Realização
Apoio institucional:
Execução:
Apoio:
ENCICLOPEDIA
LGBTI+
Manual de Comunicação LGBTI+
Manual de Educação LGBTI+
Manual de Direitos LGBTI+
Manual de HIV/Aids e LGBTI+
Manual de Saúde Integral LGBTI+
Manual de Psicologia e LGBTI+
Manual de Assistência Social e LGBTI+
Manual de Empregabilidade LGBTI+
Manual de Segurança Pública e LGBTI+
Manual de Turismo LGBTI+
Manual de Advocacy, Accountability e Controle Social LGBTI+
Manual de Cultura LGBTI+
Manual de Famílias LGBTI+
Manual de Esportes e LGBTI+
Manual de Cristianismo e LGBTI+
Manual de Pessoas LGBTI+ Privadas de Liberdade
Manual de Formas de Ativismo e Militância LGBTI+
Manual de Visibilidade Massiva LGBTI+
Manual de Sustentabilidade da Causa LGBTI+
Manual de Pesquisas LGBTI+
Manual de Interseccionalidade LGBTI+
Manual de Feminismos e Movimento LGBTI+
Manual Corporativo LGBTI+ : engajamento e melhores práticas
nas empresas
Manual de História e Memória LGBTI+
Manual de Antirracismo LGBTI+
2
Manual de
CRISTIANISMO E
3
LGBTI+
ENCICLOPÉDIA LGBTI+
ORGANIZADORES: TONI REIS e SIMÓN CAZAL
COMISSÃO EDITORIAL – VERSÃO EM
PORTUGUÊS:
Cláudio Nascimento Silva
Esteban Paulón (Argentina)
Patrícia Mannaro
Rafaelly Wiest da Silva
Simón Cazal (Paraguai)
Toni Reis
COMISSÃO EDITORIAL – VERSÃO EM
ESPANHOL:
Carlos Lopez (México)
Esteban Paulón (Argentina)
Gustavo Valdés (Cuba)
Jorge Saavedra (EUA)
Norman Gutierrez (Nicarágua)
Ronald Céspedes (Bolívia)
Simón Cazal (Paraguai)
Toni Reis (Brasil)
MANUAL DE CRISTIANISMO E LGBTI+
AUTORES/ AUTORAS
Acir Brito Filho
Ana Ester Pádua Freire
André S. Musskopf
Cris Serra
João Felipe Reali Mai
João Victor da Fonseca Oliveira
Jonathan Félix de Souza
Gregory Rial
Marcos Vinicius Regazzo
Sandson Almeida Rotterdan
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira
Silvia Mara Camargo Kreuz
COMISSÃO EDITORIAL DO MANUAL DE
CRISTIANISMO E LGBTI+
VERSÃO EM PORTUGUÊS
Élio Estanislau Gasda
Gregory Rodrigues Roque de Souza
Luis Corrêa Lima
Luiz Fernando Botelho Cordeiro
Marcio Albino
Marcos Vinícius de Freitas Relis
Sandro Aurélio Silva Brasileiro
Editora: Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual
- IBDSEX
Fotografia:
Ana Ester Pádua Freire
Cris Serra
Hayza Helena Ramos
Jeferson Batista
Arte Final: SOMOSGAY, Paraguai.
Dirección: Federico Gamarra
Ilustraciones: Fafo Ferrão
Diagramación: Andrés Peralta
Coordenação de revisão e sistematização:
Alberto Alexandre Schmitz II
Revisão: Marcus Vinicius de Souza Nunes e Jackson
Cavalcanti Junior
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Manual de cristianismo e LGBTI+ [livro eletrônico] /
organização Simón Cazal, Toni Reis. -- Curitiba,
PR : IBDSEX, 2021. -- (Enciclopédia LGBTI+ ; 15)
PDF
Vários autores.
ISBN 978-65-991261-8-5
1. Cristianismo 2. Diversidade sexual
3. Homossexualidade - Aspectos religiosos Cristianismo 4. LGBTI+ - Siglas I. Cazal, Simón.
II. Reis, Toni. III. Série.
21-89628
CDD-299.932
Índices para catálogo sistemático:
1. LGBTI+ : Cristianismo : Religião 299.932
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
4
FICHA CATALOGRÁFICA
Este manual é uma realização da Rede GayLatino e da Aliança Nacional LGBTI+. Os conteúdos deste manual
podem ser reproduzidos no todo ou em parte, desde que citada a fonte. Qualquer organização ou indivíduo
pode disponibilizar gratuitamente a versão eletrônica deste manual em seu site ou outras mídias na internet.
Este manual é uma obra prática em construção, podendo ter várias edições. Ela não é acabada. Qualquer
dúvida, crítica ou sugestão pode ser encaminhada à Aliança Nacional LGBTI+, para futura revisão deste
manual. E-mail: aliancalgbti@aliancalgbti.org.br
Aliança Nacional LGBTI +
GayLatino
Avenida Marechal Floriano Peixoto, 366, cj. 47
Centro
Curitiba-PR
80010-130
41 3222 3999
aliancalgbti@aliancalgbti.org.br
www.aliancalgbti.org.br
@Aliancalgbti1
@aliancalgbti
Aliança Nacional LGBTI
AliancaLGBTI
Independencia Nacional 1032,
Asunción 1250
Paraguai
https://www.redgaylatino.org
A Aliança Nacional LGBTI+ é uma organização
da sociedade civil sem fins lucrativos, com coordenações de representação em todas as 27 Unidades
da Federação e também em mais de 300 municípios
brasileiros. Possui 57 áreas temáticas e específicas de
discussão e atuação. Tem como missão a promoção e
defesa dos direitos humanos e da cidadania da comunidade brasileira de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI+) por meio de
parcerias com pessoas físicas e jurídicas. A Aliança é
membro do Fórum Nacional de Educação, membro
titular do Conselho Nacional de Combate à Discriminação contra LGBTI+, é membro aliada do Fórum
de Empresas e Direitos LGBTI+ e parceira da Câmara
de Comércio e Turismo LGBT do Brasil. Participa de
vários conselhos estaduais, distrital e municipais de
políticas públicas do Brasil. É pluripartidária e atualmente tem mais de 2000 pessoas físicas afiliadas.
Destas, 47% são afiliadas a partidos políticos, com
representação de 30 dos 33 partidos atualmente existentes no Brasil.
GayLatino é uma rede de gays latino-americano,
ativistas em prol dos direitos das pessoas LGBTI+ e
comprometidos com a resposta global ao HIV/aids,
que tem por objetivo a construção de uma cultura de
apoio e propósito coletivo, que se considera parte de
uma coalizão de pessoas que trabalham a longo prazo
pela saúde e pelos direitos dos gays e outros homens
que fazem sexo com homens, bem como suas famílias e comunidades.
@redgaylatino
Redgaylatino
5
Aliança Nacional LGBTI (mandato 2020 a 2024)
GayLatino
Diretor Presidente: Toni Reis
Diretora Administrativa: Rafaelly Wiest da Silva
Secretária Geral: Patrícia Mannaro
Diretor de Políticas Públicas: Cláudio Nascimento
Silva
Executiva Regional:
Secretário Geral: Simón Cazal (Paraguai)
Presidente: Esteban Paulón (Argentina)
Secretário: Norman Gutierrez (Nicarágua)
Tesoureiro:
Jorge Saavedra (México)
Ronald Céspedes (Bolívia)
Toni Reis (Brasil)
Gustavo Valdés (Cuba)
Assessora para Mobilização, Interação e
Integração: Layza Lima Leopoldino
Conselho Fiscal:
Patrícia Esteves
Lucas Siqueira Dionísio
Almir França
Conselheiros:
Maria Berenice Dias, André Fischer, Dimitri
Sales, Jaqueline de Jesus, Julian Rodrigues e
Marcelo Nascimento
Comitê de Ética:
Titulares: Ana Lodi, Marcel Jeronymo, Márcio
Caetano,
Adjunta 1: Millena Passos e
Compliance Officer: Sérgio Junqueira
Coordenações de Áreas Específicas e Temáticas:
https://bit.ly/2PjKpip
Coordenações de Representação Estadual:
https://bit.ly/3m8QUAQ
Coordenações de Representação Municipal:
https://bit.ly/3sBsimK
6
Coordenação no Brasil:
Claudio Nascimento Silva
Francisco Pedrosa
Apresentação
“E eu te darei as chaves do reino dos
céus”: armários, cristianismo e LGBTI+
Para o dicionário, “chaves” são instrumentos que introduzimos em
fechaduras para abri-las ou fechá-las. Mas, para além da sua utilidade ou função, chaves são carregadas de símbolos e significados – e
abrem e fecham portas que também são metafóricas. Duas pessoas numa relação amorosa, por exemplo, podem decidir compartilhar uma com a outra as chaves de uma casa. É uma manifestação
de extrema confiança; partilhar as chaves de casa é permitir o livre
trânsito naquele espaço mais íntimo: a casa, e tudo o que ela guarda (ou, quem sabe, esconde).
É também por aqui que este manual passa. Esta publicação simboliza a entrega das chaves por um grupo de cristãos que vêm confiar
ao público mais amplo suas vivências e os caminhos que vêm percorrendo na busca de reconciliação entre, de um lado, experiências
de gênero e sexualidade fora da norma cis-heterocentrada, e, de
outro, a relação com o sagrado e a pertença religiosa cristã. São
quatorze pessoas, com diferentes trajetórias e afetos em relação
às questões LGBTI+, que partilham aqui experiências longamente
elaboradas, individualmente e em comunidade, por pessoas dissidentes das normas e que, desde sempre, ousam abrir portas.
Portas metafóricas, quando trancadas, têm um imenso poder de
aprisionar e asfixiar vidas inteiras. Sabemos que, quando se trata
da relação da fé cristã com a sexualidade e as questões de gênero,
são muitos os armários que aprisionam as experiências divergentes. Percorremos um longo caminho até aqui, e é longa e árdua a
caminhada que ainda temos pela frente. O trabalho é coletivo, e a
meta é não somente criar fissuras, mas botar abaixo os armários da
negação, da não aceitação e da condenação em nome da fé.
Por isso este manual se apresenta como um molho de chaves: cada
uma delas tem por objetivo destrancar as múltiplas portas desses
tantos armários, criando saídas que permitam reconhecer e celebrar as individualidades, as diferenças e as singularidades de cada
pessoa que se coloca nessa jornada em direção a uma vivência libertária do cristianismo. Saídas que permitam celebrar verdadeiramente a diversidade como a dádiva que é – expressão maior da
Criatividade Divina.
7
“E eu te darei as chaves do reino dos céus” (Mateus 16, 19a) é o
versículo que orientou a elaboração desta publicação, movida pelo
desejo de escancarar os armários que há tanto tempo aprisionam
as experiências divergentes de gênero e sexualidade nos cristianismos. Mais que do reino dos céus, porém, o que se quer aqui é oferecer chaves para “o reino da terra”. Chaves para a vida presente,
onde nossos corpos estão vivos e encarnados, no aqui e agora. Que
estas chaves abram portas que permitam ao ar circular. Que igrejas
e comunidades de fé, de portas abertas, possam não só acolher,
mas celebrar as experiências LGBTI+. Que este chaveiro de propostas de inclusão e afirmação das identidades abra as portas para um
cristianismo verdadeiramente libertador e promotor da vida. Que
nos abra as portas da vida, como nos foi prometida: em abundância, e em plenitude.
Pela Equipe
Ana Ester Pádua Freire
Cris Serra
Será utilizado o termo “estudante” em preferência a “aluno/a” neste manual.
8
Sumário
SEÇÃO A - Armário trancado a sete chaves
11
CHAVE 1 - Conceitos-chave: sexualidade, gênero, sexo biológico,
orientação sexual, identidade e expressão de gênero
12
CHAVE 2 - Cinto de castidade: cristianismo e dissidentes das
normas de sexo e gênero
24
CHAVE 3 - Tetra-chave: a importância da tradição na relação da
igreja com as minorias sexuais
40
CHAVE 4 - Hermenêutica do cadeado: os Textos de Terror
56
CHAVE 5 - Hermenêutica da fechadura: espiando o texto bíblico
72
CHAVE 6 - Há uma brecha na igreja: abertura e inclusão de
LGBTI+
84
CHAVE 7 - O armário está mofado e eu tenho alergia
94
SEÇÃO B – Armário escancarado
105
Grupos/Comunidades
106
Filmes
132
Livros
152
Teses, Dissertações e Artigos
163
9
Manual de
CRISTIANISMO E
LGBTI+
10
A
SEÇÃO
ARMÁRIO TRANCADO
A SETE CHAVES
11
12
Chave 1
Gênero e sexualidade:
conceitos básicos
M
uito se tem falado sobre gênero
e sexualidade. O tema aparece
em propagandas de marcas famosas, em pautas políticas, no âmbito da
cultura e do entretenimento, nos discursos
religiosos, etc. No entanto, o que realmente
as pessoas sabem sobre gênero e sexualidade? Com que discursos elas entram em
contato e formam seu imaginário sobre esses aspectos da vida humana?
No âmbito religioso, muitas vezes, assuntos relacionados a essas questões são vistos
com desconfiança e envoltos em lendas,
estereótipos e confusões. As pessoas LGBTI+ são percebidas como sendo “o outro”,
distante, pessoas sem religião, defensoras
de princípios contrários aos costumes e à
moral religiosa. Quando alguém de dentro
da igreja apresenta sinais de que não se encaixa no padrão tradicionalmente aceito de
homem e mulher, isso é percebido como
uma tendência “pecaminosa”, alguém que
precisa de arrependimento e “conserto”
para se ajustar àquilo que é esperado pela
comunidade. Essa dinâmica, existente em
diversas igrejas e comunidades, faz com
que muitas pessoas cristãs que não se enquadram na norma de gênero e sexualidade hegemônica permaneçam em armários
trancados a sete chaves.
Por isso é necessário perguntar novamente,
mas agora, pensando nas pessoas cristãs: o
que as pessoas da igreja realmente sabem
sobre gênero e sexualidade?
Para iniciar este manual, vamos abordar
a seguir alguns conceitos em gênero e sexualidade que podem contribuir para uma
aproximação de cristãs e cristãos a essa
temática que, apesar de parecer distante,
está tão próxima e presente na vivência das
comunidades, igrejas e fiéis. Esperamos que
isto ajude a destrancar, ou, quem sabe, destruir os armários.
13
1. Sexo biológico
O sexo biológico é entendido como o conjunto de características genéticas, anatômicas, fisiológicas e reprodutivas com os
quais a pessoa nasce e que são utilizadas
para definir se um organismo é macho, fêmea ou intersexo segundo as classificações
disponíveis. O sexo biológico diz respeito,
exclusivamente, a questões biológicas e
não ao papel social que a pessoa vai exercer
ou ao gênero com o qual ela vai se identificar. O gênero e os papéis sociais são construídos social e culturalmente. Estudos recentes evidenciam que mesmo no campo
biológico há uma grande variabilidade na
constituição dos corpos humanos e as diversas formas de intersexualidade são uma
das principais evidências disso. As determinações do sexo biológico não definem a
orientação sexual.
2. Intersexualidade
Intersexualidade é o nome dado a uma
variedade de condições fisiológicas, genéticas, anatômicas e reprodutivas com as
quais uma pessoa nasce e que não podem
ser classificadas a partir do binômio macho/fêmea ou homem/mulher como tradicionalmente entendido. Um termo usado
para referir-se a essas pessoas até recentemente é “hermafrodita”, mas o termo caiu
em desuso, pois possui uma conotação pe-
14
jorativa. Uma das questões envolvidas na
discussão sobre intersexualidade é a intervenção cirúrgica/médica para “adequação”
do corpo às normas e padrões aceitos de
sexo biológico e que podem causar uma série de consequências negativas na vida de
pessoas intersexuais.
3. Gênero
No âmbito das ciências humanas e sociais
foi desenvolvido o conceito de gênero,
nascido nos anos 1970 para distinguir a
dimensão social do que é ser homem e ser
mulher da condição biológica de machos e
fêmeas, sob influência dos movimentos de
lutas das mulheres.
O gênero corresponde às construções
sociais do que significa ser homem e ser
mulher no âmbito da linguagem e das práticas sociais. Quando uma criança nasce
(atualmente, antes mesmo do nascimento,
devido às tecnologias de ultrassonografia),
nós dizemos: “é um menino” ou “é uma
menina”. A partir daí já começamos a falar
da criança com artigos e pronomes femininos (“a”, “uma”, “ela”) ou masculinos (“o”,
“um”, “ele”), atribuímos um nome (“Maria”,
“João”), compramos roupas “de menino”
ou “de menina” e construímos toda uma
expectativa em cima daquele novo ser humano que veio/vem ao mundo. Portanto,
percebe-se que o gênero começa a definir
muito cedo a vida das pessoas e é ensinado
e afirmado pela família, pelas religiões, pela
política, pelas mídias, entre outras tecnologias sociais.
É importante perceber que o gênero é
um importante regulador da vida social
dos seres humanos. Pode-se dizer que a
norma de gênero tradicionalmente aceita
pressupõe a existência de uma coerência
entre quatro itens: gênero, desejo, prática
sexual e anatomia. Sendo assim, os papéis
culturalmente elaborados para homens e
mulheres definem comportamentos esperados para cada um dos sexos e seu gênero
correspondente, que tipos de relacionamentos devem ter, como devem exercer
sua sexualidade, expressar emoções, os tipos de trabalhos que convêm a homens e
mulheres, relações de poder, etc. Espera-se
que os homens sejam “machões” e viris, que
contenham a expressão das emoções e da
sensibilidade, gostem de esportes como
futebol e lutas, exerçam atividades ligadas
ao poder e às ciências exatas, se interessem
amorosa e sexualmente por mulheres. Em
relação às mulheres, espera-se que sejam
passivas, agradáveis, tenham excessiva preocupação com a beleza física, de coisas do
lar e da família, que exerçam trabalhos domésticos ou vinculados ao cuidado como a
pedagogia, a assistência social, a psicologia
e a enfermagem, e se interessem amorosa e
sexualmente por homens.
No nível pessoal, na realidade, o gênero é
multideterminado e envolve aspectos biológicos, psicológicos, sociais, culturais, e da
experiência de vida da pessoa. Trata-se de
uma construção dinâmica que ocorre desde os primeiros anos de vida e prossegue
durante toda a existência.
Como um dispositivo de poder e regulador da vida social, o gênero pode ser usado
para justificar hierarquias, discriminações
e opressões. A relação estabelecida entre
sexo e gênero, como se fosse algo da ordem
do natural, serve para criar modos de controle social que, ao definir anteriormente os
papéis de cada sexo/gênero, exclui e oprime
aquelas pessoas que não se encaixam nesses papéis pré-definidos.
Assim, nos perguntamos: é necessário que
seja assim? E é aí que surge a importância
dos estudos de gênero. Estudar gênero é
aprender a fazer perguntas e buscar compreender como funciona essa criação de
papéis sociais de homens e mulheres. Estudar gênero é importante para quebrar
estruturas de poder que oprimem e legitimam discriminações.
15
4. Identidade de gênero
A identidade de gênero corresponde às
formas como as pessoas se reconhecem, se
descrevem, se apresentam, e como desejam ser reconhecidas socialmente em relação ao gênero. As identidades de gênero
podem ser assumidas com base nas noções
binárias culturalmente disponíveis de masculino e feminino ou alguma combinação
dos dois. Como já afirmado, o gênero de
uma pessoa nem sempre corresponde
àquele atribuído em função do sexo biológico. As identidades de gênero podem ser
trans ou cisgênero. A seguir vamos explicar
cada uma delas. Uma identidade de gênero
não pressupõe uma determinada orientação sexual.
5. Travesti
Pessoa cujo sexo biológico é identificado
como de homem, porém possui uma identidade de gênero que pode ser identificada
como feminina. De modo geral, a forma de
se referir às travestis é no feminino, pois
trata-se de uma identidade construída
como feminina. Ou seja, não se diz “o travesti”, mas sim “a travesti”, a menos que a
própria pessoa se entenda de outra forma.
É comum, no imaginário popular, identificar as travestis à prostituição, porém ser
16
travesti não significa, necessariamente, ser
uma profissional do sexo. A exclusão social,
que se expressa, muitas vezes, na rejeição
familiar, na dificuldade de concluir os estudos e de ingressar no mercado de trabalho
formal, contribui para que muitas travestis
trabalhem como profissionais do sexo para
sobreviver. Existem, no entanto, travestis
que, apesar das dificuldades causadas pela
exclusão e discriminação, atuam em outras
profissões.
É importante lembrar que prostituição não
é crime, e não se deve discriminar profissionais do sexo. Considerando que a Constituição Federal veda toda forma de discriminação.
6. Transexual/transgênero
O termo transexual refere-se às pessoas
cuja identidade de gênero é diferente daquela que lhe foi atribuída tendo-se por
base o sexo biológico. O termo aplica-se
a quem se considera um homem ou uma
mulher trans. Um homem que se identifica
como trans é aquele que nasceu com o sexo
biológico identificado como de mulher,
mas sua identidade de gênero é masculina.
Uma mulher trans nasce com o sexo biológico identificado como de homem, mas
possui uma identidade de gênero feminina.
Algumas pessoas trans podem desejar a alteração de seus corpos de variadas formas
para identificação com o gênero com o
qual se identificam mediante procedimentos médicos, inclusive optando pela redesignação genital, mas nem todas as pessoas
transexuais têm esse desejo.
7. Não binaridade/pessoas não-binárias
Chama-se não-binaridade às identidades
que escapam ao padrão binário de gênero,
ou seja, de que os seres humanos são divididos entre homens e mulheres, masculino e
feminino. Em inglês existe o termo genderqueer para referir-se a pessoas não-binárias.
8. Cisgênero/Cisgeneridade
Identidade ou sistema de gênero no qual o
gênero atribuído no nascimento em função
de seu sexo biológico e está em consonância com os padrões tradicionais de sexo e
gênero. A cisgeneridade não define a orientação sexual.
9. Expressão de gênero
sua identidade pela aparência (modo de
vestir, cabelos), nome, comportamento,
gestualidades e voz.
10. Sexualidade
O ser humano é um ser sexual, isto significa que é um ser que busca o prazer e a
satisfação. As sexualidades se estruturam
como modos de obtenção do prazer. Assim como acontece em relação ao gênero, a
sexualidade se encontra dentro de um jogo
social de poder que vai dizer quais as formas “corretas” de desejar e quais as formas
desviantes, através de uma rede de práticas
e significados atribuídos ao sexo. É importante entender, porém, que as sexualidades são diversas e são definidas por fatores
também diversos. Todo ser humano nasce
com potencialidades de prazer, que serão
moldadas a partir da experiência pessoal
e coletiva, em interação com os aspectos
biológicos. A interação entre a biologia e
o meio/experiência constituirá padrões de
obtenção de prazer que ficam “gravados”
na personalidade dos sujeitos e determinam as interações futuras das mesmas.
Vale ressaltar que o desejo sexual não se
desenvolve na ordem da consciência, isto é,
as pessoas não decidem intencionalmente
como vão desejar, o desejo acontece.
A expressão de gênero se refere à forma
como uma pessoa expressa publicamente
17
11. Orientação Sexual
12. Homossexualidade
A orientação sexual refere-se à atração sexual e afetiva por pessoas de um ou mais
sexo ou gênero e pelo desejo de ter relações
íntimas e sexuais com essas pessoas. Algumas pessoas se sentem atraídas por pessoas de mesmo sexo e/ou do mesmo gênero, outras se sentem atraídas por pessoas
de sexo e/ou gênero diferente, e há aquelas
que se sentem atraídas por diferentes combinações de sexo e/ou gênero ou mesmo de
diferentes sexos ou gêneros. Pode-se falar
também da inexistência, em determinadas
pessoas, do desejo sexual e erótico. Muitos termos são utilizados para dizer sobre
as orientações sexuais, tais como: homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade, assexualidade, pansexualidade, lésbicas, gays, etc.
Homossexualidade é o termo cunhado e
desenvolvido nos séculos XIX e XX para
referir-se à atração sexual, afetiva e amorosa por pessoas do mesmo sexo. Muitas
pessoas ainda utilizam equivocadamente,
ou de má-fé, o termo “homossexualismo”,
porém este é inadequado e já foi abandonado no âmbito científico e legal, pois o sufixo “ismo” denota “doença”, considerando
o contexto no qual esse termo foi cunhado.
O termo “homossexualidade” aponta para
essa variante do desejo humano como uma
das possíveis manifestações da sexualidade
e afetividade humana.
A expressão “opção sexual” é considerada
equivocada em muitos contextos, pois indicaria que as pessoas simplesmente escolhem o sexo ou gênero pelo qual irão sentir
atração e desejo, sem considerar a complexa rede de situações e relações que interferem e constituem esse desejo. Portanto,
prefere-se falar “orientação sexual”, visto
que se refere ao direcionamento do desejo
a um ou mais sexos e/ou gêneros.
A partir da luta de movimentos sociais e dos
estudos científicos sobre a sexualidade humana, algumas conquistas foram feitas no
sentido de romper com ideias equivocadas
e preconcebidas sobre a homossexualidade
e pessoas que se identificam como homossexuais. A partir da década de 1970, a Associação Americana de Psiquiatria deixou
de considerar a homossexualidade como
doença, passo seguido pela Organização
Mundial de Saúde em 1990. No Brasil, uma
importante resolução do Conselho Federal
de Psicologia de 1999 reafirma a não patologização da homossexualidade e proíbe
profissionais de Psicologia de tratá-la como
tal ou de proporem tratamentos que visem
à suposta mudança de orientação sexual
dos clientes.
A palavra “homossexual” pode ser aplicada tanto a pessoas do sexo masculino
como feminino, apesar de existirem termos
próprios para cada um desses grupos, tais
como “gays” e “lésbicas”.
18
13. Lésbica
Lésbica é o termo usado para designar
mulheres que se interessam afetiva e sexualmente e/ou mantêm relações sexuais
e amorosas com outras mulheres. O termo
foi cunhado no contexto dos movimentos
de luta pelos direitos civis de pessoas homossexuais na segunda metade do século
XX, em alguns casos para se diferenciarem
de homens homossexuais que se apropriaram do termo “gay”.
14. Gays
Gay é um termo utilizado para identificar
homens que se sentem atraídos sexual e
afetivamente e/ou mantêm relações sexuais e amorosas com outros homens. O
termo, originalmente, significava “alegre”,
na língua inglesa. Tem seu sentido contemporâneo como referência a homossexuais
masculinos, popularizado no contexto dos
movimentos por direitos civis de homossexuais nos Estados Unidos da América, na
segunda metade do século XX e que se popularizaram no mundo inteiro.
15. Bissexualidade
Bissexualidade é um termo usado para
designar a atração sexual por pessoas de
ambos os sexos comumente reconhecidos,
homens e mulheres. Pessoas bissexuais não
estão passando por uma fase, nem estão
confusas quanto ao sexo/gênero pelo qual
se sentem atraídas. A bissexualidade é uma
orientação plena e constitutiva da personalidade como qualquer outra.
16. Pansexualidade
O termo pansexualidade, tem origem na
palavra pan – tudo/totalidade em grego é utilizado para se referir à atração sexual
por pessoas, independentemente do sexo
ou gênero.
19
17. Assexualidade
A assexualidade começou a ser divulgada
na esfera pública a partir do ano 2000. Diferentemente de outras manifestações da
sexualidade, ainda é bastante desconhecida do senso comum. Trata-se da falta ou
do baixo interesse sexual, não constituindo
necessariamente falta de interesse afetivo
ou estético. A assexualidade é considerada
uma orientação sexual assim como a homossexualidade, a bissexualidade e a heterossexualidade. As pessoas assexuais têm
se reconhecido assim em termos de uma
identidade sexual, portanto, política.
É importante compreender que assexualidade é diferente de celibato, pois, enquanto o celibato é uma opção de vida, independentemente de a pessoa sentir desejo
sexual, a assexualidade é uma condição
pessoal referente ao desejo em si.
Considera-se a assexualidade como um
espectro constituído por diferentes identidades.
18. Queer
O termo queer foi apropriado por movimentos e grupos LGBTI+ como uma categoria inclusiva das diversas sexualidades
e construções identitárias não-heteros-
20
sexuais e cisgêneras, pretendendo ultrapassar as categorias identitárias binárias. A
chamada Teoria Queer se opõe a todas as
demandas de identidades fixas e estáticas,
além de fazer intersecções com questões
de raça, classe, crença, etc.
19. LGBTIfobia
A LGBTIfobia constitui a aversão ou ódio a
pessoas que não se adéquam aos padrões
de gênero e sexualidade impostos pela
sociedade, podendo resultar em discriminação, rejeição ou violência. No Brasil, a
LGBTIfobia é equiparada ao crime de racismo por decisão do Supremo Tribunal
Federal, em 2019. Mulheres LBT (lésbicas,
bissexuais e trans), além de sofrer com a
LGBTIfobia, ainda têm o agravante da misoginia, que é o ódio e a rejeição direcionados às mulheres por questões de gênero.
20. Norma binária, Heteronormatividade e cis
normatividade
Heteronormatividade é o termo utilizado
para descrever a norma social hegemônica que define a heterossexualidade como
única forma aceita de relação sexo afetiva. A heteronormatividade é divulgada e
promovida como norma cultural por di-
versos meios como a religião, as mídias, a
educação, as instituições sociais e políticas.
Ela produz o heterossexismo, que constitui
a atitude que assume a heterossexualidade
como forma legítima da sexualidade, e que
leva ao desprezo, aversão ou ódio a todas
as demais expressões da sexualidade. A
heteronorma está relacionada também à
cisnormatividade, ou seja, que a identidade
de gênero legítima é aquela designada no
nascimento em função do sexo biológico.
Tanto a heteronormatividade quanto a cisnormatividade são faces da mesma normatividade binária de gênero que reconhece
apenas dois sexos-gêneros e que pretende
definir os papéis sociais e as relações que
deveriam existir entre eles.
21. Movimento LGBTI+
Os movimentos LGBTI+ são movimentos
de luta das pessoas que não se enquadram
nas normas sexuais e de gênero socialmente estabelecidas pelo direito à vida, segurança, livre expressão de gênero e sexualidade, direitos civis, entre outros que já são
garantidos às pessoas cisgênero e heterossexuais. Não se trata de busca por privilégios, mas de equidade na garantia de uma
vida digna.
começam a desenvolver práticas de sociabilidade entre si e a se reconhecerem
como identidade. Isso possibilitou reagir
às práticas médicas e policiais que, respectivamente, tratavam a homossexualidade
como doença e/ou crime. Nas décadas de
1960 e 1970 há uma radicalização crescente
na luta política de pessoas LGBTI+. Em 28
de junho de 1969 acontece o evento que ficou marcado como o ponto inicial do movimento LGBTI+ contemporâneo, quando
pessoas trans e gays, frequentadoras de
um bar em Nova York, se revoltam contra
a polícia que, frequentemente, dava batida
no local: a Revolta de Stonewall. No dia que
deu início a esse evento, comemora-se o
Dia do Orgulho LGBTI+.
No Brasil, o movimento de diversidade sexual e de gênero começou nos anos 1970
com uma presença maior de homens gays,
logo tendo adesão de lésbicas. A partir de
1990 foi crescendo a incorporação de pessoas trans e travestis e nos anos 2000, de
pessoas bissexuais.
Atualmente, pode-se ver variações das siglas referentes ao movimento, como LGBTQ, LGBTI+, LGBTQIA+, com novas letras
sendo incorporadas tendo em vista a entrada de novos conceitos e grupos tais como
queer, pessoas intersexo, assexuais, etc.
Já na primeira metade do século XX, as
pessoas identificadas como homossexuais
21
Referências
BRASIL. Ministério Público Federal. O Ministério Público e a Igualdade de Direitos para LGBTI: Conceitos e Legislação. Brasília: MPF,
2017.
BRIGADEIRO, Mauro. A emergência da assexualidade: notas sobre
política sexual, ethos científico e o desinteresse pelo sexo. Sexualidad, Salud e Sociedad – Revista Latinoamericana. n.14, p. 253-283,
Dossier n.2, ago. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1984-64872013000200012. Acesso
em: 20 ago. 2020.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Psicologia e diversidade
sexual: desafios para uma sociedade de direitos. Brasília: CFP, 2011.
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DA 6ª REGIÃO (Org). Psicologia e Diversidade Sexual. São Paulo: CRPSP, 2011.
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA SP. Histórico da luta de
LGBT no Brasil. Disponível em: http://www.crpsp.org.br/portal/
comunicacao/cadernos_tematicos/11/frames/fr_historico.aspx.
Acesso em: 15 ago. 2020.
GRUPO DIGNIDADE. Identidade e expressão de gênero. Disponível
em: 4. Identidade e expressão de gênero – Consulta Pública (grupodignidade.org.br) . Acesso em: 15 jan. 2021.
MUSSKOPF, André Sidnei. Via(da)gens teológicas: itinerários para
uma teologia queer no Brasil. São Paulo: Fonte Editorial, 2012.
REIS, Toni (Org). Manual de Comunicação LGBTI+. Curitiba: Aliança
Nacional LGBTI / GayLatino, 2018.
SOARES, Ilcéia Alves Soares; BASSOTTO, Marinez Rosa dos Santos
(Org). Gênero, Sexualidade e Direitos. São Paulo: Fonte Editorial,
2016.
22
23
24
Chave 2
Cinto de castidade:
cristianismo e dissidentes
das normas de sexo e gênero
"Há uma rachadura em tudo.
É assim que a luz entra.”
(Leonard Cohen)
“Um olhar para a história mostra que a
violência contra o desejo humano não
começa com a avaliação das categorias,
mas já com sua invenção.”
(Norbert Reck)
25
1. Os armários tem uma história?
Os armários são recintos do silenciamento cujas chaves não nos
pertencem. Abri-lo desde fora parece impossível. Dentro dele, tímido ou escondido, devemos imaginar um desejo. Com mais ou menos força, persiste um ímpeto que arromba suas fechaduras. Mesmo ali, presas ou aprisionadas, podemos espreitar suas rachaduras.
Construída e remendada, arrombada e soldada, recriada e destruída, a relação do cristianismo com as pessoas dissidentes das normas de sexo e gênero tem sido tecida e rasgada. Os armários dessa
relação têm uma longa história.
Nesse percurso nos deparamos com vestígios desse passado cheio
de lacunas, chaves, grades e grilhões, mas não sem o som que perturba a ordem e derruba as prisões. A tradição ocidental chamou
de “Liberdade” a tentativa de estar além do que nos aprisiona. Liberdade também é um clarão que relampeja num momento de
perigo, capaz de iluminar, mesmo que por algum instante, a pior
escuridão em que nos encontremos. Encarar a história desses armários é uma forma de iluminá-los, mas também de incendiá-los!
2. Nas periferias do mundo
Em uma região pouco conhecida, afastada e periférica, um homem
chamado Jesus fez seus seguidores. O cristianismo cresceu na região da Galileia, dominada pelo Império Romano. Neste lugar, Jesus
fez também sua história.
A história do movimento de Jesus e dos seus seguidores nasceu
ligada à marginalidade. A reunião dos cristãos começou como um
movimento clandestino. Em seus primeiros dias, o cristianismo foi
um movimento dos despossuídos. 1
As razões políticas, econômicas e sociais daquele tempo garantiram um lugar para a experiência dos seguidores de Jesus que atraía
homens e mulheres seduzidos por uma promessa de libertação.
Colocavam-se junto a Ele, aqueles que não tinham voz, nem vez, na
sociedade do seu tempo. Ele representava um refúgio para aquelas e aqueles que foram escravizados e para uma grande massa de
empobrecidos. O cristianismo primitivo nasceu e cresceu nas periferias do mundo. Curiosamente, em seu próprio seio, cresceram
também as exclusões.
26
1 STARK, 2006. p. 41.
3. As mulheres e os armários do patriarcado
A palavra “cristão” foi usada pela primeira vez na cidade de Antioquia (At 11, 26). 2 Em seus primórdios, o cristianismo dedicou
lugar e atenção às mulheres que tinham, no interior das comunidades cristãs, maior status do que no mundo greco-romano. 3 As
mulheres foram as grandes responsáveis pelo aumento da religião,
seja por meio dos casamentos que convertiam seus maridos pagãos, como também pelo aumento do número de seus filhos. 4 Mas
não só. Na história, vemos a importante atuação e expressão das
mulheres nos templos, como era o caso de Lídia. Nascida em Filipos, na Macedônia, ela ocupou lugares importantes no interior da
comunidade cristã, chegando a exercer postos de destaque, como
o diaconato. As mulheres tiveram uma contribuição fundamental
para o crescimento e expansão da fé cristã.
Por outro lado, a suposta harmonia que parecia ser atribuída à relação entre as mulheres e o cristianismo não escondeu situações
em que a perseguição, ou a suspeita em relação a sua participação
nas comunidades, acompanhava as práticas sociais daquele tempo.
Mesmo no círculo de Jesus, houve fortes resistências ao seguimento das mulheres.
Maria de Magdala era uma dessas figuras, talvez uma das mais
emblemáticas na história do cristianismo. Sobre ela sabemos pouco, mas o suficiente para afirmar seu lugar dentro do círculo dos
seguidores de Cristo e das tensões que teria provocado. Não há
nenhuma evidência nas escrituras de que Maria Madalena tenha
sido prostituta. A tese foi divulgada pelo papa Gregório, bem mais
tarde, no ano de 591. Contudo, no Evangelho (Jo 20, 11-18) consta
que a primeira prova da ressurreição foi dada a Maria Madalena.
2 STARK, 2006.
3 FOX, 1987;
CHADWICK, 1967;
HARNACK, 1908;
STARK, 2006.
4 STARK, 2006. pp.
110-144.
5 QUINN, et. al. 2008.
p. 10.
Ao longo da história, as mulheres foram, pouco a pouco, marginalizadas na medida em que a elas foi atribuído um lugar de inferioridade moral. A própria compreensão que os homens construíram
de si próprios, desde a Antiguidade e em boa parte das sociedades
que assim desenvolveram, baseava-se na rejeição do “feminino”,
numa lógica cada vez mais hostil às mulheres. 5
Há diferentes modelos eclesiais no Novo Testamento, tanto um
igualitário (Gl 3,28) quanto um patriarcal de supremacia masculina
(1 Tm 2, 11-15), este último modelo acabou prevalecendo. Diferentemente do cristianismo primitivo, no decorrer dos três primeiros
séculos do movimento, ele se institucionalizou e adquiriu caracte-
27
rísticas cada vez mais patriarcais, identificando-se com as comunidades greco-romanas, nas quais se desenvolveu. 6 Dentro desse
regime, as mulheres foram submetidas ao poder masculino.
As primeiras comunidades cristãs transformaram-se ao assumirem
o modelo patriarcal de organização social, perdendo a característica de uma “comunidade de iguais”. 7 O modelo heterossexista
ganhou predominância nesse contexto. 8 Junto a isso, a autoridade
masculina heterossexual adquiriu, inclusive, um estatuto teológico.
9
A patriarcalização do cristianismo foi acompanhada por sua heterossexualização. 10 Essa também era uma estratégia de sobrevivência, encarada pelos primeiros “Padres da Igreja” como forma de legitimá-los perante o mundo social, já que o mundo greco-romano
era profundamente patriarcal.
As diferentes culturas, nas quais o cristianismo cresceu e se desenvolveu, parecem explicar as ambiguidades e a força das diferenças
entre as práticas religiosas e as compreensões morais daquele tempo. Desse modo também se nutria a relação do cristianismo e as
pessoas com comportamentos sexuais considerados “desviantes”.
4. Os armários do corpo
"Não é o corpo que segura as ideias, são as ideias que abrigam o
corpo, que o permitem, que criam as condições objetivas e subjetivas para que exista" (José Luís Peixoto. Autobiografia).
Os armários nem sempre foram os mesmos. As ideias de homossexualidade, transexualidade, bissexualidade e intersexualidade
como as entendemos hoje não existiam até o século XIX. 11 Também
não era comum que “questões de gênero” fossem tema de interesse
entre os pensadores, da forma como hoje as compreendemos. Isso
não significa, contudo, que não possamos pensar o processo histórico que construiu essas relações. Nenhum olhar para o passado é
capaz de se desvincular das questões que o presente nos coloca. Ao
pensarmos com o passado, temos a oportunidade de compreender
de que forma ele nos devolve ao nosso presente.
6 MUSSKOPF, 2004. p. 55. Também é apontado por
E. S Fiorenza.
7 M. STROHER, A Igreja na casa dela. p. 21.
8 Aqui, a categoria é tomada como conceito analítico
e não como evidência histórica, já que nesse período
as formas de significação da experiência sexual eram
outras.
28
9 MUSSKOPF, p. 75.
10 ibidem, p. 70.
11 FOUCAULT, 1988.
12 LAQUEUR, 2001.
13 GASDA, p. 24.
14 BROWN, 1999. p. 36-51.
+ Teria o corpo, uma história?
Thomas Laqueur, historiador e médico francês, autor do livro "Inventando o sexo", discute
a complexa construção histórica das noções sobre o corpo. Até o século XVIII, havia uma
noção unissexuada de corpo. O corpo da mulher era considerado uma versão piorada do
corpo do homem. A noção bissexuada de corpo não existia. Os antigos acreditavam, até
o século XVIII, que a vagina seria um pênis atrofiado, uma versão defeituosa da mesma
coisa. 12 Até esse período, a mulher era interpretada como uma variação do organismo do
homem.
Para além das fronteiras biológicas, Corpo e sexo, desde a perspectiva cristã, estiveram
associados a dois movimentos decisivos: de um lado, a demonização do corpo como o que
nos leva a pecar, e de outro, a valorização do espírito e das virtudes espirituais, aquelas
que nos levariam à plenitude. Essa dicotomia associou o que é corpóreo e sexual ao menos
desejável (e até mesmo ao indesejável) e forjou a interpretação cristã sobre as relações
sexuais.
Dentro de uma construção propriamente histórica, a moral cristã predominante se consolidou através da herança proveniente do Estoicismo e da noção de Lei Natural, ganhando
forma nas correntes filosóficas dos primeiros séculos da era cristã e durante o período
medieval.
No Estoicismo o objetivo de procriação seria a única justificativa para o ato sexual, rejeitando-se qualquer forma de prazer. Essa perspectiva arrastou-se desde o ano 300 a.C até
meados do século II d.C e influenciou, em muito, as perspectivas sobre o comportamento
sexual. 13 Dentro desse paradigma, Agostinho, Jerônimo e Tomás de Aquino estabeleceram
as bases da moralidade sexual.
Durante os séculos IV e V, pelas mãos de Simeão Estilita, nascido em Cicilia por volta de 390
d.C, o tema ganhou mais tonalidade. Para ele, os “apetites” do ser humano representavam
um “perigo”. Nessa perspectiva, o corpo precisava ser domado para permitir que o Espírito
e a alma triunfassem. Pouco a pouco conformaram-se diferentes noções atribuídas aos
“pecados da carne”, que foram utilizadas massivamente na construção da condenação aos
corpos dissidentes de sexo e de gênero. 14
O esforço era grande na tentativa dos primeiros cristãos de se distanciar das práticas romanas consideradas “pagãs” e sexualmente degeneradas. Talvez, por isso, houvesse uma longa
e profunda associação do corpo, e de tudo que ele representa, a um lugar moralmente
inferior.
Se todo passado tem uma história, devemos nos perguntar como, em diferentes momentos, as narrativas foram utilizadas, com efeitos particulares sobre as pessoas e seus corpos.
Afinal, há muitos sentidos entre o que está na Bíblia e a forma como ela tem sido interpretada desde o início da era cristã. Através dos buracos podemos espreitar o que está para
além das fechaduras.
29
5. Buraco da fechadura
O desejo homossexual não é nenhuma novidade. Diferentes registros históricos, dentre eles as artes e a literatura, fornecem indícios
de sua existência como uma constante na história da humanidade.
A bissexualidade e a transexualidade também dão mostras de sua
existência ao longo da história. Entretanto, a ideia que faz coincidir
o desejo sexual a uma identidade tem expressão somente a partir
do século XIX. Antes disso, era compreendido como uma prática e
não como uma condição. 15
Na Antiguidade, pelas mãos de Fílon sabemos que os atos sexuais
não eram considerados “certos ou errados” de acordo com o sexo
do parceiro(a). Antes disso, as recomendações se manifestavam na
tentativa de evitar exageros e em termos de hierarquias. 16 Era completamente possível que alguém fosse ativo na relação sexual, sem
que isso fosse considerado “errado”. O que estava em jogo era de
outra ordem. Ser passivo era considerado inaceitável por corresponder àqueles(as) julgados(as) como inferiores: as mulheres, escravizados, ou jovens sem cidadania.
John Boswell afirma que na sociedade romana, pelo menos nos
centros urbanos, na maioria das vezes, não havia distinção entre
as pessoas em função dos seus comportamentos sexuais. Para o
autor, o interesse e a prática homossexual eram considerados parte
comum da gama de possibilidades do erotismo humano e não uma
identidade social.
Em relação à igreja primitiva, ela não parece ter se oposto ao comportamento homossexual por si. 17 Para o historiador, aqueles que
rejeitaram a expressão física de sentimentos homossexuais, geralmente o fizeram com base em considerações não relacionadas aos
ensinamentos de Jesus.
A sexualidade foi um tema presente nas grandes matrizes dos
debates que se expressaram em duas correntes do pensamento
cristão: a Patrística e a Escolástica. Ainda hoje, essas concepções
atravessam as relações entre cristianismo e os corpos dissidentes
de sexo e gênero.
Agostinho de Hipona foi um dos principais representantes e difusores da filosofia cristã dos primeiros séculos, chamada Patrística,
e grande divulgador do Estoicismo. Para Agostinho, corpo e alma
ocupavam lugares divergentes no julgamento cristão. Aliado ao
ideal de virgindade, ele considerava que a restrição e a abstenção
30
15 FOUCAULT, 1988. pp.
43-44.
16 QUINN; ALTHAUSREID; BORGMAN;
RECK,2008. p. 9.
sexual, a vida ascética e contemplativa, e a relação sexual orientada à procriação estivessem no centro da moral cristã. Não parecia
haver lugar nem para o prazer, nem para outras maneiras de experimentação sexual.
Também ele, seguindo outros escritos judaicos, associou a passagem bíblica de Sodoma e Gomorra (Gn.19) ao ato homossexual,
considerando-a um uso “antinatural” da sexualidade. Agostinho,
ao comentar o texto paulino de Romanos 1, 27-29, compara o ato
homossexual com sodomia e meretrício. Segundo ele, o ato sexual
entre pessoas do mesmo sexo é o que torna alguém sodomita.
Dentro desse paradigma, foi construída, no interior da história do
cristianismo, a figura do “sodomita” - aquele(a) considerado(a) reincidente na prática de atos sexuais com pessoas do mesmo sexo.
Nos relatos bíblicos, a homossexualidade não esteve vinculada ao
relato de Sodoma e Gomorra. 18
Na Idade Média, Tomás de Aquino se apoiou fortemente na teoria
da Lei Natural. Influenciado por Agostinho, também ele recobra a
ideia de que todo ato sexual que não visa o fim ao qual está orientado (procriação) é contrário à natureza e à razão. 19 Os pecados
avaliados como contrários à natureza (contrários à procriação) foram duramente acusados. Uma lógica que poderia tornar o estupro, inclusive, mais brando que a masturbação. O ato homossexual
entrava na categoria de pecados contra a natureza, justamente
porque por meio dele não se poderia procriar. Nesse sentido, as
hierarquias de gênero remetiam à hierarquia entre posições sexuais
(ativo e passivo) e à finalidade dessas práticas. Tomás de Aquino,
apesar disso, não se deteve na questão da homossexualidade. 20
Não devemos nos esquecer que, por muitos momentos na história, a expansão política e econômica dos grandes reinos dependia
também da procriação. Nessa lógica, as uniões de casais do mesmo
sexo apareciam como um problema, vistos como risco ou ameaça.
17 BOSWELL, 1981.
18 GASDA, p. 82.
19 GASDA, p. 90.
20 VIDAL, 2008. p. 141.
21 LE GOFF, 1993.
22 BIGET, 2009. p.
229-267.
A perspectiva punitiva e condenatória ergueu sua arquitetura. O
século XII viu nascer o “purgatório”, por meio do qual as almas
pecadoras purgariam suas faltas. 21 Sob a alegação de “heresia”, as
pessoas com comportamentos sexuais considerados desviantes foram assassinadas. Em se tratando de uma acusação, quem definia o
que era heresia era precisamente aquele que acusava, e o fazia nos
termos da própria acusação. A ideia de heresia significou também
um modo de acusação política. 22
Nos processos de denúncia inquisitorial, durante o século XIII, po-
31
demos observar a dimensão dessas práticas. Longe de conseguirem
controlar os praticantes de atos sexuais proibidos, os documentos
apresentam a multiplicidade desses casos, sua abrangência e, digamos, sua popularidade. Curiosamente, as denúncias alcançaram,
inclusive, membros do clero. Muitos deles também foram condenados à morte.
Na região de Castela e León, aqueles que fossem acusados de praticar atos homossexuais eram mandados à castração pública, pendurados pelos pés. Também os casos femininos passaram a fazer
parte dos regimentos inquisitoriais. 23 Açoites, degredo, confisco de
bens e fogueira fizeram parte do repertório da perseguição.
Não é difícil imaginar que o clima de intolerância aumentava também entre os membros das comunidades, sob o jugo da “moral
religiosa”.
Contudo, para o historiador John Boswell havia sinais de tolerância, embora não haja consenso entre historiadores e pesquisadores
sobre isso. O autor afirma que algumas correntes do cristianismo
aceitavam a diversidade sexual em diferentes momentos históricos.
Um exemplo dessa abertura pode ser verificado nas celebrações de
‘união’ entre pessoas do mesmo sexo, durante o período da baixa
Idade Média. Ou por meio dos poemas de amor trocados entre
clérigos. 24
Evidentemente, nem Clemente de Alexandria e Agostinho, tampouco Santo Alberto Magno, Pedro Lombardo e Tomás de Aquino
sabiam daquilo que somente hoje podemos conhecer. Suas ponderações sobre a sexualidade partiram de concepções pré-científicas
e estiveram marcadas por suas experiências pessoais. 25 Qualquer
leitura desses textos e seus efeitos só podem ser compreendidos
dentro dos contextos históricos nos quais foram escritos. Reconhecendo, por isso, seus limites.
23 GASDA, p. 92.
24 BOSWELL, 1981.
25 GASDA; VIDAL, 2008;.
32
6. Nas fissuras das reformas
No século XVI, com as reformas protestantes que deram origem
a novas tradições religiosas, aumentaram as formas pelas quais o
cristianismo se relacionou com as dissidências das normas sexuais.
As diferentes tradições cristãs, cada uma a seu modo, construiu
sua própria doutrina. As reformas provocaram novas fissuras na
arquitetura erguida pelo pensamento cristão até aquele momento.
O movimento de reforma iniciado por Martinho Lutero no século XVI, deu início a diferentes denominações cristãs protestantes.
Lutero manteve a insistência de que as mulheres não devessem
assumir tarefas ministeriais, reafirmando as diferenças “naturais”
e hierarquizando-as em seguida. Ele também considerou que o
exercício da sexualidade estivesse ligado à procriação, mas aboliu
as regras que determinavam comportamentos para as relações sexuais. 26
Há que se destacar que Lutero atribui o pecado de Sodoma e Gomorra à falta de hospitalidade. Desse modo, não faz referência nenhuma a “pecado sexual”. 27 Lutero restaura a interpretação dessa
questão na tradição judaica rabínica, como nos primeiros Padres
da Igreja. O deslocamento é sutil e não anula outras interpretações.
Contudo, talvez seja uma das fissuras mais transformadoras do
pensamento cristão em relação às dissidências sexuais.
O Concílio de Trento, em reação às reformas protestantes, tratou a
sexualidade humana numa visão biologicista (como chamaríamos
hoje) e desintegrada da totalidade do ser humano. Dentro do ideal
de virtude da castidade, a noção de sexualidade era reduzida à genitalidade, mantendo restrições sobre as práticas sexuais. 28
26 MUSSKOPF, 2004. p. 97-101.
27 ibidem, p. 102.
28 VIDAL, 2008. p. 57.
33
7. Nos armários da moral sexual cristã
A moral sexual predominante, lida e interpretada por muitos cristãos como “oficial”, encontrou resistências. A “doutrina oficial” não
é um pensamento único, fixo, acabado e eterno - apesar de assim
se apresentar. Muitas pessoas e grupos sociais debelaram contra os
armários da doutrina. Na negociação, no tensionamento, no conflito e nas disputas se conformaram as diferentes formas de ser e
estar no mundo. As tradições, afinal, são muitas, embora busquem
apagar suas origens para parecer que sempre foram as mesmas.
É verdade que a intolerância social às pessoas dissidentes das normas de sexo e gênero aumentou por alguns períodos, embora seja
difícil atestar suas causas. John Boswell atribui o aumento da intolerância e condenação das dissidências das normas sexuais, sobretudo ao desaparecimento de subculturas urbanas, ao aumento
da regulamentação governamental da moralidade pessoal, além da
pressão pública por ascetismo em todas as questões sexuais. 29
É no interior dessa compreensão que as sexualidades construídas
como “desviantes” foram associadas, em alguns momentos e por
alguns teólogos, ao prazer pelo prazer e, portanto, contrárias "à ordem natural”. A natureza, nesse caso, parece ser determinada por
um conjunto de coisas que "sempre" existiu. Como expressão de
uma vontade própria na terra, de Deus para além e fora dos limites
da cultura. Senão pela tentativa de compreender o contexto dessas
noções, devemos colocar em questão, afinal, o que é lido e interpretado como “natural” para percebemos de que forma os códigos
culturais informaram essa leitura.
A moral cristã, construída ao longo de muitos séculos, não foi a
mesma “desde sempre e para sempre”. Podemos dizer que ela
é uma das principais raízes das tensões entre o cristianismo e as
dissidências das normas sexuais. Embora saibamos que todas as
narrativas são disputadas, em geral, conhecemos e temos acesso
somente àquela que saiu vencedora. Em se tratando do mar agitado onde as pessoas tecem suas relações sobre o mundo, toda
vitória é provisória.
29 BOSWELL, 1981. p. 333.
34
8. Nos armários da cultura
Marcelo Natividade, em seu artigo “Deus condena ou Deus aceita?” considera que o “preconceito sexual reproduzido nas proibições oficiais da Igreja não advém essencialmente da religião, mas
reflete as convenções culturais de uma dada sociedade”. 30 O mais
importante a se reconhecer nesse sentido, é que as práticas religiosas estiveram (e estão) mergulhadas nas convenções culturais onde
se desenvolvem. Por isso, a história do cristianismo e suas relações
com as dissidências das normas sexuais é também tão complexa
quanto a história das diferentes sociedades e suas práticas.
Os diferentes ambientes culturais onde se desenvolveu o cristianismo foram decisivos para estabelecer as diferentes formas de
tratamento dispensadas pelas igrejas às dissidências de normas de
sexo e gênero. E a cultura, sabemos, é uma terra movediça. Ela se
transforma constantemente e só poderemos ler “os sinais dos tempos” se nos abrirmos à novidade que continua a transbordar da
experiência humana.
Uma das poucas evidências que permanece a mesma ao longo da
história da humanidade situa-se na constatação de que nenhuma
relação estabelecida entre o cristianismo e as dissidências das normas sexuais esteve fora das disputas históricas sobre os sentidos do
corpo, da sexualidade, nas quais se assentam concepções historicamente construídas de “natureza”, “cultura” e “diferença sexual”.
30 NATIVIDADE, 2019.
35
9. Tirando os cintos, incendiando os armários
O conhecimento histórico não pode julgar o passado, mas podemos refletir sobre seus
usos. Ao não pretender ser mais do que se é, a história da relação entre cristianismo e as
dissidências sexuais necessita de outros olhares, já que nós historiadores estamos convencidos de que também “os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse
inimigo não tem cessado de vencer” . Para Jacques Rancière a morte, entre outras coisas, é
um não-saber do vivo. 32 Por isso, a reflexão em torno da trajetória histórica que configurou
essas relações constitui um esforço de manter viva a experiência das margens na memória
das comunidades cristãs. Sem perder de vista que serão necessários novos e outros enquadramentos não só para o passado, mas para o presente que nos convoca.
A experiência da margem também nos educa a todos, de diferentes maneiras. A intimidade de Jesus com as questões religiosas e políticas do seu tempo revela um profundo
apreço pelas pessoas marginalizadas. O sentido da libertação caminha lado a lado com a
experiência do Mestre. Assim, Ele era reconhecido: questionando as leis do seu tempo em
nome da aliança com seu povo.
Não há sujeito que esteja fora dessas relações e tramas do poder, mas também é verdade
que o funcionamento do poder se modifica de uma sociedade para outra. 33 Como vimos, os valores sociais construídos ao longo da história impactaram diretamente o modo
como as comunidades religiosas conceberam suas tradições. Não da mesma forma, e nem
do mesmo jeito. As fissuras e rachaduras acompanharam essa longa trajetória, seja nas
práticas sociais indiferentes às condutas sexuais, ou no interior de comunidades religiosas
inclusivas.
Assim como os hebreus - “o povo que atravessou” - todas, todes e todos nós continuamos
atravessando. Passando da morte para a vida, removendo as pedras que nos interrompem
o caminho. Ao longo dessa longa história, também nós temos tecido a nossa história com
o nosso Deus.
Este é um convite para olharmos os nossos armários desde dentro. Não só aqueles que
aprisionam nossas capacidades de amar, mas daqueles outros que escondem de nós a beleza de sermos aquilo que somos, de abraçarmos a vida como ela é. Encarar o armário desde
dentro significa nos perguntar sobre quem nos colocou ali, sobre como nos deixamos permanecer ali, mas também significa reconhecer que é possível arrombá-lo com a coragem
que a liberdade tem.
Não precisamos de chaves quando os armários já não têm poder sobre nós!
31 BENJAMIN, 2005
32 RANCIÈRE, 2014
33 cf. “Dispositivo da sexualidade” em Michel Foucault.
36
3737
Referências
BENJAMIN, Walter. Teses Sobre o Conceito da História. In: LÖWY,
Michael. Alarme de Incêndio: uma Leitura das Teses Sobre o Conceito de História. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.
BIGET, Jean-Louis. Albigenses: observações sobre uma denominação. In: ZERNER, M. (org.). Inventar a heresia? Discursos polêmicos e poderes antes da Inquisição. Campinas: Ed. Unicamp, 2009,
p. 229-267.
BOSWELL, John. Christianity, social tolerance, and homosexuality.
Chicago and London: The University of Chicago Press, 1981.
BROWN, Peter. Cristianismo e Império. In: A Ascensão do Cristianismo no Ocidente. Lisboa: Editorial Presença, 1999. p. 36-51.
CHADWICK, Henry. The Early Church. Harmondsworth. Penguin
Books, 1967.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade - A vontade de saber.
Vol. 1. São Paulo: Graal, 1988.
FOX, Robin Lane. Pagans and Christians. New York: Knopf, 1987.
GASDA, Élio Estanislau. Ética Cristã da Sexualidade. Belo Horizonte:
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. (Manual não publicado).
HARNACK, Adolf. The Mission and Expansion of Christianity in the
First Three Centuries. New York, G. P. Putnam’s Sons, 1908.
LAQUEUR, Thomas Walter. Inventando o sexo: corpo e gênero dos
gregos a Freud. Vera Whately (tradução). Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2001.
LE GOFF, Jacques. O nascimento do purgatório. Tradução portuguesa. Lisboa: Estampa, 1993
MUSSKOPF, André Sidnei. Talar Rosa. Um estudo didático-histórico-sistemático sobre a Ordenação ao Ministério Eclesiástico e o
exercício do Ministério Ordenado por homossexuais. Dissertação
(Mestrado em Teologia) - Escola Superior de Teologia, Instituto
Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia. São Leopoldo, 2004.
NATIVIDADE, Marcelo. Deus condena ou Deus aceita? Cristianismo e diversidade sexual no Brasil. In: Revista Senso. 25 de set de
38
2019. Disponível em: <https://revistasenso.com.br/zrs-edicao-12/
deus-condena-ou-deus-aceita-cristianismo-e-diversidade-sexual-no-brasil/> Acesso em 01 de Ago de 2020.
QUINN, Regina Ammicht; BORGMAN, Erik; RECK, Norbert; ALTHAUS-REID, Marcella Maria. “Nós” e os “outros”: à guisa de introdução. In: Homossexualidades. Concilium - revista internacional de
teologia. N. 324, 2008/1. p. 104-120.
RANCIÈRE, Jacques. Os nomes da história: ensaio de poética e saber. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo. Um sociólogo reconsidera a história. São Paulo: Paulinas, 2006.
VIDAL, Marciano. Sexualidade e Condição Homossexual na Moral
Cristã. Marcelo C. Araújo (tradução). Aparecida: Editora Santuário,
2008.
39
40
Chave 3
Tetra-chave:
a importância da tradição
na relação da igreja com
as minorias sexuais
Eu vim para que todos e todas tenham
vida, e vida em abundância.
(Jo 10, 10)
Examinem tudo, e fiquem com o que é
bom.
(1 Tess 5, 21)
41
1. Uma igreja de portas fechadas pela
norma
Há um senso comum de que não é possível pessoas cristãs serem
lésbicas, gays, bissexuais, transgênero, travestis ou assumirem qualquer identidade que flexibilize ou escape à norma binária cisgênero
e heterossexual. 34 Essa ideia é repetida e reforçada tanto por pessoas que se identificam como cristãs quanto por pessoas que se
identificam como LGBTI+. Aliás, nessa frase já está dada essa separação entre “pessoas que se identificam como cristãs”, de um lado,
e “pessoas que se identificam como LGBTI+”, do outro. Se a pessoa
é cristã, já se supõe que não será também LGBTI+. E vice-versa.
Essa ideia de que as pessoas LGBTI+ devem permanecer trancadas
do lado de fora de uma Igreja de portas fechadas para nós em geral
é apresentada em termos de uma certa “tradição”: pessoas cristãs
“nunca” puderam ser LGBTI+, e pessoas LGBTI+ “nunca” puderam
ser cristãs. E, se “nunca puderam” até aqui, “nunca poderão” daqui
por diante. Essa “tradição”, que se estende desde o tempo presente
e abarca todo o passado e todo o futuro, é uma das dimensões da
chave que nos aprisiona no cristianismo. É uma tetra-chave: uma
chave multifacetada, que vai criando oposições e incompatibilidades que vão se desdobrando umas nas outras, e se reforçando entre
si.
Outra face dessa tetra-chave envolve o reconhecimento de como
as igrejas podem ser ambientes hostis às pessoas LGBTI+. Como a
sociedade em geral, as igrejas se erguem sobre a norma binária cisgênero e heterossexual; mas há quatro agravantes interligados que
tornam os ambientes eclesiais especialmente hostis a quem não se
submete a essa norma. Esses agravantes são outras faces que se
desdobram nessa tetra-chave de tantos lados.
Primeiro, historicamente – como vimos ao discutir nosso “cinto de
castidade” –, as igrejas cristãs são baseadas em um ordenamento binário de gênero bastante rígido. Quer dizer: de modo geral,
os papéis e atribuições são distribuídos entre homens e mulheres.
Criam-se assim dois domínios – o masculino e o feminino – delimitados por normas que definem com clareza certos estereótipos de
gênero. E, além desses dois campos serem estritamente separados,
estabelece-se uma hierarquia, em que cabe às mulheres a posição
de inferioridade. Aos homens são destinados o protagonismo e a
liderança; a eles cabe falar, inclusive em nome de Deus. Como intérpretes legítimos da vontade divina, neles é depositada a inquestionável autoridade de portadores da Salvação, apresentados como
42
34 A norma binária cisgênero e heterossexual,
como já vimos, diz respeito àquela visão de
mundo que organiza as
pessoas em dois campos de gênero, homens
e mulheres, com características estereotipadas
muito bem definidas
e delimitadas; associa
cada um desses campos
opostos à genitália-pênis e à genitália-vagina,
respectivamente; e estabelece que esses campos são complementares, e que quem está em
um dos lados só pode
se relacionar com quem
esteja no lado contrário.
intermediários entre a humanidade e o Sagrado. Às mulheres são
relegadas as funções domésticas e de cuidado; nessa condição, cabe-lhes permanecer nos bastidores, em silêncio e em passividade.
Segundo, perdura nos cristianismos uma desconfiança em relação
ao corpo (em especial ao prazer e à sexualidade). Essa desconfiança
está relacionada a um entendimento de que nossa humanidade é
constituída por uma dimensão espiritual – imaterial e imortal –
e outra corporal – mortal e material. A relação entre essas duas
dimensões, ao longo da história cristã, tem sido tema de muitos
debates, e foi principalmente no contexto desses debates que nasceram ideologias que pregam a inferioridade do corpo em relação
ao espírito e, no extremo, podem considerar o corpo impuro, “pecaminoso”, em contraste com uma maior pureza e “santidade” do
espírito. Essa perspectiva pode chegar até a demonizar o corpo (e o
prazer, e a sexualidade) e a entender que o corpo (e a sexualidade)
precisa ser mortificado e sacrificado para purificação e salvação do
espírito.
Terceiro, há uma concepção de cristianismo que enfatiza a imagem
de Cristo como vítima inocente que se sacrifica para a salvação da
humanidade – levando a uma exaltação da “dor” e do “sacrifício”
pessoais como caminhos para a “salvação”. Segundo essa abordagem dolorista quando Jesus diz “se alguém quer vir após mim,
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24), isso
significa que o cristianismo precisa implicar em algum grau de sofrimento. Emergem aí uma teologia e uma espiritualidade que parecem exaltar mais a dor, o sofrimento e a morte do que o prazer,
a alegria e a vida. 35
35 Há quem veja aí uma
“necroteologia” e uma
“necroespiritualidade”,
como, por exemplo, Jackson Augusto (2019).
O quarto elemento que contribui para que as igrejas tendam a ser,
em geral, ambientes hostis para quem não se submete à norma binária cisgênero e heterossexual é consequência direta do encontro
do segundo e do terceiro, acima. Se o corpo e o sexo são demonizados como impuros e fontes de pecado, e se o seguimento de Cristo
demanda sacrifício pessoal, fica fácil justificar uma moral sexual
que prega que o único sentido legítimo possível para a sexualidade
se encontra na procriação, valorizando a abstinência como sacrifício purificador. Em outras palavras, exalta-se o ascetismo em detrimento do prazer corporal e sexual, que é proscrito.
É em torno dessas concepções (a hierarquização binária de gênero;
o corpo, o prazer e o sexo demonizados; a exaltação do sacrifício
pessoal; a função exclusivamente reprodutiva da sexualidade) que
se organiza na Igreja a norma binária cisgênero e heterossexual
que determina: a pessoa que não se enquadrar nos estereótipos
43
binários de gênero, e/ou não puder estabelecer relações cis heterossexuais, não terá outra saída senão sacrificar-se, “negando a si
mesma”.
Jorra daí uma profusão de violências, em diferentes níveis e dimensões, contra as pessoas LGBTI+ na Igreja. Há a violência psicológica e, não raro, física das tentativas de “exorcismo”, das orações
de “cura e libertação”, das “terapias de reversão”, chegando ao risco
de agressão, tortura ou morte. A violência pode se dar pelas mãos
de “justiceiros” de inspiração religiosa, da própria instituição religiosa ou do Estado – quando se chega ao extremo da criminalização
da diversidade sexual e de gênero com justificativas religiosas.
Concepções religiosas fundamentam também a violência do estigma, que leva à vergonha, ao medo, à culpa, ao silenciamento e à
invisibilização. Há a violência da proibição de relações entre pessoas do mesmo sexo e de expressões de gênero que se afastem dos
estereótipos vigentes sobre como “homens” e “mulheres” devem
ser. O fantasma do “pecado” ou o temor de ser uma “abominação”
acompanha a pessoa mesmo quando ela já foi expulsa ou se autoexilou de sua comunidade de origem, de sua família, das referências religiosas, dos símbolos sagrados e da experiência de fé em que
foi socializada.
A pessoa muitas vezes é convencida de que carrega algo tão maligno que se crê indigna do amor de Deus ou, de resto, de qualquer
forma de amor. Crendo-se condenada à danação eterna, na tentativa de salvar-se, deixa-se submeter – ou se submete espontaneamente – a todo tipo de mutilações, do corpo e da alma, chegando
não raro ao suicídio. O reconhecimento desse conjunto de violências é um dos fatores que contribuem para a premissa de que não é
possível ser, simultaneamente, uma pessoa LGBTI+ e cristã.
44
2. “É assim mesmo”: “Tradição” e o congelamento da História
Outra face dessa chave que nos tranca fora da Igreja é uma certa
perspectiva que olha para a história e enxerga uma continuidade,
ao longo do tempo, na maneira como a Igreja vem lidando com
quem não se enquadra nas normas sexuais e de gênero. Olhando
para a história desde esse ponto de vista, a tendência é dizer “a Igreja sempre foi assim, opressora ou hostil ou excludente de quem não
se enquadra nas normas sexuais e de gênero”. E, se ela “sempre foi
assim”, isso muito provavelmente quer dizer que ela vai continuar
“sendo assim”. E sendo assim “para sempre”.
Invoca-se, aqui, uma “Tradição”, assim, com T maiúsculo – que,
aliás, por definição nem pode ser “uma” “Tradição”, só pode ser a
“Tradição”, a única, absoluta e inequívoca. Como “Tradição” imutável no tempo, ela não só é fixa no tempo como tem o poder de
fixar o próprio tempo: para imobilizar o passado, é preciso perder
de vista a noção de processo histórico, de que tudo se transforma
continuamente no tempo. O efeito é paralisar também o futuro,
criando uma perspectiva de “eternidade”: “sempre foi assim, e continuará sendo assim para todo o sempre. Eternamente”.
É uma retórica muito poderosa, com consequências profundas. Invocar uma “Tradição” única, absoluta e inequívoca é uma estratégia
recorrente dos poderosos para manter as coisas – a começar pelas
hierarquias e lugares de poder atuais – do jeitinho que estão. É um
mecanismo muito eficiente para manter no poder quem já está lá.
Por isso, é preciso muito cuidado com a reprodução de ideias como
“a Igreja é assim”, “sempre foi assim”, “nunca vai mudar”; porque repetir a ideia de que “as coisas são como são” acaba reforçando essa
noção de imobilidade e de imutabilidade. Isso só ajuda a fortalecer
aqueles setores, grupos e modos de pensar dentro da Igreja que se
beneficiam das normas estabelecidas e da inferiorização e exclusão
de pessoas e grupos que não se adéquam a tais normas.
Dizer “a Igreja é assim mesmo” cria a ilusão de que “a Igreja” é um
corpo unitário, com uma única voz, que fala em uníssono. Cria a
ilusão de um campo monolítico, uma superfície unificada e homogênea. E deposita naqueles que estão no topo da hierarquia a autoridade para falar em nome desse campo monolítico, apresenta-os
como emissores autorizados dessa voz única. Porém, nada está
mais longe da verdade: a Igreja e o cristianismo são uma multidão
de vozes, inclusive dentro de cada uma das diferentes denominações e igrejas cristãs.
45
Na multidão de fiéis, as pessoas são muito diferentes entre si. Têm
opiniões e maneiras de lidar com situações específicas e pontos de
vista que podem se afastar muito ou pouco, mais ou menos, das
orientações das autoridades da Igreja. Há um certo grau de autonomia moral, que pode ser maior ou menor. Há flexibilidade, há
exceções, há dissenso – mesmo que em certas situações alguém
possa preferir não expressar publicamente uma divergência, ou até
que se sinta na obrigação moral de concordar, ou sinta culpa por
discordar. As diferenças existem mesmo entre os religiosos ordenados: pastores, pastoras, reverendos, reverendas, ministros e ministras ordenados, diáconos, diaconisas, padres, freiras, bispos, papas
podem ser muito diferentes entre si. Mesmo na hierarquia eclesiástica, em âmbito institucional, há debates, disputas, discordâncias.
Por mais que figuras religiosas com espaço na mídia ou nos meios
políticos se apresentem publicamente como intérpretes autorizados para falar em nome da Igreja, isso não muda o fato de que “a
Igreja” é uma multidão de vozes, uma miríade de pontos de vista.
Dizer “a Igreja é assim mesmo” é uma eficiente estratégia de poder,
cujo efeito é apagar essas diferenças e criar uma voz única – que é
a voz de quem “tem voz”, de quem tem interesse em manter determinadas maneiras de fazer as coisas, certas formas de distribuir o
poder.
Dizer “a Igreja sempre foi assim” (logo, “vai continuar sendo assim”;
afinal, se “nunca” mudou, “nunca” vai mudar) é o complemento lógico dessa estratégia, promovendo esse apagamento das diferenças
no tempo. Apaga as disputas, tensões, conflitos, negociações que
vão se dando ao longo do tempo. É ao longo do tempo e a partir de
disputas e negociações que vão se constituindo e consolidando as
posições “oficiais” das Igrejas. Enquanto isso, outras perspectivas e
pontos de vista vão sendo eliminados e esquecidos; afinal, a História é contada pelos vencedores.
Dizer “a Igreja sempre foi (e sempre será) assim” apaga o fato de que
os discursos “oficiais” têm uma história. É no tempo que vão sendo
construídos – uma construção que se deu no caminho percorrido
para chegar até aqui, e se dá e dará no caminho a percorrer ago-
46
ra e daqui para a frente; o caminho que nos levará ao futuro que,
mesmo sem nos darmos conta, estamos construindo neste exato
momento.
O perigo desse apagamento é criar uma cegueira: quanto menos
enxergamos as transformações que nos trouxeram até aqui, mais
difícil será imaginar outros mundos – pois será mais difícil sequer
conceber a possibilidade de mudança. Olharemos para a frente
sem conseguir imaginar nada muito diferente do que já está aqui. E
não há nada mais paralisante, mais aprisionador, do que a falta de
imaginação. Somos movidos a imaginação; ela cria um horizonte
para onde ir.
Por isso, apresentar uma “Tradição” imutável, que “nunca mudou”
e é “impossível mudar”, tem este efeito fatal: congela o tempo, esgota a capacidade de imaginação e de transformação, nos aprisiona
para sempre no presente, em como as coisas são hoje. Daí ser preciso cautela para não reproduzir a ideia de que “é assim, sempre foi
assim, sempre será assim”, que só reforça e fortalece os poderosos e
seus esquemas para se perpetuar no poder.
A cegueira é uma arma poderosa, pois cria paralisias, impede que
nos movamos. Não à toa, Jesus curou tantos cegos, e tantas pessoas
com deficiência – e despertou o ódio dos poderosos do seu tempo. Jesus liberta as pessoas dos demônios que as subjugam e faz
isso entregando em nossas mãos as chaves da nossa prisão: abrir
os olhos para enxergar outros horizontes e libertar a imaginação é
o primeiro passo do caminho de construção de um mundo novo
e melhor.
Portanto, para tomarmos em nossas mãos essa tetra-chave que, ao
pretender nos aprisionar do lado de fora da Igreja, nos aprisiona
também nos armários que vivemos dentro dela, precisamos compreender o uso que se faz da “Tradição” (aquela, congelada) e do
modo como as tradições são disputadas, construídas e desconstruídas.
47
3. A construção de uma “Tradição” na
História
Não podemos perder de vista como a gradual conquista de legitimidade e espaço social por parte de pessoas de orientação sexual
e identidades de gênero fora dos limites estritos da norma binária
cisgênero e heterossexual (sobretudo a partir dos anos 1960) vem
interpelando pessoas e comunidades de fé (inclusive em nível institucional), assim como a sociedade mais ampla, e desafiando-as a
questionar suas próprias concepções sobre sexualidade e gênero.
Há um diálogo constante, que se dá nas orações e elaborações pessoais e comunitárias das pessoas cristãs; nas atividades paroquiais;
nas pastorais da família, da juventude e outras; nos seminários e
outras esferas de formação de religiosos; nas instituições de ensino
cristãs; na academia; em diferentes campos da teologia; e em muitas outras dimensões da vida cristã.
Não podemos perder de vista como as respostas a esse desafio vão
sendo construídas a partir de trocas e tensionamentos na Igreja,
e entre Igreja e sociedade. São muitas respostas, que variam ao
longo do tempo e correspondem a atitudes diversas. Há repúdio,
condenação e exclusão das pessoas LGBTI+, na linha daquelas concepções de sexo e corpo como fontes de perigo, que restringem a
sexualidade legítima à reprodução. Mas há também iniciativas de
acolhida pastoral; e até revisões e retificações de posturas e doutrinas a respeito da diversidade sexual e de gênero, como no caso das
Igrejas Anglicana, Metodista e Presbiteriana Unida, por exemplo.
A prevalência do senso comum de que pessoas LGBTI+ não podem ser cristãs, e vice-versa, além de criar dois campos separados
e estanques – de um lado, o das pessoas LGBTI+, e, do outro, a
Igreja – também ajuda a encobrir as trocas intensas e constantes
entre os dois, e a porosidade e maleabilidade das fronteiras que os
delimitam. Uma das consequências dessa separação é a invisibilização, por um lado, da diversidade sexual e de gênero presente em
comunidades de fé – e, por outro, da fé e da pertença religiosa de
pessoas fora da norma binária cisgênero e heterossexual.
Mas, apesar da invisibilidade, há um diálogo que se dá e que vai
além de reflexões de pessoas e comunidades de fé sobre a “diversidade sexual e de gênero” como algo que se olha de fora, que não
existe entre elas. Afinal, também pessoas de fé são lésbicas, gays,
bissexuais, travestis, transgêneros (aliás, há uma multidão de LGBTI+ não só dentro da Igreja, e muito atuantes na sua construção
e sustentação). Também pessoas de fé são parentes e amigas de
48
pessoas LGBTI+. Pessoas e comunidades de fé se sentem chamadas a refletir sobre identidades, sexualidades, orientações sexuais,
experiências de gênero desde suas próprias concepções religiosas e
vivências do sagrado. Do mesmo modo, experimentam e refletem
também sobre suas concepções religiosas e vivências do sagrado
desde suas próprias identidades, sexualidades e afetos, orientações
sexuais e experiências de gênero.
36 Catecismo da Igreja
Católica, nº 2357.
37 Sobre o caso específico do catolicismo romano, é preciso lembrar
que o Concílio Vaticano
II reconhece o caráter
dinâmico da Tradição
e a evolução da própria
doutrina; afirma a autonomia e a inviolabilidade da consciência, o
valor das ciências profanas na formação de uma
fé mais pura e adulta, e
a hierarquia de verdades
nos conteúdos doutrinais. Isso vale também
no âmbito da moral.
Os diversos preceitos
têm diferentes níveis
de importância, levando-se em conta o mandamento supremo do
amor (Jo 13,34-35; Rm
13,8-10). Não podemos
olhar para esse trecho
do Catecismo fora desse contexto doutrinário
mais amplo, sob o risco
de fazer o jogo dos que
reduzem o cristianismo
a um conjunto de proibições.
Vai se produzindo, assim, um conjunto de reflexões e posturas em
relação à diversidade sexual e de gênero que é mais rico e matizado
do que podemos perceber se acreditarmos no peso excessivo que
se costuma atribuir às doutrinas religiosas “oficiais” e aos pronunciamentos das autoridades religiosas. Para além das doutrinas e
discursos “autorizados” sobre sexualidade e gênero que prevalecem
na Igreja, há, desde sempre, uma multiplicidade de concepções divergentes que atravessam desde as experiências mais cotidianas
da vida individual e em comunidade até as elaborações teológicas
mais sofisticadas. Essa diversidade, junto com os documentos e
pronunciamentos “oficiais”, compõe o conjunto dos discursos e atitudes das pessoas e Igrejas cristãs sobre diversidade sexual e de gênero – um conjunto heterogêneo, múltiplo e em processo permanente de construção e transformação, individual e coletivamente.
Assim, foi em reação à entrada em cena de novas identidades e
demandas que a Igreja, em suas diversas denominações, começou a
produzir documentos e pronunciamentos a respeito da diversidade
sexual e de gênero. E o recurso estratégico à “Tradição” e ao “sempre foi assim” acaba sendo uma tentativa de “blindar” doutrinas e
pronunciamentos, interditando o debate e o questionamento. Por
exemplo: na Igreja Católica romana, o documento mais antigo a se
referir à homossexualidade é a “Declaração Persona Humana sobre
alguns pontos de ética sexual”, de 1975. É a esse documento que
a doutrina católica romana, expressa no Catecismo, remete para
fundamentar a afirmação de que “a tradição sempre declarou que
‘os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados’”
36 – “sempre”, aqui, é desde 1975. 37
Mas esse não é um exemplo isolado. É recorrente o apelo à “Tradição” ao ler ou interpretar documentos ou diferentes passagens
bíblicas de um modo que esteja de acordo com os pontos de vista
que se quer defender. Tiram-se documentos ou trechos das Escrituras do contexto em que foram escritos a fim de usá-los para justificar violências e exclusões, mesmo que isso signifique distorcer
seu sentido e deturpar a mensagem mais ampla de Cristo, que é a
Boa Nova do Amor: “Eu vim para que [todos e todas] tenham vida,
e vida em abundância” (Jo 10, 10).
49
Um exemplo muito atual é como o argumento da “Tradição” vem sendo usado para congelar a própria norma binária cisgênero heterossexual e torná-la inquestionável. Sobretudo
desde os anos 2010, vem se articulando uma verdadeira “cruzada” moral religiosa em torno
de uma ficção chamada “ideologia de gênero”. Forjada inicialmente por grupos católicos
romanos, nos anos 1990, essa expressão foi adotada e disseminada por segmentos de outras denominações cristãs e por grupos e pessoas que usam uma linguagem cristã. O objetivo é demonizar a categoria “gênero” – uma ferramenta nascida nos estudos feministas
para analisar padrões de identidade e de relação que sustentam desigualdades e violências
estruturais – e, assim, deslegitimar ao mesmo tempo o campo de estudos de gênero, os
movimentos LGBTI+ e feministas e as lutas pela garantia e expansão de direitos sexuais e
reprodutivos e à livre expressão de gênero.
A ideia de que há uma “ideologia de gênero” e que é preciso combatê-la vem servindo
para consolidar alianças que agregam interesses e grupos diversos em torno de agendas
contrárias à perspectiva dos direitos humanos e à lógica democrática pluralista. “Ideologia
de gênero” é o rótulo usado para reunir aqueles elementos que escapam, questionam ou
fazem alguma crítica à norma binária cisgênero e heterossexual e ao modelo de família
baseado nessa norma – aquele modelo familiar composto por um par heterossexual e seus
filhos, em que homens se sobrepõem a mulheres e adultos, a jovens e crianças. Na cruzada
contra a “ideologia de gênero”, toda opção que não se adéque a tal norma é inferiorizada
(e até tratada como patologia, perversão ou crime) e marginalizada.
É uma estratégia muito inteligente. Ao caracterizar como “ideológicos” os alvos de seus
ataques, a posição “antigênero” reforça sua própria sacralidade. Afinal, “ideologia” é sempre
50
o que “os outros” defendem. O que “nós” defendemos é “ordem natural”, “ordem sagrada”,
“ordem divina”, expressa e cristalizada na “Tradição” Imutável. O efeito é este mesmo: ocultar, sob o manto da “Tradição” (aquela, unívoca, uníssona, com T maiúsculo), o fato de que
a própria norma binária cisgênero e heterossexual é fruto de sua época. Diferentes culturas
e sociedades, em diferentes momentos históricos, organizam-se sobre outras bases. A norma binária cisgênero e heterossexual é construída social e culturalmente e situada historicamente. Logo, é tão “ideológica” quanto qualquer outra forma de organização social. Mas,
ao disfarçá-la como “Tradição” (“sempre foi assim”, “sempre será assim”, “não existe outro
mundo possível”, “qualquer outra possibilidade vai contra a Vontade de Deus”), a cruzada
contra a dita “ideologia de gênero” esconde que tal norma não passa de uma maneira específica de organizar e concentrar o poder nas relações sociais.
No fim das contas, “ideologia de gênero” vem sendo o rótulo ideal para reunir tudo aquilo
que se queira definir como aberrante, abjeto ou abominável, convertendo pessoas e grupos
inteiros em inumanos – e, assim, justifica-se seu extermínio, simbólico ou real. Nesse sentido, essa “cruzada antigênero” vem se configurando como uma nova “caça às bruxas” – e
precisa ser inequivocamente condenada por sua intolerância, virulência e capacidade de
destruição.
Por outro lado, é preciso cuidado para que a denúncia (imprescindível) da violência cristã
contra a diversidade sexual e de gênero não acabe reforçando a oposição entre Igreja e
pessoas LGBTI+ – e fortalecendo tanto o uso político de uma linguagem cristã contra a
diversidade sexual e de gênero quanto a própria violência religiosa que é preciso combater.
51
4. Outras tradições, outros mundos
possíveis
Para escapar dessa armadilha, é fundamental reconhecer e não
perder de vista outras tradições cristãs. E há uma multiplicidade
delas, remontando diretamente ao próprio Cristo. “Examinem
tudo, e fiquem com o que é bom” (1 Tess 5, 21). Há tradições que
não perpetuam “as coisas como elas são”, nem compactuam com
desigualdades, opressões e injustiças, nem se colocam ao lado dos
poderosos. Tradições que criticam e se opõem frontalmente ao legalismo vazio e ao moralismo hipócrita. Tradições que remetem,
em última instância, à Tradição cristã primordial do Amor, Acolhimento, Serviço – ligada à Tradição cristã ancestral e revolucionária
da luta contra toda injustiça, que impõe a quem segue o Cristo o
dever moral de se colocar sempre ao lado daquelas pessoas mais
pequeninas, mais desamparadas, mais excluídas, mais marginalizadas, mais violentadas. A Tradição da Libertação, anunciada pelo
próprio Cristo, da prisão de toda opressão e autoridade terrena –
inclusive religiosa. Tradição que nos liberta para o discernimento
e a responsabilidade moral. Tradição, essa sim, com T maiúsculo e
sem aspas.
É na linhagem da Tradição do Amor Revolucionário que emergem,
na heterogeneidade das comunidades de fé e instituições religiosas,
espaços de diálogo, respeito e acolhimento, e de luta das pessoas
LGBTI+ por reconhecimento e afirmação de sua dignidade também na Igreja – com graus variáveis de integração ao tecido social
de cada comunidade cristã.
Foi assim que, em 1968, surgiram nos EUA as Igrejas da Comunidade Metropolitana (ICM), primeira denominação cristã dedicada expressamente à diversidade sexual e de gênero. Nascia aí uma
tradição de igrejas chamadas de “inclusivas” – um campo heterogêneo, marcado por uma variedade de abordagens teológicas e
pastorais, que constitui um importante espaço de acolhimento da
diversidade sexual e de gênero dentro do cristianismo.
Desde os anos 1960 vêm surgindo também iniciativas de acolhida
e reconhecimento da diversidade sexual e de gênero no interior
de diferentes denominações. Só nos EUA, há exemplos como o
Dignity (católicos romanos, 1969), Integrity (episcopais anglicanos,
1974), Lutherans Concerned (luteranos, 1974), Affirmation (metodistas, 1975) e outros; mas há também coletivos, coalizões e redes
ecumênicas similares em todo o mundo.
52
No Brasil, o Diversidade Católica, primeiro grupo organizado de
católicos romanos LGBT, surgiria no Rio de Janeiro em 2007. Em
seu rastro viriam outros, dos quais sete fundaram, em 2014, a Rede
Nacional de Grupos Católicos LGBT – que, no começo de 2021,
congregava 23 coletivos leigos espalhados por todo o país, exceto
a Região Norte. O Movimento Episcopaz surgiria no começo dos
anos 2010; o Inclusão Luterana, em 2014; o Evangélicxs pela Diversidade, em 2018; o Inclusão Metodista, em 2020. Esses grupos e
movimentos adotam a perspectiva da permanência e reivindicação
de espaço e reconhecimento dentro de seus ambientes eclesiais de
origem, constituindo espaços de dissidência e resistência, sobretudo nas comunidades e instituições religiosas mais marcadas pelo rigorismo moral e defesa de uma ordem sexual e de gênero restritiva.
Porém, as disputas e negociações em torno da diversidade sexual
e de gênero na Igreja vão além das demandas desses grupos por
espaço e liberdade. Elas se traduzem também em iniciativas específicas de acolhimento pastoral e em controvérsias em torno da
ordenação de clérigos e clérigas LGBTI+, da aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da aceitação de pessoas
que não se enquadrem na norma binária cisgênero e heterossexual
como membros plenos em diversas denominações, numa disputa
em torno dos limites da “inclusividade” de cada igreja e comunidade cristã. 38 É uma disputa, em última instância, em torno das
linhagens e tradições em que se inserem cada pessoa, cada comunidade, cada movimento: a Tradição Inclusiva do Amor para Todas
as Pessoas? Ou as tradições excludentes e segregadoras, que criam
hierarquias e subalternidades, em conluio com os poderosos deste
mundo?
Retomar em nossas mãos essa tetra-chave que nos aprisiona em
tantas dimensões significa, pois, reconhecer nosso próprio legado,
a linhagem em que nos inserimos. Significa reconhecer que as pessoas LGBTI+ somos filhas de Deus e da Igreja, herdeiras legítimas
da promessa de vida em abundância e plenitude. Significa honrar
aqueles e aquelas que vieram antes de nós, bem como aqueles e
aquelas que caminham conosco hoje — reconhecendo que também graças a eles e elas estamos aqui. As pessoas LGBTI+ cristãs
somos peregrinas orgulhosas no caminho da construção do Reino
de Justiça e Amor. Não precisamos nos justificar: em Cristo, já estamos justificadas. Somos Igreja. Este é o nosso Corpo. Esta é a chave
da Tradição libertadora de Cristo.
38 Sobre “inclusividade”, ver Ana Ester Pádua Freire (2019; 2020).
53
Referências
AUGUSTO, Jackson. Necroespiritualidade, necroteologia e os pecados da morte. Novos
Diálogos, 20 de novembro de 2019. Disponível em: <https://novosdialogos.com/artigos/necroespiritualidade-necroteologia-e-os-pecados-de-morte/>. Acesso em: 02 jan. 2021.
FREIRE, Ana Ester Pádua. Armários queimados: igreja afirmativa das diferenças e subversão
da precariedade. 2019. 298 f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC Minas), Belo Horizonte, 2019.
FREIRE, Ana Ester Pádua. O Bom Samaritano e a Igreja Afirmativa das Diferenças (vídeo
em curta-metragem). Site <www.youtube.com>, 2020. 15:07 mins. Disponível em: <https://
youtu.be/tQAgCdgFKcE>. Acesso em: 21 set. 2020.
LIMA, L. Gênero e Orientação Sexual. Theologica latinoamericana: enciclopédia digital. Belo
Horizonte: FAJE, 2019. Disponível em: <http://theologicalatinoamericana.com/?p=1786>.
Acesso em: 01 fev. 2021.
MUSSKOPF, André. Via(da)gens teológicas: itinerários para uma teologia queer no Brasil.
São Paulo: Fonte Editorial, 2012.
MUSSKOPF, André. To Queer or Not To Queer – É possível uma teologia QUEER/LGBTI+?
Revista Senso, nº 12, setembro/outubro de 2019.
MUSSKOPF, André ; FREIRE, Ana Ester Pádua. Teologia queer – O necessário indecentamento da teologia. Revista Senso, 15 de julho de 2020. Disponível em: <https://revistasenso.com.br/zrs-edicao-17/teologia-queer-o-necessario-indecentamento-da-teologia/>.
Acesso em: 21 set. 2020.
SERRA, Cris. O coração, a santa e a dádiva: contribuições teológicas de corpos fora-dalei. In: JURKEWICZ, Regina Soares (org.). Teologias fora do armário: teologia, gênero e diversidade sexual. Jundiaí, SP: Max Editora, 2019a. Disponível em: <https://catolicas.org.
br/wp-content/uploads/2020/08/2019-Livro-Teologias-Fora-do-Armario-Catolicas.pdf>.
Acesso em: 02 jan. 2021.
SERRA, Cris. Viemos pra comungar: os grupos de católicos LGBT brasileiros e suas estratégias de permanência na Igreja. Rio de Janeiro: Metanoia Editora, 2019c.
SERRA, Cris; SILVA, Jeferson B.; ARAÚJO, Murilo (orgs.). Testemunhos da Diversidade: Histórias de fé, amor e comunhão. Rio de Janeiro: Autorale, 2020. [livro eletrônico] Disponível
em: <https://drive.google.com/file/d/1brwAXLhawHjMG3yHRqeivkm3Ct_FKIhB/view>.
Acesso em: 20 nov. 2020.
54
55
56
Chave 4
Hermenêutica
do cadeado:
os Textos de Terror
“Eles venceram e o sinal está fechado para
nós!” – ou não (!?)
A sentença é clara e direta: a Bíblia condena a homossexualidade
(e toda a diversidade sexual e de gênero)! É assim que a maioria das
pessoas LGBTI+ têm contato com os textos considerados sagrados pelo Cristianismo. A porta está fechada e o cadeado trancado. As chaves foram jogadas fora ou estão tão bem guardadas que
as próprias pessoas LGBTI+ não têm acesso aos textos e à leitura.
Muitas vezes, acreditam que o cadeado é apenas mais um laço de
fita no belo embrulho que se tornou a religião e que é vendido em
praças, lojas, farmácias e supermercados – e até mesmo online.
Não percebem as correntes que aprisionam, os armários que sufocam e aceitam verdades inventadas para o aprisionamento.
57
A relação de pessoas LGBTI+ com a religião tem sido, majoritariamente, tensa e problemática. Na grande maioria dos casos, uma
experiência (no âmbito do sexo, do gênero e da sexualidade) tem
sido pregada e apreendida como irreconciliável com outra (no âmbito da religião). Trata-se daquilo que se tem chamado de cisheternormatividade. Ainda que haja instituições, práticas e experiências que contradigam essa ideia de que a diversidade sexual e de
gênero e religião não podem ser conciliadas, o que predomina é
a ideia de condenação e rechaço que paira sobre a população LGBTI+ como uma nuvem ameaçadora. Algumas dessas instituições,
práticas e experiências, mesmo quando tentam acomodar determinadas perspectivas diversas em relação a sexo, gênero e sexualidade, acabam por recriar armários e cadeados que podem parecer
mais confortáveis e flexíveis, mas não são, necessariamente, menos
aprisionadores e cerceadores de movimentos mais livres e trânsitos
inesperados.
No campo das religiões organizadas, ou mesmo das religiosidades
cotidianas e mais informais, determinadas narrativas (orais ou em
forma de texto) assumem a função de dar sentido ao que existe e
ao que é experimentado e vivenciado. Em muitas, essas narrativas,
em suas diversas formas, assumem, também, um caráter sagrado e
de valor que estaria acima das experiências e conhecimentos mais
imediatos e cotidianos. Servem de guia e orientação para o agir e
o viver, ou mesmo como um conjunto de normas às quais se deve
seguir fielmente. Em muitos casos tornam-se a régua (cânon) a partir da qual se mede o quão forte e válida é a experiência religiosa,
a crença ou a fé.
As escrituras ou textos sagrados cumprem esse papel de norma
da fé. Isso se dá por seu caráter aparentemente mais estável e facilmente identificado. Esses textos podem ser invocados a partir
de uma autoridade delegada ou assumida (um pastor, um padre,
um estudioso) que desempenha o papel de guardiã das chaves de
leitura e interpretação. O risco para aquilo que se tem chamado de
fundamentalismo se torna grande. Os textos já não são mais vistos
como elementos vivos de uma prática religiosa e de fé em construção, mas uma forma de subjugação e controle. Qualquer perspectiva alternativa que possa questionar as estruturas e relações
de poder estabelecidas é rechaçada a partir de uma determinada
interpretação. É nesse campo de disputa e negociação que se insere
a relação entre os textos sagrados do Cristianismo, a Bíblia, e a experiência das pessoas LGBTI+, dentro ou fora da religião.
A Bíblia é um dos conjuntos de textos sagrados que estão em permanente disputa no campo religioso. Mesmo dentro do Cristianis-
58
mo eles são uma das fontes da reflexão teológica e da prática da
fé ao lado de outras, ainda que para muitas correntes ela seja a
principal, a primeira ou a mais importante. Mesmo assim, há outras
amarras que precisam ser desenredadas para poder lidar com esses
textos em relação à experiência LGBTQIA+. Uma delas é que aquilo
que se conhece por “Bíblia” (do grego biblion, um conjunto de livros) e reúne milhares de anos de relatos, narrativas, testemunhos,
teologias e até tradições religiosas. Estes textos foram originados
de experiências contadas oralmente em diversos contextos até serem codificadas em escritos. Por isso, é impossível querer harmonizar todo esse conjunto de perspectivas em uma narrativa única ou
definitiva e fazê-lo significa realizar uma leitura simplista e pobre
da Bíblia. A própria leitura desses textos com base na experiência
de pessoas LGBTI+ evidencia isso.
Elaborações teológicas e dogmáticas das igrejas ao longo dos séculos tentam articular e definir as formas corretas e apropriadas
(ortodoxia) de entender e significar esses textos. Mas a própria
Bíblia resiste às tentativas de leituras e interpretações fechadas e
segue produzindo novos sentidos a respeito de situações novas e
antigas. Assim como qualquer outro livro, seus textos precisam ser
interpretados. Eles seguem gerando significados mesmo quando
se pretende encerrá-los em armários escuros e mofados aos quais
apenas quem tem as chaves pode acessar. Isso explica, por um lado,
porque ela segue sendo tão estudada e discutida e, por outro, a
grande variedade e diversidade de denominações e práticas religiosas a utilizam como fonte, mesmo quando apresentam características e formas tão distintas.
Não é apenas a diversidade de igrejas e denominações que evidencia essa pluralidade de compreensões sobre os significados e sobre
como atuam determinados textos na constituição de uma tradição
religiosa ou de uma prática de fé – muitas das quais se fundam
precisamente pela divergência com relação a determinados textos
ou o conjunto deles. A composição do cânon (conjunto de textos
reconhecidos como tendo valor normativo), a forma como eles são
utilizados dentro de uma determinada instituição ou na prática
religiosa e mesmo quem tem acesso à sua leitura e interpretação
variam enormemente.
Um rápido inventário das Bíblias disponibilizadas em bancas e livrarias ou nas estantes das igrejas evidencia facilmente essa diversidade: há Bíblias com mais ou menos livros/textos; há diferentes
traduções e versões da Bíblia; há Bíblias com comentários, introduções, notas de rodapé e títulos separando os diferentes textos
(algo que não está presente nos textos originais); há, até, Bíblia para
59
a mulher, para a criança, para o jovem; de estudo, de meditação e
para pregação. Há uma infinidade de “Bíblias”, muitas delas adaptadas para o gosto de quem consome. Quando se lê e discute esses
textos individualmente ou em comunidade é preciso ter todas essas questões em mente.
O que define – embora, em geral, instituições e lideranças religiosas neguem essa realidade – o quê, como, onde e por quem a Bíblia
e as diversas narrativas que a compõem é lida vai depender fundamentalmente da perspectiva assumida para fazê-lo. Isso implica
definir quais são as lentes através das quais os textos serão lidos e
significados e de que forma as experiências de quem lê (seja uma
autoridade legitimada ou uma comunidade leitora) se relacionam
com a leitura que é feita. Não existe uma leitura literal, neutra ou
definitiva da Bíblia (ou de qualquer outro texto sagrado ou não).
Toda leitura é intencionada e são essas intenções que definirão
aquilo que é possível encontrar quando ela é lida. Para deixar a
Bíblia ser o que ela é, é preciso entrar em um diálogo aberto e honesto no qual o próprio processo de diálogo revelará significados e
sentidos importantes para a prática da fé e da vivência em comunidade. Cada pessoa ou comunidade que lê a Bíblia precisa refletir
sobre essas questões e tomar suas próprias decisões.
Compreender essas questões é fundamental para aproximar-se
dos cadeados que pretendem manter a experiência LGBTI+ no armário quando o assunto é Bíblia e Cristianismo. Para isso, é preciso
chamar alguns desses cadeados pelo nome e pela função que exercem na experiência de pessoas LGBTI+ cristãs: “textos de terror”.
A expressão “textos de terror” foi criada no âmbito das teologias
feministas cristãs que identificam determinadas passagens bíblicas
usadas para justificar, manter e promover a inferiorização, silenciamento e violência contra as mulheres nessa tradição religiosa. Embora tais textos também possam ser aplicados às pessoas LGBTI+,
especialmente quando se trata de mulheres lésbicas, bissexuais ou
trans, há um outro conjunto de “textos de terror” mais comumente
usados para condenar as pessoas desse grupo (ainda que com particularidades para cada subgrupo da sigla).
O terror dos referidos textos não vem dos textos em si, mas muito mais de como são utilizados em determinados contextos. Isso é
feito tanto para provocar um pânico moral em relação a determinadas pessoas e grupos sociais, quanto para aterrorizar as próprias
pessoas pertencentes a esses grupos com relação ao seu lugar e seu
destino dentro de uma determinada tradição ou prática religiosa.
Muitas vezes, esse terror resulta em violência pessoal (suicídio e
automutilações), familiar e comunitária (segregação, expulsão,
60
agressão), em suas mais variadas formas (física, simbólica, psicológica, econômica, religiosa).
É possível identificar seis textos comumente acionados para condenar a “homossexualidade” e a “diversidade sexual e de gênero”.
Eles podem ser encontrados nas seguintes passagens bíblicas: livro
de Gênesis, capítulo 19, versículos 1 a 25 (Gn 19, 1-25); livro de Levítico, capítulo 18, versículo 22 (Lv 18,22) e capítulo 20, versículo
13 (Lv 20,13); carta de Paulo aos Romanos, capítulo 1, versículos 26
e 27 (Rm 1,26-27); primeira carta de Paulo aos Coríntios, capítulo
6, versículo 9 (1Cor 6,9); e carta de Paulo a Timóteo, capítulo 1,
versículo 10 (Tm 1,10). É um número bastante pequeno de textos e
de autores que, segundo essa lista, se referem a essa temática. Mas,
como se verá, a questão é bem mais complicada que isso.
Em geral se fala na condenação da “homossexualidade”, pois essas
referências se sustentam numa compreensão que emergiu a partir
do século XIX quando esse conceito foi cunhado no campo das
ciências médicas. No entanto, tais referências também são usadas
com relação ao espectro mais amplo de pessoas LGBTI+, embora as
experiências dessas pessoas sejam muito mais diversas e complexas
do que o termo “homossexualidade”, ou o que ele quer dizer e pode
expressar. Afinal, nos discursos condenatórios, geralmente não é
reconhecida ou aceita toda a diversidade de identidades e identificações compreendidas na perspectiva da “diversidade sexual e
de gênero”. Todas são vistas desde o mesmo olhar e colocadas sob
o mesmo guarda-chuva, como se fossem a mesma coisa. Isso também fica evidente na recente utilização da expressão “ideologia de
gênero” como uma forma de atacar os estudos, as discussões e a
ação política relacionada a gênero e sexualidade.
Existe uma infinidade de publicações, fruto de pesquisa e de exercícios interpretativos, sobre esses textos. Essas publicações analisam detalhadamente questões literárias e redacionais, históricas
e culturais, para situar os textos em seus respectivos contextos e
entender tanto o que queriam dizer, quem os disse e registrou e
para quem estavam destinados, e ainda qual o seu significado na
atualidade. Trata-se de uma disputa sem fim tentando estabelecer
a verdade definitiva sobre esses textos e seus significados, uma vez
que o parecer final, de modo geral, dependerá dos pressupostos
a partir dos quais os textos são lidos e interpretados, como visto
acima.
Uma das principais críticas à utilização desses textos para falar (e
condenar) experiências, identidades e práticas contemporâneas
é justamente o fato de que os seus significados dependem pro-
61
fundamente do contexto no qual são enunciados e dos termos e
conceitos utilizados. Nesse sentido, a simples aplicação do termo
“homossexualidade” (com uma história e um contexto particular)
ou outra forma de referir-se a questões de gênero e sexualidade
em textos bíblicos como tradução de termos das línguas originais
seria, em princípio, equivocada, pois tais termos e conceitos não
aparecem nesses textos. A identificação entre práticas, experiências e identidades contemporâneas e aquelas que aparecem nas
narrativas bíblicas precisaria ser analisada e compreendida levando
em consideração uma série de questões que, ao final, revelariam a
incongruência e o equívoco dessa identificação. Não é possível simplesmente aplicar termos e conceitos como “homossexualidade” a
textos que surgiram e foram registrados há muito tempo, quando
tal termo não era utilizado e o conceito ao qual se refere não havia
sido formulado.
Os próprios textos evidenciam essa dificuldade: no livro de Levítico fala-se de “abominação”. Mas o que significa “abominação” no
contexto em que esses textos foram produzidos e registrados? A
Carta de Paulo aos romanos fala de comportamentos “contrários à
natureza”. Mas o que Paulo quer dizer com essa expressão e a quem
se dirige? Na carta aos coríntios e a Timóteo aparecem os termos
gregos malakoi e arsenokoitai, estranhos à própria Bíblia, uma vez
que só aparecem nessas passagens. Quem seriam os malakoi e os
arsenokoitai? Uma revisão de diferentes traduções permitirá ver
que esses termos, e as notas explicativas acrescentadas a algumas
versões da Bíblia, variam grandemente sobre a compreensão dessas
expressões e sua tradução. A leitura e interpretação desses textos
exige um olhar cuidadoso (veja algumas referências para aprofundar o debate no final dessa parte). Mas é possível afirmar que não
há base para condenar a homossexualidade, a diversidade sexual e
de gênero a partir da Bíblia.
A leitura e o estudo dos “textos de terror” associados à homossexualidade e à diversidade sexual e de gênero provavelmente
levantam mais dúvidas do que apresentam respostas sobre esses
assuntos. A seguir são apresentadas algumas perguntas que podem
ser feitas aos textos para mostrar como é difícil usá-los para condenar a diversidade sexual e de gênero. Como se vê, isso só é possível
quando se lê e interpreta esses textos já com a condenação decidida antes mesmo de se aproximar dos textos.
62
63
Texto
Gn 19,1-25
64
Texto/
Resumo
Perguntas
Comentário
Um grupo de homens
da cidade de Sodoma
se reúne à noite e vai
à casa de Ló para violentar sexualmente
dois homens estrangeiros que estão hospedados em sua casa
Por que quando esse
texto é mencionado
dentro da própria
Bíblia ele não se refere a uma prática sexual (por exemplo Ez
16,48-49; Mt 10,5-15),
mas à falta de hospitalidade e a injustiças
sociais?
Uma vez que o texto
não é usado dentro
da própria Bíblia para
condenar
práticas
sexuais, o que se está
condenando não é a
sexualidade e a homossexualidade, mas
a falta de hospitalidade e a avareza
Sodomia e sodomitas
tornaram-se (no século XII) termos para
referir-se a homens
que fazem sexo com
homens. Como uma
identidade geográfica passou a se referir
a uma prática sexual
tanto tempo depois?
Os termos sodomia e
sodomita, que aparecem em algumas traduções da Bíblia, não
existem nas línguas
originais e sodomita é
simplesmente quem
nasceu ou mora em
Sodoma e não tem
nada a ver com práticas sexuais. Assim,
é errado utilizar o
termo para referir-se
à homossexualidade
nos textos da Bíblia.
Essa é uma invenção
muito posterior.
Homossexuais
ou
pessoas LGBTI+ se
juntam em grupos
para abusar sexualmente de outros
homens (estupro coletivo) – que é o que
acontece no texto?
Embora no imaginário de algumas pessoas homossexuais e
pessoas LGBTI+ são
apresentadas como
pessoas “perigosas”
que “forçam” outras
pessoas a terem relações sexuais com
elas, essa não é nossa
experiência. Quando
falamos em identidades e relações homossexuais e LGBTI+
falamos de relações
afetivas e amorosas
consentidas
entre
pessoas adultas.
Texto
Texto/
Resumo
Perguntas
Comentário
Lv 18,22
Com homem não
te deitarás como
se fosse mulher; é
abominação.
Por que nenhuma
das passagens se refere a mulheres?
O fato de que nenhuma
passagem
no Antigo testamente se refira às
mulheres
revela
um
preconceito
em relação a elas e
também questiona
a condenação da
homossexualidade
de modo geral.
Lv 20, 13
Se também um
homem se deitar
com outro homem como se fosse mulher, ambos
praticaram cousa
abominável; serão
mortos; o sangue
cairá sobre eles
A que tipo de relação o texto se
refere?
Relações
amorosas e afetivas
entre pessoas adultas?
A maioria dos estudos desses textos mostra que a
proibição provavelmente se refira a
prostituição cultual
ou alguma forma
violenta e injusta
de prática sexual
que não se aplica à
compreensão atual
sobre homossexualidade.
Que outras coisas (como comer
peixes que têm barbatanas e escamas
– Lv 11,10-11) o livro
de Levítico considera abominação?
Vários outros textos no Levítico falam de abominação
e não se referem a
questões de gênero
e sexualidade, mas
a coisas comuns
como comer peixe
que tem barbatanas. Por isso, não
é possível usar o
termo abominação
para se referir à
homossexualidade
sem compreender
o que os textos
querem dizer com
o termo “abominação”.
65
Texto
Rm 1, 26-27
66
Texto/
Resumo
Por causa disso os
entregou Deus a
paixões infames;
porque até as suas
mulheres mudaram
o modo natural de
suas relações íntimas, por outro contrário à natureza;
semelhantemente,
os homens também, deixando o
contato natural da
mulher, se inflamaram mutuamente
em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com
homens, e recebendo em si mesmos a
merecida punição
do seu erro.
Perguntas
Comentário
Por que Paulo considera ser “contra a
natureza” para um
homem usar cabelo comprido (1Co
11,14) e afirma que
até mesmo Deus
age “contra a natureza” (Rm 11,24)?
A expressão “contra a natureza”
também aparece
em outros textos
de Paulo, mas não
se referem a questões de sexualidade. A interpretação
mais comum dessa
expressão é que se
trata de algo que
é diferente em termos de costume,
mas que não é considerado um pecado.
A que tipo de relação o texto se
refere?
Relações
amorosas e afetivas
entre pessoas adultas?
Assim como no
Levítico no Antigo
Testamento, aqui
não se tem certeza
de a que tipo de
relações Paulo está
se referindo. O mais
provável é que se
trate de práticas
de outros povos e
outras religiões que
podem ser consideradas injustas e
violentas.
Texto
Texto/
Resumo
Perguntas
Comentário
Os termos que aparecem no texto nas
línguas
originais
não aparecem em
outros textos e o
seu significado é
impreciso. Por isso,
quando algumas
pessoas traduzem
esses termos colocam nas traduções
seus próprios preconceitos e utilizam termos que
são estranhos ao
texto bíblico. De
qualquer forma, a
partir do contexto
em que aparecem,
é possível afirmar
que esses textos se
referem a relações
abusivas e prejudiciais, e não se trata de relações de
amor e afeto.
1Cor 6, 9
Ou não sabeis que
os injustos não herdarão o reino de
Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras,
nem
adúlteros,
nem malakoi, nem
arsenokoitai
Por que os termos
malakoi e arsenokoitai são traduzidos de forma
diferente em diferentes versões da
bíblia (afeminados,
homossexuais, sodomitas, masturbadores)?
1Tm 1, 10
... impuros, arsenokoitais, raptores
de homens, mentirosos, perjuros, e
para tudo que se
opõe à sã doutrina.
Como
entender
esses termos se
eles não aparecem
em outros textos
da Bíblia? Por que
ninguém os mencionou em outras
narrativas?
67
Essas são apenas algumas das perguntas e algumas das complexidades que quem utiliza esses textos para condenar pessoas LGBTI+ precisam responder para ser minimamente coerentes com a
sua leitura e pregação. Elas apontam para problemas de tradução
(geralmente mal intencionadas), questões relacionadas ao tipo de
relação a que se refere o texto (abuso ou violência sexual, práticas
de outros povos e religiões das quais se quer diferenciar) e compreensões mais amplas sobre gênero e sexualidade em cada contexto em que o texto foi produzido, registrado e divulgado, bem
como suas intenções no conjunto da mensagem bíblica. No final,
restará bastante difícil associar essas passagens às experiências,
práticas e identidades de pessoas LGBTI+, mas tais releituras poderão reforçar a denúncia com relação a práticas e comportamentos violentos, abusivos e injustos.
A esse tipo de acercamento aos textos que compõem as escrituras
sagradas cristãs, tem se dado o nome de “método defensivo”. Num
primeiro momento, tal método visita os textos usados para condenar e demonstrar que essa condenação não pode ser sustentada.
Ao desconstruir leituras fundamentalistas e tendenciosas se libertaria homossexuais e pessoas LGBTI+ dessa palavra condenatória
que parece tão definitiva de determinadas instituições e lideranças.
E não resta dúvida de que esse exercício é importante para a construção de uma cidadania religiosa por parte de pessoas LGBTI+ que
se sentem autorizadas e legitimadas a tomar o texto em suas mãos,
ler e interpretá-lo. Além disso, tal exercício e seus resultados têm
provocado a abertura por parte de vários grupos cristãos às experiências de pessoas LGBTI+, ainda que de diferentes formas e em
diferentes níveis.
Outro argumento utilizado com frequência nessa perspectiva é o
fato de que nenhum dos textos mencionados encontra-se entre as
falas de ou narrativas sobre Jesus registradas nos quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João). A não referência e, por con-
68
seguinte, não condenação ou reprovação por parte de Jesus pode
indicar que não se trata de uma postura que se possa associar a
ele. Grande parte apoiada na compreensão de que Jesus andava e
se relacionava preferencialmente com as pessoas marginalizadas e
excluídas da sociedade (especialmente mulheres) entende-se que
isso também incluía questões de gênero e sexualidade como atestam inúmeras passagens onde aparecem pessoas que não se encaixam nos padrões sociais e religiosos. A ausência de reprovação
e o reconhecimento de tais pessoas por Jesus nos textos bíblicos
demanda, então, uma postura semelhante por parte de quem diz
seguir seus ensinamentos.
Mas, apesar dos inegáveis ganhos desse tipo de leitura, ele não
deveria apenas apontar para a não-condenação de algumas experiências, práticas e identidades no âmbito da diversidade sexual e
de gênero. Inclusive porque tais textos seguem em disputa e continuam sendo usados abundantemente e reforçando atitudes e práticas discriminatórias, injustas e violentas. Pelo contrário, esse tipo
de leitura deveria abrir as possibilidades de formas de se acercar às
narrativas bíblicas ou mesmo de outros textos sagrados e de outras
práticas e estruturas religiosas, tomando como ponto de partida a
experiência vivida de pessoas LGBTI+. Tal proposta hermenêutica
se funda numa perspectiva dialógica entre as narrativas e escrituras religiosas e as situações cotidianas no que diz respeito a gênero
e sexualidade, atentando para o tipo de relações que essas leituras
e acercamentos produzem e reproduzem.
As portas, os cadeados e as chaves são todas invenções que têm
como objetivo aprisionar, mesmo quando produzem uma sensação de segurança e proteção. Assumir a responsabilidade de
tomar as chaves, decodificar os cadeados e abrir as portas exige
coragem, ousadia e persistência. De tal responsabilidade nunca se
deveria abrir mão nem deixá-la ser sequestrada em nome de qualquer credo ou ideologia.
69
Referências
BESSON, C. Homossexuais católicos: como sair do impasse. São
Paulo: Loyola, 2015.
FEITOSA, Alexandre. Bíblia e homossexualidade. Verdade e mitos.
Rio de Janeiro: Metanoia, 2010.
HANKS, Tom. Biblia y prejuicios: 40 mitos – Crítica de la manipulación homofóbica de textos usualmente citados. Buenos Aires:
Epifanía, 2011.
HELMINIAK, Daniel. O que a Bíblia realmente diz sobre homossexualidade. São Paulo: Sumus, 1998.
JUNG, P.; CORAY, J. (org.). Diversidade sexual e catolicismo: para o
desenvolvimento da teologia moral. São Paulo: Loyola, 2005.
LEERS, B.; TRASFERETTI, J. Homossexuais e ética cristã. Campinas:
Átomo, 2002.
LIMA, L. Gênero e Orientação Sexual. Theologica latinoamericana:
enciclopédia digital. Belo Horizonte: FAJE, 2019 (aqui).
LIMA, L. Pastoral dos LGBT. Theologica latinoamericana: enciclopédia digital. Belo Horizonte: FAJE, 2017 (aqui).
LINGS, Renato. Biblia y homosexualidad. ¿Se equivocaron los traductores? San José, Costa Rica: Universidad Bíblica Latinoamericana, 2011.
MINER, Jeff; CONNOLEY, John Tyler. Dios nos ha hecho libres. Una
relectura de los textos bíblicos referentes a las relaciones entre personas del mismo sexo.
MUSSKOPF, André S. Que comece a festa. O filho pródigo e os homens gays. Belo Horizonte: Editora Senso, 2020.
SALZMAN, T.; LAWLER, M. A pessoa sexual: por uma antropologia
católica renovada. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2012.
70
71
72
Chave 5
Hermenêutica
do fechadura:
espiando o texto bíblico
“Ou qual a mulher que, tendo dez moedas, se perder uma não acende a lamparina, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? E, tendo-a achado,
reúne as amigas e vizinhas, dizendo: ‘Alegrai-vos comigo, porque achei a moeda
que eu tinha perdido!’?”
(Lucas 15.8-9)
73
Na parte anterior foram discutidos alguns textos que são utilizados para afirmar que a homossexualidade e a diversidade sexual
e de gênero são contrárias à vontade de Deus no âmbito do Cristianismo. Como se viu, uma leitura cuidadosa desses textos revela
que essa ideia é equivocada em vários níveis. Não é no texto que
estão as condenações gritadas de púlpitos e em sessões de “aconselhamento pastoral” irresponsável e violento. É nas compreensões
pré-determinadas sobre nós, sobre gênero e sexualidade, que está
a condenação. Por isso, nesse tipo de leitura e de discurso religioso
não temos nenhuma chance. Nossa alternativa, para quem o Cristianismo ainda faz algum sentido, é buscar nossas próprias formas
de ler não apenas esses textos, mas a mensagem bíblica como um
todo. No que segue, são apresentados alguns exercícios possíveis
para libertar a mensagem bíblica e espiar pela fechadura. Romper
com o que nos aprisiona é um exercício cotidiano que não se encerra aqui.
Todos os tipos de fundamentalismos sustentam-se na ideia de que
existem determinadas verdades inalteráveis e indiscutíveis. Escondem-se atrás de portas envernizadas trancadas com pesados cadeados sob a aparência de que nada, nunca, muda. Algumas autoridades iluminadas, então, arrogam-se o poder de guardiãs de
tal conteúdo a ser repetido roboticamente por quem não teve a
fortuna de receber as chaves do conhecimento e vive sob a ilusão
de participar dele através da obediência. Quem ousa questionar
essa ordem das coisas, mesmo que seja para espiar pela fechadura,
sofre punição. Mas seu pior castigo pode ser não perceber que a
porta, o cadeado e a fechadura são apenas artimanhas para aprisionar a realidade que é sempre feita de movimentos, misturas e
ambiguidades.
Um dos campos férteis para os fundamentalismos é a religião. Em
todos os cantos brotam formas autoritárias e absolutistas que capturam as experiências religiosas e as transformam em fórmulas fechadas e definitivas que exigem adesão irrestrita. Alguém define a
forma correta de crer e às demais pessoas só resta seguir repetindo
o que, às vezes, nem faz muito sentido. Narrativas e textos recebem o selo de sacralidade e perdem o seu caráter vivencial para se
transformar em norma que regula as formas corretas e autorizadas
de crer e viver.
Os textos sagrados do Cristianismo (a Bíblia), por exemplo, deixam
de ser vistos como uma multiplicidade de vozes, práticas, experiências e teologias para se tornar um instrumento de controle e autoridade. É preciso acreditar no que nos dizem sobre os textos como
se quem determina a leitura correta não estivesse interpretando,
74
mas tivesse um acesso exclusivo a Deus e sua revelação. Guardados
nos armários da pureza religiosa, esses textos já não dialogam com
as experiências cotidianas das pessoas e das comunidades. Apenas
servem para preservar um sistema que promete salvação e convertem-se em dogmas infalíveis que apenas reiteram a danação. Nessa
matemática vamos todas e todos para o inferno.
Estruturas, relações e padrões de gênero e sexualidade são elementos constitutivos das engrenagens fundamentalistas que se
articulam com várias outras e de diversas formas. Mecanismos binários, que funcionam como opostos, definem o que significa ser
e viver como homem e como mulher, como heterossexual e como
homossexual. Dessa forma, projetam sobre as experiências, práticas e identidades das pessoas, valores, ideias e comportamentos
como sombras ameaçadoras que indicam os limites intransponíveis e o lugar de cada pessoa no ordenamento estabelecido. Nessa
concepção, não é possível discutir e debater os contornos das definições, pois a mobilidade das linhas colocaria em risco a própria
estratégia de dominação disfarçada de vontade divina. Só pode
existir um jeito de experimentar Deus, de crer e de viver a fé. Caso
contrário, as formas de opressão ficariam expostas e quem quer
manter-se no poder perderia o controle das coisas.
Adentrar os textos bíblicos, as estruturas religiosas e as práticas institucionais desde a perspectiva da diversidade sexual e de gênero
implica em reconhecer a falácia das portas trancadas dos armários.
Implica em perceber os cadeados desenhados para o confinamento de determinadas verdades inventadas e manusear outras chaves
de leitura e interpretação. Uma das formas de acesso é a negação
de qualquer sentença condenatória definitiva baseada em “textos
(e instrumentos) de terror” que visam a afastar qualquer olhar curioso, como vimos na parte anterior. Usando uma metodologia
“defensiva” é possível visitar as passagens usadas e abusadas para
invalidar as experiências LGBTI+ e relativizar o seu poder de controle, semeando dúvidas inquietantes ou simplesmente negando
o seu poder determinante sobre tais experiências. Metodologias
mais “ofensivas” ou “afirmativas” e não apologéticas, no entanto,
podem revelar outros segredos escondidos e bem guardados.
A leitura popular e feminista da Bíblia oferece chaves importantes
para esse exercício. Tal perspectiva integra elementos metodológicos da educação popular aplicados à interpretação de textos bíblicos. Esses elementos são oriundos dos movimentos eclesiais e
sociais comunitários na América Latina. As categorias de análise de
gênero e sexualidade, articuladas nas formas de produzir conhecimento feminista e queer dialogam com esses elementos. Como
descrito no texto em epígrafe no início deste capítulo, tal metodo-
75
O amor (proibido) de Carlos e Mariana
Carlos fez Mariana jurar de novo, pelo amor que tinha por ela, porque Carlos a amava com todo o amor
de sua alma. “E quanto àquilo que eu e tu falamos”,
disse Carlos, “eis que o Senhor está entre mim e ti,
para sempre”. Mas aconteceu que Irineu, pai de Carlos, ficou com muita raiva dele e lhe disse: “Filho de
mulher perversa e rebelde; não sei eu que escolheste a Mariana, para vergonha tua e para vergonha da
tua mãe? Ela vai acabar com tua vida e por isso vou
dar um jeito nela”. Então, respondeu Carlos a Irineu,
seu pai, e disse a ele: “Por que você vai fazer isso? O
que foi que ela fez?” Carlos ficou com muita raiva, se
levantou da mesa no meio da festa, não comeu nada,
pois ficou muito triste por causa de Mariana, a quem
seu pai tinha ofendido. Ele foi ao encontro de Mariana no local onde tinham combinado. Carlos abraçou
Mariana, os dois se beijaram e choraram juntos. Depois Carlos disse a Mariana: “Vai em paz, porque juramos ambos em nome do Senhor, dizendo: ‘O Senhor
seja para sempre entre mim e ti e entre a minha descendência e a tua’.”
O amor (intergeracional) de Vanessa e Antônio
Naquele dia, Cláudia, Vanessa e Antônio choraram
alto. Cláudia, com um beijo, se despediu de Antônio,
seu sogro, mas Vanessa se apegou a ele. Disse Antônio: “A tua cunhada voltou para a família dela e seus
deuses; volta tu também para a tua família”. Disse,
porém, Vanessa: “Não insistas para que eu te deixe e
me obrigues a não ir contigo; porque aonde quer que
fores, eu irei e, onde quer que pousares, ali eu pousarei; a tua família é a minha família, o teu Deus é o
meu Deus. Onde quer que tu morreres, lá eu morrerei
e serei sepultada; faça-me o Senhor o que bem quiser,
se outra coisa que não seja a morte me separará de
ti”. Quando nasceu o filho de Vanessa, as mulheres
disseram a Antônio: “o Senhor seja bendito, porque
não deixou, hoje, de te dar um herdeiro”. Antônio tomou o menino, e o pôs no regaço, e entrou a cuidar
dele. As vizinhas lhe deram nome, dizendo: “a Antônio nasceu um filho”. E o chamaram de Luiz. 39
76
Alguém com alguma familiaridade com a Bíblia ou com vivência
em alguma igreja cristã possivelmente reconhecerá as narrativas
apresentadas acima e perceberá que algo foi alterado. Para um leitor ou uma leitura sem essa familiaridade, no entanto, as narrativas
podem apenas refletir dois relacionamentos bastante corriqueiros
(apesar de seus dilemas) – entre pessoas do que se convencionou
chamar “sexo oposto” – que poderiam ou não estar na Bíblia. O
fato é que essas narrativas estão na Bíblia, mas naquele contexto
elas apresentam o relacionamento entre dois homens – Jônatas e
Davi (no primeiro caso) e duas mulheres – Rute e Noemi (no segundo caso). 40
As narrativas completas trazem vários outros elementos que podem ser articulados numa perspectiva da diversidade sexual e de
gênero. O exercício da troca de nomes, no entanto, pode ajudar a
tornar evidente as diferentes percepções acerca de determinadas
relações quando envolvem pessoas identificadas como sendo do
mesmo sexo ou de sexos diferentes (opostos). Como se leem e o
que se entende desses textos quando falam de relações entre um
homem e uma mulher, e como eles são lidos quando se sabe que
falam de dois homens e de duas mulheres?
39 As narrativas são
apresentadas e discutidas em MUSSKOPF,
André S. Bíblia, cura
e
homossexualidade
– “Homens sejam submissos ao seu próprio
marido. Da mesma
forma, mulheres sejam
submissas às suas esposas.” Ribla, n. 49, 2004/3.
p. 93-107.
40 Os textos bíblicos
podem ser encontrados
em 1 Sm 20.17, 23, 3032, 34, 41-42 (Jônatas e
Davi) e (Rt 1.14-17, 4.14,
17 (Rute e Noemi).
Algumas leituras poderão identificar aqui experiências semelhantes àquelas vividas por homens gays e mulheres lésbicas e reconhecer o texto bíblico como algo que fala também sobre e para
eles e elas de forma afirmativa. Outras leituras poderão, ainda,
não apenas afirmar a identificação entre experiências do passado
e contemporâneas, visto que refletem contextos muito diferentes,
mas abrir a discussão para pensar como gênero e sexualidade estruturam as narrativas, as mensagens e os sentidos produzidos a
partir delas. Pode-se perguntar que diferença faz o sexo, o gênero
ou a sexualidade das personagens nessas narrativas bíblicas. Todas
essas leituras e percepções sobre os textos mostram que podemos
nos apropriar dessas narrativas e pensar sobre homossexualidade,
diversidade sexual e de gênero de forma diferente, afirmando a vida
de pessoas LGBTQIA+.
Um olhar menos cuidadoso pode também deixar passar despercebida uma relação aparentemente sem maiores consequências
no livro de Mateus, capítulo 8, versículos 5 a 13. Aqui, um soldado romano procura Jesus com o objetivo de aliviar o sofrimento
causado por uma doença de alguém com quem vive. Esse soldado é milagrosamente atendido e, ainda, elogiado por seu gesto. A
atitude do soldado é inesperada e até mesmo desproporcionada,
considerando que ele representa o sistema opressor no contexto
em que a narrativa se desenvolve. Seu gesto em relação ao “rapaz”
77
adoecido pode – e geralmente é – apresentado como um gesto
gratuito de solidariedade e fé naquele em busca de quem se vai
– Jesus. Essa, sem dúvida, é uma leitura válida e importante e não
deve ser negada.
Ainda assim, é preciso lançar um olhar mais atento para algumas
questões. A forma como o soldado se refere à pessoa que está
doente, por exemplo, pode levantar outras perguntas numa perspectiva LGBTQIA+. O termo que aparece no texto geralmente é
traduzido como “servo” ou “criado” (em grego pais). Mas quem é
esse “rapaz” (v. 6)? Por que o termo usado para se referir a ele é diferente dos termos usados para outros homens (v.9) como os “soldados” (em grego stratiotas) e “servos” (doulos)?
Quem é esse “rapaz” por quem o soldado nutre tamanha afeição a
ponto de expor-se ao ridículo, buscando um judeu para ajudá-lo e
que, ao mesmo tempo, prefere que Jesus não vá até sua casa (por
vergonha?) para ver a situação pessoalmente? Quem é esse “rapaz”
que é identificado com o mesmo termo do qual deriva “pederastia”, empregado no passado para se referir a homens que mantêm
relações com outros homens, e que designa um papel social específico na cultura grega? E o que fazer com a reação de Jesus a todo
esse cenário de possibilidades que se apresenta diante dele e que
ele provavelmente não ignora?
É difícil estabelecer um paralelo direto e definitivo entre a possível relação homoafetiva/homossexual entre esses dois homens e
relacionamentos contemporâneos entre homens gays ou pessoas
LGBTI+ de modo geral. Não seria prudente nem preciso identificar
um rapaz que desempenha o papel de “mancebo” em determinados círculos da Grécia (e não se sabe se realmente é disso que trata
o texto, uma vez que esse não é seu interesse) com a realidade de
pessoas que se identificam como homossexuais hoje. É importante
tomar cuidado para não cair no mesmo erro das leituras fundamentalistas e querer utilizar um texto para justificar a aprovação
da homossexualidade e da diversidade sexual em contraposição
à condenação das leituras condenatórias tradicionais. O desafio é
fazer uma leitura diferente.
Ainda assim, uma leitura que busca “tirar a Bíblia do armário” a
partir da experiência LGBTI+ ajuda a perceber que a Bíblia é mais
diversa do que se pensa. Ao encontrar não apenas textos afirmativos, mas personagens que podem ser identificados como LGBTI+,
percebe-se que há uma realidade que uma leitura viciada por uma
perspectiva heteronormativa quer esconder.
Dentro dessa estratégia de identificar personagens que refletem as
78
experiências de pessoas LGBTI+, outro grupo que emerge, geralmente reduzido a uma única identidade e forma de vivência, é o
dos eunucos. A literatura revela que as pessoas e experiências identificadas com esse termo variam enormemente, ainda que geralmente se pense nelas simplisticamente como “homens castrados”.
No próprio texto bíblico, numa passagem que discute o divórcio,
Jesus é apresentado referindo-se a três tipos de eunucos.
Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa
do reino dos céus. (Mateus 19.12)
A categoria “eunucos” representa diferentes formas de conceber e
viver gênero e sexualidade. Ela pode incluir diversas formas de mudança do corpo (incluindo, mas não necessariamente, a genitália).
Pessoas trans ou mesmo intersexuais, que passam por algum timo
de mudança corporal (cirurgia de redesignação sexual, tratamento
hormonal etc.) ou não podem ter seu sexo enquadrado nas duas
categorias binárias disponíveis (masculino e feminino) têm encontrado aqui uma referência a suas vivências. O seu corpo fora dos
padrões reconhecidos ou em transição pode ser visto como aquele
dos eunucos, que não são vistos nem como homens, nem como
mulheres. Isso revela que mesmo quando se lê a Bíblia as categorias
que usamos (homem/mulher, masculino/feminino) são insuficientes para a realidade vivenciada pelas pessoas de então e de agora.
Além disso, a referência aos eunucos pode ser vista como um reconhecimento por parte do próprio Jesus de seu lugar no projeto
do “Reino dos Céus”. Mais do que isso, a fala de Jesus revela a dificuldade de muitas pessoas em compreender essa realidade, quando ele afirma: “Quem é apto para o admitir, admitirá” (v. 19b).
Estabelecer uma relação entre a identidade e o papel social desempenhado pelo grupo social dos eunucos em sua variedade de
expressões e contextos com aquelas de pessoas LGBTI+ hoje pode
ser um caminho na afirmação da sua cidadania religiosa. A possibilidade de identificação com esses personagens numa leitura
dialógica entre o texto bíblico e a experiência concreta pode ter
um profundo poder pastoral e também de ressignificação do texto
bíblico. O fato de pessoas trans e intersexuais se verem no texto
bíblico e serem vistas como exemplo de fé pode ser libertador para
muitas pessoas.
Do ponto de vista pastoral, essa leitura pode oferecer uma perspectiva de pertencimento e reconciliação tanto com o texto bíblico quanto com a própria tradição religiosa. Do ponto de vista
79
do texto bíblico, inclusive outros em que aparecem as figuras dos
eunucos (como Atos 8.26-38, que narra a conversão do eunuco
etíope, o primeiro convertido não judeu), tal leitura pode oferecer
uma outra chave interpretativa para perceber de que forma gênero
e sexualidade são parte estruturante das narrativas e dos significados produzidos, então e agora.
Essa outra chave interpretativa pode ser aquilo que Mona West
chamou de “leitura desde um lugar social específico”, no caso de
pessoas LGBTI+, ou o que Timothy Koch chamou de “fazer pegação” (cruising) com a Bíblia. Segundo esse último autor, na interpretação de textos ou na produção do conhecimento teológico,
isso implica:
usar nossas próprias formas de conhecimento, nosso
próprio desejo por conectar-se, nossa própria compreensão e instinto, nossa própria resposta ao que nos
atrai e nos compele (...) Pois, assim como em nossas
vidas sociais, escolher fazer pegação aqui significa
assumir nossa própria autoridade e responsabilidade em seguir o que quer que entre no nosso caminho, pois é isto que fala aos nossos próprios desejos.
(KOCH, 2001, p.16).
Nesse exercício já não há mais o peso ou a
sombra de uma heterossexualidade compulsória como ponto de partida para a
leitura bíblica (ou de qualquer outro texto ou narrativa), nem a necessidade de
provar que a existência LGBTI+ é legítima
– dentro ou fora das igrejas cristãs. Aqui,
a leitura do texto sagrado se torna aquilo
que ela deve ser no contexto da experiência
religiosa: um diálogo produtivo e interpelativo entre elementos de uma determinada
tradição que não se esgota no passado e a
experiência individual e coletiva para quem
esses elementos têm um sentido religioso.
É aquilo que a leitura popular da Bíblia chama de “ler os dois livros”: a Palavra de Deus
80
(a Bíblia) e a Vida (nossas experiências,
crenças e formas de ver o mundo).
Esse diálogo entre o texto bíblico e a experiência cotidiana produz novos significados que alimentam a fé e a vida diante
dos desafios de ser quem se é e de estar
onde se está, num movimento aberto contínuo. Gênero e sexualidade não deixam
de ser chaves importantes para esse exercício, justamente porque tão comumente
são articulados de maneira a controlar e
oprimir quem se localiza fora das zonas de
normalidade aceitas e determinadas num
dado contexto. A Bíblia já não é um texto
estranho, distante e impositivo, mas uma
companheira na jornada da vida. Livre das
amarras e dos cadeados é possível entender que a diversidade sexual e de gênero e
as pessoas LGBTQIA+ não são um erro de
Deus, mas uma expressão de seu amor e
criatividade.
Com essa liberdade é possível se aproximar
de outras narrativas, como aquela de um
jovem que deixa sua casa e sua comunidade e se arrisca no desconhecido para descobrir e conhecer a si mesmo. Nesse processo,
esse jovem se encontra em situações degradantes e violentas que expõem fatores
de vulnerabilidade que o colocam nessas
situações e o empurram para a marginalidade social. Diante de uma situação extrema, se vê obrigado a buscar refúgio no
lugar de onde saiu, ainda que isso signifique
negar a si mesmo e conformar-se às normas
vigentes. Sua sexualidade, ou determinadas
ideias sobre a forma como viveu ou vive sua
sexualidade são usadas como acusação de
sua culpabilidade pelos infortúnios vividos.
Todas as pessoas conhecem histórias de
jovens que passaram por situações como
essas: sair de casa (ou ser expulso e expulsa)
e ir para um grande centro urbano; passar
por diversas dificuldades; pensar em voltar
para casa para sobreviver (quando isso é
possível).
A parábola do filho pródigo (Lucas 15.1132) reflete exatamente essa situação e ajuda a entender realidades vividas por muitas
pessoas LGBTI+ e fazer sentido delas no
contexto da experiência religiosa. A própria
imagem de Deus, bem como o papel que
essa imagem desempenha na organização
das relações sociais e religiosas, pode mudar e uma experiência religiosa renovada
emergir – para pessoas LGBTI+, mas também para todas as pessoas de se permitem
vivenciar essa religiosidade viva e coerente com os desafios cotidianos de viver em
cada realidade concreta.
Nesse caminho talvez se perceba que não
se trata apenas de espiar pela fechadura
como um ato de desobediência e ousadia,
destrancar os cadeados que mantêm determinadas realidades invisíveis nos armários,
mas perceber que todos eles são instrumentos de controle, injustiça e violência
inventados para manter uma determinada ordem social – e religiosa. A leitura
dos textos bíblicos e da própria religião
na perspectiva da diversidade sexual e de
gênero deveria evitar o risco de criar outros armários, cadeados e fechaduras que
impedem as pessoas de viverem de forma
livre e com dignidade. Isso implica numa
vigilância constante que só é possível numa
comunidade de iguais que se reconhecem
e se desafiam mutuamente, suspeitando
de qualquer estrutura que se pareça com
um armário, identificando e espiando pelas
brechas e fissuras que sinalizam os armários
criados e recriados cotidianamente e acionando chaves que destranquem qualquer
forma de aprisionamento para que o ar penetre e leve vida aos cômodos mais escuros
e esquecidos.
A Bíblia não precisa ser vista como uma fonte de condenação e negação da experiência de pessoas LGBTQIA+. Muitas pessoas
têm descoberto outros sentidos na leitura
dos textos sagrados do Cristianismo que
afirmam a diversidade sexual e de gênero
como parte desses textos e como parte do
projeto de Deus. Os cadeados e as fechaduras não querem que isso seja percebido
com medo de que a realidade social seja
transformada. Aqui foram apresentadas algumas pistas que podem ajudar a romper
com esses cadeados e fechaduras. Outras
pistas e outras leituras possíveis podem ser
encontradas e construídas para quem essas
questões são importantes e para deslegitimar quem diz que as vidas LGBTQIA+ não
importam.
81
Referências
BARROS SANTOS, Odja. “Outro gênero” de Igreja - Um estudo sobre a prática comunitária de Leitura Popular e Feminista da Bíblia.
Tese de Doutorado. São Leopoldo: Faculdades EST, 2019.
GUEST, Deryn; GOSS, Robert E.; WEST, Mona; BOHACHE, Thomas
(ed.). The Queer Bible Commentary. London: SCM Press, 2006.
HANKS, Tom. Las minorias sexuales en la Biblia – Textos positivos
en la Biblia Hebrea. Buenos Aires: Epifanía, 2013.
HANKS, Tom. Las minorias sexuales en la Biblia – Textos positivos
en el Nuevo Testamento. Buenos Aires: Epifanía, 2012.
KOCH, Timothy. A homoerotic approach to Scripture. Theology &
Sexuality, v. 14, p.10-22, 2001.
MUSSKOPF, André S. Bíblia, cura e homossexualidade – “Homens
sejam submissos ao seu próprio marido. Da mesma forma, mulheres sejam submissas às suas esposas”. Ribla, n. 49, 2004/3. p. 93-107.
MUSSKOPF, André S. Que comece a festa. O filho pródigo e os homens gays. Belo Horizonte: Editora Senso, 2020.
STONE, Ken (ed.). Queer commentary and the Hebrew Bible. Cleveland: Pilgrim, 2001.
WEST, Mona. Reading the Bible as Queer Americans. Theology &
Sexuality, n. 10, setembro 1999.
WILSON, Nancy. Nossa tribo – Gays, Deus, Jesus e a Bíblia. Rio de
Janeiro: Metanoia, 2012.
82
83
84
Chave
6
Há uma brecha
na igreja:
abertura e inclusão
de pessoas LGBTI+
A
lgumas expressões linguísticas se tornam tão populares
que pode ser difícil encontrar o significado do que originalmente designavam, afinal, seu uso marcado por categorias socioculturais acaba transformando de maneira definitiva seu
sentido originário. “Sair do armário” é uma dessas expressões. O
termo remete à ideia de sexualidade, em especial à homossexualidade. Segundo Glauco Lessa 41, a origem do termo está na junção
de duas expressões da língua inglesa: come out (sair, revelar-se) e
skeletons in the closet (esqueletos no armário). A primeira dizia respeito, durante os séculos XIX e XX, às debutantes que se apresentavam à sociedade, tradição conhecida pelos brasileiros. Já a segunda
ainda é usada como sinônimo de “segredo vergonhoso”. À junção
das duas expressões, surgiu o termo come out of the closet, que foi
traduzido para a língua portuguesa por “sair do armário”.
41 LESSA, 2018.
85
A expressão foi acolhida pelo senso comum e passou a ser culturalmente ligada à publicização da orientação sexual, podendo também, mas com menos frequência, dizer respeito à identidade de
gênero. Segundo Wagner Xavier Camargo42, sair do armário significa fazer-se aparecer ou tornar algo público, e também pode significar to declare oneself openly (declarar-se abertamente), tendo
maior peso quando a expressão é pronunciada no tocante à orientação sexual. Declarar-se gay ou lésbica, por exemplo, deixa de ser
apenas questão íntima e se torna pública e, portanto, alvo mais
contundente de julgamentos morais. Existe ainda, no que tange à
compreensão do termo, a expressão outing que, segundo Tamsin
Spargo43, designa a prática de revelar publicamente a identidade de
gênero ou a orientação sexual de figuras públicas sem o consentimento delas. Assim, importa perceber que o sair do armário pode
ou não ser consentido.
A metáfora do armário acaba se tornando, então, algo presente no
dia a dia, na medida em que mais pessoas publicizam sua orientação sexual ou identidade de gênero divergente. Tomada sob uma
perspectiva cristã, a metáfora do armário pode remeter às inúmeras chaves que mantêm as portas das igrejas fechadas impedindo
que a sexualidade seja experimentada positivamente sob o ponto
de vista da fé. Nesse sentido, pensar uma “igreja-armário” significa
compreender a dinâmica de negação e condenação do Cristianismo hegemônico em relação às pessoas LGBTI+.
Entretanto, assim como é possível se imaginar brechas no armário
44, é também possível se imaginar brechas na igreja. Isso implica dizer que, por mais que o Cristianismo hegemônico insista em trancafiar as experiências sexo/gênero divergentes, existem fissuras, brechas, aberturas que garantem outras possibilidades de experiência
da mesma realidade. Uma discussão nesse sentido requer que se
pense a existência de um “Cristianismo inclusivo” que tem operado
há algumas décadas na proposição de formas de resistência à negação da existência de outras experiências sexuais e de gênero que
não se enquadram na norma, ou melhor, cisheteronorma. 45
Não é possível se chegar a um consenso sobre a gênese de um
Cristianismo inclusivo, principalmente considerando-se que as
próprias práticas de Jesus, o Cristo, narradas nos evangelhos, retratam como ele mesmo se colocou à disposição de um projeto
de radical inclusão, dando voz e vez às mulheres, aos doentes,
aos estrangeiros, dentre tantos outros grupos marginalizados de
sua época. Entretanto, no que diz respeito à inclusão como uma
abertura do Cristianismo institucionalizado às pessoas LGBTI+ é
possível sugerir que o evento fundante tenha sido a criação da Fra-
86
42 CAMARGO, 2013.
43 SPARGO, 2017.
44 Metáfora compartilhada pelo teólogo André Musskopf em sua
obra “Uma brecha no
armário: propostas para
uma teologia gay”, 2015.
45 Cisheteronorma é um
vocábulo que remete à
cisgeneridade e à heteronormatividade, conceito esse que será apresentado mais adiante.
ternidade Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana, nos
Estados Unidos, aos 6 de outubro de 1968 46. A partir daí, um número crescente de denominações cristãs inclusivas surgiu ao redor
do mundo possibilitando o protagonismo das pessoas LGBTI+ na
experiência, ainda que marginal, do Cristianismo.
Igreja inclusiva, segundo Marcelo Natividade47, é uma autodenominação religiosa, ou seja, é um termo autorreferenciado, pois não
existem critérios para que uma igreja seja ou não considerada inclusiva, a não ser a aceitação de pessoas LGBTI+ em seus espaços
religiosos. Isso implica dizer que a inclusão se dá em diferentes níveis. Tradicionalmente, consideravam-se igrejas inclusivas aquelas
que foram originalmente fundadas por pessoas LGBTI+ e que eram
voltadas, quase exclusivamente, para esse público. Marcelo Natividade explica que essas igrejas foram chamadas, por muito tempo,
de “igrejas gays”.
Todavia, o que se percebe na contemporaneidade é que muitas
igrejas cristãs, principalmente as de tradição protestante, também
têm se autodeclarado inclusivas por aceitarem em seu rol de membros pessoas LGBTI+. Ou seja, igrejas que não foram fundadas por
dissidentes sexuais e de gênero passaram a incluir essas pessoas,
demonstrando uma ampla, mas, muitas vezes, não irrestrita, aceitação. Não importa, neste momento, refletir sobre como se dá esse
dinâmica, mas interessa pensar que a saída do armário de um número cada vez maior de pessoas implicou em uma mudança dentro do Cristianismo que, mesmo muitas vezes resistindo ao debate,
acabou cedendo ao diálogo dentro de algumas denominações e
expressões de fé cristãs. E isso não se dá apenas no contexto protestante, afinal são vários os grupos que surgem, inclusive no catolicismo romano, reivindicando a experiência ampla da fé por meio
do reconhecimento não somente de suas existências, mas de seus
desejos – desejo pela vivência da fé e desejo pela vivência do afeto.
46 Para mais informações sobre a fundação da Fraternidade
Universal das Igrejas da
Comunidade Metropolitana, ver: FREIRE, Ana
Ester Pádua. Armários
Queimados: igreja afirmativa das diferenças e
subversão da precariedade, 2019.
47 NATIVIDADE, 2010.
Essa realidade mostra que, quer a maioria da cristandade queira
quer não, existe uma brecha na igreja! É possível pensar essa brecha
como sendo: 1) resultado da ação do tempo, que altera as estruturas eclesiásticas e cria fissuras, 2) resultado da ação exterior, que
de tanto empurrar a porta forçando uma entrada acaba criando
espaços de passagem; 3) resultado da ação interna, que de tanto
empurrar a porta forçando uma saída acaba, também, criando brechas. Pode-se, por outro lado, pensar que essa brecha sempre esteve lá, à medida que se percebe no próprio Jesus a ação libertadora
que cria passagens, pontes, travessias entre a negação e a aceitação.
87
E é justamente uma das reflexões de Jesus que pode ajudar a pensar como a igreja cristã, tem na atualidade, se relacionado com as
pessoas LGBTI+. Essa reflexão encontra-se no evangelho de São
Lucas 10, 25-37 e conta a tão conhecida história do “Bom Samaritano”. Tradicionalmente reconhecida como sendo de autoria de
Lucas, a parábola está localizada na chamada “narrativa da viagem”,
na qual Jesus segue em direção à Jerusalém, local de sua paixão.
Uma pergunta conduz a ação: “E quem é o meu próximo?”. Esse
questionamento leva Jesus a contar a história de um homem que,
seguindo seu caminho, foi tomado por assaltantes, que depois de o
roubarem e o espancarem, o largaram semimorto.
O verbete semimorto traz a ideia de vulnerabilidade. O semimorto
de Lucas é marcado pela “chaga” (cf. Bíblia de Jerusalém). Na tradução Vulgata de São Jerônimo, o termo foi traduzido por vulnus,
vulneris, que significa ferida, golpe, corte. Daí a palavra vulnerabilitas, que dá origem ao verbete vulnerabilidade. Ou seja, o semimorto é o vulnerável. Pensar a vulnerabilidade é fundamental não somente para melhor compreender a condição do semimorto, como
também para compreender a condição das pessoas LGBTI+ diante
do estigma condenatório que o cristianismo hegemônico impõe
sobre suas práticas afetivo-sexuais e identitárias.
Para pensar a ideia de vulnerabilidade, a filósofa Judith Butler48
parte do conceito de precariedade. A precariedade são modos de
não viabilidade da vida e “implica um aumento da sensação de ser
dispensável ou de ser descartado que não é distribuída por igual
na sociedade” 49. A precariedade designa, segundo Butler “a situação politicamente induzida na qual determinadas populações
sofrem as consequências da deterioração de redes de apoio sociais e econômicas [...] e ficam diferencialmente expostas ao dano,
à violência e à morte” 50. É na precariedade que a vulnerabilidade
se manifesta. A filósofa explica que a vulnerabilidade não é simplesmente uma fraqueza, mas uma condição injusta e desigual de
relações político-econômicas. Ou seja, a precariedade é o ambiente
propício para o encontro com os semimortos.
Segundo a narrativa de Lucas, diante do semimorto, três pessoas
passaram. E é justamente aqui que, por meio do princípio da imaginação como propulsor de outras e novas leituras do texto bíblico, propõe-se três possibilidades de relacionamento da igreja com
a comunidade LGBTI+. Não importa neste momento pensar em
quem não aceita, quem rejeita, quem condena, mas sim pensar a
respeito de três formas de relacionalidade que existem na contemporaneidade, por meio das já apontadas “brechas na igreja”.
48 BUTLER, 2018.
49 BUTLER, 2018, p. 21.
50 BUTLER, 2018, p. 40.
88
1. Igreja receptiva
A narrativa de Lucas conta que o primeiro que passou pelo semimorto foi o sacerdote. “Viu e passou adiante”, afirma Lucas. O sacerdote seria o que é considerada hoje uma igreja receptiva (do
inglês, welcoming church). Ele passa, vê, mas não é afetado pela
realidade. Essas igrejas são denominações cristãs que se abrem
às realidades subalternas, mas no quesito sexualidade conservam
a tradição como forma de invisibilizar as diferenças. Existe uma
barreira teológica, marcada pela ideia de pecado, fundamentada
sobre o patriarcado, que as impede de avançar em discussões que
realmente as afetem enquanto instituições de fé formadas, quer
queiram quer não, por corpos generificados. Geralmente, os discursos aqui são: “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador”, “nós
até temos membros LGBTI+ em nossas comunidades, mas eles não
namoram”. Os discursos podem ser considerados até mais “progressistas”, como, por exemplo, “temos membros LGBTI+, eles até
cantam no louvor”. A igreja receptiva recebe as pessoas sexo/gênero divergentes, mas não permite que essas pessoas tenham destaque, liderem, conversem sobre suas realidades nem que vivam a
plenitude de suas sexualidades.
2. Igreja inclusiva
A narrativa de Lucas continua e, diante do semimorto, passa o levita. “Atravessou o lugar, viu e prosseguiu”. Ainda trabalhando sob o
prisma metafórico, é possível comparar o levita com a comumente chamada igreja inclusiva (do inglês, inclusive church). Para essa
comparação, é necessário se pensar em dois conceitos importantes
quando se trata da sexualidade como dispositivo regulatório das
relações sociais: a heterossexualidade compulsória e a heteronormatividade.
Muito resumidamente, heterossexualidade compulsória é um termo cunhado por Adrienne Rich, escritora feminista estadunidense,
para explicar que a heterossexualidade não deve ser compreendida
como algo natural, mas como o resultado de práticas sociais que
estabelecem uma norma que regula as relações amorosas e sexuais.
Ou seja, é um modelo imposto de relações amorosas e sexuais com
o sexo oposto.
Por outro lado, a norma que regula os indivíduos e as relações na
sociedade é chamada de heteronormatividade. Para Richard Miskolci, “heteronormatividade é um regime de visibilidade, ou seja,
um modelo social regulador das formas como as pessoas se rela-
89
cionam” 51. Segundo o autor, o termo foi cunhado por Julia Kristeva, filósofa feminista búlgara, para explicar que existe regulação
e normatização dos modos de ser e de viver no que diz respeito
aos desejos corporais e à sexualidade. A norma heteronormativa
que rege os indivíduos e as relações diz respeito ao modo pelo qual
o indivíduo se relaciona com o outro afetivamente – orientação
sexual – e o modo com o qual o indivíduo se relaciona com seu
próprio corpo – identidade de gênero. Atualmente, é possível que
o termo seja grafado como “cisheteronormatividade”, pois inclui a
cisgeneridade dentro do espectro regulador. Paul Preciado52 explica que a ordem sexual é fundada no modelo heterossexual, familiar e reprodutivo, por isso a definição de heterossexualidade como
norma regula tanto as pessoas quanto as relações.
É possível sugerir que igrejas inclusivas conseguiram avançar nas
discussões sobre heterossexualidade compulsória, afinal, incluem
no cenário da experiência cristã a diversidade sexual e de gênero,
considerando que existem outros tipos de sexualidade que definem corpos e afetos, ainda que dissidentes. Nesse sentido, é importante ressaltar que, hoje, igrejas inclusivas não são somente aquelas
comumente conhecidas como “igrejas gays” ou “igrejas só de gays”,
pois, muitas igrejas progressistas se encontram nesse formato no
qual acolhem LGBTI+, entretanto esperam dessas mesmas pessoas
um comportamento “moral” adequado à heteronormatividade.
Ou seja, as igrejas inclusivas rompem com a heterossexualidade
compulsória, mas não avançam nas discussões referentes à heteronormatividade. Assim, discursos como família nuclear (casal com
filhos), sexo depois do casamento e relações monogâmicas, por
exemplo, ainda regem essas igrejas que insistem em repetir padrões
para que sejam aceitas no contexto do cristianismo.
90
51 MISKOLCI, 2016,
p. 44.
⁵2 PRECIADO, 2011.
3. Igreja afirmativa das diferenças
A parábola segue e protagoniza um samaritano, que “chega junto,
o vê e é movido por compaixão”. Não somente o semimorto está
em uma situação de vulnerabilidade, como também o samaritano, por ser estrangeiro. Entretanto, o samaritano tem as condições
necessárias para agir ativamente sobre a sua vulnerabilidade, colocando-se em favor do outro. Diante do semimorto é imperativa
uma resposta, ainda que seja essa o ignorar o corpo, a chaga, a vida
que se esvai. Entretanto, o samaritano é interpelado pelo cenário
de quase-morte e se move em misericórdia.
A consideração da existência de tanto um “eu” como um “outro”
é fundamental para se pensar o semimorto no caminho. Somente
quando a existência do semimorto foi percebida é que outro se
achegou a ele, não como um outro qualquer, mas como sujeito que
também reconhece a própria existência e a necessidade da relacionalidade como fundamento para (co)existir.
E é nesse contexto de uma ética solidária a qual percebe o outro
em sua singularidade, que é possível se pensar em uma igreja afirmativa das diferenças (do inglês, affirming church), tomando em
consideração a metáfora da ação do samaritano que “chega junto,
o vê e é movido por compaixão”. Essa aproximação permite que ele
veja, abrindo perspectivas para um padrão de relacionalidade para
além da cisheteronormatividade. Quando o samaritano toca o semimorto ele é interpelado pela iminência da morte, por isso a vida
é hipervalorizada. Somente nesse contexto, se faz possível repensar as relações, conversar sobre as singularidades e afirmar as diferenças em amor. Uma igreja afirmativa das diferenças é a que rompe com a heterossexualidade compulsória, como também com a
heteronormatividade por meio do reconhecimento das diferenças.
Esse é um caminho sem volta, que muda as estruturas da experiência cristã propondo novos ritos e novas liturgias de solidariedade.
Essa tipologia (igreja receptiva, igreja inclusiva e igreja afirmativa)
não precisa, necessariamente, se limitar ao conceito de igreja, mas
pode – e deve – ser pensada, também, a partir de grupos que se organizam dentro do ambiente eclesiástico. Grupos, coletivos, redes,
que se organizam dentro das igrejas também podem ser observados por meio desses parâmetros. São grupos receptivos, são inclusivos, são afirmativos? A tentativa de localizar essas comunidades
em uma tipologia não pretende engessar as experiências, afinal, é
sabido que a organicidade desses grupos permite que as diferenças
se relacionem em solidariedade.
91
Na realidade, o que importa com uma tipologia que intenta pensar
a relação da igreja com as pessoas LGBTI+ é criar um horizonte para
o qual se caminha. O desejo último de uma experiência dissidente
sexual e de gênero no contexto da fé cristã deve ser a celebração!
Celebração da fé, da sexualidade, da vida. A parábola do Bom Samaritano aponta uma chave importantíssima para essa celebração:
a chave da hospedaria. O texto do evangelho de São Lucas conta
que o samaritano não somente “chega junto, o vê e é movido por
compaixão”, ele também cuida das feridas do semimorto com óleo
e vinho, o coloca sobre seu animal e o leva a uma hospedaria. Lá,
no dia seguinte, ele pede ao hospedeiro que cuide do semimorto,
se comprometendo em pagar todas as suas despesas.
A chave da hospedaria é a chave que abre a porta do cuidado, da
proteção, da cura. Essa chave é fundamental para a reconciliação
entre a fé e a vivência sadia da sexualidade. E não somente isso, essa
chave é importante para o acolhimento que promove a celebração
pelo reconhecimento da possibilidade de comemorar quem se verdadeiramente é.
Sim, existe uma “brecha na igreja”, ou melhor, existem “brechas na
igreja”. Essas fissuras, essas aberturas, permitem o tráfego do desejo, da livre sexualidade, da afirmação que liberta. Diante das tantas
possibilidades de relacionalidade entre a igreja e as pessoas LGBTI+,
é possível se desejar a experiência de fé que afirma as diferenças e
as celebra, percebendo justamente nas diferenças a própria criatividade divina.
92
Referências
A BÍBLIA DE JERUSALÉM. 3a edição. São Paulo: Paulinas, 2004.
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
CAMARGO, Wagner Xavier. Nos armários da sexualidade: polêmicas no futebol alemão.
Contemporânea (uma quase revista), Florianópolis, v. 3, p. 10-11, 13 jan. 2013.
FREIRE, Ana Ester Pádua. Armários queimados: igreja afirmativa das diferenças e subversão
da precariedade. Tese (Mestrado). Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião,
PUC Minas, 2019.
KRISTEVA, Julia. Pouvoirs de l'horreur. Essai sur l'abjection. Paris: Éditions du Seuil, 1980.
LESSA, Glauco. Como surgiu a expressão “sair do armário”? Mundo Estranho. Super Interessante. 9 out. 2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/
MISKOLCI, Richard. Teoria queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica Editora, UFOP, 2016.
MUSSKOPF, André Sidnei. Uma brecha no armário: propostas para uma teologia gay. 3. ed.
São Leopoldo: Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, Fonte Editorial, 2015.
NATIVIDADE, Marcelo Tavares. Uma homossexualidade santificada? Etnografia de uma
comunidade inclusiva pentecostal. Religião & Sociedade, v. 30, p. 90-120, 2010. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/rs/v30n2/
PRECIADO, Paul. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, jan-abr 2011. Disponível em: https://periodicos. ufsc.br/index.
php/ref/article/view/S0104-026X2011000100002/18390. Acesso em 18 mar. 2019.
RICH, Adrienne. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Bagoas – Estudos
gays: gêneros e sexualidades, v. 4, n. 05, 27 nov. 2012. Disponível em: https://periodicos.
ufrn.br/bagoas/article/view/2309/1742. Acesso em: 03 out. 2019.
SPARGO, Tamsin. Foucault e a teoria queer, seguido de Ágape e êxtase: orientações pósseculares. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
93
94
Chave 7
O armário está mofado
e eu tenho alergia
1. O armário
O armário é uma metáfora muito forte para expressar a realidade
vivida por milhares de pessoas LGBTI+ em suas relações em todas
as dimensões da vida. Na vida cotidiana, o armário é o lugar em
que se guarda aquilo que, por algum motivo ou outro não se quer
mostrar, aquilo que, se aparecer, se estiver fora do lugar, deixa o
ambiente desorganizado, desordenado, “desnormatizado”. Quando se quer que cada coisa esteja em seu devido lugar, aquilo que
não pode estar à mostra é colocado no armário, na invisibilidade.
É lugar-comum dizer que as sexualidades LGBTI+ são sexualidades
dissonantes, que não se enquadram na heterossexualidade compulsória e na “cisnormatividade”. É também lugar-comum nos mais
diversos estudos e escritos dizer da força do Cristianismo em um
processo de disciplinar os corpos, seus desejos, o prazer. Segundo a
pesquisadora Guacyra Lopes Louro (2019, p. 19),
95
esses mecanismos operam, fortemente, no campo da sexualidade.
Aqui, uma forma de sexualidade é generalizada e naturalizada e
funciona como uma referência para todo o campo e para todos os
sujeitos. A heterossexualidade é concebida como natural e, também, como o universal e normal. Aparentemente supõe-se que
todos os sujeitos tenham uma inclinação inata para eleger como
objeto de seu desejo, como parceiro de seus afetos e de seus jogos sexuais alguém do sexo oposto. Consequentemente, as outras
formas de sexualidade são constituídas como antinaturais, peculiares e anormais. É curioso observar, no entanto, o quanto essa
inclinação, tida como inata e natural, é alvo da mais meticulosa,
continuada e intensa vigilância, bem como o mais diligente investimento.
Esses diversos mecanismos são exatamente esse armário que encerra em si o que não pode ser visto, o que deve ser escondido.
Pode-se até saber que existe o que está lá, pode-se até gostar, em
alguma medida, do que está lá, mas é lá que deve permanecer para
não contaminar os demais. Se os outros virem o que está lá, o que
dirão de nossa igreja ou família? Mas, deixe lá, guardadinho, afinal, Deus detesta o pecado, mas ama o pecador. Desde que não
pratique o homossexualismo (sic), poderá participar da comunhão
dos santos. É neste sentido que o Catecismo da Igreja Católica (nn.
2357-2359) afirma que:
homossexualidade designa as relações entre homens ou mulheres, que experimentam uma atracção sexual exclusiva ou predominante para pessoas do
mesmo sexo. Tem-se revestido de formas muito variadas, através dos séculos
e das culturas. A sua gênese psíquica continua em grande parte por explicar. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações
graves a Tradição sempre declarou que «os actos de homossexualidade são
intrinsecamente desordenados». São contrários à lei natural, fecham o acto
sexual ao dom da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afectiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados. Um número
considerável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais
profundamente radicadas. Esta propensão, objetivamente desordenada,
constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com
respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua
vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição. As pessoas
homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se,
gradual e resolutamente, da perfeição cristã.
96
Esse discurso católico não difere muito de como várias outras igrejas cristãs (não todas)53 tratam as pessoas LGBTI+. Existem, mas
não deveriam. Já que existem devem ficar no armário.
O armário gay não é uma característica apenas das vidas de pessoas gays. Mas, para muitas delas, é ainda a
característica fundamental da vida social, e há poucas
pessoas gays, por mais corajosas e sinceras eu sejam de
hábito, por mais afortunadas pelo apoio das comunidades imediatas, em cujas vidas o armário não seja ainda
uma presença formadora. (SEDGWICK, 2007, p. 22).
Por mais que haja muitas mudanças, que haja aqui e acolá em algumas igrejas, ou por parte de lideranças, a acolhida de pessoas LGBTI+, o armário é uma experiência cotidiana em alguns contextos.
O armário, porém, não é dos lugares mais agradáveis para se viver,
afinal de contas, o arco-íris precisa de luz para existir. O teólogo
queer André Musskopf entrevê em uma de suas obras “uma brecha
no armário”. Há muito o que fazer, sem dúvida quando se trata de
reconhecimento das sexualidades e identidades de gênero dissonantes, mas há uma brecha que exige, em alguma medida, fazer
abrir a porta, sair do armário. E armário fechado dá mofo e nós
temos alergia. Diante disso, a seguir pensaremos acerca do mofo
e da alergia.
53 Nem todos os discursos das diversas igrejas e nem todos os pensadores, teólogas, lideranças cristãs são, necessariamente homofóbicos ou coadunam com discursos homofóbicos. Há um grande número de igrejas e
lideranças que têm dado passos significativos na assunção de uma postura acolhedora. A generalização de todo
o campo cristão como um discurso único no que diz respeito à temática LGBTI+ seria um equívoco.
97
2. O fenômeno do mofo
Uma primeira palavra para a qual gostaríamos de chamar a atenção
é para “fenômeno”, é aquilo que aparece, o que pode ser visto.
Quando no armário há carência de luz, excesso de umidade e falta
de ventilação, desenvolve-se uma forma de vida, o fungo: o popular
mofo. Como esse mofo se mostra? O que vemos quando vemos
mofo? Quais ideias nos vêm à mente? Talvez essa seja uma reflexão
importante de se propor. O mofo nos remete a algo parado, em decomposição. O mofo é, também, uma forma de vida muito diferente da vida humana; é uma forma de vida bastante rudimentar que,
no entanto, pode prejudicar, em grande medida, a vida humana.
André Musskopf em possibilitando que homens gays falem de suas
experiências com a religião, recolhe uma história importante, que
nos ajuda a compreender o mofo do armário e sua toxicidade.
A Igreja Católica é a igreja que eu frequento, mas eu já me senti muito discriminado porque eu não poderia tomar a comunhão por ser divorciado. Então,
hoje eu devo estar com uma falta muito mais grave com a Igreja Católica,
com Deus pela Igreja Católica, porque além de divorciado sou gay. Eu acho
que a Igreja Católica discrimina muito, e se não se abrir vai chegar uma hora
que não vai ter quem possa. Porque divorciado não pode, mulher não sei o
que não pode, gay não pode, lésbica não pode. O que eu quero ter é o respeito, reconhecimento, que as pessoas reconheçam como sou profissional, como
pessoa, independentemente da minha situação, da minha orientação sexual,
porque hoje eu tenho menos amigos do que eu tinha quando estava casado.
(MUSSKOPF, 2015, p.84).
Quando refletimos acerca dos mofos nos quais estamos, como
pessoas LGBTI+ encerrados em armários, sobretudo no que diz
respeito a igrejas cristãs, entendemos que mofo do armário são
os agenciamentos políticos e linguísticos que matam a identidade
das pessoas LGBTI+. O mofo é, em tese, tóxico. O Cristianismo em
sua forma hegemônica, não poucas vezes, com seu arcabouço moral (pouco bíblico), tem na sociedade o papel de mofo, sobretudo
quando se fala de moral sexual.
Há que se ressaltar que o mofo não existe somente no seio da Igreja
Católica ou do Cristianismo. O mofo está presente nas várias instâncias da sociedade. Mas, talvez no campo religioso a toxicidade
do mofo seja mais sentida nas religiões devido ao fato de serem,
98
para muitas pessoas, lugares de construção de sentido, de busca de
refúgio para as suas angústias existenciais. Não poucas vezes, o que
se encontra é juízo e preconceito.
Para o teólogo Marcelo Barros (2020, p. 289), a tragédia de nossas
igrejas é que, muitas vezes, diante da humanidade, ainda mantêm
uma linguagem e postura que não parecem amorosas. Como viver
uma opção de amor com a obsessão de, ao mesmo tempo, salvar
o próprio poder?
Há exceções, graças a Deus. Infelizmente, exceções confirmam as
regras. Mas não é por isso que não se podem celebrar as vozes dissonantes.
O mofo existe, mas as pessoas LGBTI+ resistem. As brechas do
armário vão se abrindo aos poucos. Isso exige das igrejas cristãs
uma constante conversão, mudança de mentalidade, uma reforma
constante de suas teologias morais. No que tange à moral sexual,
é preciso partir do chão da vida, das experiências existenciais de
pessoas concretas que com o coração sincero buscam dar sentido
às suas próprias vidas. Tudo isso a partir da experiência cristã.
99
3. A alergia como reação
Mas ao mofo, cabe a reação alérgica. Do ponto de vista biológico,
a alergia é uma reação do sistema imunológico do corpo a algum
agente que lhe ameace. No campo religioso LGBTI+ a alergia pode
se manifestar tanto em um abandono das igrejas por parte das
pessoas LGBTI+, quanto pode se manifestar em uma profética resistência, mesmo que marginal, no interior das instituições religiosas. Nessa profética resistência, leigas e leigos, religiosas, religiosos,
presbíteras, presbíteros, bispas e bispos reagem ao mofo mostrando uma face amorosa de Deus que se manifesta na vida de Jesus.
A psicóloga Cris Serra, em seu livro Viemos para comungar, aponta
para esta profética resistência, demonstrando uma maior possibilidade de acolhida e aceitação no meio católico algo que podemos
ver também e, talvez, de maneira mais visível no campo cristão não
católico, gestos de acolhida. Para a autora, existe “uma mudança
percebida na atitude de alguns bispos, padres e comunidades,
acompanhada não só de declarações públicas, mas, também da
promoção e aceitação de iniciativas de diálogo e com acolhida da
diversidade sexual e de gênero.” (2019, p. 133).
Na alergia ao mofo do armário, as pessoas LGBTI+ encontram outras pessoas que, a partir de uma experiência libertadora do Evangelho, colocam-se como companheiras e companheiros na construção de um cristianismo capaz de ser mais “jesuânico”, seguindo
o pobre de Nazaré que vivia em meio ao povo e distante dos centros de poder. Na perspectiva de Marcelo Barros, “é essa opção de
amor que assume a cruz, isto é, a renúncia ao poder e a doação da
vida que obrigará as Igrejas a reverem seus dogmas, suas disciplinas
e suas normas, não no sentido de um relativismo inconsequente,
mas na dimensão de uma postura relacional e dialogal.” (2020, p.
289).
A alergia ao armário se manifesta no reconhecimento de si mesmo como ser humano digno que tem direito, inclusive, à liberdade
de crença e de consciência, mas essa liberdade não será dada, mas
conquistada e este processo de conquista está em curso no meio
do cristianismo já há algum tempo. O Espírito move as Igrejas, e
sopra aonde quer, mas não sabe para onde vai (cf. Jo 3,8). O Espírito
transmuta a alergia em alegria ao explodir o armário com sua força
renovadora.
100
4. A chave ou o explosivo: O arco-íris
como sinal de aliança.
Os armários, de modo geral, possuem alguma coisa que os mantém
fechados, de modo que quem está de fora não possa ver o que está
dentro. Já vimos que estar no armário é não ser reconhecido, mas
é, também não mostrar-se. Vimos os incômodos que o mofo causa.
Segundo a reverenda Ana Ester Pádua Freire (2019, p. 39),
A opção pelo armário é desestabilizadora, e mais difícil
do que sair é permanecer nele, uma vez que a incerteza
do permanecer é consumida pelo desconhecimento do que
há adiante. Por isso, a “saída do armário” pode trazer a
revelação de um desconhecimento poderoso como um ato
de desconhecer, não como o vácuo ou o vazio que ele finge
ser, mas como um espaço epistemológico pesado, ocupado
e consequente.
Permanecer no armário, conviver com o mofo, é opção que algumas pessoas fazem. Há que se respeitar, pois cada pessoa tem seu
processo e seu modo de agir e reagir diante dos dispositivos de controle e de exclusão, presentes nas sociedades e no Cristianismo. A
saída do armário, diante do incômodo causado pelo mofo, pode
gerar medo do que virá, pois, não nos enganemos, há católicos
mais papistas que o Papa, há cristãos mais inerrantes que a Bíblia.
Para a teóloga, “o processo de ‘sair do armário’ é considerado um
dos mais complicados para o indivíduo homossexual, envolvendo
uma grande carga emocional e medo.” (2019, p. 42). Por isso, cada
pessoa tem seu tempo e seu modo de fazer esse processo.
No entanto, é fora do armário que se pode ver, com maior nitidez,
a luz e as cores do arco-íris. É fora do armário que se pode construir
com maior intensidade a sua identidade, seu modo de ser no mundo como um processo de construção de si mesmo.
Talvez a chave para abrir ou para explodir o armário possa estar
em uma leitura do mito do dilúvio bíblico como uma metáfora. Na
arca, lugar da salvação de Deus, foram colocados animais de toda
espécie (sim, vamos prescindir do binarismo em nossa (des)construção/truição do texto). Diante do caos, o sinal da Aliança, de que
a tormenta passou e que outra vida é possível foi o arco-íris, como
um sinal de pacificação, de criação de uma outra ordem cósmica.
101
Nos movimentos LGBTI+ a bandeira do arco-íris passou a ser empunhada nas paradas do Orgulho LGBTI+, desde a década de 1970,
como símbolo de como as diferenças podem conviver em paz.
Talvez a chave para abrir ou para explodir o armário esteja, primeiramente, em uma autocompreensão de que ser LGBTI+ não é algo
ruim. Não há norma prefixada em lugar algum que não nos permita ser quem e como somos, onde somos. Os interditos sexuais, a
heterossexualidade compulsória é mais uma frágil construção histórica, que, tendo em vista as relações de poder, quis nos encerrar
nesse lugar de mofo ao qual não somos obrigados por nada nem
por ninguém.
Certamente haverá nas igrejas quem apresente como objeção os
textos bíblicos cujas interpretações já foram desconstruídas ao longo dos capítulos deste manual.
O convite é para olharmos para as bandeiras dos vários movimentos LGBTI+ e percebermos (do ponto de vista da fé) que Deus criou
um mundo diverso, que o cânone, a medida da normalidade, foi
construído histórica e culturalmente e que, em pleno século XXI,
não há mais armário que possa nos conter e conter o Espírito que
nos move a ser livremente quem somos. Isso não quer dizer que
é fácil, que seremos acolhidas em todos os espaços e igrejas, mas
sabemos que não estamos sozinhas. Temos umas às outras e temos
outras tantas que não se põem como normas e, assim como Deus,
amam a nós com tudo que somos e temos.
Se Deus existe, ele é trans, é sapatão, é viado, é mulher, é homem, é
não binária, é bi, é assexual, é travesti, é gente. A Palavra se fez gente
e armou sua tenda (ui) entre nós!
102
Referências
BARROS, Marcelo. Teologia da Libertação para os nossos dias. Petrópolis: Vozes, 2020.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Disponível em: http://www.
vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_
po.html
FREIRE, Ana Ester Pádua. Armários queimados: igreja afirmativa
das diferenças e subversão da precariedade. Tese (Doutorado em
Ciências da Religião) – Programa de Pós Graduaçao em Ciências da
Religião, PUC Minas, 2019.
LOURO, Guacyra Lopes. Corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
MUSSKOPF, André Sidnei. Uma brecha no armário: propostas para
uma teologia gay. São Leopoldo: Centro de Estudos Bíblicos – CEBI,
Fonte Editorial, 2015.
SEDGWICK, Eve Kosofky. A epistemologia do armário. Cadernos
Pagu, n. 28, p. 19- 54, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_abstract
SERRA, Cris. Viemos para comungar: Os grupos católicos LGBT
brasileiros e suas estratégias de permanência na Igreja. Rio de Janeiro: Metanoia, 2019.
103
Manual de
CRISTIANISMO E
LGBTI+
104
B
SEÇÃO
ARMÁRIO
ESCANCARADO
105
106
Grupos /
Igrejas Cristãs
com acolhida e acompanhamento
de pessoas LGBTI+
1. EXPERIÊNCIA ANGLICANA
IGREJA EPISCOPAL ANGLICANA DO BRASIL
Paróquia da Santíssima Trindade
São Paulo, SP
Região do Brasil que se encontra: Sudeste
Instagram: @paroquiatrindade.sp
Mini histórico do grupo | Igreja
A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) é uma igreja autônoma da Comunhão Anglicana que abrange todo o território do
Brasil.[1] É formada por nove dioceses e um distrito missionário,
cada um deles dirigido por um bispo, dentre os quais um é eleito
como primaz (superior). O atual primaz no Brasil é o Bispo Naudal
Alves Gomes, da Diocese Anglicana de Curitiba, eleito em 2018, no
XXXIV Sínodo Geral, em Brasília-DF. A IEAB é a mais antiga igreja
não Católica Romana do país,[2] tendo suas origens no Tratado de
Comércio e Navegação firmado em 1810 entre Portugal e Inglaterra e que permitiu à Igreja Anglicana estabelecer capelanias no
país. Em 1890, aportaram no país missionários da Igreja Episcopal
dos Estados Unidos para realizar cultos em português e converter
brasileiros. A IEAB foi um distrito missionário da Igreja Episcopal
americana por 74 anos, obtendo sua autonomia eclesiástica em
1965, quando se tornou a décima-nona província da Comunhão
Anglicana. Vinte anos depois, começou a ordenar mulheres. Já em
107
2018, passou a permitir o matrimônio entre pessoas do mesmo
sexo. A igreja se destaca por seu compromisso em combater problemas que afetam a sociedade brasileira, tais como a desigualdade
social, a concentração fundiária, a violência doméstica, o racismo,
a homofobia e a xenofobia. Sua postura inclusiva em relação às minorias tem provocado cismas, ao mesmo tempo em que atrai fiéis
de outras denominações em busca de aceitação e acolhimento.
(Fonte: Wikipédia).
Objetivo
A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, doravante denominada
IEAB, é parte da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica de Cristo, estabelecida no Brasil, em todo o território nacional, por prazo
indeterminado, em conformidade com as leis do país, tendo por
finalidade disseminar e testemunhar o evangelho de Nosso Senhor
Jesus Cristo, segundo os princípios da Comunhão Anglicana e tendo por fundamentos:
I – a unidade de todas as pessoas cristãs;
II – a solidariedade;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – a fraternidade;
V – a integridade da criação divina;
VI – o respeito à pluralidade religiosa;
VII – a inclusividade;
VIII – a promoção e garantia dos direitos humanos. (Constituição
da IEAB).
Missão | Linha de ação | Carisma
A missão da igreja é a missão de Cristo
1. Proclamar as boas novas do reinado de Deus
2. Ensinar, batizar e nutrir os novos crentes
3. Responder às necessidades humanas com amor
4. Procurar a transformação das estruturas injustas da sociedade,
desafiar toda espécie de violência, e buscar a paz e a reconciliação
5. Lutar para salvaguardar a integridade da Criação, sustentar e renovar a vida da terra (5 MARCAS DA MISSÃO)
108
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Qualquer pessoa pode-se tornar membro pleno da IEAB. Precisará passar é claro por uma formação cristã durante um período de
tempo. São acolhidas em uma cerimônia chamada confirmação
(crisma) e recebimento.
Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de
uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos
com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais.
A organização no Brasil é feita através de Dioceses (9) e Distrito
Missionário (1), geralmente seguindo regiões geográficas de um
mesmo estado, ou região, ou mesmo englobando todo estado.
Neles temos uma centena de paróquias e missões com pastorais
diversas, entre elas a pastoral da diversidade que acolhe LGBTQIA+.
Não existe uma rede formal entre as pastorais da diversidade.
Considerações finais | Partilha
Ao tocar no tema da inclusividade, gostaria de ressaltar que a IEAB
não faz parte das chamadas “igrejas inclusivas”, ou seja, não surgiu
ou foi pensada para atender pastoralmente determinado perfil de
pessoa fiel. A IEAB vai se tornando inclusiva para LBTQIA+ através
de processos orgânicos que levaram aproximadamente duas décadas (1997-2018) para concluírem, desde a Carta Pastoral sobre Sexualidade Humana da Câmara Episcopal até a aprovação do cânon
sobre o Casamento Igualitário no 34º Sínodo Geral (2018). Creio
que foi, e continua sendo, um processo de conversão de corações e
mentes, de pessoas clérigas e leigas, no compromisso de acolhida.
Pastoral da Diversidade Anglicana
Foz do Iguaçu, PR
Região do Brasil que se encontra: Sul
Contato: Pastoral da Diversidade Anglicana | Igreja Anglicana
Foz
109
Mini histórico do grupo | Igreja
A PDA-Foz nasceu em 2018, com eventos públicos em forma de seminário, tratando de temas marginais, ligados à diversidade sexual,
usando recursos de vídeos, palestras e depoimentos de especialistas, bem como dos sujeitos envolvidos nos temas em aprofundamento.
Objetivo
Criar espaço seguro de aproximação das pessoas LGBTI+ ao campo
do Sagrado, buscando conhecer esses sujeitos, bem como escutar
suas queixas, conflitos e sonhos. Promover aprendizado permanente, dentro e fora da comunidade de fé, das temáticas que interseccionam religião e sexualidades, tendo como público alvo todas as
pessoas abertas a este aprendizado, principalmente familiares de
pessoas LGBTQI+.
Missão | Linha de ação | Carisma
Defender o sagrado, seus espaços e sua produção, como direito de
todas as pessoas, principalmente do público LGBTQI+
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Todxs pessoas abertas ao aprendizado e à vivência da diversidade
humana.
Considerações finais | Partilha
A PDA-Foz é coordenada por pessoas homoafetivas. Tem especial interesse em cuidar dos conflitos e dores familiares nos lares
de pessoas homoafetivas, ajudando a todxs no processo de sair do
armário. A aceitação familiar dos homossexuais é imprescindível
para que estes sujeitos possam conquistar sua aceitação plena na
sociedade.
Roda de Conversa: Sexualidade e Espiritualidade
Londrina, PR
Região do Brasil que se encontra: Sul
Página Facebook: @rodadeconversaS.E
110
Mini histórico do grupo | Igreja
É um grupo recente, com pouco mais de um ano de existência. Surgiu em dezembro de 2018 e foi idealizado e alicerçado pelas mãos
dos jovens LGBTQIA+ e as lideranças religiosas da Paróquia São Lucas de Londrina/PR. Tendo como intuito de, em rodas de conversas
(presenciais ou on-line), desmistificar temáticas polêmicas (alguns
temas já abordados: ISTs, HIV/AIDS, LGBTFobia institucional/religiosa, famílias LGBTQIA+, machismo, preconceitos religiosos, entre
outros) que são pouco trabalhadas/abordadas nos âmbitos cristãos
e que são de suma importância sua discussão. Desde seu surgimento até hoje a roda já participou e apoiou vários eventos sociais em
prol de lutas por direitos das minorias e liberdades individuais/coletivas.
Objetivo
Conversar sobre a DIVERSIDADE LGBTQIA+, suas vivências ou não
na espiritualidade e emancipar pessoas para uma vida sexual e espiritual plena.
Missão | Linha de ação | Carisma
Nossa missão é apresentar um cristianismo que acolhe todas as
pessoas sem distinções e orientá-las para uma vida consciente,
responsável, saudável e prazerosa. Reunimo-nos mensalmente e a
cada encontro abordamos uma temática especifica e alinhada para
as questões espirituais e/ou sexuais, onde convidamos uma ou mais
pessoas especialistas no assunto para facilitarem a discussão. E levantamos a bandeira que todas as pessoas podem, e devem viver
sua Sexualidade e Espiritualidade em plenitude sem as amarras
preconceituosas que as impedem de serem elas mesmas e terem
um contato com o Criador.
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Todas as pessoas interessadas em conhecer e viver sua sexualidade
e Espiritualidade sem preconceitos, tabus e amarras.
Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de
uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos
com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais.
111
Atualmente a roda de conversa existe apenas em nossa comunidade, porém estamos estudando a possibilidade de formação2. de
grupos em outras localidades de nossa diocese e/ou província.
Catedral Santíssima Trindade
Porto Alegre, RS
Região do Brasil que se encontra: Sul
Página Facebook: @catedralsstrindade
Mini histórico do grupo | Igreja
Pastoral Anglicanxs - Grupo de apoio, solidariedade e acolhida aos
LGBTI+
Objetivo
Promover um espaço e lugar seguro para pessoas LGBTI+.
Missão | Linha de ação | Carisma
Promover respeito e diálogo.
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Todas as pessoas
Diocese Anglicana do Recife
Missão Anglicana São Francisco
Petrolina, PE
Região do Brasil que se encontra: Nordeste
Instagram: @anglicanxspetrolina
Facebook: @anglicanxspetrolina
Twitter: @AnglicanosP
Mini histórico do grupo | Igreja
Somos uma pequena comunidade, constituída por gente que cultiva uma espiritualidade cristã inclusiva
112
Missão | Linha de ação | Carisma
Acolher na vida comunitária cristã as pessoas como sejam, em respeito à graça divina da diversidade
Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja?
Quem desejar
113
2.EXPERIÊNCIA CATÓLICA ROMANA
Igreja Católica Apostólica Romana
Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT
Nordeste: Fortaleza (CE); Iguatu (CE); São Luís (MA); Mossoró
(RN); Recife (PE); Teresina (PI);
Centro-Oeste: Brasília (DF);
Sudeste: Belo Horizonte (MG); Nova Iguaçu (RJ); Rio de Janeiro
(RJ); São João de Meriti (RJ); Campinas (SP); Guarulhos (SP); Ribeirão Preto (SP); São Paulo (SP)
Sul: Curitiba (PR); Maringá (PR);
Região do Brasil que se encontra: Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste, Sul
Site: www.redecatolicoslgbt.com.br
E-mail: redecatolicoslgbt@gmail.com;
Instagram: @redecatolicoslgbt
Facebook: @redenacionalcatolicoslgbt
Mini histórico do grupo | Igreja
O primeiro grupo organizado de católicos romanos LGBTI do Brasil surgiu em 2007: o Diversidade Católica, do Rio de Janeiro. Em
seu rastro surgiram diversos coletivos similares espalhados pelo
país. Em 2014, aconteceu o I Encontro Nacional de Católicos LGBT,
quando representantes de cinco grupos existentes no país fundaram a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT. O II Encontro Nacional de Católicos LGBTI aconteceu em São Paulo em 2018, com
representantes de 15 grupos de todo o país (exceto região Norte).
No final de 2020, a Rede é composta por 21 grupos e integra a Global Network of Rainbow Catholics (GNRC), que reúne grupos de
“católicos do arco-íris” de todo o mundo.
114
Objetivo
Os grupos de católicos LGBT brasileiros são coletivos leigos que se
organizam a partir da necessidade de criar, para aquelas e aqueles
que buscam conciliar sua pertença religiosa católica romana com
suas identidades como pessoas LGBTI+, espaços seguros de acolhimento respeitoso, partilha de experiências e vivência da fé cristã
em comunidade. São espaços de encontro e de troca, de reflexão e
escuta, de aprofundamento de nossa fé e espiritualidade. Espaços
onde plantamos sementes de vida que nos nutrem e enriquecem e
de onde saímos para semear nossos dons e gerar bons frutos, contribuindo assim para a construção de um mundo de mais justiça e
igualdade, em que haja espaço para cada um florescer na diversidade.
Missão | Linha de ação | Carisma
Assumimos como missão promover e difundir a Boa Nova de Jesus
Cristo e o projeto plenamente inclusivo do Reino de Deus, partilhando a experiência do Amor, da Liberdade, da Justiça e da Vida
em abundância com todas as pessoas que são excluídas da Igreja
e/ou da sociedade em virtude de sua identidade de gênero e/ou
orientação sexual. Acreditamos que Deus nos criou e nos ama a todos e todas com Amor Incondicional, que Cristo nos abraça e nos
chama de amigos e amigas, e que Sua Igreja é para todos e todas
nós. Acreditamos no Espírito que sopra em nossas vozes e nossas
vidas, e que é nossa missão profética contribuir com nossas dádivas
e nossos testemunhos para a construção do Reino. Que a paz de
Cristo e a proteção amorosa de Maria, nossa mãe, estejam sempre
com todos e todas nós, e com todos e todas vocês.
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Todas as pessoas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais, não-binárias, intersexo, queer, e outras identidades que não se enquadrem na norma cis-heterocentrada, e
busquem conciliar essas identidades com a pertença religiosa católica romana. Acolhemos também suas famílias e pessoas aliadas.
Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de
uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos
com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais.
115
Diversidade Cristã Brasília
Cidade: Brasília - DF
E-mail de Comunicação:
diversidadecristabrasilia@gmail.com
Redes Sociais:
https://www.instagram.com/
diversidadecristabsb/
Diversidade Católica de Belo
Horizonte
Cidade: Belo Horizonte - MG
E-mail de Comunicação:
felipeista@outlook.com
Diversidade Católica de Fortaleza
Prisma da Fé
Cidade: Brasília - DF
E-mail de Comunicação:
prismadafe@gmail.com
Redes Sociais:
https://www.instagram.com/prismadafe/
Arco da Aliança - Diversidade
Católica de Maringá
Cidade: Maringá - PR
E-mail de Comunicação:
avelarfc@hotmail.com
Redes Sociais:
https://www.facebook.com/
groups/412050502336393/
Cristãos pela Diversidade
116
Cidade: Fortaleza - CE
E-mail de Comunicação:
dcf.fortaleza@gmail.com
Redes Sociais:
https://www.instagram.com/
diversidadecatolica_fortaleza/
Diversidade Católica de Ribeirão
Preto e região
Cidade: Ribeirão Preto - SP
E-mail de Comunicação:
diversidadecatolicarp@gmail.com
Redes Sociais:
https://www.facebook.com/
DiversidadeCatolicaRP
Diversidade Católica do Rio de
Janeiro
Cidade: Belo Horizonte - MG
E-mail de Comunicação:
cristaospeladiversidade@gmail.com
Redes Sociais:
https://www.instagram.com/
cristaospeladiversidadebh/
Cidade: Rio de Janeiro - RJ
E-mail de Comunicação:
contato@diversidadecatolica.com.br
Redes Sociais:
https://www.facebook.com/
diversidadecatolica/
https://www.diversidadecatolica.com.br/
Diversidade Católica Campinas
Diversidade Cristã de Mossoró
Cidade: Campinas - SP
E-mail de Comunicação:
diversidadecatolicacampinas@gmail.com
Redes Sociais:
https://www.facebook.com/
diversidadecatolicacps/;
https://www.instagram.com/
diversidadecatolicacampinas/
Cidade: Mossoró - RN
E-mail de Comunicação:
diversidade.crista.mossoro@gmail.com
Redes Sociais:
https://www.instagram.
com/diversidadecristamo/;
https://www.facebook.com/
DiversidadeCristaDeMossoro/
Diversidade Cristã de São Luís
Cidade: São Luís - MA
E-mail de Comunicação:
diversidadecristaslz@gmail.com
Redes Sociais:
https://www.instagram.com/
diversidadecristaslz/
Grupo de Acolhimento Pastoral
LGBTI+ Bom Pastor
Cidade: Duque de Caxias/São João de
Meriti - RJ
E-mail de Comunicação:
gaplgbtiabompastor@outlook.com
Redes Sociais:
https://www.instagram.com/
gaplgbtiabompastor/
Diversidade Cristã de Teresina
Cidade: Teresina - PI
E-mail de Comunicação:
corneliopsi@hotmail.com
Redes Sociais:
https://www.instagram.com/diversidade_
the/
Grupo Filho de Davi
Diversidade Cristã Recife
Cidade: Iguatu - CE
E-mail de Comunicação:
luan_layzon@hotmail.com
Cidade: Recife - PE
E-mail de Comunicação:
diversidadecristarec@gmail.com
Redes sociais:
https://www.instagram.com/
diversidadecristarecife/
Grupo Católico de
Acompanhamento Pastoral com
Pessoas LGBT
Cidade: Curitiba - PR
E-mail de Comunicação:
uilson.assistentesocial@gmail.com
Grupo de Ação Pastoral da
Diversidade
Cidade: São Paulo - SP (Belém)
E-mail de Comunicação:
diversidadesp@hotmail.com
Redes Sociais:
https://www.facebook.com/GAPDSP
https://www.instagram.com/gapd_sp/
https://spdiversidadecatolica.blogspot.
com/
Grupo Porta da Misericórdia
Cidade: Fortaleza - CE
E-mail de Comunicação:
portadamisericordialgbt@gmail.com
Redes Sociais:
https://www.instagram.com/
portadamisericordia/
Movimento Pastoral LGBTI+
Marielle Franco
Cidade: São Paulo - SP (Itaquera)
E-mail de Comunicação:
mopamariellefranco@gmail.com
Rede Sociais:
https://www.facebook.com/
mopalgbtmariellefranco
117
Considerações finais | Partilha
Gostaríamos de partilhar nossos valores:
1. Centralidade da fé trinitária: Somos filhas e filhos amados de
Deus, que é Pai e Mãe, testemunhas do amor salvífico e incondicional de Jesus Cristo e, movidos pelo Seu Espírito, abraçamos a proposta do Evangelho como centro e fundamento maior das nossas
vidas e do nosso trabalho.
2. Pertença Eclesial: Somos Povo santo de Deus, membros inalienáveis da Igreja Católica Apostólica Romana e, acolhidos pela proteção de Maria, mãe desta mesma Igreja, nos reunimos à comunidade de irmãos e irmãs batizados em Cristo, contribuindo com
nossos dons, em toda a sua diversidade, na jornada da construção
do Reino.
3. Protagonismo leigo: Impelidos pelo Espírito Santo, assumimos o
chamado e a vocação a sermos sal da terra e luz do mundo, valorizando o protagonismo e a participação ativa do laicato na realização da missão de Cristo e da Igreja.
4. Diversidade: Considerando a pluralidade do próprio Deus, que
se revela na Santíssima Trindade e se manifesta na beleza múltipla
da Criação, lutamos pelo reconhecimento e pela celebração plena
da diversidade de expressões, identidades, gêneros, sexualidades,
raças, etnias, culturas e credos.
5. Diálogo: Primamos pelo exercício do diálogo aberto e fraterno
como caminho para construir pontes, diminuir muros, ampliar horizontes e aproximar corações e mentes, favorecendo a construção
de novas relações, baseadas em uma perspectiva inclusiva, solidária e não violenta.
6. Profetismo: Por amor à causa do Evangelho, inspiramo-nos na tarefa profética de anunciar a Esperança, resistir à opressão e denunciar a injustiça, e nos comprometemos a trabalhar pela construção
de uma sociedade verdadeiramente justa e fraterna para todas as
pessoas, sem qualquer distinção.
7. Ecumenismo e inter-religiosidade. Nos abrimos para o diálogo
com nossas irmãs e irmãos de outras tradições religiosas, cristãs
e não-cristãs, para, em amizade fraterna e sem proselitismo, caminharmos juntos na construção de um mundo em que reinem o
Amor e a Justiça, e onde todas e todos tenham espaço para serem
quem são.
MAMI – Mães de Amor Incondicional
Curitiba, PR
Região do Brasil que se encontra: Sul
Instagram: @mamicuritiba
118
Mini histórico do grupo | Igreja
O grupo MAMI se iniciou no ano de 2014, por meio de conversas
entre algumas amigas que viviam situações parecidas em suas casas: uma filha ou filho homossexual. A carga de medos e angústias
se assemelhava nestas famílias, mas o amor incondicional também
estava presente em todas elas. As reuniões foram se repetindo a
cada mês, proporcionando momentos importantes de troca de experiências e observação de realidade por outra perspectiva, a do
amor e do acolhimento.
Objetivo
MAMI é um grupo de mamis e papis de pessoas LGBTI+, que tem
por objetivo dar apoio a seus familiares que estão iniciando o processo de entendimento da diversidade sexual. Compartilhamos experiências pessoais e acolhemos a todes.
Missão | Linha de ação | Carisma
Acolher as demandas de famílias LGBTI +, promovendo a compreensão, o diálogo e a restauração do amor familiar.
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Mamis e papis de pessoas LGBTI, tios, tias, avós, irmãos também
são bem-vindos.
FAMI – Famílias do Amor Incondicional
Brusque, SC
Região do Brasil que se encontra: Sul
Instagram: @famibrusque
Mini histórico do grupo | Igreja
Iniciamos o grupo a partir do Mami de Curitiba
Objetivo
Acolher famílias e pessoas da comunidade LGBTIQ+
119
Missão | Linha de ação | Carisma
Acolher, aconselhar
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Todos as famílias com filhos da comunidade LGBTQI
Pastoral da Juventude – PJ
Presentes em todos os estados brasileiros
Região do Brasil que se encontra: Norte, Nordeste, Centro-Oeste,
Sudeste, Sul
Site: www.pj.org.br
E-mail: secretarianacional@pj.org.br
Facebook: PASTORAL DA JUVENTUDE NACIONAL
Instagram: @pjnacional
Mini histórico do grupo | Igreja
A Pastoral da Juventude começa pelos anos 70, com a Ação Católica Especializada, com grupos de jovens espalhados em vários
estados do Brasil. Aprendemos muito com a teologia da libertação,
com a pedagogia do oprimido. No início dos anos 80, a igreja na
América Latina vivia um período de muitas expectativas com o
trabalho Pastoral. As conferências de Medellín e Puebla assumem
a opção preferencial pelos pobres e jovens, o que viabiliza ainda
mais nossa organização e dinamização dentro da Igreja Católica.
Fomos nos tornando grupos mais organizados, uma pastoral orgânica. Hoje, temos quase 50 anos de história no Brasil, inúmeros
grupos de jovens espalhados pelo país, com linha e metodologia
próprias. Com atuação dentro e fora da igreja, comprometidos
com a formação integral. Nossos grupos são compostos por jovens
na sua maioria empobrecidos/as e marginalizados/as, valorizamos
o protagonismo juvenil, respeitamos a diversidade das juventudes,
sonhamos com um mundo mais justo, igualitário e possível para
todas, todos e todes. Nossa história é marcada por muitas lutas
e sonhos, reafirmando dia a dia a opção preferencial pelos jovens
marginalizados/as.
Objetivo
Queremos despertar os e as jovens para a pessoa e a proposta de
120
Jesus Cristo, proporcionando a eles e elas um processo de formação
integral baseado na fé e na vivência comunitária. Formamos lideranças capacitadas para atuarem na igreja, na sociedade e na política, comprometidas com a libertação e inclusão das juventudes, de
modo que contribuam concretamente com a civilização do amor.
Missão | Linha de ação | Carisma
A missão é o que dá vida e sentido à PJ. É o nosso agir concreto, testemunhando a nossa fé. Nossa missão está encarnada na
evangélica opção preferencial por todas as pessoas que sofrem.
Como jovens, vamos ao encontro de todos os jovens nas diversas
realidades eclesiais e sociais. Sendo sensíveis às suas dores, medos,
sonhos, necessidades e potencialidades. Nós anunciamos o Reino,
mas também denunciamos as situações de morte. Inspirados/as
em Jesus, nossa missão é a construção de uma nova sociedade, de
homens e mulheres livres, vivendo em justiça e igualdade.
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Todos/as os/as jovens inquietos/as e inconformados com as injustiças do mundo, todos/as jovens que têm sede de sentido e horizontes de vida, todos e todas que buscam uma experiência de fé
que o torne mais humanizado/a, e sensível às dores dos/as outros/
as, todos e todas que se sentem provocados pela vida de Jesus. A
PJ é um espaço de acolhida e amizade. Estamos abertos à todas as
juventudes.
Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de
uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos
com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais.
Nós estamos espalhados em mais de 5.000 grupos de jovens em
todos os estados brasileiros. Nossa organização é composta por
coordenações de grupos, coordenações paroquiais, diocesanas, regionais e coordenação nacional. Contamos com adultos leigos/as e
religiosos/as na assessoria dos grupos e das coordenações.
Considerações finais | Partilha
Ficamos imensamente agradecidos por sermos reconhecidos como
espaço de acolhida às juventudes LGBTQIA+. Em uma sociedade
extremamente preconceituosa e marcada pela violência, exclusão
121
e hipocrisia, queremos continuar sendo sinais do amor de Jesus,
sinais de acolhida, afeto e cuidado na vida das juventudes oprimidas, excluídas e violentadas, pois não se faz reino de Deus amando
uns/umas e excluindo outros/as. O Reino se constrói participando
da luta do povo, abraçando causas justas, promovendo o amor, a
escuta e a inclusão, pois todos, todas e todes são amados/as/es por
Deus. É o nosso dever também amar, sem restrições.
GAPD - Grupo de Ação Pastoral da Diversidade - SP
São Paulo, SP
Região do Brasil que se encontra: Sudeste
Instagram: @gapd_sp – Grupo de Ação Pastoral da Diversidade
Mini histórico do grupo | Igreja
Somos um grupo de Leigxs de Católicxs LGBTI+, que acreditam ser
possível conciliar nossa sexualidade com nossa fé. Fundado em 1º
de novembro de 2010.
Objetivo
Temos objetivo em ajudar as pessoas a se reconciliar com a Fé cristã e nossa orientação.
Missão | Linha de ação | Carisma
Nosso grupo é formados por leigxs católicos, porém, acolhemos
a todes que queiram conhecer o nosso trabalho e que estejam de
coração aberto.
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Todes
Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de
uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos
com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais.
Rede Nacional de Católicos da Diversidade. Atualmente somos
uma rede de 22 grupos espalhados pelo Brasil.
122
3.EXPERIÊNCIA DAS IGREJAS DA COMUNIDADE METROPOLITANA
Igrejas da Comunidade Metropolitana
@redeicmbr
(Cidades com igrejas afiliadas: Belo Horizonte, Rio de Janeiro,
São Paulo, Fortaleza, Maringá, Teresina, Vitória)
MINI HISTÓRICO DO GRUPO/IGREJA
As Igrejas da Comunidade Metropolitana (ICM) são uma fraternidade brasileira e internacional de comunidades cristãs, e caracterizada particularmente por seu progressivismo humanitário e aceitação irrestrita de pessoas que se identificam como lésbicas, gays,
bissexuais, transexuais e afins (LGBT), e seus familiares, aliadas/os e
amigas/os. A ICM não somente acolhe, afirma a diversidade, atualmente 4 pastoras trans são parte do Conselho Nacional da ICM no
Brasil e lideram comunidades locais em suas cidades. Desde a sua
fundação (1968) a ICM tem estado na vanguarda dos movimentos
de direitos humanos e civis. No Brasil, se consolida a partir de 2006,
estabelecendo sua agenda nacional. Foi a primeira igreja cristã a
celebrar casamento entre pessoas do mesmo sexo com efeito civil
em 2012.
MISSÃO
Promover a oportunidade de conexão das pessoas com Deus, com
as outras pessoas e consigo mesmas, a partir de uma espiritualidade libertadora em sintonia com a diversidade que nelas habita, e do
espírito comunitário fortalecido pela luta coletiva por justiça social, no âmbito das Igrejas da Comunidade Metropolitana do Brasil.
VISÃO
Consolidar a voz profética das Igrejas da Comunidade Metropolitana em todas as unidades federativas do Brasil até 2030, sendo
ela reconhecida pela ousadia de denunciar as estruturas sociais de
opressão e de anunciar as boas-novas de forma afirmativa, progressista e libertária.
123
4.EXPERIÊNCIA LUTERANA
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
Inclusão Luterana
São Paulo, SP (sede)
Região do Brasil que se encontra: Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste, Sul
Instagram: @inclusão_luterana
E-mail: luteranospelainclusao@gmail.com
Mini histórico do grupo | Igreja
O coletivo Inclusão Luterana nasce em 7 de setembro de 2014, a
partir de diálogos entre a juventude evangélica da IECLB no 22º
CONGRENAJE (Congresso nacional da juventude evangélica), por
nascer na juventude o diálogo se faz bastante presente em outras
edições do CONGRENAJE, acampamentos, retiros e outras instituições ligadas a IECLB. Em maio de 2020, cria-se a primeira coordenação eleita do coletivo, desde então tem desenvolvido trabalhos
mais constantes entre os LGBTs luteranes do Brasil.
Objetivo
Que a comunidade cristã reconheça a união contínua, pública e
duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”,
entendida como sinônimo de “família”, permitindo o casamento
com a bênção da Igreja e de Deus para relacionamentos envolvendo todas as formas de amar.
Mesmo com a dificuldade para lidar com o assunto relações homoafetivas ou homossexualidade, lembrar a todos os cristãos que o
amor incondicional de Deus pelos humanos é a base essencial para
abordar esse tema.
Orientar as pessoas para o discernimento ético, fortalecendo-as a
tomarem, em liberdade e responsabilidade, suas próprias decisões
diante de Deus. Ressaltando que a Igreja luterana não tem um magistério com prerrogativa de estabelecer normas éticas a serem seguidas pelos fiéis, de modo que cabe a cada fiel prestar contas de
seus atos perante Deus, e não perante homens.
Combater nas comunidades cristãs posturas maniqueístas, que distinguem o bem e o mal. Observar que há questões em que cristãos
124
devem lidar com a tensão oriunda da dificuldade de dar respostas
rápidas, lembramos que é intrínseca à comunidade protestante a
convivência com o debate difícil, mas sério, aberto, respeitoso.
Que a igreja se posicione com relação ao Estado visando superar
a intolerância, o preconceito, a estigmatização de comportamentos e as consequências que provocam violência, sofrimento, perseguição e morte. Defendemos que o Estado assegure e concretize os
direitos fundamentais da liberdade de pensamento, de crença e de
manifestação, que coíba a violência decorrente de posturas extremas, como querer calar a voz dos que buscam o diálogo.
Respeito mútuo pelas posições distintas, de diálogo franco, desarmado e fraternal, de busca da superação da exclusão e, que proponha uma “opção radical por manifestações e gestos que deem
lugar à graça e ao amor de Deus”.
Missão | Linha de ação | Carisma
Ser um grupo que acolhe e anima a vivência evangélica de LGBTI+
nos âmbitos pessoal, familiar e comunitário. Defender a garantia de
igualdade de direitos, fomentar o diálogo sobre gênero e sexualidade dentro das igrejas luteranas brasileiras visando a superação de
todas as formas de preconceito, discriminação e violação de direitos contra pessoas LGBTI+ e promover a reflexão coletiva com vistas à construção de comunidades seguras, inclusivas e acolhedoras,
para que pessoas de todas as identidades e expressões de gênero
e orientações afetivo-sexuais possam viver suas espiritualidades de
forma plena.
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
Todos, todas e todes que se identifiquem como luteranes e LGBTQIA+, também acolhemos pessoas de outras denominações e pessoas hetero e cis, só não têm direito a voto nas decisões do coletivo.
Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de
uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos
com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais.
Ainda não temos, mas está nos planos do futuro próximo criar núcleos regionais.
125
Considerações finais | Partilha
Cabe também dizer um pouco da identidade que foi construída
durante esses anos: o caráter missional foi fortemente destacado
entre nós, para acolhermos e resgatar o LGBT que se afastou de
toda e qualquer espiritualidade por conta do preconceito e LGBTfobia claramente visível no meio cristão brasileiro. Por isso também
nos identificamos como um setor de maior potencial missionário
da igreja.
126
5.EXPERIÊNCIA METODISTA
Igreja Metodista no Brasil
Inclusão Metodista
São Paulo, SP
Região do Brasil que se encontra: Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste, Sul
Instagram: @inclusaometodista
Mini histórico do grupo | Igreja
A articulação Inclusão Metodista nasceu oficialmente em 2020 para organizar o envio de
propostas ao Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil, espaço no qual se debatem as
mudanças na legislação da igreja, e de forma mais geral a disputa pela inclusão integral de
pessoas LGBT na vida da igreja. Trata-se do primeiro movimento LGBT na Igreja Metodista
do Brasil, envolvendo membros clérigos e leigos que estavam dispersos por paróquias de
diversos estados do país.
Objetivo
Transformar a Igreja Metodista do Brasil em uma Igreja que inclua integralmente e afirme
os dons e ministérios das pessoas LGBT.
Missão | Linha de ação | Carisma
Ministério que fomenta a inclusão integral na igreja, com atuação na área de formação
sobre sexualidade humana e disputa nos espaços de decisão da igreja.
Quem é convidado/a para participar deste grupo/
Igreja?
Pessoas LGBT das diversas comunidades metodistas e aliadas.
Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos com a cidade, estado, contato institucional e
redes sociais.
O Inclusão Metodista é um movimento formado por pessoas que estão espalhadas pelo
país, nossas principais atuações estão nas cidades de: São Paulo (SP); Belo Horizonte (MG);
Porto Alegre (RS) e Rio de Janeiro (RJ).
Fazemos parte do RMN (Reconciling Ministries Network), rede de advocacy pelos direitos
LGBT da Igreja Metodista Unida.
127
6.EXPERIÊNCIA DE GRUPOS CRISTÃOS
INTERDENOMINACIONAIS ou NÃO
DENOMINACIONAL
Evangélicxs Pela Diversidade
Norte: Belém (PA); Porto Velho (RO);
Nordeste: Aracaju (SE); Fortaleza (CE); Recife (PE); São Luís
(MA);
Centro-Oeste: Brasília (DF); Cuiabá (MT)
Sudeste: Vitória (ES); Belo Horizonte (MG); Rio de Janeiro (RJ);
São Paulo (SP);
Sul: Curitiba (PR); Londrina (PR); Criciúma (SC); Joinville (SC);
Região do Brasil que se encontra: Norte, Nordeste, Centro-Oeste,
Sudeste, Sul
www.evangelicxs.com.br
Instagram: @evangelicxs_ | instagram.com/evangelicxs_
Twitter: @evangelicxs | twitter.com/evangelicxs
Facebook: Evangélicxs Pela Diversidade | facebook.com/evangelicxs falecomevangelicxs@gmail.com
Mini histórico do grupo | Igreja
O Evangélicxs é a primeira organização LGBT Evangélica interdenominacional (que não é uma igreja) na América Latina. Surgiu
em 2017 e se lançou em 2018 como uma página no Instagram e
Facebook. A partir disso começou a agregar virtualmente pessoas
LGBTs e aliadas em todo o Brasil. Em 2018 foi realizado o primeiro
Encontro Nacional de Evangélicxs Pela Diversidade, que aconteceu
no Rio de Janeiro e teve mais de 200 inscrições e contou com representação de pessoas de todas as regiões do Brasil. A partir de
então, em 2019, começou a se organizar no território através de núcleos locais que tem o objetivo de oferecer suporte e acolhimento
para LGBTs e espaços de formação. Em 2019 o Evangélicxs passou
a integrar uma coalizão da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre "Religião, espiritualidade e Sociedade Civil", incidindo
no combate do fundamentalismo religioso e seus impactos na sociedade civil (como nas atividades do Ministério de Direitos Humanos, entre outras agendas). Através dos seus 4 pilares/eixos de
atuação (explicados na sequência), o Evangélicxs vem promovendo
suas atividades no Brasil e fora dele com as parcerias que constitui.
128
Objetivo
O Evangélicxs tem o objetivo de combater o fundamentalismo religioso evangélico contra
a população LGBTI+ construindo pontes de diálogo entre igrejas, comunidades, agências
missionárias e demais organizações evangélicas que queiram pensar de forma afirmativa o
tema da diversidade de gênero e sexualidade. Além do trabalho junto a organizações evangélicas, temos o objetivo de promover suporte para LGBTs, familiares e líderes evangélicos
que passam pelo processo de aceitação, reconhecimento da identidade e que precisam
de suporte pastoral. Contamos com um projeto de suporte Psicológico com uma rede de
Psis Pela Diversidade e também com rede de apoio pastoral de plantão. Outro Objetivo é
a incidência pública na sociedade civil, não permitindo que o fundamentalismo religioso
evangélico seja responsável pela perseguição política, retirada de direitos e diminuição da
representatividade de LGBTs nos espaços de tomada de decisão da sociedade.
Missão | Linha de ação | Carisma
O Evangélicxs Pela Diversidade se organiza através de 4 pilares/eixos de atuação.
Cuidado Pastoral: Oferecer suporte para LGBTs e familiares que estão no processo de aceitação. Oferecer mentoria e suporte para pastores e líderes que querem trabalhar o tema
da diversidade sexual e de gênero de forma afirmativa em suas igrejas ou que precisam
de auxílio por não poderem tornar pública suas decisões sobre este tema diante das suas
denominações.
Formação, Produção de Conteúdo e Ensino: Formar e informar a igreja sobre a experiência
com Cristo que LGBTI+ têm, através da produção de conteúdo teológico, publicação autoral e/ou tradução de artigos e textos, produção de material audiovisual para redes sociais,
apostilas, estudos bíblicos, bem como o oferecimento de oficinas, workshops, palestras,
pregações e treinamentos locais e virtuais sobre o tema para quem tiver interesse.
Serviço, Incidência Pública e Diaconia: Atuar junto à sociedade para oferecer suporte, amparo e cuidado que tenha o objetivo de garantir o cuidado integral da população LGBTI+
e que reduza a desigualdade, trabalhando desde a escala individual, com suporte, mantimentos e amparo social, bem como escalas intermediárias, como paradas pela diversidade
e marchas do orgulho, até na escala regional, representando organizações da sociedade
civil em fóruns internacionais como ONU, OEA, etc.
129
Quem é convidado/a para participar
deste grupo/Igreja?
LGBTs que querem cultivar um relacionamento com Cristo. Familiares que querem passar pelo processo de compreensão, aceitação
e afirmação da pessoa LGBTI+ que possuem em sua rede Pastores,
Missionários e Líderes que querem ter amparo para uma postura afirmativa em seus ministérios Igrejas, Comunidades, Agências
Missionárias e organizações evangélicas que queiram passar a assumir uma postura afirmativa em suas estruturas. Organizações
da Sociedade Civil, ONGs e projetos voltados para a comunidade
LGBT que queiram suporte com a demanda de espiritualidade em
suas agendas.
Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de
uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos
com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais.
Curitiba (PR), Londrina (PR), Joinville (SC), Criciúma (SC), São Paulo
(SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Vitória (ES), Brasília
(DF), Cuiabá (MT), Aracajú (SE), Fortaleza (CE), Recife (PE), São Luís
(MA), Belém (PA), Porto Velho (RO)
130
131
FILMES
132
Título
As Cores do Divino
Produção
Produzido em 2017. Dirigido por Lucas
Porfírio.
Produzido em 2020. Dirigido por Victor
Costa Lopes.
“Além de PRETO, VIADO”, é um documentário realizado em 2017 como trabalho de
conclusão de curso em Comunicação Social - Jornalismo, pela Universidade Federal
de São João del-Rei. Com direção de Lucas
Porfírio, o filme aborda questões relacionadas ao homem gay negro, dentro e fora
do movimento LGBTQ+. Hipersexualização
dos corpos negros, solidão, racismo e homofobia são exemplos dos temas abordados. Assim, busca-se discutir, em diferentes
momentos, as vivências desses sujeitos e
suas características. "Além de PRETO, VIADO" é uma homenagem a todas as bichas
pretas no intuito de juntos promovermos o
empoderamento gay negro.
Documentário realizado a partir de conversas com pessoas LGBTI+, unidas por um
traço em comum: todas já fizeram parte, ou
ainda fazem, de alguma instituição religiosa. O filme traça um instigante panorama
sobre a relação entre religião e sexualidade.
https://www.youtube.com/watch?v=BDglGIUgF2g
https://embaubafilmes.com.br/locadora/
as-cores-do-divino/
Link
Comentário
Além de PRETO, VIADO.
133
A identidade que
(trans)forma.
134
A garota dinamarquesa
Produzido em 2018. Por Beatriz Flório
Pereira, Raquel Baes Correia e Talissa Fávero Gouvêa, em 2018.
Com base nesta nova determinação, a narrativa de “A identidade que TRANSforma”
explora os constrangimentos vividos publicamente, o desejo da retificação do nome
e a difícil relação com a esfera familiar, a
partir dos relatos de experiência de vida de
Étory, Natália, Enzo e Théo. Além dos relatos, foram convidadas (os) especialistas das
áreas psicológica e jurídica que pudessem
explicar processos comuns nestes casos e
propor reflexões necessárias para o avanço
de políticas que permitem o justo e eficaz
reconhecimento destes sujeitos.”
Produzido em 2016. Direção de Tom
Hooper.
https://www.youtube.com/watch?v=4zZQZzCoSco
https://www.youtube.com/watch?v=vjq2FgjpXow
Na Copenhague de 1926, os artistas Einar
e Gerda Wegener se casam. Gerda então
decide vestir Einar de mulher para pintá-lo.
Einar começa a mudar sua aparência, transformando-se em uma mulher, e passa a se
chamar de Lili Elbe. Com o apoio, ainda que
conturbado, da esposa, um Einar deprimido passa por uma das primeiras cirurgias
de mudança de sexo da história para tentar
se transformar por completo em Lili e recuperar o gosto pela vida.
A Morte e a Vida de Marsha P. Johnson
Produzido em 2017. Dirigido por David France
Fala sobre a vida e, principalmente, sobre a morte de Marsha P. Johnson. Em 1992, ela foi
encontrada morta no Rio Hudson, em Nova York, e nos registros oficiais consta que a causa foi suicídio. Porém, a narrativa do documentário mostra que – talvez – as coisas não tenham acontecido – e isso não é novidade – da maneira que constam nos registros oficiais.
Marsha era uma mulher transexual, ativista dos direitos de pessoas LGBTI+, fundadora
do grupo Street Transvestites Action Revolutionaries (S.T.A.R. ou Ação Revolucionária das
Travestis de Rua – em tradução livre) e teve um papel fundamental na Revolta de Stonewall. Para quem não se lembra ou perdeu o fio da história, esta foi a primeira revolta de
pessoas LGBTI+ contra a repressão policial e deu origem à parada do Orgulho Gay (como
foi conhecida durante muitos anos). Marsha era uma mulheres transexuais que estava no
enfrentamento direto contra a violência.
Netflix
135
136
A máscara em que você
vive.
A revolta de Stonewall.
Produzido em 2015. Dirigido por Jennifer Siebel Newsom. Netflix.
Produzido em 2010. Dirigido por Kate
Davis.
Uma importante discussão sobre a construção de masculinidades. Este documentário sobre a “crise dos meninos” nos EUA
explica como criar uma geração de homens
mais saudáveis e apresenta entrevistas com
especialistas e acadêmicos.
O filme traz a voz dos principais ativistas
que participaram dos protestos para contar essa história e ainda mostra o lado
dos policiais que, autorizados pela moralidade da época e pelo Estado, invadiram o
bar de forma violenta. Um filme que ajuda
a entender historicamente o contexto dos
protestos em um momento de opressão e
o quanto essas manifestações foram fundamentais para a construção dos direitos civis
das pessoas LGBTs nos Estados Unidos e,
posteriormente, no mundo.
https://www.netflix.com/br/title/80076159
https://www.youtube.com/watch?v=cxSBW79yxjQ
Bichas
Boy Erased
Produzido em 2016. Criado, dirigido e
editado por Marlon Parente.
Produzido em 2019. Dirigido por Joel Edgerton
Esse filme fala, antes de tudo, de amor. Para
ser mais exato: de amor próprio. A palavra
BICHA vem sendo usado de forma errada,
como xingamento. Quando na verdade,
deveríamos tomar como elogio. Ser bicha
é correr o risco de ser agredido pela ignorância. Resistimos para nos proteger, resistimos para vencer. Ser bicha é ser livre.
Não vamos deixar que nos vençam. Não
mesmo! Todos os depoimentos contidos
nesse filme são experiências vividas pelos
próprios participantes. Recife - PE.
O jovem Garrard (Lucas Hedges) de apenas 19 anos mora numa pequena cidade
conservadora do Arkansas. Ele é gay e filho
de um pastor da Igreja Batista. Chega um
momento em que ele é confrontado pela
família, ou arrisca perder sua família e amigos ou entra num programa de terapia que
busca a "cura" da homossexualidade.
https://www.youtube.com/
watch?v=0cik7j-0cVU
Em LIBRAS: https://www.youtube.com/
watch?v=RqXKnRN7JfY
137
138
Carta para além dos
muros.
Com amor, Simon.
Produzido em 2019. Dirigido por André
Canto. Netflix.
Produzido em 2018. Autor Becky Albertalli
Saiba mais sobre a trajetória do HIV e da
Aids, com foco no Brasil, por meio de entrevistas com médicos, ativistas e pacientes, além de farto material de arquivo. Do
pavor inicial às campanhas de conscientização, passando pelo estigma imposto
às pessoas vivendo com HIV, veja como a
sociedade encarou essa epidemia em sua
fase mortífera ao longo de mais de duas
décadas.
Aos 17 anos, Simon Spier aparenta levar
uma vida comum, mas sofre por esconder
um grande segredo: não revelou ser gay
para sua família e amigos. E tudo fica mais
complicado quando ele se apaixona por
um dos colegas de classe
h t t p s : // w w w . n e t f l i x . c o m / b r/
title/81213977?source=35
https://www.netflix.com/br/title/81213977?source=35
Depois da tempestade
Produzido em 2018.
Depois da tempestade: a lgbtfobia na escola | A escola ainda não está preparada para acolher a diferença. Por isso, o período dos ensinos fundamental e médio costuma ser desafiador para LGBTs – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. É durante o percurso
educacional que questões como corpo, sexualidade e afetividade começam a aflorar, gerando uma série de conflitos internos e externos. Qual é o espaço na escola para aqueles
que não se encaixam no padrão heterossexual e cisgênero? Durante décadas, a diversidade
sexual foi violentada e invisibilizada nas salas de aula. “Depois da Tempestade”, documentário universitário de 24 minutos, apresenta relatos de LGBTs de diferentes cores, gerações
e realidades. Hoje, eles enfrentam o ódio para construir um futuro diferente e permanecer
na escola. A tempestade, aos poucos, parece dar lugar ao arco-íris.
https://www.youtube.com/watch?v=g_RAbnK61N8
139
140
Elena Undone
Eu resisto.
Produzido em 2010. Dirigido por Nicole
Conn
Produzido em 2017. Dirigido por Clarissa
Fortes.
Elena (Necar Zadegan) é mãe e esposa de
um pastor bastante dedicado. Peyton (Traci Dinwiddie), por outro lado, é uma escritora assumidamente lésbica. O caminho
das duas se cruza várias vezes e uma amizade se inicia. De amigas, elas acabam desenvolvendo algo mais profundo e iniciam um
tórrido romance. Peyton tenta se prevenir,
antes que seu coração queira algo que não
terá. Elena, por sua vez, está embalada pelo
romance e incentiva a relação, mesmo sem
nunca ter imaginado que beijaria uma mulher.
O filme, de Clarissa Fortes, é dedicado pela
documentarista à memória de todas as
mulheres lésbicas que vieram décadas e
séculos atrás, às lésbicas que tiveram que
viver vidas inteiras escondidas, às meninas
e mulheres lésbicas de hoje que são obrigadas a viver “dentro do armário” e a todas as
meninas e mulheres lésbicas que estão passando ou ainda vão passar pelo processo de
autoaceitação.
Netflix
https://www.youtube.com/watch?v=avrYjZsqAkE
Hoje eu quero voltar
sozinho.
Laerte-se
Produzido em 2014. Dirigido por Daniel
Ribeiro.
Produzido em 2017. Dirigido por Eliane
Brum.
Leonardo, um adolescente cego, tenta lidar com a mãe superprotetora ao mesmo
tempo em que busca sua independência.
Quando Gabriel chega em seu colégio, novos sentimentos começam a surgir em Leonardo, fazendo com que ele descubra mais
sobre si mesmo e sua sexualidade.
A cartunista Laerte passou quase 60 anos
se expressando e sendo identificada como
homem, até que decidiu revelar sua identidade de mulher transexual. Uma das artistas mais reconhecidas do Brasil, Laerte teve
três filhos e passou por três casamentos.
https://www.youtube.com/
watch?v=FKQSSfJZQ4o
https://www.netflix.com/br/
title/80142223?source=35
141
142
Má educação.
Majur Indígena.
Produzido em 2019. Roteiro de Mike
Makowsky
Produzido em 2018. Direção, Fotografia
e Montagem: Íris (Rafael Irineu)
O sistema educacional dos Estados Unidos
é abalado quando é descoberto o maior escândalo de apropriação indébita de fundos
de escolas públicas na história do país.
Documentário biográfico indígena lgbt.
Majur é porta-voz e responsável pela Chefia de Comunicação em uma comunidade
indígena no interior de Mato Grosso.
HBO
https://www.filmesimples.com/majur
Milk, a Voz da Igualdade
O Mau Exemplo de
Cameron Post
Produzido em 2009. Dirigido por Gus
Van Sant
Produzido em 2018. Dirigido por Desiree
Akhavan
Início dos anos 70. Harvey Milk (Sean Penn)
é um nova-iorquino que, para mudar de
vida, decidiu morar com seu namorado
Scott (James Franco) em San Francisco,
onde abriram uma pequena loja de revelação fotográfica. Disposto a enfrentar a
violência e o preconceito da época, Milk
busca direitos iguais e oportunidades para
todos, sem discriminação sexual. Com a colaboração de amigos e voluntários (não necessariamente homossexuais), Milk entra
numa intensa batalha política e consegue
ser eleito para o Quadro de Supervisor da
cidade de San Francisco em 1977, tornando-se o primeiro gay assumido a alcançar
um cargo público de importância nos Estados Unidos.
Tele Cine
Flagrada pelo namorado transando com a
melhor amiga em pleno baile de formatura, Cameron Post (Chloe Grace Moretz) é
enviada pela tia para um centro religioso
que afirma curar jovens atraídos pelo mesmo sexo, mas para se submeter ou não ao
suposto tratamento, a adolescente precisa
antes descobrir quem é de fato.
Tele Cine
143
Orações para Bobby
¿Por qué no seguiste?
Produzido em 2009. Dirigido por Russell
Mulcahy.
Produzido em 2017. Roteiro de Luis Chaves Catter. Dirigido por Ozzy Perona.
Produzido por Colectivo 360. País: Perú
Mary Griffith (Sigourney Weaver) é uma
devota cristã que criou seus filhos com
os ensinamentos conservadores da Igreja
Presbiteriana. Bobby (Ryan Kelley), um dos
seus filhos, confidencia ao irmão mais velho
que talvez seja gay, o que muda a vida da família inteira quando Mary descobre. Todos
da família lentamente entram em acordo
com a homossexualidade de Bobby, menos
Mary que acredita que Deus pode curar o
filho. Querendo agradá-la, ele faz tudo que
a mãe lhe pede, mas fica cada vez mais depressivo e então decide sair de casa.
Trata de “J” e “D”, que são melhores amigos e estudam no mesmo colégio. Depois
de uma partida de futebol frustrada, “D”
vai visitar “J” em casa. As horas que passam
juntos acabam revelando algo inesperado.
https://catracalivre.com.br/criatividade/
assista-ao-filme-oracoes-para-bobby-naintegra/
144
https://www.youtube.com/channel/
UCUPluR5tx0ETbn7rN7SSaNw
Pose
Produzido 2018
Série do canal FX, produzida por Ryan Murphy, mostra o cotidiano da comunidade LGBTQ+ de New York nos anos 1980, entre os bailes e competições de figurinos e performances e a contaminação pelo HIV.
Com elenco essencialmente LGBTQ+ e majoritariamente negro, compreendendo cinco
mulheres trans, a transfobia, a sexualidade e as cirurgias transexualizadoras fazem parte
do roteiro. O ator Billy Porter ganhou o Grammy 2019 pelo seu papel em Pose, ele foi o
primeiro ator assumidamente gay a receber o prêmio de Melhor Ator em Série de Drama.
Um aspecto que chama a atenção é que o produtor doa os honorários recebidos com a
série para a comunidade transexual.
Netflix
145
SKAM France
Produzido a partir de 2017. Dirigido por David Hourrègue. Disponível em Francetv
Slash. País: França
Em 2015 a tevê norueguesa NRK lançou a série Skam (vergonha), voltada para o público jovem e adolescente, procurando retratar de modo realista os temas atuais. Já em 2017, dado
o sucesso da série, surgiu, dentre outras, uma versão franco-belga. Um grupo de estudantes, que frequentam o Licèe Dorian em Paris, desenvolvem uma forte amizade. Na terceira
temporada, acompanha-se as descobertas e a evolução do relacionamento entre Lucas e
Elliot. A sexta temporada (a versão francesa supera a original em duas) foi divulgada em
abril de 2020. Lola, irmã mais nova de Daphné, tem personalidade forte e comportamento
intransigente. Convive com a revolta de descobrir que é fruto de um relacionamento extraconjugal da mãe, que acaba de falecer. Conhece Maya, que consegue superar o trauma de
perder os pais em um acidente de automóvel, quando ainda era muito pequena. As duas
serão confrontadas com seus sentimentos mais íntimos, dentre eles o medo de reconhecer
um verdadeiro amor.
https://www.youtube.com/c/francetvslash/videoscoes-para-bobby-na-integra/
146
Queer eye for the
straight guy (Temporada
5, episódio 1)
Produzido a partir de 2003
(Sobre) Vivências.
Produzido em 2018. Uma produção do
Grupo de Pesquisa Psicologia e Educação
- Tecnopoéticas.
Homens homossexuais dão conselhos sobre moda, higiene pessoal, design de interiores, comida, vinho e cultura para os homens heterossexuais.
14 pessoas contam suas histórias de vida,
todas elas atravessadas por experiências
de preconceitos de gênero e sexualidade.
(Sobre)Vivências é um documentário que
busca ampliar as vozes de pessoas LGBT's
e contribuir para a construção de novas
ideias frente à forte estigmatização que
esta população possui na sociedade. Os
relatos cotidianos são intencionalmente
explorados com o objetivo de tornar a experiência única e pessoal para cada um que
assiste.
Netflix
https://www.youtube.com/
watch?v=3HpfRWEYVqM
147
Tomboy
2012
Tomboy é o termo dado a garotas que seguem traços masculinos. Escrito e dirigido por
Céline Sciamma, uma francesa que retrata a história de Laure, uma menina de dez anos que
tem comportamento e maneira de se vestir relacionada socialmente ao gênero masculino.
A trama mostra de forma apropriada que comportamento e sexualidade são coisas distintas, assim como, demonstra que sexualidade não é caráter.
Num contexto de vivência familiar e com adolescentes da sua idade, Laure conta com a
sensibilidade da irmã mais nova, Jeanne, que se mostra uma personagem muito madura
que, ao descobrir que a irmã estava se apresentando como Mickael, lida com ela da forma
mais simples e acolhedora, apoiando e defendendo a mesma em diversas situações.
Com uma linda trilha sonora, atuação marcante de Zóe Héran e Malon Levana, Tomboy é
capaz de mostrar de forma simples os preconceitos velados que insistem em se manifestar
na sociedade.
148
Todo mundo vai saber.
Produzido em 2017. Roteiro, produção e
direção de Eduardo Bittar.
Transgêneros - a vida
além da identidade.
Você não pode ser gay em uma cidade pequena, senão todo mundo vai saber. Como
é ser gay em uma cidade do interior? O estigma, as tradições e peculiaridades desse
contexto fazem com que a experiência da
sexualidade seja no mínimo, única. "Todo
mundo vai saber" é um mergulho na história de homens homossexuais que nasceram
e cresceram em Formosa, uma cidade do
interior de Goiás. Todos os depoimentos
contidos nesse filme são experiências vividas pelos próprios participantes.
O documentário “Trangêneros – Além da
identidade”, conta a trajetória de vida da
professora Danieli, do adolescente Luan,
da cabeleireira Alessandra, dos irmãos gêmeos Eik e Vitor e da cartunista Laerte.
Todos transgêneros com diferentes visões
sobre a transgeneridade, que relatam suas
histórias desde o momento que se identificaram com o gênero oposto até a aceitação
familiar e social. O documentário também
inclui o ponto de vista dos profissionais da
área.
https://www.youtube.com/
watch?v=KsneAFUObfA
https://www.youtube.com/
watch?v=WupOPOrH8hw
149
Tudo vai ficar bem.
Documentário LGBTQ
Produzido em 2015. Por Beatriz Nonato,
Cleyton Santana e Ingrid Curityba.
Um documentário que visa combater a
homofobia no Brasil e os diversos casos de
suicídios cometidos por pessoas que não
aceitam a sua sexualidade, e tem como
meta oferecer um mundo com mais amor,
respeito e maiores possibilidades e chaves
de entendimentos para comunidade jovem LGBTQ. É com muita honra que oferecemos parte íntima do nosso trabalho
enquanto jornalista. Produzido por Beatriz
Nonato, Cleyton Santana e Ingrid Curityba.
https://www.youtube.com/
watch?v=rRcEQ5T2xgw
150
Pray Away
Produzido em 2021. Direção: Kristine
Stolakis; Produção: Jason Blum e Ryan
Murphy.
O documentário da Netflix Pray Away expõe programas de conversão para gays,
revelando as consequências causadas pela
repressão na LGBTQ + por meio de depoimentos íntimos de membros atuais e ex-líderes do movimento ''Pray Away the Gay'',
que visava expurgar a homosexualidade
através da oração. (Classificação indicativa:
16 anos)
Netflix
151
LIVROS
152
Título
A Bíblia fora do armário
Autor
Gregory Rodrigues Roque de Souza
Editora/Ano
Appris/2018
Comentário
O livro A Bíblia fora do armário apresenta uma temática que não é
assunto recente. Ao longo de toda a história tal discussão precede
diversas compreensões sobre a homossexualidade, que as interpretações históricas e teológicas passaram a englobar. Para que essas
interpretações fossem entendidas fez-se necessária uma viagem no
transcorrer dos séculos, a fim de se observarem as possíveis causas da formação do pensamento conservador no qual se embasam
diversos líderes religiosos, políticos e sociais quando a temática se
refere à homossexualidade. O livro, então, visa a demonstrar, por
meio de uma sucinta explanação, como, ao longo dos tempos, os
textos bíblicos foram utilizados por diversos grupos e segmentos
para discriminar pessoas, subjugando-as e até mesmo dominando-as, sem ao menos se preocupar com as possíveis consequências de tais atitudes. Não obstante, o livro A Bíblia fora do armário
apresenta uma nova perspectiva das interpretações teológicas,
utilizada nos tempos presentes, para acolher a diversidade humana sob uma ótica inclusiva dos textos bíblicos. Dessa maneira, foi
utilizada pesquisa bibliográfica, que buscou, em autores renomados e de grande relevância sobre tal temática, exemplificar que a
atual forma de interpretação dos textos bíblicos precisa ser revista
e, consequentemente, confrontar a sociedade em suas atitudes e
pensamentos, evitando equívocos e conceitos preestabelecidos,
apresentando os desafios e mudanças que se fazem necessários
para uma melhor compreensão e aceitação das mais variadas formas nas quais se apresenta a sexualidade humana.
Título
Amor sacralizado e amor banido: gênero, orientação sexual e espiritualidade
Autor
Junqueira, Kluck e Schlögl.
Editora/Ano
Editora: CRV, 2015.
Comentário
Promove a discussão sobre religiosidade e sua relação com sexualidade e gênero, a partir das perspectivas histórica, científica e da
diversidade religiosa, apresentando uma reflexão sobre o papel que
o ensino religioso pode desempenhar no âmbito destas questões.
Reconhece a importância da área da Psicologia na constatação
de que a orientação sexual e de gênero não configuram opção ou
preferência; tampouco transtornos psicológicos ou psiquiátricos,
chamados também de “desvios de conduta”. Destaca a influência
de dogmas e princípios religiosos – principalmente cristãos – na
condenação ao prazer, revelado como um tabu principalmente nas
sociedades patriarcais, situação que reflete na desigualdade de direitos da mulher e da comunidade homossexual.
153
154
Título
As homossexualidades na psicanálise:
na história de sua despatologização
Autor
Antonio Quinet e Marco Antonio Coutinho Jorge (org.).
Editora/Ano
Segmento Farma/2013
Comentário
Em 26 de junho de 2009 aconteceu o colóquio “As homossexualidades na psicanálise”, no campus Tijuca da Universidade Veiga
de Almeida, por ocasião da celebração dos quarenta anos de Stonewall. O livro é a reunião dos trabalhos que foram apresentados
neste evento, contando também com a inserção de outros textos.
Já na leitura do primeiro capítulo, mostra que veio para ser lido,
pois adota uma linguagem didática e inclusiva. Trata, dentre outros temas, da despatologização à luz da história da psicanálise organizada e sua relação com a homossexualidade. Freud e Lacan,
referências nesta disciplina, são resgatados para, com suas contribuições, debater o mistério das homossexualidades. A bissexualidade é tratada de modo a desconstruir preconceitos e inseguranças,
diferenciando sexualidade fluida dos julgamentos ignorantes, que
consideram, com frequência, que bissexuais são pessoas indecisas.
Também contribuem para o entendimento das estruturas clínicas
das homossexualidades. Quatro capítulos são dedicados exclusivamente para debater sobre as homossexualidades femininas e suas
particularidades.
Título
Bíblia e Homossexualidade: verdades e
mitos
Autor
Alexandre Feitosa
Editora/Ano
Rio de Janeiro: Metanoia, 2010
Comentário
Este livro é fruto de uma análise inovadora de textos bíblicos que,
supostamente, condenam a homossexualidade, proporcionando
uma visão pouco explorada no meio teológico, com o intuito de
abrir as portas da inclusão para milhares de cristãos homoafetivos,
antes excluídos em virtude de uma interpretação equivocada das
Escrituras. O que se espera agora não é um debate entre os favoráveis e aqueles contrários à homoafetividade, mas a libertação de
muitos que vivem sob um jugo não imposto por Cristo, mas construído ao longo dos séculos por uma interpretação literalista da
Bíblia Sagrada.
Título
Deus queer
Autor
Marcella Althaus-Reid
Editora/Ano
Rio de Janeiro: Metanoia, Novos Diálogos, 2019
Comentário
Deus Queer apresenta uma nova teologia a partir das margens dos
desvios sexuais e da exclusão econômica. Seus capítulos sobre a
Teologia Bissexual, a santidade sadeana, os cultos afro-brasileiros
frequentados por gays no Brasil e a santidade queer marcam a busca por uma face diferente de Deus - Deus Queer - que desafia os
poderes opressivos da ortodoxia heterossexual, da branquitude e
do capitalismo global. Inspirado pelos espaços transgressivos da
espiritualidade latino-americana, onde as experiências das crianças
da favela fundem-se com interpretações queer de graça e santidade, Deus Queer busca libertar Deus do armário do pensamento
cristão tradicional, e abraçar a participação de Deus na vida dos
gays, lésbicas e dos pobres.
Título
Deus nos fez livres: reexaminando a
evidência bíblica nas relações homoafetivas
Autor
Jeff Miner; John Tyler Connoley
Editora/Ano
Rio de Janeiro: Metanoia, 2014
Comentário
Podem duas pessoas do mesmo sexo viver um relacionamento
amoroso com a bênção de Deus? Essa é a pergunta que norteia
nossos autores em sua pesquisa teológica nas Escrituras Sagradas.
Este livro é imprescindível à biblioteca de qualquer cristão que
questiona o papel da Bíblia na vida dos gays, lésbicas e bissexuais
e uma ferramenta poderosa de desconstrução de preconceitos enraizados dentro das comunidades religiosas cristãs.
155
Título
Em busca de mim mesmo
Autor
Sergio Viula
Editora/Ano
Rio de Janeiro: Livre expressão, 2010
Comentário
Fui pastor batista, casado com uma mulher, pai de dois filhos, militante entre o que acreditam ser possível reverter a orientação
sexual de uma pessoa homossexual. Decidi reavaliar "aquela velha
opinião formada sobre tudo" que caracteriza o fundamentalismo
religioso e passei por uma tremenda metamorfose nos na estrutura
do pensamento, da crença, da maneira de lidar com a afetividade e,
consequentemente, com a vida, sem contudo modificar meu verdadeiro eu, o qual encontrou terra fértil,
Título
Fé além do ressentimento: fragmentos
católicos em voz gay
Autor
James Alison
Editora/Ano
É Realizações, 2010
Comentário
Faz um chamado às pessoas cristãs de confissão católica para uma
reflexão sobre si mesmas, na compreensão do reposicionamento
fraternal da mensagem de Deus, promovida por Jesus.
Em entrevista concedida ao programa Religión Digital, do portal
espanhol Periodista Digital, ao ser perguntado pelo entrevistador
se a Igreja causa muita dor, o teólogo diz que sim, porque “[...] [as
pessoas da Igreja] tentam dizer que a voz de Deus não está dizendo
o que a voz de Deus está dizendo [...]”. E completa: Todo jovem gay
que mantém a fé [...] tem que passar pelo processo de superar o escândalo de distinguir entre a voz de Jesus, que diz que lhe ama, que
quer lhe acompanhar e que quer viver com ele, da voz daqueles que
dizem: “te amamos, contanto que você não seja o que é”
156
Título
Nossa tribo: Gays, Deus, Jesus e a Bíblia
Autor
Nancy Wilson
Editora/Ano
Rio de Janeiro: Metanoia, 2012
Comentário
A Rev. Nancy faz teologia contando histórias, e assim vai refletindo
sobre a experiência de ser LGBT neste mundo. Deus nos criou e
nos deu tantos dons, muitos inerentes a essa tribo. Mas a homossexualidade é apenas a ponta o iceberg de problemas ainda mais
profundos na relação entre sexualidade humana e igreja. O papel
deste livro é esse: apontar para esses problemas, criar um espaço
onde todos sejam acolhidos e fazer frente às injustiças do mundo.
Título
O que a bíblia realmente diz sobre homossexualidade
Autor
Daniel A. Helminiak
Editora/Ano
São Paulo: Summus;1998
Comentário
Promove uma desconstrução das interpretações fundamentalistas
da Bíblia, através de uma leitura histórico-crítica e literária do “Pecado de Sodoma”, narrativa do Primeiro Testamento, bem como
do “desvio do natural” presente em Rm (Carta de São Paulo aos Romanos) e do sexo abusivo entre homens em 1Cor (Primeira Carta
de São Paulo aos Coríntios) e 1Tm (Primeira Carta de São Paulo a
Timóteo), dentre outras referências às relações homossexuais feitas
também no Segundo Testamento.
157
Título
O sexo e a psique: gênero, orientação
sexual e espiritualidade
Autor
Brett Kahr
Editora/Ano
BestSeller/2009
Comentário
O livro é resultado de cerca de cinco anos de pesquisa, com entrevistas presenciais e também com formulários anônimos, abrangendo nada menos que dezenove mil pessoas voluntárias, incluindo
suas fantasias e frustrações.
Do jovem heterossexual bem sucedido na profissão e na vida pessoal, acompanhado de uma linda namorada, e que tem fantasias
sexuais com “lutadoras de boxe” de um DVD de conteúdo pornográfico, passando pela mulher de 42 anos, casada, dois filhos, que
prefere pensar em mulheres quando estimulada sexualmente, ainda que admita que seu marido “[...] é carinhoso, atencioso e nunca
me machuca [...]”, a obra surpreende por revelar a essência mais
desnuda de pessoas reais, cuja identidade foi (obviamente) preservada.
Termina por revelar dez dimensões fundamentais da fantasia sexual, depois de responder a vinte e duas questões, reflexivas e conceituais.
158
Título
Quando elas se beijam o mundo se
transforma: o erótico em Adélia Prado
e Marcella Althaus-Reid
Autor
Genilma Boehler
Editora/Ano
Rio de Janeiro: Metanoia, 2013
Comentário
Trabalho que se propôs ler a obra poética e prosaica de Adélia Prado elegendo a teologia feminista e queer de Marcella Althaus-Reid
para desvendar a relação entre literatura e teologia, na combinação dos elementos eróticos e teológicos presentes na produção
das duas autoras. Um fator relevante que conduziu à escolha do
erótico como baliza interpretativa é o processo emancipador das
mulheres, em que a dimensão da sexualidade tem ocupado espaço
importante na luta feminista por libertação.
Título
Sexo e religião: do baile de virgens ao
sexo sagrado homossexual
Autor
Dag Oisten Endjso
Editora/Ano
Geração Editorial/ 2014
Comentário
Depois de cicatrizadas as feridas causadas pelo preconceito, recomenda-se esta obra para ampliar o conhecimento sobre a mudança ocorrida nas expressões da sexualidade, promovidas, aceitas
e condenadas, ao longo do tempo e nas diversas culturas.
Partindo das fronteiras e delimitações das religiões, trafega sobre a
compreensão da sexualidade, os aspectos abençoados e malditos
da heterossexualidade, também pelo sexo homossexual “esperado,
compulsório e condenado”.
Título
Talar Rosa Homossexuais e o ministério
na Igreja
Autor
André Sidnei Musskopf
Editora/Ano
São Leopoldo: Oikos, 2005
Comentário
Na atualidade há dois temas extremamente complexos para a teologia e a ética: o ministério e a ética sexual. Não satisfeito com um
deles, o autor aborda os dois. A obra apresenta um trabalho cuidadoso de pesquisa, que consegue sistematizar um belo conjunto de
informações para subsidiar uma discussão atualizada sobre ordenação ministerial de pessoas homossexuais. Através dessa obra, o
autor busca em argumentos teóricos e empíricos, narrar tentativas
de homossexuais de servir dentro de um contexto eclesiástico que
se deparam com a longa e sofrida marca dos pré-conceitos.
159
160
Título
Teologia e Religião de Bolso (Coleção) Série Ensaios Teológicos Indecentes
Autor
André Sidnei Musskopf.
Editora/Ano
SENSO/2020
Comentário
A coleção Teologia e Religião de Bolso da Editora Senso, tem como
objetivo levar reflexões teológicas e sobre religião de uma maneira prática e atrativa para quem tem interesse nessas questões. As
obras publicadas nesta coleção pretendem ser contribuições de valor que possam acompanhar quem lê, literalmente, em seu bolso.
Algo que alimente a própria fé ou simplesmente o conhecimento e
a reflexão sobre temas da vida.
A Série Ensaios Teológicos Indecentes, foi organizada pelo autor
André S. Musskopf. O autor é Professor da Universidade Federal
de Juiz de Fora, Instituto de Ciências Humanas, Departamento de
Ciência da Religião. Possui graduação (2001), mestrado (2004) e
doutorado (2008) em Teologia pela Escola Superior de Teologia.
Volume 1 – “Nem santo te protege”: AIDS, teologia e religião de
bolso
Os santos, como uma ideia fetichizada, não protegem ninguém.
Sua santidade não vem magicamente sobre ou dentro das pessoas
fazendo amor e evita a infecção pelo HIV, DST ou hepatites – embora algumas autoridades religiosas se atrevam a dizer que sim
(mas elas, obviamente, não podem se dar ao luxo de até mesmo
pensar sobre esses pequenos pecadilhos, ou os escondem tão bem
que fazem seu truque convencer a si mesmos).
Volume 2 - “Que comece a festa”: O filho pródigo e os homens gays
Ser bem recebido ou recebida também não é a experiência da
maioria dos homens gays e pessoas LGBTI+ quando assumem uma
determinada identidade ou expressão de gênero e sexualidade a
membros da família. Ostracismo, negação, silêncio e até violência
são muito mais comuns. Romper com o sistema heteronormativo
envolve uma reconstrução da estrutura familiar e comunitária que
parece estar além das possibilidades da maioria das famílias e comunidades.
Volume 3 - “Viado não nasce, estreia! Não morre, vira purpurina”:
diversidade sexual, performatividade e religião
A discussão aqui realizada, coloca-se como uma proposta de diálogo entre diversas formas de conhecimento. Não despreza nem
desconsidera o saber acadêmico produzido por estudantes, pesquisadoras e pesquisadores. Mas busca trazer para o debate e dar
visibilidade a formas marginais e indecentes de produção do conhecimento, não apenas a título de exemplo ou como elemento de
análise, mas deixando que falem por si mesmas. Propõe, na linha
de diversas correntes de pensamento contemporâneas, repensar
os próprios saberes acadêmicos e científicos e suas formas de produção, tomando como ponto de partida a ideia de espetáculo na
sua relação com religião e sexualidade.
Título
Autor
Editora/Ano
Comentário
Uma brecha no armário: propostas
para uma teologia gay
André Sidnei Musskopf
São Leopoldo: Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, Fonte Editorial,
2015
Se para os homens heterossexuais a masculinidade é uma carga
com a qual precisam aprender a lidar, e uma grande pressão antingir o ideal de provedores que a sociedade lhes exige, para os
homens gays esta situação é duplamente rigorosa. Numa sociedade em que o sucesso é a medida pela qual se aceita ou rejeita as
pessoas, os homens gays têm que ser ainda melhores do que os
“homens reais”.
Título
Via(da)gens teológicas: itinerários para
uma teologia queer no Brasil
Autor
André Sidnei Musskopf
Editora/Ano
Fonte Editorial/2012
Comentário
Com uma dose de ironia já no título, faz um relato da História
do Brasil e sua relação com a homossexualidade, desde o Descobrimento. MUSSKOPF desafia a compreensão de uma Teologia
Queer, abordando a formação de grupos cristãos GLBT. Posteriormente, o autor dá indicativos de como desenvolver esta Teologia
específica, citando renomadas autoras como Simone de Beauvoir e
Ivone Gebara, sugerindo uma caminhada baseada no Ocupar, Resistir e Produzir. Em entrevista concedida pelo autor, publicada no
sítio do Instituto Humanitas Unisinos, “De maneira simplificada,
poder-se-ia dizer que a ‘teologia queer’ é um desdobramento das
teologias gay e lésbica, tendo em vista as discussões acerca de identidade e subjetividade desenvolvidas em vários campos do saber
desde a década de 1980, especialmente no âmbito das correntes
pós-estruturalistas e pós-modernas”.
161
162
Título
Viemos para comungar: os grupos de
católicos LGBT brasileiros e suas estratégias de permanência na Igreja
Autor
Cris Serra
Editora/Ano
Rio de Janeiro: Metanoia, 2019
Comentário
Livro que apresenta os grupos de católicos LGBT brasileiros e as
estratégias que adotam para se posicionar e permanecer dentro do
campo eclesial, aponta para a reapropriação do religioso em termos favoráveis à liberdade e à diversidade sexual; e constata que
a visibilização e a apropriação de espaço não só reconfiguram os
ambientes eclesiais como, nessa reorganização, parecem mesmo
estabelecer novos ordenamentos. Ao “tomarem a palavra” a fim
de afirmar uma verdade sobre si mesmos, ao recusarem a verdade
sobre si que a autoridade eclesial pretende lhes impingir, os “católicos LGBT” ultrapassam a perspectiva da vitimização e se tornam
criadores do próprio espaço que habitam, criando uma nova Igreja.
Título
Vitral com teologias: feministas e queer
Autor
Genilma Boehler
Editora/Ano
Rio de Janeiro: Metanoia, 2010
Comentário
Este livro apresenta fragmentos das Teologias feminista, latino-americana e queer, reflexos do século XXI. Teologias iluminadas,
não de dentro dos templos com luzes artificiais, até porque nestes
espaços nem sempre cabem ou quase nunca são anunciadas. Mas
sim, iluminadas com a luz de fora. A luz da vida marginalizada, excluída, crucificada. Pedaços de uma “só coisa harmoniosa, ajustada,
digna de amor e de amar, de fazer outros, outras felizes”.
Trabalhos Acadêmicos
(Artigos/Dissertações/Teses)
Título
Armários queimados: igreja afirmativa das diferenças e subversão da precariedade
Autor
Ana Ester Pádua Freire
Trabalho Acadêmico
Tese de Doutorado
IES/Ano
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas)/2019
Título
Deus me aceita como sou? A disputa sobre o significado da homossexualidade entre evangélicos
no Brasil
Autor
Marcelo Tavares Natividade
Trabalho Acadêmico
Tese de Doutorado
IES/Ano
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/ 2008
Título
Homens católicos com práticas homossexuais:
desregulação religiosa e produção de sentidos.
Autor
Alexandra Ribeiro Leite
Trabalho Acadêmico
Dissertação de Mestrado
IES/Ano
Universidade Federal do Pernambuco (UFPE)/2016
Título
Homossexualidade e igrejas cristãs no Rio de Janeiro
Autor
Maria das Dores Campos Machado, Fernanda Delvalhas Piccolo, Luciana Patrícia Zucco, José Pedro Simões Neto
Trabalho Acadêmico
Artigo
IES/Ano
Revista de Estudos da Religião/2011
Título
Narrativas de jovens gays cristãos: experiências
em igrejas inclusivas
Autor
Vilmar Pereira de Oliveira
Trabalho Acadêmico
Dissertação de Mestrado
IES/Ano
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas)/ 2015
Título
Unindo a cruz e o arco-íris: vivência religiosa, homossexualidades e trânsitos de gênero na Igreja
da Comunidade Metropolitana de São Paulo
Autor
Fátima Weiss de Jesus
Trabalho Acadêmico
Tese de Doutorado
IES/Ano
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/ 2012
163
Manual de
LGBTI+
164
CRISTIANISMO E