aleatória é um método atraente para definir grupos de referência porque permite que todos os atributos tenham peso idêntico. O método de restrição externa tem maior apelo somente quando há consenso sobre a variável mais importante para se delimitar a natureza de um perfil extremo. A opção pela terceira alternativa depende, em larga medida, do objetivo do trabalho. Em geral, em trabalhos de natureza puramente descritiva, como este estudo, a alternativa que melhor9 representa a heterogeneidade amostral é a utilização da seleção aleatória das primeiras i, observações que definirão o número de perfis extremos previamente estabelecidos (no nosso caso, k i = 3). Conforme discutido por Sawyer et al. (2000), a não utilização de uma restrição externa para a delimitação dos perfis não torna os resultados menos precisos, uma vez que a técnica de delineamento é baseada na distância a um perfil extremo. Portanto, não importam quais sejam os primeiros i indivíduos selecionados para representarem os perfis de referência. A aglomeração e o cálculo de graus de pertencimentos baseiamse na distância dos demais indivíduos a eles. n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 340 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira Uma vez que desejamos estabelecer algum grau de agrupamento entre as variáveis de transferências intergeracionais, geramos os três primeiros perfis extremos utilizando as variáveis de transferências, selecionando as três primeiras observações de forma aleatória. Uma vez calculados os graus de pertencimento g 1 , g 2 e g 3 , fixamos os seus valores e reestimamos os perfis extremos finais usando as demais variáveis (características sociodemográficas, espaciais e temporais), selecionando as primeiras três observações também de modo aleatório. Procedemos à delimitação dos perfis mistos, utilizando as probabilidades estimadas de pertencimento de cada categoria de uma variável a cada um dos tipos puros. O Anexo apresenta as variáveis associadas às suas frequências marginais, absoluta e relativa, e os valores de l kjl . Os valores del kjl são utilizados de modo a estabelecer um critério de corte para avaliar a dominância de cada atributo no perfil, conhecido como RLFM (Relação Lâmbida Frequência Marginal). Divide-se cada valor l kjl (probabilidade estimada) pela frequência marginal relativa. Nosso critério de corte foi de 1,2. Isso significa dizer que, toda vez que a probabilidade estimada de uma categoria ocorrer em um determinado perfil e for pelo menos 20% maior do que a observada na amostra, aquela categoria é classificada como n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 dominante no perfil (valores em negrito). Valores entre 1,15 e 1,19 foram considerados como dominância marginal e mantivemos apenas aqueles considerados como tendo relevância teórica (valores em itálico). Alguns estudos utilizam uma RLFM mais elevada, incrementando a chance de uma característica não ser selecionada para o perfil (ver Machado, 1997). O limiar é algo arbitrário e depende do grau de heterogeneidade que se queira captar na amostra (Sawyer et al., 2002). A Tabela 1 sumariza as características dominantes dos três perfis extremos gerados. A seguir, descrevemos os atributos relacionados às transferências privadas e as características sociodemográficas, espaciais e temporais de cada perfil definido. O Perfil 1 apresenta as seguintes características: a) atributos das transferências: visitaram raramente o domicílio, não deram nenhuma ajuda aos pais, não receberam nenhum ajuda dos pais, tendo, portanto, uma transferência monetária líquida nula com o domicílio parental; b) atributos sociodemográficos e espaciais: mulheres, de 0 a 29 anos , solteiras ou divorciadas, primogênitas, ultigênitas ou filhas únicas, com até 9 irmãos, analfabetas ou com escolaridade superior ou igual a segundo grau, que tinham como ocupação principal atividades profissionais, outros tipos de ocupação ou Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey não trabalhavam, residentes fora do Pará, em outras regiões do Estado (excluindo a área de estudo) ou que nunca moraram no domicílio, que saíram de casa ou da propriedade para estudar, por conflito com outros familiares ou por outros motivos, há no máximo quatro anos. Esse perfil corresponde a 4,27% da população amostrada (67 observações). O Perfil 2 corresponde a: a) atributos das transferências: visitaram os pais de duas vezes ao mês a diariamente, ajudaram o domicílio com trabalho, ajudas múltiplas e outros tipos de ajuda e receberam como ajuda trabalho e outros tipos de ajuda, resultando numa transferência monetária líquida nula entre eles e o domicílio parental; b) atributos sociodemográficos e espaciais: mulheres, de 20 a 39 anos, casadas, separadas ou viúvas, de ordem intermediária de parturição (relevância marginal), com primeiro grau, tendo como ocupação principal a agropecuária ou o trabalho doméstico, residentes na área de estudo (Altamira, Brasil Novo e Medicilândia) e que deixaram o domicílio ou a propriedade entre 5 e 19 anos atrás para casar-se. O perfil 2 representa 15,62% da amostra (245 observações). O perfil 3 é representado por: a) atributos das transferências: visitaram seus pais de mensal a semanalmente, ajudaram o domicílio com dinheiro, ajudas múltiplas 341 e outros tipos de ajuda e receberam dinheiro e ajudas múltiplas em contrapartida, resultando num fluxo descendente em maior proporção do que o ascendente (os pais mandando mais dinheiro para os filhos do que recebendo desses); b) atributos sóciodemográficos e espaciais: homens, de 40 a 59 anos, casados ou viúvos, primogênitos, com 10 irmãos ou mais, com o segundo ciclo do primeiro grau completo, trabalhadores da agricultura, comércio, atividades profissionais ou outras, residentes em áreas do Pará que não a área de estudo ou na propriedade rural, que deixaram o domicílio ou a propriedade há pelo menos 20 anos, com vistas a trabalhar. Sua representatividade é de apenas 0,64% (10 observações). 4.2_ Definição dos perfis mistos Na subseção acima, estabelecemos 3 perfis extremos. Um perfil é considerado puro quando os seus elementos apresentam grau de pertencimento igual a 1. Dessa forma, podemos escrever os perfis extremos 1, 2 e 3. EPin Þ g in = 1 com n = 1, 2, 3 e i = 1, ..., 1569 Esses perfis, no entanto, podem encerrar características singulares ou raras numa população. A definição de perfis mistos nos possibilita desmembrar cada indivíduo n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 342 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira em seus diversos atributos e ponderar o quanto cada uma de suas características dista daquelas observadas nos perfis puros. A definição de perfis mistos é relevante na medida em que, em geral, a maioria da população difere, em algum grau, dos perfis extremos. Essa distância é resultado da heterogeneidade presente. Os três perfis puros definidos em nosso estudo foram capazes de resumir apenas 20,53% da população estudada; ou seja, aproximadamente 80% dos filhos residentes fora dos domicílios dos pais possuem algum grau de diferença em relação aos três tipos puros delimitados. Por definição, quanto mais um indivíduo difere, em termos de atributos, do perfil puro, menor a preponderância daquele perfil sobre a sua caracterização. Por esse motivo, o critério de aglomeração de indivíduos, segundo a predominância de determinado tipo puro, parece mais apropriado (Machado, 1997). Pelo critério de predominância, estabelecemos um algoritmo capaz de definir cinco tipos específicos de perfil misto, os quais combinam diferentes graus de pertencimentos aos perfis extremos gerados acima: a. Perfis de Nível 1 (altíssima preponderância do tipo puro n) P1n Þ 08 . ³ g in > 1 com n = 1, 2, 3 e i = 1, ..., 1569 n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 b. Perfis de Nível 2 (alta preponderância do tipo n e baixa dos demais) P21 Þ ( 06 . ³ g i 1 ³ 07 . ) Ç ( g i 2 + g i 3 £ 0.4 ) P22 Þ ( 06 . ³ g i 2 ³ 07 . ) Ç ( g i 1 + g i 3 £ 0.4 ) P23 Þ ( 06 . ³ g i 3 ³ 07 . ) Ç ( g i 1 + g i 2 £ 0.4 ) c. Perfis Mistos com Predominância (alta preponderância do tipo n e baixa de cada um dos demais) MP12 Þ ( 06 . ³ g i 1 ³ 07 . ) Ç ( 03 . £ g i 2 £ 0.4 ) MP13 Þ ( 06 . ³ g i 1 ³ 07 . ) Ç ( 03 . £ g i 3 £ 0.4 ) MP21 Þ ( 06 . ³ g i 2 ³ 07 . ) Ç ( 03 . £ g i 1 £ 0.4 ) MP23 Þ ( 06 . ³ g i 2 ³ 07 . ) Ç ( 03 . £ g i 3 £ 0.4 ) MP31 Þ ( 06 . ³ g i 3 ³ 07 . ) Ç ( 03 . £ g i 1 £ 0.4 ) MP32 Þ ( 06 . ³ g i 3 ³ 07 . ) Ç ( 03 . £ g i 2 £ 0.4 ) d. Perfis Mistos sem Predominância (graus de pertencimentos semelhantes aos perfis n) NMP123 Þ [( 0.4 ³ g i 1 ³ 05 . ) Ç ( 0.4 ³ g i 2 ³ 05 . )] È È[( 0.4 ³ g i 1 ³ 05 . ) Ç ( 0.4 ³ g i 3 ³ 05 . )] È È[( 0.4 ³ g i 2 ³ 05 . ) Ç ( 0.4 ³ g i 3 ³ 05 . )] e. Perfil Amorfo ND – Demais As colunas 2 e 3 da Tabela 1 apresentam as frequências marginais (absoluta Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey e relativa) dos perfis mistos gerados. De acordo com a tabela, entre os perfis mistos, os de primeiro nível são os mais representativos, seguidos dos mistos com predominância. Entre esses, os com preponderância do perfil 2 são os de maior número (PL12+MP23=21,36% das 1.569 observações), seguidos do perfil 1 (PL11 + MP13 = 11,15% das 1.569 observações) e, por fim, os do perfil 3 (PL13 + MP32 = 8,54% das 1.569 observações). A Tabela 2 apresenta a denominação dos perfis mistos com algum grau de predominância. O perfil não predominante e o não determinado apresentaram distribuição monotônica na maioria dos atributos, conforme desejávamos. Os perfis extremos revelaram três grupos distintos: um grupo de baixo envolvimento nas transferências intergeracionais (perfil 1), o de alto envolvimento nas trocas através de visitas e ajuda com trabalho (perfil 2) e o de alto envolvimento nas trocas com visitas e dinheiro (perfil 3). No entanto, esses três perfis só representam 20% aproximadamente da população em estudo. Entre os grupos mistos de predominância do tipo 1, podemos destacar dois grupos: as jovens distantes desligadas e os jovens distantes desligados, correspondentes aos que não se envolveram em trocas privadas (jovens, de ambos os sexos, com bai- 343 xa escolaridade, residentes fora do Estado do Pará) e os mistos com predominância díade (o grupo das primogênitas locais visitantes e dos solteiros locais coprodutores), caracterizados por baixo envolvimento em transferências familiares (jovens, de ambos os sexos, residentes na área de estudo que saíram para estudar). Entre esses últimos, os homens parecem receber dinheiro dos pais, ao passo que as mulheres, primogênitas, não. Isso pode estar relacionado com o fato de que a maioria dessas mulheres é casada, sendo provável que os maridos financiem seus gastos com educação. Quanto aos perfis mistos com predominância do tipo 2, identificamos dois tipos: o perfil das casadas locais visitantes, composto de mulheres jovens, casadas, que visitam regularmente, mas com baixo envolvimento nas trocas, e o perfil das estudantes visitantes, formado por filhas jovens, em geral residentes nas áreas urbanas da região de Altamira, Brasil Novo e Medicilândia e que são ajudadas com dinheiro em vista de financiar os estudos, além do grupo dos locais coprodutores de alto capital agrícola, em sua maioria adultos, casados, trabalhadores agrícolas e que ajudam a família com trabalho, também participando no lote dos resultados da produção agrícola. Os perfis mistos com preponderância do tipo 3 correspondem aos perfis os n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 344 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira quais podem ser caracterizados pelos indivíduos com alta participação nas trocas, beneficiados pelo fluxo monetário descendente, de baixa escolaridade e do sexo masculino, envolvidos em outras atividades não agrícolas de menor remuneração, mas que retribuem a ajuda financeira dada pelos pais com trabalho e visitas. Também delimitamos um perfil misto predominante de fluxo ascendente, os quais são homens que possuem alta escolaridade e moram fora do Pará (que chamamos de grupo dos filhos remitecentes). Em suma, podemos verificar que a predominância do perfil puro 1 acarreta aumento da chance de ultimogenitura, de pertencimento a famílias menores, de rejuvenescimento do grupo, de ser mulher, de ser solteiro, de morar fora do Pará, de ter deixado o domicílio há menos tempo para estudar e de baixo envolvimento nas trocas. A primogenitura, entre as mulheres, está associada ao aumento da chance de sair de casa por motivo de conflito. A predominância do perfil 2, por seu turno, aumenta a chance de agrupar mulheres, de envelhecer o grupo, de aumentar a quantidade de pessoas no trabalho doméstico, de concentrar pessoas na área de estudo e de ajudar com trabalho. Por fim, a inclusão do perfil 3 na composição dos grupos mistos tende a masculinizar e a envelhecer o grupo, aumentar a primogenitura e ter uma n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 quantidade maior de irmãos, de estar mais tempo fora de casa, de sair de casa para trabalhar e de envolver os seus membros em envio e recebimento de dinheiro com o domicílio parental. A Figura 1 (a, b) ilustra a distribuição dos perfis segundo as transferências monetárias líquidas. A categoria “Zero/Saldo Nulo” representa tanto as famílias em que os filhos e os pais não trocam recursos monetários quanto aquelas em que os montantes enviados e recebidos igualam-se.10 Os fluxos descendentes líquidos representam investimento parental, enquanto que os ascendentes correspondem a investimento dos filhos nos pais. O exemplo do grupo dos filhos remitecentes (MP31) fica evidente na Figura 1b. 5_ Discussão Apesar de não termos estudado o fenômeno da corresidência entre pais e filhos, as demais formas de suporte e trocas intergeracionais revelaram que as famílias na região de fronteira agrícola da Amazônia envolvem-se intensamente em trocas de todos os tipos. Os resultados corroboram as evidências encontradas por VanWey e Cebulko (2007), estudando o caso de Santarém, no Pará (outra área de estudo do projeto Amazonian Deforestation and Structure of Households utilizado neste artigo). 10 Apesar de serem distintos, esses dois grupos de transferências nulas foram tratados em uma única categoria, uma vez que para apenas 5 observações o valor monetário enviado foi exatamente igual ao valor recebido. Dentre essas 5 observações, 2 pertenciam ao perfil não-definido, 1 ao perfil PL11, 1 ao perfil PL13 e 1 ao perfil MP23. Contrastamos os gráficos excluindo esses cinco casos, porém não houve diferença no comportamento dos valores relativos. Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey 345 Figura 1a_ Transferências monetárias líquidas entre Pais e Filhos em Altamira, 2005 (perfis extremos) 100 100 100 80 Zero/Saldo Nulo 60 Descendente 60 Ascendente 40 20 20 10 0 0 0 0 Ep1 0 Ep2 Ep3 Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados de Altamira (2005). Figura 1b_ Transferências monetárias líquidas entre Pais e Filhos em Altamira, 2005 (perfis extremos) 100 80 60 40 20 0 PL11 PL12 Zero/Saldo Nulo PL13 PL21 Descendente PL22 PL23 MP12 MP13 MP21 MP23 MP31 MP32 Ascendente Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados de Altamira (2005). n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 346 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira A frequência das trocas está, em parte, condicionada pela baixa presença do Estado, por um mercado de trabalho pouco desenvolvido e pelo modo de organização da produção, de base familiar. A produção agrícola e pecuária, atividades intensivas em trabalho, e baseadas no trabalho familiar, ajudam a criar uma norma de ajuda mútua, o que favorece a manutenção desses laços de solidariedade, mesmo após os filhos terem saído do domicílio parental. De acordo com as teorias sociobiológicas, como vimos, as transferências são, em geral, estratificadas por sexo e tamanho da família e são predominantemente descendentes. A intensidade da ajuda, aproximada pela proporção de pessoas que ajudam com algum tipo específico de recurso (dinheiro, trabalho, múltiplas ajudas e outro tipo de auxílio), não parece sofrer distinção de sexo, embora a sua natureza sim. Observamos um grupo de homens que se especializam em ajuda monetária, ao passo que as mulheres, em geral, fornecem ajuda com trabalho na atividade agrícola ou outros tipos de colaboração, por exemplo, com tarefas domésticas ou compartilhamento do cuidado com os filhos. A natureza do suporte também difere de acordo com o nível de escolaridade, com os mais educados ajudando com dinheiro (ou recebendo dinheiro para financiar a educação), n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 e os menos educados ajudando com trabalho, comida ou roupas. Apesar de observarmos um fluxo predominantemente descendente, as filhas recebem menos investimento (especialmente em termos de dinheiro) do que os filhos. Esse resultado vai ao encontro do previsto pelas teorias evolucionárias. As filhas, ao casarem, em geral, têm suas necessidades supridas pelo marido e sua família. Os filhos, porém, apresentam a necessidade de estabelecer um novo domicílio, o que aumenta a demanda por recursos logo após a saída da casa dos pais. A frequência das visitas dos filhos aos pais está diretamente relacionada com a distância entre o local de residência atual do filho e a residência parental. Parece haver certo efeito compensação: os que visitam pouco ou não visitam costumam trocar “presença” por “transferência monetária”. A existência de uma troca entre suporte emocional e suporte financeiro existe e é bastante comum também em países desenvolvidos (McGarry, 1999; Compton e Pollak, 2008). Além disso, existe uma posição intermediária de pessoas que visitam regularmente, mas também ajudam e são ajudados com trabalho. Esses são filhos que, em geral, moram em domicílios na área de estudo, casados, mas que estrategicamente optam pela proximidade locacional com o lote para que possam compartilhar os fru- Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey tos da produção agrícola, ao mesmo tempo em que podem ajudar os pais no manejo da terra e no cuidado da casa. O conflito parece ser um fator importante para mitigar os laços de troca familiares. Conforme argumentam os sociólogos da família, conflitos são fatores capazes de mitigar normas fortemente estabelecidas de solidariedade geracional (Kohli, 2004; Tufte e Myerhoff, 1979). Enquanto os perfis preponderantes de nível 1 resumem os indivíduos de baixo perfil de trocas, nenhum deles corresponde ao grupo que deixou a propriedade ou o domicílio por motivos de conflito. O tipo puro 1 (“Jovens Distantes Desligadas por Conflito”), porém, está relacionado com esses tipos de conflito. Podemos, então, estabelecer uma ordem: enquanto o conflito familiar bloqueia as transferências, o trabalho as motiva, e o investimento em capital humano (educação) aumenta a demanda por transferências. Apesar de os indivíduos do perfil 1 ou dos mistos com tipo 1 predominante estarem pouco envolvidos em trocas familiares, eles apresentam a maior razão fluxo descendente/fluxo ascendente de dinheiro. Ou seja, se observarmos a proporção de filhos que enviam dinheiro aos pais e dos que recebem recursos financeiros desses, essa relação é evidente no caso dos indivíduos pertencentes ao perfil 1. Isso está 347 associado à concentração de filhos que saíram de casa para estudar, o que aumenta a demanda por gastos com capital humano por parte da família, conforme preveem as teorias econômicas. A grande concentração de indivíduos solteiros inviabiliza a divisão de custos entre a família e o cônjuge do filho, caso esse fosse casado, para financiar o investimento educacional. O predomínio do fluxo ascendente no grupo das remessas (filhos remitecentes), os quais possuem alta escolaridade, pode ser uma indicação do motivo seguro de longo prazo, no qual os pais investem na educação dos filhos, esperando garantir estabilidade na renda familiar permanente. Essa evidência está de acordo com as teorias econômicas das trocas baseadas na maximização de portfólio de investimento familiar (Foster e Rosenzweig, 2001; Massey et al., 1993). Do ponto de vista dos filhos, no entanto, representa uma forma de repagamento do investimento anterior ao mesmo tempo em que um seguro futuro para garantia da herança da terra (Guedes, Queiroz e VanWey, 2008). A ausência de um padrão claro de transferências baseadas na ordem da parturição pode estar relacionada com a natureza das trocas. Os modelos sobre justificativa da ordem de parturição sobre as decisões de transferências são, em geral, mais robus- n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 348 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira tos para explicar heranças, especialmente em relação à propriedade agrícola (Baker e Miceli, 2005; Carneiro, 2001). As teorias econômicas justificam a primogenitura, em geral masculina, da seguinte maneira: sendo o primeiro filho, os pais terão mais tempo para investir e obter retorno em capital humano específico para a agricultura. Essa estratégia de maximização de retorno está associada com a preservação da unidade produtiva. Evidências para a mesma área de estudo (Guedes, Queiroz e VanWey, 2008), no entanto, apontam para a predominância da repartição igualitária das terras dos proprietários rurais de Altamira. Se por um lado a ordem de parturição não é capaz de explicar os padrões de transferência inter vivos, ela também perde a capacidade preditora na presença de um mercado de terras, eliminando a vantagem da primogenitura em termos de retorno futuro do investimento específico em capital agrícola (Guedes, Queiroz e VanWey, 2008; Baker e Miceli, 2005). Apesar de a literatura sobre transferências intergeracionais privadas argumentar que as transferências inter vivos são mais compensatórias do que as transmissões pósmorte (as quais são predominantemente igualitárias), nosso estudo sugere que os pais, em vez de altruístas, parecem agir estrategicamente. Em geral, eles transferem uma quantidade maior de recursos para os fi- n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 lhos mais novos para financiar sua educação, esperando que eles repitam o comportamento dos filhos mais velhos, os quais possuem alta escolaridade, e que enviam recursos para os pais sob a forma de dinheiro. Esse é um tipo de reciprocidade indireta que utiliza a demonstração como fonte de recurso estratégico (Arrondel e Masson, 2006). Ao mesmo tempo, a terra é utilizada para transferir espaço de produção para os filhos com capital agrícola específico, concordando com a hipótese do herdeiro melhor qualificado (Baker e Miceli, 2005). Essa estratégia de diversificação de portfólio familiar, importante para a redução do risco da renda permanente, foi verificada para a área de estudo na análise de motivações para a transmissão da terra (Guedes, Queiroz e VanWey, 2008) e para as estratégias de migração, venda da terra e uso e cobertura do solo (VanWey, Guedes e D’Antona, 2008). Nosso ponto é o de que famílias com maior dependência da renda agrícola têm maior risco de períodos de escassez do que as famílias dependentes de salários fixos (como rendas vindas de transferências públicas), o que eleva o risco de aumentar a distância entre renda permanente e renda corrente ao longo do tempo. Essa maior variabilidade serial da renda permanente aumenta o custo de oportunidade de estratégias de baixa diversificação. Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey A maior intensidade de trocas de recursos, ademais, ocorre nas famílias em que as visitas dos filhos aos pais são mais frequentes. Nas famílias em que os filhos moram distante, há uma troca de presença física por ajuda financeira por parte dos filhos. Esse comportamento dos filhos pode indicar o desejo por parte deles de criar um seguro futuro para a herança da terra, embora haja evidências (Guedes, Queiroz e VanWey, 2008) de que, entre os proprietários que dividem a terra de forma desigual, a preferência é dada para os filhos com maior capital humano específico para a terra. 6_ Conclusão Neste trabalho, pudemos estabelecer três tipos distintos de transferência: o grupo com baixo envolvimento nas transferências intergeracionais (perfis do tipo 1), o de alto envolvimento nas trocas através de visitas e ajuda com trabalho (perfis do tipo 2) e o de alto envolvimento nas trocas com visitas e dinheiro (perfis do tipo 3). Os subgrupos revelaram características importantes que trazem algumas evidências em favor das teorias sociobiológicas, teorias estruturalistas da sociologia e das teorias econômicas da troca. Observamos uma especialização sexual das trocas: homens transferem dinhei- 349 ro; mulheres, trabalho e visitas. Filhos de famílias maiores também recebem maior investimento parental. Essas duas evidências são favoráveis às teorias de investimento parental. Segundo Hyrd e Judge (1993), a inexistência de um sistema baseado na ordem da parturição favorece o processo de seleção natural, uma vez que evita privilegiar o menos apto simplesmente pela ordem de nascimento. Verificamos em nossa amostra que, para a quase maioria dos perfis, não houve predominância de primogenitura ou ultimogenitura. Os filhos de maior escolaridade foram os que mais enviaram dinheiro para os pais, trocando a presença física por envio de recursos, já que esse era o grupo que morava mais distante da propriedade dos pais, em geral, fora do Estado do Pará. Esse parece um importante indicativo em favor das teorias econômicas do seguro de longo prazo (teoria das trocas). A distribuição ocupacional, por seu turno, encerra duas facetas diferentes: as relações de gênero, em que as mulheres cuidam de casa ou ajudam com trabalhos leves na agricultura ou em pequenas atividades comerciais de venda de produtos feitos no lote. Por outro lado, essa estrutura ocupacional sofre modificações de acordo com as oportunidades geradas por novos mercados de trabalho. Verificamos a presença n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 350 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira de mulheres em atividades profissionais quando essas moravam em áreas urbanas ou centros maiores, enquanto a predominância do trabalho doméstico estava associada a mulheres residentes na propriedade agrícola. Esses resultados nos revelam a importância das relações familiares para a manutenção do bem-estar dos seus membros e as estratégias encontradas pelos agricultores e suas famílias para superar os desafios ecológicos impostos. Nosso próximo passo é tentar associar as motivações para as transferências privadas, matérias de ambas as naturezas, inter vivos e herança, e procurar estabelecer um modelo de maximização das estratégias de alocação de recursos entre os filhos de acordo com a natureza dos recursos materiais disponíveis pelos pais. Nosso objetivo principal é procurar testar o argumento de Bergstrom e Stark (1993) de que o altruísmo pode subsistir em um ambiente evolucionário. Nesse sentido, a hipótese seria a de que o alto envolvimento dos filhos em trocas inter vivos ocorreria mesmo em casos em que o número de indivíduos na família fosse grande e houvesse predominância da regra de repartição igualitária da propriedade agrícola por parte dos pais. n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey 351 Referências bibliográficas ALTONJI, J. G.; HAYASHI, F.; KOTLIKOFF, L. J. 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Computers and Biomedical Research, 11, p. 277-298, 1978. n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 354 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira Anexo Estimativas de l kjl por categorias das variáveis internas e externas, freqüências marginais absolutas e relativas Altamira, Pará, Brasil, 2005 (continua) Variáveis Frequência marginal Absoluta Relativa Variáveis externas Freqüência visitas ao domicílio nos últimos 12 meses Nenhuma 330 Uma vez ao ano 141 Menos que mensalmente 219 Mensalmente 241 Até duas vezes ao mês 52 Por volta de semanalmente 191 Por volta de diariamente 362 Informação faltante 33 Tipo de ajuda dada pelo(a) filho(a) ao domicílio nos últimos 12 meses Nenhuma 1,063 Dinheiro 89 Trabalho 301 Ajudas múltiplas 16 Outro tipo de ajuda 79 Informaç!ao faltante 21 Tipo de ajuda dada pelo domicílio ao(a) filho(a) nos últimos 12 meses Nenhuma 1,094 Dinheiro 189 Trabalho 141 Ajudas múltiplas 26 Outro tipo de ajuda 101 Informação faltante 18 O(a) filho(a) transferiu algum dinheiro para o domicílio nos últimos 12 meses? Não 1,451 Sim 75 Informação faltante 43 O domicílio transferiu algum dinheiro para o(a) filho(a) nos últimos 12 meses? Não 1,348 Sim 174 Informação faltante 47 n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 1 Perfis extremos 2 3 0.2103 0.0899 0.1396 0.1536 0.0331 0.1217 0.2307 0.0210 0.7368 0.1206 0.1020 0.0000 0.0000 0.0406 0.0000 0.0000 0.0000 0.0680 0.1556 0.1808 0.0446 0.1528 0.3869 0.0113 0.0000 0.1022 0.1558 0.2860 0.0460 0.1546 0.1937 0.0617 0.6775 0.0567 0.1918 0.0102 0.0504 0.0134 1.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.6076 0.0000 0.3154 0.0123 0.0647 0.0000 0.4749 0.2253 0.1562 0.0164 0.0748 0.0524 0.6973 0.1205 0.0899 0.0166 0.0644 0.0115 0.9401 0.0000 0.0000 0.0037 0.0562 0.0000 0.7100 0.0000 0.1851 0.0161 0.0889 0.0000 0.4227 0.4756 0.0000 0.0307 0.0261 0.0448 0.9248 0.0478 0.0274 1.0000 0.0000 0.0000 1.0000 0.0000 0.0000 0.7041 0.1883 0.1075 0.8591 0.1109 0.0300 1.0000 0.0000 0.0000 1.0000 0.0000 0.0000 0.4490 0.4339 0.1171 355 Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey Estimativas de l kjl por categorias das variáveis internas e externas, freqüências marginais absolutas e relativas Altamira, Pará, Brasil, 2005 (continua) Variáveis Transferência monetária líquida para o domicílio Equilibrada Descendente (dos pais para os filhos ) Ascendente (dos filhos para os pais ) Informação faltante Variáveis internas Sexo Feminino Masculino Grupo etário decenal 0a9 10 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 e mais Estado civil Solteiro Casado Separado Divorciado Viúvo Informação faltante Ordem de parturição Primogenitura Intermediária Ultimogenitura Filho(a) único Informação faltante Frequência marginal Absoluta Relativa 1 Perfis extremos 2 3 1,274 165 66 64 0.8120 0.1052 0.0421 0.0408 1.0000 0.0000 0.0000 0.0000 1.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.2680 0.4087 0.1641 0.1592 818 751 0.5214 0.4786 0.6311 0.3689 0.6957 0.3043 0.0489 0.9511 45 131 451 540 322 73 7 0.0287 0.0835 0.2874 0.3442 0.2052 0.0465 0.0045 0.1084 0.3081 0.3980 0.1855 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.3913 0.6087 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0952 0.7277 0.1772 0.0000 291 1,168 41 41 8 20 0.1855 0.7444 0.0261 0.0261 0.0051 0.0127 0.8913 0.0405 0.0000 0.0455 0.0000 0.0227 0.0000 0.9197 0.0538 0.0190 0.0076 0.0000 0.0000 0.9455 0.0000 0.0205 0.0072 0.0268 278 1,084 157 13 37 0.1772 0.6909 0.1001 0.0083 0.0236 0.2598 0.4421 0.2003 0.0269 0.0708 0.1062 0.7950 0.0988 0.0000 0.0000 0.2280 0.7471 0.0000 0.0050 0.0198 n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 356 Transferências intergeracionais privadas na Amazônia rural brasileira Estimativas de  kjl por categorias das variáveis internas e externas, freqüências marginais absolutas e relativas Altamira, Pará, Brasil, 2005 (continua) Variáveis Número de irmãos(ãs) 0 1 2a9 10 e mais Informação faltante Escolaridade Analfabeto 1º grau – 1º ciclo 1º grau – 2º ciclo 2º grau Superior ou mais Informação faltante Ocupação principal Agropecuária Comércio Profissional Trabalho doméstico Outra ocupação Nenhuma Informação faltante Local de residência atual Fora do Pará Em outras áreas do Pará efaultNa área de estudo (Atm, BN, Med) Na propriedade Informação faltante Há quanto tempo saiu do domicílio? A menos de 1 ano A 1 ano Entre 2 e 4 anos Entre 5 e 9 anos Entre 10 e 19 anos A pelo menos 20 anos n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009 Frequência marginal Absoluta Relativa 1 Perfis extremos 2 3 13 35 852 662 7 0.0083 0.0223 0.5430 0.4219 0.0045 0.0268 0.0855 0.8034 0.0843 0.0000 0.0000 0.0000 0.5769 0.4231 0.0000 0.0044 0.0000 0.2212 0.7744 0.0000 160 645 412 220 89 43 0.1020 0.4111 0.2626 0.1402 0.0567 0.0274 0.3744 0.1128 0.0833 0.2475 0.1574 0.0246 0.0000 0.5602 0.3217 0.1180 0.0000 0.0000 0.0000 0.4477 0.3434 0.0690 0.0572 0.0827 440 91 168 397 243 91 139 0.2804 0.0580 0.1071 0.2530 0.1549 0.0580 0.0886 0.0000 0.0103 0.2322 0.0000 0.1951 0.2223 0.3400 0.3355 0.0620 0.0000 0.5094 0.0932 0.0000 0.0000 0.4786 0.0993 0.1857 0.0000 0.2364 0.0000 0.0000 216 99 1057 185 12 0.1377 0.0631 0.6737 0.1179 0.0076 0.3637 0.1125 0.4372 0.0865 0.0000 0.0000 0.0000 0.9168 0.0832 0.0000 0.1524 0.1312 0.4961 0.2203 0.0000 101 63 204 336 555 310 0.0644 0.0402 0.1300 0.2141 0.3537 0.1976 0.2401 0.0601 0.2194 0.2124 0.2680 0.0000 0.0000 0.0505 0.1491 0.2775 0.5229 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0961 0.1302 0.7736 357 Gilvan Ramalho Guedes_Bernardo Lanza Queiroz_Leah Karin VanWey Estimativas de  kjl por categorias das variáveis internas e externas, freqüências marginais absolutas e relativas Altamira, Pará, Brasil, 2005 (conclusão) Variáveis Há quanto tempo saiu da propriedade? A menos de 1 ano A 1 ano Entre 2 e 4 anos Entre 5 e 9 anos Entre 10 e 19 anos A pelo menos 20 anos Por que motivo deixou o domicílio? Casamento Trabalho Estudo Conflito Outro motivo Informação faltante Não se aplica Por que motivo deixou a propriedade? Casamento Trabalho Estudo Conflito Outro motivo Informação faltante Não se aplica Frequência marginal Absoluta Relativa 1 Perfis extremos 2 3 69 61 189 290 479 481 0.0440 0.0389 0.1205 0.1848 0.3053 0.3066 0.1741 0.0692 0.2152 0.2699 0.2716 0.0000 0.0000 0.0440 0.1426 0.2576 0.5558 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 1.0000 896 209 177 26 100 98 63 0.5711 0.1332 0.1128 0.0166 0.0637 0.0625 0.0402 0.0000 0.0746 0.3535 0.0612 0.2153 0.2115 0.0839 1.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.4672 0.4647 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000 0.0681 597 185 169 18 83 215 302 0.3805 0.1179 0.1077 0.0115 0.0529 0.1370 0.1925 0.0000 0.0784 0.3838 0.0437 0.0769 0.2992 0.1180 0.8407 0.0000 0.0000 0.0000 0.0438 0.1155 0.0000 0.0000 0.3492 0.0000 0.0000 0.0447 0.0000 0.6061 Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados de Altamira (2005). Nota: (1) Para o tempo vivendo fora do domicílio/propriedade, considerou-se a idade do indivíduo caso ele nunca tenha vivido no domicílio com os pais. (2) Foi feita uma imputação de idade para os(as) filhos(as) com informações faltantes. Para a imputação foi utilizada uma seleção parcialmente aleatória, condicionada pela idade dos demais irmãos. (3) Atm = Altamira; BN = Brasil Novo; Med = Medicilândia. n ova Economia_Belo Horizonte_19 (2)_325-357_maio-agosto de 2009