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12º Encontro da ABCP 18 a 21 de agosto de 2020 Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB) Área Temática: Cultura Política Cultura e prática política entre jovens de Teresina (PI)i Olivia Cristina Perez Universidade Federal do Piauí (UFPI) Resumo Esta pesquisa analisa percepções de jovens de Teresina (PI) sobre a política e formas de ativismo juvenil denominadas de coletivos. No final de 2017 e início de 2018 foram aplicados 335 questionários entre jovens e feitas dezesseis entrevistas com coletivos universitários. Os resultados demonstram uma percepção negativa sobre a política partidária entre os jovens, mas que não significa ausência de atuação política. Palavras-chave: Jovens; Participação; Cultura política; Coletivos. Culture and political practice among young people from Teresina (PI) Abstract This research analyzes the perceptions of young people from Teresina (PI) about the politics and forms of youth activism called collectives. At the end of 2017 and beginning of 2018, 335 questionnaires were applied to young people and sixteen interviews were conducted with university collectives. The results demonstrate a negative perception of party politics among young people, but that does not mean the absence of political action. Keywords: Youth; Participation; Political culture; Collectives. 1 Introdução Esta pesquisa analisa percepções de jovens de Teresina, capital do Piauí, sobre a política e formas de ativismo juvenil denominadas de coletivos, atentando para as relações entre cultura política e associativismo. O estudo se insere na área de análise sobre cultura política. A importância da análise dos aspectos culturais para a compreensão da democracia vem de longa data, desde os estudos de Almond e Verba, na década de 1960. São eles os autores do livro The Civic Culture (1965), no qual definem cultura política como sendo o processo por meio do qual as orientações e atitudes dos sujeitos se estruturam em relação ao sistema político e às suas instituições. A cultura política democrática teria relação com a tessitura associativa. Conforme a clássica obra de Putnam (1996), Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna, o maior desenvolvimento da região Norte da Itália comparada com a região Sul teria relação com o capital social. O capital social consiste em relações de confiança, reciprocidade e solidariedade na sociedade civil e seria estimulado pelas associações horizontais. Com base nesses ensinamentos, examinaremos a percepção sobre política entre jovens e a sua relação com a organização em forma de coletivos. Entendemos as juventudes como uma etapa de vida que não pode ser definida por marcos estanques. Os jovens compartilham percepções e ações, mas não é possível homogeneizá-las, pois a diversidade marca as diversas juventudes. Dayrell (2003) destaca que essa diversidade se concretiza, dentre outros aspectos, com base nas condições sociais (classes sociais) e culturais (etnias, identidades religiosas, valores etc.). Os estudos sobre a cultura política entre os jovens apontam uma descrença em relação à política. Baquero, Baquero e Morais (2016), a partir de uma pesquisa com jovens de Porto Alegre/RS e Curitiba/PR, mostram que os jovens associam a política com expressões como corrupção, ladroagem e oportunismo; enquanto os políticos são associados aos termos alienação, corrupção, falsidade e inutilidade. Já os estudos sobre os coletivos mostram que, embora não sejam novidades, eles vêm se multiplicando, especialmente depois de grandes protestos que expressaram o descontentamento em relação às instituições políticas tradicionais, tais como aqueles conhecidos no Brasil como Jornadas de Junho de 2013 (PEREZ, 2019). Os trabalhos sobre os coletivos apontam algumas das suas características: diferente das organizações tradicionais hierárquicas e centralizadas que repudiam (AUGUSTO, ROSA; RESENDE, 2016; GOHN, 2017; VOMMARO, 2015), os coletivos seriam horizontais e sem hierarquia (MACHADO, 2015) mais fluidos (MACHADO, 2015; MAIA, 2013; GOHN, 2017) e promoveriam solidariedade entre seus membros (ALENCAR, 2020; GIRALDO; RUIZ SILVA, 2019). 2 Em que pese a importância dessas literaturas, elas ainda caminham em paralelo e quando há análises que relacionam a cultura política entre as juventudes com as formas de mobilizações sociais contemporâneas, essas não se pautam em dados oriundos de pesquisas com os jovens. A presente pesquisa tem a intenção de unir essas discussões apresentando dados a respeito das percepções dos jovens acerca da política e como essas se relacionam com formas de organizações políticas contemporâneas, tais como os coletivos. A pergunta que guia o estudo é: qual a concepção sobre política entre jovens de Teresina e qual a relação dessa com a organização em forma de coletivos? Temos como hipótese que os jovens desvalorizam a política partidária e se organizam em forma de coletivos que têm o seu cerne também o distanciamento discursivo e, por vezes prático, da forma como a política é exercida nas arenas parlamentares. Os jovens então rechaçam a política parlamentar, mas não a atividade política. Pode parecer um paradoxo os jovens negarem a política ao mesmo tempo em que crescem organizações do tipo coletivos. No entanto, argumentamos que não se trata de um paradoxo por dois motivos: primeiro, a negação da política também está presente na forma de organização do tipo coletivo. Em segundo lugar, os jovens rechaçam a política quando eles a associam com as atividades exercidas pelos partidos nas arenas parlamentares, mas existem outras concepções sobre a política que não são negativas. Para avançar na compreensão sobre os sentidos que a política vem adquirindo hodiernamente, retomamos algumas ideias de Rosanvallon (2010) que distingue a política do político: o político refere-se à construção de acordos comuns compartilhados entre a pólis, já a política seria o lócus onde a representação é exercida. Em suma, o objetivo central da investigação é apresentar percepções dos jovens a respeito da política parlamentar e partidária, compreendendo as relações entre essas percepções e a organização política em forma de coletivos. Outro objetivo é retomar reflexões sobre os significados que a política vem adquirindo atualmente, auxiliando assim a compreensão do material obtido na pesquisa. O trabalho contribui com os estudos sobre política entre as juventudes em três sentidos: ele parte de um grande conjunto de dados que mostram percepções entre jovens a respeito da política; são tecidos relações entre as percepções sobre política e a organização em forma de coletivos; e, por fim, são levantadas explicações sobre os significados que a política vem assumindo atualmente. 3 1 Procedimentos metodológicos Esta é uma pesquisa em profundidade realizada na cidade de Teresina. Teresina é a capital do estado do Piauí, localizada na região Nordeste do Brasil. Conforme dados do último censo de 2010, a cidade reunia cerca de 814 mil habitantes, sendo a 19º em número de habitantes no Brasil. Do total de habitantes, 19,9% são jovens com idade de 15 a 24 anos. A taxa de escolarização de 6 a 14 anos de idade foi de 97,8 %, conforme os últimos levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019). A escolha da cidade de Teresina para a pesquisa se deu pelo critério de conveniência, considerando que os pesquisadores trabalham na cidade. Ademais considerou-se importante ampliar as pesquisas sobre política e juventude para outras partes do Brasil, contrariando uma certa tendência das pesquisas que apresentam dados sobre a região Sudeste. A pesquisa contou com métodos mistos para a coleta dos dados. Todas as etapas foram autorizadas pelo comitê de ética da universidade dos pesquisadores. Na parte quantitativa, foram aplicados 335 questionários respondidos por jovens de 15 a 17 anos que estivessem cursando o ensino médio em escolas públicas e privadas em Teresina no ano de 2018. Escolhemos o ensino médio porque certamente os respondentes seriam jovens: eles tinham entre 15 a 17 anos. Para a definição da amostra primeiro foram listadas todas as escolas públicas e privadas do município. Segundo essa lista em 2018 havia 71.386 alunos matriculados na rede de ensino médio, distribuídos em 2.388 turmas. Considerando que os processos de socialização dos jovens variam conforme o tipo de escola, o plano amostral estratificou as escolas em pública federal, pública estadual e privada. Foram sorteadas duas unidades amostrais: primeiro a escola e depois a turma selecionada ao acaso na escola. O estudo trabalhou com uma amostra de 335 alunos cuja uma margem de erro é 5,50% e nível de confiança de 95%. Desse universo, 52% se identificaram com o gênero masculino e 48% com o feminino. Dentre os respondentes, 75% estudavam em escolas públicas, enquanto 25% em particulares. Os estudantes com média de 16 anos de idade cursavam as seguintes séries escolares: 19% estavam no primeiro ano do ensino médio, enquanto 52% cursavam o segundo ano do ensino médio e 29% estavam no terceiro do ensino médio. Os dados quantitativos mostraram um rechaço por parte dos jovens a respeito da política praticada por partidos políticos nas arenas parlamentares. No entanto, consideramos esses dados insuficientes para explicar, por exemplo, porque os jovens continuam se organizando politicamente. Para avançar nessa explicação, consideramos essencial entender qual o significado que a política tem para os jovens, daí a adoção de técnicas qualitativas neste estudo. Decidimos investigar a percepção sobre política entre organizações que a 4 praticam e que têm em comum com os respondentes dos questionários o rechaço às instituições políticas parlamentares, como é o caso dos coletivos. Especificamente, fizemos entrevistas semiestruturadas, no final de 2017 e início de 2018, com membros de todas as organizações que se denominavam coletivos e que atuavam em universidades de Teresina. Escolhemos os coletivos universitários pelos fato deles serem formados por jovens. Para selecionar os sujeitos que seriam entrevistados, partiu-se da autodefinição das organizações como coletivos. A localização deles foi feita por meio da técnica conhecida como snowball: os entrevistados eram solicitados a indicar outros coletivos, até que as indicações não revelassem novos nomes. Foram localizados dezesseis coletivos universitários que atuavam dentro de duas universidades públicas. De posse do material coletado, selecionamos trechos que versavam sobre o que é a política entre os jovens que atuavam em coletivos. Embora os nomes das organizações e de seus membros não sejam citados, conforme combinado com os entrevistados, seguem caracterizações dos dezesseis coletivos: quatro defendiam questões relacionadas às juventudes (identificados pelas letras A, B, C e D), três defendiam os direitos das mulheres (E, F e G), três, o direito à cidade (H, I e J), um, o direito dos negros (K), dois, o de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros (conhecidos pela sigla LGBTT), identificados pelas letras L e M, um era anticapitalista (N), um, anarquista (O) e um defendia o meio ambiente (P). Dentre os coletivos entrevistados, sete eram ligados a partidos políticos: Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista Revolucionário (PCR), Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e Partido Comunista Brasileiro (PCB) (coletivos do A ao G). Quanto ao tamanho, doze deles contavam com três a quinze integrantes; enquanto outros quatro tinham por volta de quarenta, cinquenta. O tamanho não tinha relação com a temática. Em quase todos os coletivos apenas um membro foi entrevistado, geralmente aquele apontado por outros coletivos. 2 Resultados e Discussão Para entender o significado que a política tem para os jovens, as perguntas iniciais do questionário respondido por 335 jovens estudantes teresinenses versavam sobre a confiança deles nas instituições, tanto aquelas associadas à política parlamentar quanto aquelas que aparentemente não têm relação com o parlamento. Os resultados estão sistematizados no Gráficos 1. 5 Gráfico 1- Confiança nas instituições. Escolas 75% Igrejas 61% Exército 33% Meios de Comunicação 9% Partidos Politicos 7% 51% 21% sou indiferente 3% 2% 3% 13% 68% 14% 76% 84% não confio 1% 1% 55% 25% Presidente ou Governantes 3% 10% confio 24% 52% 23% 10% 16% 43% 24% 19% Redes Sociais 13% 21% 21% Poder Judiciário Congresso Nacional 7% 2% 3% 3% não sabe / não respondeu Fonte: elaboração própria. As instituições em que os jovens mais confiam são aquelas que parecem mais distantes da política parlamentar, como a escola (75% confiam nela) e a Igreja (tem confiança de 61% dos jovens respondentes). Algumas instituições têm confiança intermediária, como o exército (33% confiam nele) e os meios de comunicação (21% dos jovens declararam confiança). Mesmo o poder judiciário não é fonte de confiança entre os jovens: 55% deles não confiam. A desconfiança vai aumentando quando são abordadas instituições parlamentares, tais como os partidos: 76% não confiam neles, 14% é indiferente e apenas 7% confiam. A desconfiança é ainda mais alta no caso daqueles que ocupam os maiores cargos políticos no Brasil: 84% dos jovens responderam que pouco ou nada confiam nos presidentes e governantes, enquanto 10% são indiferentes e apenas 3% confiam neles. Esses resultados demonstram a baixa confiança dos jovens em relação às instituições parlamentares, mas que não significa desconfiança nas instituições em geral, já que a família e a Igreja têm mais credibilidade. Para verificar se a desconfiança tem relação com a avaliação que os jovens fazem das instituições, perguntamos como eles a avaliam. 6 Gráfico 2- Avaliação das instituições. Meios de Comunicação 43% Exército 35% Poder Judiciário 42% 18% Presidente ou Governantes 38% 15% Congresso Nacional Partidos Politicos 35% 25% 12% 5% boa 2% 21% 2% 41% 57% 43% 29% regular 20% 2% 42% 63% ruim 2% 2% 3% não sabe / não respondeu Fonte: elaboração própria. O Gráfico 2 apresenta resultados semelhantes ao Gráfico 1, na medida em que as instituições não diretamente associadas à política parlamentar, tais como os meios de comunicação e o exército, são mais bem avaliados pelos jovens. Já quando são abordadas instituições que fazem parte do estado brasileiro como o poder judiciário, o executivo e o legislativo, a avaliação vai decaindo, sendo que o pior avaliado são os partidos políticos que são considerados bons por apenas 5% dos jovens, enquanto 63% deles consideram o desempenho dos partidos ruim. As instituições em que os jovens menos confiam (Congresso, partidos e presidente) são também aquelas com pior avaliação entre eles – com exceção dos meios de comunicação em que os jovens não confiam mas avaliam positivamente. A descrença nas instituições parlamentares está presente em toda a sociedade brasileira. Conforme dados do Latinobarômetro, de 1995 a 2017, o apoio aos partidos políticos vem caindo entre os brasileiros desde 2011: em 2010, 40% dos brasileiros entrevistados não tinha nenhuma confiança nos partidos, número que chegou a 72%, em 2017. No mesmo sentido, a porcentagem daqueles que têm alguma confiança no Congresso brasileiro vem caindo: em 2010, eram 36%, passando para 9%, em 2017, enquanto a resposta “nenhum confiança” aumenta desde 2011 (20% dos entrevistados afirmaram, em 2010, que não tinham nenhuma confiança no Congresso, enquanto, em 2017, foram 60%). Baquero, Castro e Ranincheski (2016) enfatizaram que o cenário de deslegitimação das já frágeis bases de confiança nas instituições políticas brasileiras fica mais evidente a partir do debate político pré-eleições presidenciais de 2014. A queda da confiança nessas instituições entre os brasileiros em geral teve seu pico em 2013, ano das manifestações conhecidas como Jornadas de Junho de 2013 que simbolizam o início da crise do governo petista e a ascensão de um novo ciclo político no 7 Brasil, mais à direita. Parte dos manifestantes, em 2013, foi inclusive hostil à presença de partidos e de seus militantes nas manifestações (TATAGIBA, 2014). A instituição mais desacreditada entre os jovens, conforme anunciado anteriormente, são os partidos políticos. Para entender mais sobre o tema, investigamos as opiniões dos jovens sobre o peso dos partidos nas suas decisões políticas, considerando que alguns deles já votam e mesmos aqueles que não votam podem ter simpatia e/ou apoiar algum candidato. Gráfico 3- O que considera na escolha dos candidatos. Pessoa do candidato 53% Não sei / Tanto faz / Nenhum dos dois 30% Partido Não respondeu 13% 5% Fonte: elaboração própria. Os dados do Gráfico 3 mostram que os partidos políticos têm pequeno impacto na escolha dos candidatos, ainda que parte dos jovens não vote. Apenas para 13% os partidos têm impacto no voto, a despeito de sua centralidade na democracia e no sistema de votação brasileiro. O que mais influencia na escolha do candidato são suas características pessoais (conforme 53%) e não a vinculação com alguma instituição. Nota-se que 30% dos jovens responderam que não sabem ou tanto faz o partido ou as características dos candidatos. Esses dados corroboram as análises que mostram a desvalorização do partido político como forma de reunião de ideologias que podem orientar a escolha de candidatos por parte dos jovens. Também perguntamos para os jovens se existe algum partido que represente a sua forma de pensar. Gráfico 4- Existência de partido que represente a forma de pensar. Não Sim Não sabe / Não respondeu 61% 17% 22% Fonte: elaboração própria. Reafirmando a desconfiança nos partidos, consta no Gráfico 4 que 61% dos jovens não acreditam que exista algum partido que representa o seu pensamento, enquanto 17% 8 afirmaram que existe e 22% não quiseram ou não souberam responder. Esses resultados evidenciam a descrença nos partidos e não necessariamente a inexistência de algum que os represente, já que existem no Brasil 32 partidos políticos, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2019, com linhas ideológicas diversas. Esses dados poderiam significar que os jovens não se interessam pela política. No entanto, nossa pesquisa coletou dados que mostram o contrário: os jovens que responderam ao questionário afirmaram conversar sobre política com membros de suas famílias, além de amigos e professores. Apenas 14% afirmou que não conversava sobre política. Nas entrevistas qualitativas realizadas para a presente pesquisa os jovens revelaram que o incômodo em discutir política são as desavenças em relação à preferência partidária, conforme fala da entrevistada do coletivo C: “Eu gosto de falar de política, mas é uma coisa bem pessoal também, quando se fala de política as pessoas discutem muito se alguém votou em tal pessoa, mas essa tal pessoa não presta, e começa uma briga toda, se contesta a escolha do outro”. Conforme a jovem, existe interesse em falar de política, mas quando se toca na defesa ou rechaço em relação a algum partido político, as desavenças acabam por interromper o diálogo sobre o tema. Além de conversar sobre política, ainda que alguns temas gerem conversas mais hostis, os jovens estão participando de associações que afetam a sociedade, ou seja, estão se organizando politicamente, conforme respostas sistematizadas no Gráfico 5. Gráfico 5 - Participação política Redes sociais digitais Movimentos sociais Igreja Através do voto Coletivos Entidade estudantil Associação de bairro Não sabe / Não respondeu 21% 20% 19% 13% 13% 7% 2% 4% Fonte: elaboração própria. Conforme dados do Gráfico 5, parte dos jovens, 21%, atua nas redes sociais; 20% participa de movimentos sociais; enquanto 19% participam da vida religiosa relacionada à Igreja; 13% afirmaram participar de coletivos e 7% de entidades estudantis. Logo, existe atividade política, mesmo em um contexto de desconfiança nas instituições parlamentares e avaliação negativa delas. 9 Dentre todos esses tipos de organização política, vem chamando a atenção, pelo fato de estarem se multiplicando, as organizações chamadas de coletivos que têm, ao menos discursivamente, intenções mais horizontais e fluidas, se apresentando assim como uma opção de organização política mais próxima dos anseios da população (PEREZ, 2019). Para entender mais a fundo a relação entre a percepção política dos jovens em geral com as suas organizações políticas, como é o caso dos coletivos, entrevistamos jovens de coletivos universitários da cidade de Teresina. O que mais chama atenção nos discursos dos coletivos é o rechaço aos partidos políticos. Conforme o entrevistado do coletivo O: “[participar] da política partidária, Deus me livre!”. O entrevistado do coletivo B explica parte desse rechaço: “Tem partidos que lhe instruem para que você tenha uma forma de se expressar mais dirigista. Mas o que a gente tem que fazer na verdade é coletivizar o conhecimento e fazer com que várias pessoas se sintam empoderadas para poder falar”. Nesse sentido os partidos políticos seriam negativos, quando induzem as decisões dos membros de uma organização política. Outro argumento bastante utilizado para explicar o rechaço aos partidos políticos é a corrupção que seria promovida por eles. Tal argumento pode ser verificado no trecho da entrevista P: “[...] essas leis são incoerentes: quando um deputado, governador, passa por um problema judiciário, com certeza se resolve com uma maior facilidade, pagando alguma coisa ou algo do tipo. Isso é incoerente com o cidadão”. Os jovens considerariam então as arenas parlamentares ocupadas por partidos políticos como locais em que acontecem injustiças e que não conseguem resolver os graves problemas sociais pelos quais enfrenta a população. Conforme os estudos sobre o tema, os jovens se identificam com os coletivos porque essa forma de organização difere daquelas que eles repudiam: as partidárias, centralizadas, hierárquicas e burocráticas (Augusto, Rosa & Resende, 2016; Gohn, 2017; Vommaro, 2015) por isso atuariam de forma direta, sem a necessidade de mediadores (Vommaro, 2015). De modo geral, “jovens contestadores buscam cada vez mais os coletivos e as associações não institucionalizadas, recusando as disputas por hegemonia que caracterizam as práticas de sindicatos e partidos políticos” (Augusto, Rosa & Resende, 2016: 25). Para se distanciarem dos partidos políticos e das organizações políticas consideradas tradicionais, engessadas e ineficientes os coletivos defendem práticas como a horizontalidade nas decisões. Mais da metade dos 16 membros de coletivos entrevistados em Teresina destacou que suas decisões são tomadas de forma coletiva sem liderança que oriente os outros membros sobre como agir. A horizontalidade é uma das formas dos coletivos se distanciarem de organizações políticas tradicionais, em especial dos partidos políticos. 10 O distanciamento dos partidos políticos não é algo apenas implícito nas práticas e discursos dos coletivos: muitos deles declaram que não querem que os partidos determinem as decisões tomadas dentro da organização. No entanto, recusar partidos não significa que os coletivos não estejam próximos deles. Um terço dos coletivos pesquisados estão ligados a partidos. Esses são mais cautelosos nas suas críticas aos partidos, embora considerem que os partidos no Brasil têm problemas, daí a necessidade de os jovens construírem novas práticas dentro das instituições. Logo, os coletivos criticam os partidos políticos, assim como os jovens que responderam ao questionário da presente pesquisa. A organização política em forma de coletivos está então relacionada com uma descrença dos jovens em relação à política parlamentar especialmente exercida via partidos políticos. Nesse sentido, a forma com os jovens se organizam tem relação com a percepção dos mesmos acerca de quais práticas devem ser valorizadas e quais devem ser rechaçadas. Contudo, não é possível afirmar que os coletivos sejam derivados de uma percepção negativa acerca da política, na medida em que participar de um coletivo também reforça essa percepção. Mas é possível afirmar que os jovens vêm se organizando politicamente em forma de coletivos que têm como característica exatamente o rechaço à política parlamentar, comum entre os jovens. Isso pode ser parecer um paradoxo já que os jovens rechaçam a política ao mesmo tempo em que vêm se organizando politicamente. Esse aparente contrassenso também apareceu nos questionários, considerando que 69,1% dos jovens afirmaram não ter interesse em participar da política no futuro e estes mesmos jovens responderam participar de organizações políticas, como demonstrado no Gráfico 5. Antes de entender essa informação como sinônimo de rechaço a toda forma de fazer política, consideramos necessário compreender qual o significado da política entre os jovens, por isso perguntamos aos 16 entrevistados qual o significado de política para eles. No início das entrevistas, percebemos que, ao perguntar sobre o significado da política, os jovens tendiam a associá-la com a política parlamentar, por isso mudamos a forma de perguntar e passamos a pedir que eles falassem sobre a importância da política entendida de uma forma ampla, não só a política feita pelos partidos. Os jovens revelaram então que a política é algo complexo, mas que tem relação com a convivência em sociedade. Nas palavras de uma jovem: No meu entendimento, política, além de ser normas e regras para você conviver na sociedade, há também a participação como um todo. Um exemplo: a nossa convivência na sociedade é política, o que a gente ajuda com o outro na sociedade, a gente é política, por isso que eu falo que a vida é política [...] então a nossa convivência na comunidade é política, nossa participação interfere na vida do próximo. 11 Nota-se nesse trecho a ideia da política como uma necessidade para se conviver em sociedade. No mesmo sentido, para o entrevistado do coletivo B: “Política está em tudo e precisa entender e fazer se quer mudar as coisas”. Conforme outra entrevistada do coletivo K: “Com a luta política a gente vai conseguir respeito para os pretos”. Alguns jovens então entendem a política como uma necessidade benéfica para a sociedade ao mesmo tempo em que desconfiam da forma como ela é exercida nas arenas parlamentares, especialmente por meio de partidos políticos. Logo, há várias concepções sobre a política e a forma como uma pergunta é elaborada para os jovens pode levar a uma recusa ou ao apoio deles em relação à prática. Quando os jovens associam a política à atividade parlamentar praticada via partidos, eles tendem a recusá-la; mas, quando a pergunta remete a uma concepção mais ampla, eles a consideram como algo positivo. As percepções dos jovens a respeito da política quando não associadas aos partidos e as instituições parlamentares remetem à concepção de Rosanvallon a respeito do político. Conforme Rosanvallon (2010, p. 41): “O político pode, portanto, ser definido como o processo que permite a constituição de uma ordem a qual todos se associam, mediante deliberação das normas de participação e distribuição”. O estudo do político permite entender como um grupo social constrói respostas para o que eles percebem como um problema, como as questões da igualdade, soberania, democracia etc. Embora não usem um termo político, os jovens entendem que a política também envolve a discussão de demandas e direitos para grupos mais sujeitos a opressões sociais. Já a política, conforme Rosavanllon (2010), seria um segmento do político ou a forma como uma sociedade estabelece o exercício da representação. Esse sentido é próximo a forma como os jovens percebem a política partidária, o que seria também uma simplificação ou um segmento do político. E é essa política que eles rechaçam. Logo, embora os jovens utilizem o termo política para se referirem tanto à política partidária quanto à construção de acordos coletivos, essas distintas concepções não devem ser consideradas como sinônimos. Ao simplificar as nuances da política, corre-se o risco de afirmar que os jovens estão distantes dela. No entanto, o fato deles se organizarem em coletivos demonstra que os jovens praticam atividade política, embora estejam reafirmando que a política exercida via partidos não está sendo eficiente na vocalização e atenção das suas demandas. 12 Considerações finais A pesquisa apresentou dados que mostram a desconfiança dos jovens em relação aos partidos políticos e às arenas parlamentares, mas que isso não significa ausência de atividade política, já que eles vêm se organizando por exemplo em forma de coletivos. A pesquisa contribui então com o campo ao demonstrar que as crescentes formas de mobilização política entre os jovens, como é o caso dos coletivos, têm relação com a descrença nas instituições partidárias e parlamentares declaradas pelos jovens em geral. Tanto nos questionários aplicados entre os jovens, quanto nas entrevistas feitas com os coletivos, chama a atenção o rechaço aos partidos políticos. Para avançar na compreensão sobre esse possível paradoxo que é o fato dos jovens rechaçarem a política ao mesmo tempo em que a praticam, demonstramos que os jovens rechaçam a política quando a mesma é associada aos partidos políticos, mas que quando eles a associam com uma atividade ampla, tendem a valorizá-la. Consideramos que esse avanço na compreensão sobre a política entre os jovens foi possibilitado pela adoção de técnicas quantitativas e qualitativas já que, por meio dos questionários, atentamos para o rechaço à política, mas só por meio de entrevistas qualitativas foi possível perceber as diversas concepções sobre a política entre os jovens. Uma das limitações derivadas do uso da técnica qualitativa deve-se ao fato do número de entrevistas ser limitado. Por isso sugere-se mais pesquisas que atentem para as diversas concepções atreladas ao mesmo conceito ou prática. No contexto atual, em que os conceitos vêm assumindo distintos significados – às vezes para impulsionar o projeto político autoritário em curso – é fundamental que os pesquisadores consigam desembaralhar a realidade e mostrar as diversas formas de resistência ao projeto autoritário. 13 Referências ALENCAR, G. Grupos protestantes e engajamento social: uma análise dos discursos e ações de coletivos evangélicos progressistas. Relig. soc., v. 39, n. 3, p. 173-196, 2020. ALMOND, G.; VERBA, S. The civic culture: political attitudes and democracy in five nations. Boston: Little, Brown and Company, 1965. AUGUSTO, A.; ROSA, P.; RESENDE, P. Capturas e resistências nas democracias liberais: uma mirada sobre a participação dos jovens nos novíssimos movimentos. Revista Estudos de Sociologia, v. 21, n. 40, p. 21-37, 2016. BAQUERO, M.; BAQUERO, R.; MORAIS, J. Socialização política e internet na construção de uma cultura política juvenil no sul do Brasil. Educ. 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Argentina: Grupo Editor Universitário, 2015. 14 i A presente pesquisa foi em parte realizada junto ao Núcleo de Pesquisa sobre Crianças, Adolescentes e Jovens (NUPEC) da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e contou com a participação das professoras Lila Cristina Xavier Luz, Maria Dalva Macedo, João Batista Mendes Teles e Bruno Mello Souza, além de estudantes de graduação e mestrado.