HABITAÇÃO E MORFOLOGIA URBANA:
criando novas paisagens
Rosa Maria Locatelli Kalil
Universidade de Passo Fundo
kalil@upf.br
Adriana Gelpi
Universidade de Passo Fundo
agelpi@upf.br
RESUMO
As políticas de habitação do Programa Minha Casa Minha Vida têm produzido habitações sociais no Brasil,
gerando núcleos e conjuntos habitacionais em diversas cidades. A maioria dos conjuntos e núcleos está
sendo construída em áreas de expansão urbana, gerando apêndices urbanos deslocados do tecido urbano
consolidado. O trabalho aborda estudo de caso em Passo Fundo (RS), em conjunto habitacional que
combina a construção privada com investimentos públicos, tendo como característica a diversidade de
tipologias, tecnologia construtiva racionalizada e a gradual oferta de equipamentos comunitários. A análise é
realizada com base métodos e conceitos de valoração integral das áreas habitacionais propostos por
Montaner, Muxi e Falagan (2011). Como resultados, verifica-se que mesmo em empreendimentos privados,
as ferramentas de “habitar o presente”, que consideram habitação como parte de projeto urbano, podem
contribuir para que a morfologia urbana resultante de novas paisagens obtenha melhor qualidade e
sustentabilidade, desde que sejam efetivadas as políticas públicas habitacionais correspondentes
Palavras-chaves: políticas habitacionais, diversidade tipológica, equipamentos comunitários, paisagem
urbana
ABSTRACT
The housing policies of the Minha Casa Minha VidaProgramme have produced social housing in Brazil,
generating urban developments and housing projects in several cities. Most of them are situated in areas of
urban sprawl, generating displaced urban appendices of the consolidated urban fabric. This paper presents
a case study in Passo Fundo (RS) that combines private construction with public investments, with the
characteristic diversity of typologies, building technology and streamlined the gradual provision of community
facilities. The analysis is based in methods and concepts of full valuation of residential areas proposed by
Montaner, Muxi and Falagan (2011). As a result, it appears that even in private enterprises, the tools "to
inhabit the present," that consider housing as part of urban design can contribute to the resulting urban
morphology of new landscapes get better quality and sustainability, provided that effect the corresponding
public housing policies.
Keywords: housing policies, typological diversity, community facilities, urban landscape.
1 INTRODUÇÃO
As recentes políticas públicas para habitação de interesse social, no Brasil, têm criado uma paisagem de
novos condomínios e loteamentos nas periferias das cidades brasileiras. A morfologia urbana das periferias
se reconstrói, ao espaço informal somam-se conjuntos padrão de unidades habitacionaisrepetitivas. A forma
urbana produzida intencionalmente afasta o singular e o inesperado da autoconstrução, pretendendo
padronizar e atender demandas reprimidas numa questionável e massiva reprodução de guetos de
moradias, mas não de pertencimento às cidades.
Verifica-se, desta forma e de acordo com Maricato (2011) que apesar das críticas ao processo da
construção das habitações de interesse social implementadas no país, no final do século XX, as dimensões,
a uniformidade e o distanciamento das facilidades urbanas tem se repetido. Neste contexto, à periferia das
cidades é agregada uma massa edificada de habitações unifamiliares ou multifamiliares uniformes e
monótonas instaladas em grandes áreas monofuncionais.
Na cidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, repete-se o processo, mas o conjunto habitacional em
estudo diferencia-se dos demais por estar localizado numa área de expansão legal da cidade, prevista em
seu Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (2006)e por apresentar tipologias habitacionais variadas,
sistema construtivo diferenciado em relação às construções padrão dos programas habitacionais
convencionais e por abrigar frações sociais diferenciadas em suas moradias.
Num município que apresenta crescimento populacional positivo, estes elementos pressupõem uma
diferenciação na construção de novas paisagens urbanas, pois o loteamento e o conjunto habitacional
analisado se encontram numa área de expansão da cidade, uma parte da cidade em construção, sendo
dotada de relativa infraestrutura e equipamentos urbanos.
1.1 Definição do tema
O trabalho aborda a formação de novas paisagens urbanas a partir da implantação de núcleos habitacionais
de interesse social em áreas periféricas de cidade média brasileira. Estudos realizados por Maricato (2011),
Bonduki et al. (2012) e por pesquisadores de todo o Brasil, avaliam a dinâmica da política habitacional a
partir da implantação do Ministério das Cidades, da retomada de financiamentos habitacionais e de
desenvolvimento urbano. Ressaltam a dificuldade de avaliar a efetividade dos mesmos na redução do
déficit, na qualificação do hábitat e na continuidade dos programas, devido à diversidade das situações no
território, pela insuficiência de estruturas administrativas e operacionais confiáveis e independentes de
gestões políticas em todos os entes federados.
O programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) foi um marco na política habitacional por destinar um alto
volume de subsídios diretos, destinados ao comprar e priorizando famílias de menor renda, conforme
previsto no Plano Nacional de Habitação. As famílias com até três salários mínimos de renda (faixa 1)
receberam subsídios mais elevados, e as de três a seis subsídios decrescentes (faixa 2), conforme a renda.
Também as de renda familiar de seis a dez salários mínimos (faixa 3) foram beneficiadas com redução de
juros e outros benefícios. Em relação a projetos anteriores, houve estiramento exagerado das faixas de
renda, beneficiando segmentos da classe média, e gerando mercado para o setor privado. O alto volume de
subsídios diretos à moradia é a espinha dorsal do MCMV, tornando a política incerta, pois a suspensão dos
subsídios paralisará todo o sistema em seu entorno (Meyer, 2014: 117).
Mesmo com subsídios e benefícios previstos houve muita dificuldade em viabilizar projetos nos principais
centros urbanos, principalmente nas metrópoles, devido à escassez de terrenos integrados às cidades e,
consequentemente, seus preços estariam inviabilizando os projetos. Desacompanhado de políticas urbanas
e pautado basicamente por critérios de viabilização financeira, o MCMV induz os agentes a procurarem
terrenos baratos e distantes, reproduzindo o antigo modelo do BNH e Cohabs, os quais produziam grandes
conjuntos há horas de distância dos centros das cidades e dos empregos. (Meyer, 2014: 121-122).
Segundo Shimbo (2012) ao analisar o papel das empresas construtoras nesse processo, “a produção das
cidades no Brasil se alterou profundamente neste início do século XXI. Num período de cinco anos,
sobretudo entre 2006 e 2010, grandes empresas construtoras e incorporadoras passaram a ofertar
habitação para as camadas de baixa renda da população imprimiram um ritmo acelerado na verticalização e
no espraiamento dos tecidos urbanos“.
Mesmo assim, observa-se maior exigência do programa e da Caixa Econômica Federal em relação à
inserção e qualidade urbana. Meyer (2014) aponta que os projetos apresentados devem contemplar
questões urbanas locais do empreendimento: transporte, iluminação, coleta de lixo, abastecimento de água
e energia, solução de esgotamento e inserção na malha urbana. No MCMV 2 incluiu-se a exigência da
provisão de drenagem pluvial, vias de acesso e circulação pavimentadas, calçadas, guias e sarjetas, além
da “adequação ambiental do projeto”. Quanto à localização restringe a exigir a “localização do terreno na
malha urbana ou em área de expansão que atenda aos requisitos estabelecidos pelo Ministério das
Cidades, observado o respectivo Plano Diretor, quando existente”, e a exigência ou compromisso do poder
público local de instalação ou de ampliação dos equipamentos e serviços relacionados à educação, à
saúde, ao lazer e ao transporte público. “De qualquer forma, ao deslocar a população para locais distantes
esse modelo satura o sistema viário, degrada o meio ambiente e segrega os moradores socialmente, de
forma a dificultar o acesso às oportunidades de emprego e de serviços, o que configura a maior fragilidade
do MCMV” (Meyer, 2014).
A construção de novas paisagens urbanas constituídas por conjuntos habitacionais de tipologias
diferenciadas pode ser documentada em pesquisas realizadas por Kalil et al. (2014).Os autoresregistraram
que os novos projetos de conjuntos habitacionais de interesse social seguiram a política nacional com foco
em projetos de caráter local, em núcleos de menor porte, financiados com recursos federais com uma
contrapartida municipal (BRASIL, 2012). Nesse contexto, vários núcleos foram construídos em Passo Fundo
com tipologia de unidades térreas isoladas, geminadas e tipologia de unidades multifamiliares de quatro ou
cinco pavimentos. (KALIL, 2003; SOBARZO, 2010, KALIL et al., 2014).
Em Passo Fundo, cidade média do norte do Rio Grande do Sul, Brasil, nas décadas de 2000 a 2012, os
programas habitacionais de interesse social passaram a ser realizados pelo governo municipal com aporte
de recursos federais e contrapartida local, sendo executados por empresas construtoras privadas. No
Programa Minha Casa, Minha Vida os conjuntos mais recentes estão recebendo urbanização mais
completa, como sistema viário e passeios pavimentados, iluminação pública e equipamentos comunitários
nas proximidades.
1.2 Caso de estudo: Jardins Nativos
O objeto da pesquisa é o conjunto habitacional denominado Jardins Nativos, programas habitacionais de
interesse social do programa Minha Casa Minha Vida, localizado na Vila Donária, Setor 8 – Bairro Santa
Marta, em área periférica e distante cerca de 6 km do centro da cidade de Passo Fundo. Nesta área está
prevista a expansão urbana e a densificação habitacional, de acordo com o Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado (2006) e plano urbanístico municipal (2012)aprovado pelo Banco Interamericano
de Desenvolvimento.Nesta área localizam-se os empreendimentos habitacionais mais recentes e que
apresentam diferenciais quanto às tipologias habitacionais e às tecnologias construtivas executadas em
loteamentos convencionais.
O Setor 08 conta com uma área de 5,61 km², constituindo-se assim uma área de expansão urbana, sendo
que em 2010 contava com uma população de 5.355 habitantes e uma densidade demográfica de 954,55
hab./km² (IBGE, 2010). Este setor está recebendo investimentos de plano urbanístico municipal, sendo
prioritário para a implantação de empreendimentos sociais. Nele foram implantados diversos projetos
habitacionais denominados Vila Donária (2010 e anos anteriores). Contudo, ainda são poucos os
equipamentos urbanos existentes: escola de ensino fundamental e médio, escola de educação infantil,
unidade de saúde, centro de assistência social, capelas e comércio de pequeno porte. O setor não
apresenta áreas verdes públicas, nem equipamentos públicos de lazer ou esporte, apenas alguns clubes
privados.
O Condomínio Jardins Nativos vem sendo implantado desde o ano de 2012 sendosubdividido em17
condomínios fechados, que contarão cada um com 24 unidades habitacionais, em diferentes modalidades
(isoladas, térreas geminadas, sobrados de apartamentos), e que serão financiadas através de uma parceria
entre a Prefeitura Municipal e a Caixa Econômica Federal por meio do Programa Minha Casa Minha Vida.
Está localizado em área de 40 hectares, delimitada pelas as ruas Dona Georgina Schell, Muçum e
Miguelzinho Vargas, na parte sudoeste do bairro, com área de preservação a oeste. A área foi designada
como Zona Especial de Interesse Social em legislações de 2009, 2010 e 2011.
A infraestrutura do sistema viário está sendo construída em parte, pela empresa incorporadora, e em parte,
pela prefeitura municipal. A rede elétrica foi implantada pela concessionária e sistema de esgotamento
sanitário, existente em cada condomínio, faz parte do projeto de infraestrutura do Condomínio Jardins
Nativos. Ele está sendo implantado pela construtora responsável pela projeto e obra do empreendimento.
Parcelas da área estão doadas para a prefeitura municipal para arruamento, construção de escola de
educação infantil e de centro esportivo.
Figura 1– Vista aérea da Vila Donária e condomínio Jardins Nativos
Fonte: Elaboração dos autores sobre foto de satélite do Google Maps (2016)
Numa avaliação inicial da área onde se encontra o conjunto habitacional pesquisado (2016), podemos listar
as seguintes infraestruturas e equipamentos existentes ou implantados recentemente:
Paisagem, infraestrutura e equipamentos urbanos:
- pavimentação das vias com passeios para pedestres;
- escola de educação infantil;
- escola fundamental em obras;
- centro de iniciação aos esportes em projeto;
- transporte público;
- equipamento de saúde;
- galpão de reciclagem de lixo;
- área de preservação ambiental junto ao córrego;
Conjunto e unidade habitacional:
- tipologias habitacionais diferenciadas: casas geminadas, casas isoladas, sobrados com
apartamentos;
- emprego de tipologias e colorações variadas buscando a construção de identidades condominiais;
- saneamento nos próprios condomínios;
- Unidades habitacionais com estacionamento para veículos;
- usode aquecimento solar para água;
- sacadas nos apartamentos.
1.3 Objetivos do estudo
O estudo propõe uma pesquisa com foco na análise das tipologias habitacionais e dos sistemas
construtivos, sua integração ou contraposição com as pré-existentes e na formação da paisagem urbana
local e municipal. As áreas habitacionais serão estudadas também em seus aspectos intraurbanos, e seus
programas habitacionais de interesse social.
1.4 Hipótese
Considerando que os novos conjuntos habitacionais deste setor são incentivados pelo plano urbanístico
municipal, tem–se como hipótese principal que haverá uma rápida constituição do tecido urbano com usos
diferenciados no entorno de uma área monofuncional (habitação). Em contraste e contraposição entre a
cidade pré-existente e esses conjuntos com uma morfologia diferenciada, o conjunto habitacional surge
como nova polaridade na cidade. Seus usuários demandam a constituição de espaços urbanos equipados e
infraestrutura própria no bairro, como os serviços e equipamentos comunitários, bem como a integração
plena a todos os espaços da cidade.
1.5 Procedimentos metodológicos.
O trabalho está encaminhado, tendo-se como base, de acordo com Werna (2001), uma metodologia que
combina a avaliação do produto – neste caso, a unidade habitacional e seu coletivo, com uma avaliação do
processo, que inclui uma análise dos mecanismos institucionais utilizados pela municipalidade, ou seja, os
programas adotados, suas implantações nas áreas urbanas, e a avaliação dos atores sociais envolvidos na
aquisição da habitação.
Após a caracterização geral do conjunto habitacional será avaliado sua inserção urbana, entendendo-se por
inserção urbana a forma com que o conjunto e as unidades habitacionais unifamiliares e multifamiliares se
articulam no e com o espaço urbano, considerando-se sua localização, a sua adequação ao entorno, as
suas conexões com as infraestruturas e o atendimento por serviços públicos.
Na análise do conjunto habitacional serão aplicados os métodos e os conceitos básicos de valoração
integral das áreas habitacionais propostos por Montaner, Muxi e Falagan (2011), no que se refere à teoria
de “Habitar o presente”, onde os autores refletem sobre a unidade habitacional num contexto
contemporâneo de grandes transformações sociais, culturais e tecnológicas agrupando uma série de
questões em quatro grandes áreas: 1) sociedade, 2) cidade, 3) tecnologia e 4) recursos.
Em relação àSociedade(1) contemporânea, os autores ressaltam a readequação e diferenciação da
composição dos grupos familiares; onde a posição do chefe de família provedor, mãe cuidadora e grande
número de filhos deve ser revista e cuja estrutura não é mais rígida e hierarquizada; a residência passa a
ser também, um espaço de trabalho e de armazenamento. Observam que os novos padrões sociais
contemporâneos requerem tipologias habitacionais diferentes. Pois a heterogeneidade da sociedade atual
com distintos níveis de renda, de composição familiar multifacetada, de tipos de ocupação profissional
diversificados, de gêneros, de níveis de estudos diferenciados, de estrutura demográfica em transformação
ecom mudanças endógenas na estrutura dos lares alteram significativamente, as propostas tipológicas e
morfológicas, para os conjuntos habitacionais a serem propostos.
Em relação à Cidade(2), os autores questionam a relação da unidade habitacional com o espaço
urbano,observando que a habitação deve estar inserida na cidade e não ser um apêndice a ela. Neste
sentido, os valores de proximidade; a relação da habitação com espaço público; os espaços de convivência
e de usos; assim como os espaços intermediários assumem, talvez, maior importância que a própria
unidade habitacional. São potencializados os valores de proximidade, onde os moradores devem realizar o
máximo de atividades cotidianas em distâncias percorridas a pé, com trajetos alternativos, podendo
escolher entre diversas opções, ter fácil acesso ao transporte público, às compras do cotidiano, à educação,
ao trabalho, à saúde, ao esporte, ao lazer a aos equipamentos do bairro.Os autores colocam que a
residênciadeve ser compreendida como “o projeto urbano”, ou seja, o projeto residencial deve ser visto
como parte de um projeto urbano equilibrado. As unidades habitacionais não podem ser peças autônomas.
Quando funcionais devem favorecer a potencialização de redes sociais e comunitárias criando a cidade real
sobre as bases de um bom projeto urbano (Montaner, Muxi e Falagan, 2011, p. 45).
Em relação à Tecnologia(3) os autores abordam a formalização, a adequação tecnológica e das
instalações da unidade habitacional. Sugerem a agrupação de áreas úmidas; a adaptabilidade e a qualidade
da construção, que deve, necessariamente, abrigar inovações tecnológicas, inserindo a residência numa
realidade cada vez mais mutante. Dentro desta realidade, devem ser pensados novos dispositivos, que
ofereçam alternativas às estratégias convencionais para uma família tipo. Neste sentido, as respostas
projetuais devem ser capazes de adequar-se a um sem número de fatores como a flexibilidade, uma das
condições essenciais ao espaço habitável, mantendo uma adequada articulação com os sistemas, as
estruturas eos elementos construtivos. Estes elementos, assim como os fechamentos e as instalações
devem ser pensados para permitir uma maior evolução e adequação às mudanças dos usuários.(Montaner,
Muxi e Falagan, 2011, p. 51-54).
Os autores sugerem que a estanqueidade do projeto e da edificação não devem se converter em obstáculos
para as transformações e adequações da residência às especificidades de cada família, numa sociedade
em transformação. Devem então, comportar dispositivos técnicos que possibilitem o crescimento da
superfície edificável, possibilitar as modificações internas dos espaços e a fácil atualização das instalações.
Esta desejada adaptabilidade e flexibilidade construtiva poderão ser obtidas através do emprego de
estruturas de grandes luzes, fachadas com repetição equidistante de vazios, a disponibilidade de divisórias
leves, de elementos móveis, com maneiras fáceis de repararou transformar as instalações.
Abordando a questão dos Recursos(4), os autores propõem a retomada de partidos de projeto quase
vernaculares, mas esquecidos em função do emprego das novas tecnologias, do uso da energia elétrica, do
ar condicionado, do uso de elevadores, esquecendo o aproveitamento passivo e ativo do clima urbano, a
exploração da ventilação cruzada, a eficiência energética, o aproveitamento dos resíduos e a reciclagem
dos materiais, dos insumos e da própria energia.
Lembram que os estudos para a implantação da edificação em função do melhor aproveitamento da luz
natural devem ser retomados, assim como a exploração da idoneidade das fachadas e coberturas. As
fachadas devem ser concebidas não como fechamentos, mas como elementos de capacidade térmica e de
captação solar. As galerias envidraçadas se somam às qualidades bioclimáticasda habitação e das suas
vedações no objetivo de adaptação ao entorno, através de membranas semipermeáveis versáteis,
filtrostranspirantese translúcidos. Então se devem explorar as fachadas plurais como premissa de projeto,
cada uma distinta em função da orientação, na busca da ventilação e luz natural, na instalação de células
fotovoltaicas, no aproveitamento do aquecimento de água e calefação, no aproveitamento de águas cinzas
e na gestão de resíduos.
2 RESULTADOS DA ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO
2.1 Análise em relação ao quesito Sociedade
O bairro Santa Marta, no qual se localiza a Vila Donária, é caracterizado historicamente por uma população
de renda baixa, tendo iniciado nas proximidades de estação transformadora de energia implantada há cerca
de quatro décadas e ao longo da via de acesso a distrito rural. Com moradias muito precárias no início de
sua criação, era denominado vila Brasília; após surgiram habitações de baixo padrão, autoconstruídas. O
bairro contava com reduzidos equipamentos comunitários: escola, capela e instituição de assistência social.
Além de loteamentos populares, na década de 2010 passou a receber núcleos de habitação de interesse
social, contribuindo para atendimento de famílias de baixa renda vindas de outras áreas da cidade.
Outros empreendimentos privados realizados no programa Minha Casa Minha Vida ofertaram edifícios de
apartamentos e também casas isoladas, trazendo população de faixas econômicas sociais mais elevadas
que as do conjunto habitacional em estudo, contemplando a heterogeneidade da economia e diversificando
a paisagem construída. No mesmo programa MCMV houve construção de unidades dispersas de
proprietários individuais. Hoje o bairro conta com população rarefeita em habitações unifamiliares, distantes
das ofertas de vagas de trabalho, da socialização e das relações de vizinhança. A comunidade tem pouco
acesso ao transporte público e aos equipamentos comunitários.
O projeto em análise, ao mesclar condomínios para várias faixas de renda, proporciona mescla de frações
sociais em função da diversidade socioeconômica. Trásproximidadenas relações comunitárias ao implantar
condomínios de tipologias diferenciadas em vizinhanças muito próximas. Propõe a potencialização das
redes sociais ao mesclar vizinhançasdiferenciadas e espaços intermediários mais qualificados, pois um dos
aspectos que diferencia este projeto de outros é a adoção de condomínios com número restrito de unidades
habitacionais.
O projeto prevê a construção de cerca de 17 pequenos condomínios habitacionais, sendo que 13 já se
encontram construídos e habitados. Foram planejados três tipologias de condomínios para duas faixas
socioeconômicos de população e em conformidade com as possibilidades de financiamento do Programa
Minha Casa Minha Vida. A tipologia de casas geminadas, destina-se a população carente, com renda
familiar de 0 a 3 salários mínimos, enquadradas na faixa 1 de financiamento (Fig. 2). A tipologia de casas
isoladas destina-se a população com renda familiar de 3 a 5 salários-mínimos, enquadrados na faixa 2 de
financiamento (Fig. 3). Da mesma foram as tipologias de apartamentos em pequenos edifícios de 2
pavimentos destinam-se a faixa 2 (Fig. 4).
Em virtude das restrições de crédito, os próximos condomínios deverão ter unidades de apartamentos em
edifícios de 3 pavimentos, e serão destinados a faixa denominada preliminarmente de 1,5, ou seja numa
adaptação aos requisitos de financiamento.
PMCMV - Faixa 1
Condomínios fechados
Unidades
Renda familiar de até R$1.600,00
Bosque das Cerejas
24 por condomínio
Cadastro
das
famílias
pela Bosque das Pitangas
Secretaria de Habitação
Bosque das Uvaias
Tipologia casas térreas geminadas
Bosque das Guabirobas
Valor de venda R$ 52.000,00
Bosque das Uvaias
Subsidiadas
Bosque dos Araçás
Prestação de até 10% do salário (R$ Bosque dos Butiás
25 a 50,00)
Bosque dos Guabijus
Total
8 condomínios
192 unidades
Figura 2 – Condomínios Jardins Nativos Faixa 1 – casas geminadas (2012-2015)
Elaboração própria
PMCMV – Faixa 2
Condomínios fechados
Unidades
Renda familiar de 3 a 6 salários
mínimos (R$2.440 a 4.800,00 em
2016)
Venda no mercado
Tipologia casa térrea isolada
Subsídio R$17.000,00
Prestação
Jardim Camélia
Jardim Jasmim
Jardim Hortênsia
Jardim Romã
Jardim Azaleia
23 por condomínio
Total
5 condomínios
115 unidades
Figura 3 – Condomínios Jardins Nativos Faixa 2 – casas isoladas (2013-2015)
Elaboração própria
Área
das
unidades
42 a 50,45 m²
2
dormitórios,
sala, cozinha e
banheiro
Área
unidades
50,45 m²
das
2
dormitórios,
sala, cozinha e
banheiro
MCMV – Faixa 2
Renda familiar de até R$1.600,00
Venda no mercado
Tipologia apartamentos 4 por andar
16 por bloco de 2 pavimentos
Valor de venda R$115.000,00
Prestação R$ 400 a 500,00
Condomínios fechados
Residencial Ipê
Residencial Araucária
Unidades
100 por condomínio
Área condominial:
salão
de
festas,
estacionamento, parquinho
infantil
Área das unidades
52,80
m²
área
privativa
112,00 área global
2 dormitórios, sala,
cozinha e banheiro,
sacada
Total
2 condomínios
200 unidades
Figura 4 – Condomínios Jardins Nativos Faixa 2 – apartamentos, estacionamento, lazer e casas térreas acessíveis (2015)
Elaboração própria
2.2 Análise em relação ao quesito Cidade
Em relação à cidade, o bairro periférico está sendo integrado ao tecido urbano por meio de projeto
urbanístico de qualificação e ocupação populacional, que prioriza a inserção de projetos de habitação
social. No entanto, sua localização, entre duas rodovias estaduais de alto fluxo, que formam anel viário que
circunda a maior parte da cidade formal, gera limites marcantes, que se somam para dificultar a integração
física e social do novo bairro.
O novo conjunto habitacional, mesmo tendo característica monofuncional, está gerando a implantação e a
qualificação de equipamentos comunitários, propiciando mais acesso à educação (novas escolas de
educação infantil e fundamental em implantação) e saúde (unidade de saúde em funcionamento). A
perspectiva de novos moradores com renda um pouco mais elevada deverá trazer novos estabelecimentos
comerciais e de serviços.
A pavimentação do sistema viário está sendo realizada por projetos financiados pelo governo federale
evolui acompanhando o processo de construção das moradias. Isto irá facilitar o deslocamento dos
moradores para as atividades cotidianas e facilitar o acesso aso transporte público. As vias pavimentadas
promovem uma maior acessibilidade e facilidade ao transporte público. Mas apesar destes diferenciais,
constata-se que o empreendimento ainda se encontra muito distante das facilidades de um centro urbano
consolidado.
Desta forma, este núcleo apresenta aspectos diferenciados em relação a outros projetos realizados no país,
e poderá sugerir uma diversificação da morfologia urbana e da mescla social. Merece o acompanhamento
do processo de consolidação do bairro para verificar a apropriação do território. Mas esses diferenciais
qualificam a proposta.
2.3 Análise em relação aos quesitosTecnologia e Recursos
Por ser projeto que atende aos requisitos do programa de financiamento MCMV, as tipologias seguem com
espaços mínimos preconizados pelos editais, ou seja, máximo de 300 unidades por condomínio, casas
térreas com mínimo de 32 m², apartamentos com 37 m². Da mesma forma, têm programa rígido, unidades
com dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro e área de serviço, sendo maior nos apartamentos que nas
casas geminadas ou isoladas.
Os apartamentos apresentam área privativa de 58 m², mas são distribuídos em pequenos edifícios de dois
pavimentos, formando condomínios fechados com salão de festa com churrasqueira e área de playground.
As vias internas são pavimentadas com iluminação pública, áreas ajardinadas com estacionamentos e
acesso para pedestres e veículos por portões eletrônicos.
A tecnologia construtiva em concreto moldado em grandes formas e cobertura em lajes pré-fabricadas não
prevê a possibilidade de ampliação da área ou modificações internas. Por outro lado, oferece vantagens do
ponto de vista de isolamento térmico e de acabamento.A racionalidade da obra inicia pela fundação em
radier, com concreto reforçado com fibra de aço, instalações embutidas e arranque das paredes, facilitando
a construção. Instalações hidrossanitárias com kits pré-cortados instalados em negativos no concreto
vazado, forro de gesso e laje pré-fabricada, além de outros itens racionalizados.
Os acabamentos com massa texturizada e pintura, piso cerâmico, azulejos sobre chapisconas áreas
molhadas, conferem boa qualidade às moradias. As esquadrias externas de alumínio com veneziana e
peitoril de granito, proporcionam ventilação e iluminação natural aos ambientes, reduzindo uso de energia.
3 CONCLUSÕES
Em relação ao quesito Sociedade, a utilização de tipologias e de faixas de renda diferenciadas numa
mesma área urbana, permite a diversidade de ocupação da área residencial. Os novos padrões sociais
contemporâneos requerem tipologias habitacionais diferentes. Mas a rigidez nos ambientes, apenas
unidades com dois dormitórios sugeridas pelo órgão financiador, prejudica o atendimento à a
heterogeneidade da sociedade atual, de composição familiar multifacetada. Também desconsideram a
questão de novas formas de trabalho, que poderiam utilizar espaços anexos aos recintos residenciais para
a geração de renda.
Em relação à morfologia urbana analisada no quesito Cidade, verifica-se que o núcleo estudado apresenta
uma diversidade relativa, com habitações térreas ou edifícios com poucos pavimentos, resulta em paisagem
construída horizontal. Desta forma se incorpora, mas ao mesmo tempo preenche a paisagem existente, de
habitações e equipamentos térreos e espraiados. Por ser área de expansão, com vazios urbanos, a
morfologia adapta-se ao existente, ao mesmo tempo em que qualifica.
A tipologia adotada de núcleos na forma de condomínios fechados com número de 23 e 24 unidades
unifamiliares ou 100 de unidades multifamiliares, embora segmente o espaço urbano, parece resultar em
melhor manutenção predial e das áreas comuns. Os limites impostos pela vizinhança, e a necessidade de
respeito às normas condominiais cria responsabilidades mais definidas em relação à parte da infraestrutura
(vias internas, sistema de tratamento de esgoto, áreas livres).
Como singularidade da proposta, além de infraestrutura mais completa em áreas abertas com gramado,
vegetação, áreas permeáveis e iluminação pública interna, cada condomínio dispõe de espaços para
estacionamento de automóvel próprio, uma nova realidade da população residente ocasionada pelo
momento econômico brasileiro e pela opção do veículo particular em detrimento de melhor transporte
público. Áreas comuns com espaços para lazer fechado e aberto são outro diferencial, especialmente em
um bairro onde inexistem equipamentos comunitários de lazer e esportes.
Em relação às singularidades da proposta nos quesitosTecnologia e Recursos, o sistema construtivo
racionalizado surge como inovação, pois reduz desperdício, acelera o prazo construtivo e resulta em
unidade habitacional com melhor qualidade construtiva. Utiliza aberturas com vedações nos dormitórios,
orientação solar permitindo iluminação e ventilação natural e materiais com isolamento. As unidades para
famílias de baixa renda, ao terem o dispositivo de aquecimento solar para água, contribuem para a redução
de gastos energéticos na demanda e no orçamento das famílias.
Ressalte-se que embora entregue para a iniciativa privada, a construção do novo núcleo habitacional teve
ocompromisso do poder público em realizar a pavimentação das vias, construção de escolas e futura área
de lazer. Isto demonstra que o fato de ser a área prevista em legislação urbana municipal para a
urbanização de novos bairros facilitou e agregou valor ao espaço urbano, que dispõe assim de
pavimentação das vias de pedestre, acessibilidade, a despeito da pouca arborização urbana e nenhuma
área verde. No entanto, o bairro em si carece de estabelecimentos de comércio de abastecimento comercial
e de serviços diários, assim como não dispõe de espaços de trabalho no bairro. Outra grande carência na
questão social são os espaços para juventude.
Concluindo, a questão habitar para o presentee a criação de novas paisagens, no caso em estudo, e na
maior parte das cidades brasileiras, demandam uma construção participativa. Combinar os interesses
privados na apropriação do capital financeiro imobiliário com o atendimento à demanda de habitação social,
mesmo sendo contraditório, pode ser viabilizado. Mas requer diretrizes de considerar realmente que o
projeto urbano equilibrado é de responsabilidade tanto do poder público quanto do empreendedor privado.
E deveria ainda contar com a participação mais efetiva dos moradores no estabelecimento das prioridades
para a integração e inclusão urbanas.
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