Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
Academia.eduAcademia.edu

Manual de cristianismo e LGBTI+

2021, Manual de cristianismo e LGBTI+

(Vários/as autores/as)

Realização Apoio institucional: Execução: Apoio: ENCICLOPEDIA LGBTI+ Manual de Comunicação LGBTI+ Manual de Educação LGBTI+ Manual de Direitos LGBTI+ Manual de HIV/Aids e LGBTI+ Manual de Saúde Integral LGBTI+ Manual de Psicologia e LGBTI+ Manual de Assistência Social e LGBTI+ Manual de Empregabilidade LGBTI+ Manual de Segurança Pública e LGBTI+ Manual de Turismo LGBTI+ Manual de Advocacy, Accountability e Controle Social LGBTI+ Manual de Cultura LGBTI+ Manual de Famílias LGBTI+ Manual de Esportes e LGBTI+ Manual de Cristianismo e LGBTI+ Manual de Pessoas LGBTI+ Privadas de Liberdade Manual de Formas de Ativismo e Militância LGBTI+ Manual de Visibilidade Massiva LGBTI+ Manual de Sustentabilidade da Causa LGBTI+ Manual de Pesquisas LGBTI+ Manual de Interseccionalidade LGBTI+ Manual de Feminismos e Movimento LGBTI+ Manual Corporativo LGBTI+ : engajamento e melhores práticas nas empresas Manual de História e Memória LGBTI+ Manual de Antirracismo LGBTI+ 2 Manual de CRISTIANISMO E 3 LGBTI+ ENCICLOPÉDIA LGBTI+ ORGANIZADORES: TONI REIS e SIMÓN CAZAL COMISSÃO EDITORIAL – VERSÃO EM PORTUGUÊS: Cláudio Nascimento Silva Esteban Paulón (Argentina) Patrícia Mannaro Rafaelly Wiest da Silva Simón Cazal (Paraguai) Toni Reis COMISSÃO EDITORIAL – VERSÃO EM ESPANHOL: Carlos Lopez (México) Esteban Paulón (Argentina) Gustavo Valdés (Cuba) Jorge Saavedra (EUA) Norman Gutierrez (Nicarágua) Ronald Céspedes (Bolívia) Simón Cazal (Paraguai) Toni Reis (Brasil) MANUAL DE CRISTIANISMO E LGBTI+ AUTORES/ AUTORAS Acir Brito Filho Ana Ester Pádua Freire André S. Musskopf Cris Serra João Felipe Reali Mai João Victor da Fonseca Oliveira Jonathan Félix de Souza Gregory Rial Marcos Vinicius Regazzo Sandson Almeida Rotterdan Sérgio Rogério Azevedo Junqueira Silvia Mara Camargo Kreuz COMISSÃO EDITORIAL DO MANUAL DE CRISTIANISMO E LGBTI+ VERSÃO EM PORTUGUÊS Élio Estanislau Gasda Gregory Rodrigues Roque de Souza Luis Corrêa Lima Luiz Fernando Botelho Cordeiro Marcio Albino Marcos Vinícius de Freitas Relis Sandro Aurélio Silva Brasileiro Editora: Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual - IBDSEX Fotografia: Ana Ester Pádua Freire Cris Serra Hayza Helena Ramos Jeferson Batista Arte Final: SOMOSGAY, Paraguai. Dirección: Federico Gamarra Ilustraciones: Fafo Ferrão Diagramación: Andrés Peralta Coordenação de revisão e sistematização: Alberto Alexandre Schmitz II Revisão: Marcus Vinicius de Souza Nunes e Jackson Cavalcanti Junior Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Manual de cristianismo e LGBTI+ [livro eletrônico] / organização Simón Cazal, Toni Reis. -- Curitiba, PR : IBDSEX, 2021. -- (Enciclopédia LGBTI+ ; 15) PDF Vários autores. ISBN 978-65-991261-8-5 1. Cristianismo 2. Diversidade sexual 3. Homossexualidade - Aspectos religiosos Cristianismo 4. LGBTI+ - Siglas I. Cazal, Simón. II. Reis, Toni. III. Série. 21-89628 CDD-299.932 Índices para catálogo sistemático: 1. LGBTI+ : Cristianismo : Religião 299.932 Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964 4 FICHA CATALOGRÁFICA Este manual é uma realização da Rede GayLatino e da Aliança Nacional LGBTI+. Os conteúdos deste manual podem ser reproduzidos no todo ou em parte, desde que citada a fonte. Qualquer organização ou indivíduo pode disponibilizar gratuitamente a versão eletrônica deste manual em seu site ou outras mídias na internet. Este manual é uma obra prática em construção, podendo ter várias edições. Ela não é acabada. Qualquer dúvida, crítica ou sugestão pode ser encaminhada à Aliança Nacional LGBTI+, para futura revisão deste manual. E-mail: aliancalgbti@aliancalgbti.org.br Aliança Nacional LGBTI + GayLatino Avenida Marechal Floriano Peixoto, 366, cj. 47 Centro Curitiba-PR 80010-130 41 3222 3999 aliancalgbti@aliancalgbti.org.br www.aliancalgbti.org.br @Aliancalgbti1 @aliancalgbti Aliança Nacional LGBTI AliancaLGBTI Independencia Nacional 1032, Asunción 1250 Paraguai https://www.redgaylatino.org A Aliança Nacional LGBTI+ é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, com coordenações de representação em todas as 27 Unidades da Federação e também em mais de 300 municípios brasileiros. Possui 57 áreas temáticas e específicas de discussão e atuação. Tem como missão a promoção e defesa dos direitos humanos e da cidadania da comunidade brasileira de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI+) por meio de parcerias com pessoas físicas e jurídicas. A Aliança é membro do Fórum Nacional de Educação, membro titular do Conselho Nacional de Combate à Discriminação contra LGBTI+, é membro aliada do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ e parceira da Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil. Participa de vários conselhos estaduais, distrital e municipais de políticas públicas do Brasil. É pluripartidária e atualmente tem mais de 2000 pessoas físicas afiliadas. Destas, 47% são afiliadas a partidos políticos, com representação de 30 dos 33 partidos atualmente existentes no Brasil. GayLatino é uma rede de gays latino-americano, ativistas em prol dos direitos das pessoas LGBTI+ e comprometidos com a resposta global ao HIV/aids, que tem por objetivo a construção de uma cultura de apoio e propósito coletivo, que se considera parte de uma coalizão de pessoas que trabalham a longo prazo pela saúde e pelos direitos dos gays e outros homens que fazem sexo com homens, bem como suas famílias e comunidades. @redgaylatino Redgaylatino 5 Aliança Nacional LGBTI (mandato 2020 a 2024) GayLatino Diretor Presidente: Toni Reis Diretora Administrativa: Rafaelly Wiest da Silva Secretária Geral: Patrícia Mannaro Diretor de Políticas Públicas: Cláudio Nascimento Silva Executiva Regional: Secretário Geral: Simón Cazal (Paraguai) Presidente: Esteban Paulón (Argentina) Secretário: Norman Gutierrez (Nicarágua) Tesoureiro: Jorge Saavedra (México) Ronald Céspedes (Bolívia) Toni Reis (Brasil) Gustavo Valdés (Cuba) Assessora para Mobilização, Interação e Integração: Layza Lima Leopoldino Conselho Fiscal: Patrícia Esteves Lucas Siqueira Dionísio Almir França Conselheiros: Maria Berenice Dias, André Fischer, Dimitri Sales, Jaqueline de Jesus, Julian Rodrigues e Marcelo Nascimento Comitê de Ética: Titulares: Ana Lodi, Marcel Jeronymo, Márcio Caetano, Adjunta 1: Millena Passos e Compliance Officer: Sérgio Junqueira Coordenações de Áreas Específicas e Temáticas: https://bit.ly/2PjKpip Coordenações de Representação Estadual: https://bit.ly/3m8QUAQ Coordenações de Representação Municipal: https://bit.ly/3sBsimK 6 Coordenação no Brasil: Claudio Nascimento Silva Francisco Pedrosa Apresentação “E eu te darei as chaves do reino dos céus”: armários, cristianismo e LGBTI+ Para o dicionário, “chaves” são instrumentos que introduzimos em fechaduras para abri-las ou fechá-las. Mas, para além da sua utilidade ou função, chaves são carregadas de símbolos e significados – e abrem e fecham portas que também são metafóricas. Duas pessoas numa relação amorosa, por exemplo, podem decidir compartilhar uma com a outra as chaves de uma casa. É uma manifestação de extrema confiança; partilhar as chaves de casa é permitir o livre trânsito naquele espaço mais íntimo: a casa, e tudo o que ela guarda (ou, quem sabe, esconde). É também por aqui que este manual passa. Esta publicação simboliza a entrega das chaves por um grupo de cristãos que vêm confiar ao público mais amplo suas vivências e os caminhos que vêm percorrendo na busca de reconciliação entre, de um lado, experiências de gênero e sexualidade fora da norma cis-heterocentrada, e, de outro, a relação com o sagrado e a pertença religiosa cristã. São quatorze pessoas, com diferentes trajetórias e afetos em relação às questões LGBTI+, que partilham aqui experiências longamente elaboradas, individualmente e em comunidade, por pessoas dissidentes das normas e que, desde sempre, ousam abrir portas. Portas metafóricas, quando trancadas, têm um imenso poder de aprisionar e asfixiar vidas inteiras. Sabemos que, quando se trata da relação da fé cristã com a sexualidade e as questões de gênero, são muitos os armários que aprisionam as experiências divergentes. Percorremos um longo caminho até aqui, e é longa e árdua a caminhada que ainda temos pela frente. O trabalho é coletivo, e a meta é não somente criar fissuras, mas botar abaixo os armários da negação, da não aceitação e da condenação em nome da fé. Por isso este manual se apresenta como um molho de chaves: cada uma delas tem por objetivo destrancar as múltiplas portas desses tantos armários, criando saídas que permitam reconhecer e celebrar as individualidades, as diferenças e as singularidades de cada pessoa que se coloca nessa jornada em direção a uma vivência libertária do cristianismo. Saídas que permitam celebrar verdadeiramente a diversidade como a dádiva que é – expressão maior da Criatividade Divina. 7 “E eu te darei as chaves do reino dos céus” (Mateus 16, 19a) é o versículo que orientou a elaboração desta publicação, movida pelo desejo de escancarar os armários que há tanto tempo aprisionam as experiências divergentes de gênero e sexualidade nos cristianismos. Mais que do reino dos céus, porém, o que se quer aqui é oferecer chaves para “o reino da terra”. Chaves para a vida presente, onde nossos corpos estão vivos e encarnados, no aqui e agora. Que estas chaves abram portas que permitam ao ar circular. Que igrejas e comunidades de fé, de portas abertas, possam não só acolher, mas celebrar as experiências LGBTI+. Que este chaveiro de propostas de inclusão e afirmação das identidades abra as portas para um cristianismo verdadeiramente libertador e promotor da vida. Que nos abra as portas da vida, como nos foi prometida: em abundância, e em plenitude. Pela Equipe Ana Ester Pádua Freire Cris Serra Será utilizado o termo “estudante” em preferência a “aluno/a” neste manual. 8 Sumário SEÇÃO A - Armário trancado a sete chaves 11 CHAVE 1 - Conceitos-chave: sexualidade, gênero, sexo biológico, orientação sexual, identidade e expressão de gênero 12 CHAVE 2 - Cinto de castidade: cristianismo e dissidentes das normas de sexo e gênero 24 CHAVE 3 - Tetra-chave: a importância da tradição na relação da igreja com as minorias sexuais 40 CHAVE 4 - Hermenêutica do cadeado: os Textos de Terror 56 CHAVE 5 - Hermenêutica da fechadura: espiando o texto bíblico 72 CHAVE 6 - Há uma brecha na igreja: abertura e inclusão de LGBTI+ 84 CHAVE 7 - O armário está mofado e eu tenho alergia 94 SEÇÃO B – Armário escancarado 105 Grupos/Comunidades 106 Filmes 132 Livros 152 Teses, Dissertações e Artigos 163 9 Manual de CRISTIANISMO E LGBTI+ 10 A SEÇÃO ARMÁRIO TRANCADO A SETE CHAVES 11 12 Chave 1 Gênero e sexualidade: conceitos básicos M uito se tem falado sobre gênero e sexualidade. O tema aparece em propagandas de marcas famosas, em pautas políticas, no âmbito da cultura e do entretenimento, nos discursos religiosos, etc. No entanto, o que realmente as pessoas sabem sobre gênero e sexualidade? Com que discursos elas entram em contato e formam seu imaginário sobre esses aspectos da vida humana? No âmbito religioso, muitas vezes, assuntos relacionados a essas questões são vistos com desconfiança e envoltos em lendas, estereótipos e confusões. As pessoas LGBTI+ são percebidas como sendo “o outro”, distante, pessoas sem religião, defensoras de princípios contrários aos costumes e à moral religiosa. Quando alguém de dentro da igreja apresenta sinais de que não se encaixa no padrão tradicionalmente aceito de homem e mulher, isso é percebido como uma tendência “pecaminosa”, alguém que precisa de arrependimento e “conserto” para se ajustar àquilo que é esperado pela comunidade. Essa dinâmica, existente em diversas igrejas e comunidades, faz com que muitas pessoas cristãs que não se enquadram na norma de gênero e sexualidade hegemônica permaneçam em armários trancados a sete chaves. Por isso é necessário perguntar novamente, mas agora, pensando nas pessoas cristãs: o que as pessoas da igreja realmente sabem sobre gênero e sexualidade? Para iniciar este manual, vamos abordar a seguir alguns conceitos em gênero e sexualidade que podem contribuir para uma aproximação de cristãs e cristãos a essa temática que, apesar de parecer distante, está tão próxima e presente na vivência das comunidades, igrejas e fiéis. Esperamos que isto ajude a destrancar, ou, quem sabe, destruir os armários. 13 1. Sexo biológico O sexo biológico é entendido como o conjunto de características genéticas, anatômicas, fisiológicas e reprodutivas com os quais a pessoa nasce e que são utilizadas para definir se um organismo é macho, fêmea ou intersexo segundo as classificações disponíveis. O sexo biológico diz respeito, exclusivamente, a questões biológicas e não ao papel social que a pessoa vai exercer ou ao gênero com o qual ela vai se identificar. O gênero e os papéis sociais são construídos social e culturalmente. Estudos recentes evidenciam que mesmo no campo biológico há uma grande variabilidade na constituição dos corpos humanos e as diversas formas de intersexualidade são uma das principais evidências disso. As determinações do sexo biológico não definem a orientação sexual. 2. Intersexualidade Intersexualidade é o nome dado a uma variedade de condições fisiológicas, genéticas, anatômicas e reprodutivas com as quais uma pessoa nasce e que não podem ser classificadas a partir do binômio macho/fêmea ou homem/mulher como tradicionalmente entendido. Um termo usado para referir-se a essas pessoas até recentemente é “hermafrodita”, mas o termo caiu em desuso, pois possui uma conotação pe- 14 jorativa. Uma das questões envolvidas na discussão sobre intersexualidade é a intervenção cirúrgica/médica para “adequação” do corpo às normas e padrões aceitos de sexo biológico e que podem causar uma série de consequências negativas na vida de pessoas intersexuais. 3. Gênero No âmbito das ciências humanas e sociais foi desenvolvido o conceito de gênero, nascido nos anos 1970 para distinguir a dimensão social do que é ser homem e ser mulher da condição biológica de machos e fêmeas, sob influência dos movimentos de lutas das mulheres. O gênero corresponde às construções sociais do que significa ser homem e ser mulher no âmbito da linguagem e das práticas sociais. Quando uma criança nasce (atualmente, antes mesmo do nascimento, devido às tecnologias de ultrassonografia), nós dizemos: “é um menino” ou “é uma menina”. A partir daí já começamos a falar da criança com artigos e pronomes femininos (“a”, “uma”, “ela”) ou masculinos (“o”, “um”, “ele”), atribuímos um nome (“Maria”, “João”), compramos roupas “de menino” ou “de menina” e construímos toda uma expectativa em cima daquele novo ser humano que veio/vem ao mundo. Portanto, percebe-se que o gênero começa a definir muito cedo a vida das pessoas e é ensinado e afirmado pela família, pelas religiões, pela política, pelas mídias, entre outras tecnologias sociais. É importante perceber que o gênero é um importante regulador da vida social dos seres humanos. Pode-se dizer que a norma de gênero tradicionalmente aceita pressupõe a existência de uma coerência entre quatro itens: gênero, desejo, prática sexual e anatomia. Sendo assim, os papéis culturalmente elaborados para homens e mulheres definem comportamentos esperados para cada um dos sexos e seu gênero correspondente, que tipos de relacionamentos devem ter, como devem exercer sua sexualidade, expressar emoções, os tipos de trabalhos que convêm a homens e mulheres, relações de poder, etc. Espera-se que os homens sejam “machões” e viris, que contenham a expressão das emoções e da sensibilidade, gostem de esportes como futebol e lutas, exerçam atividades ligadas ao poder e às ciências exatas, se interessem amorosa e sexualmente por mulheres. Em relação às mulheres, espera-se que sejam passivas, agradáveis, tenham excessiva preocupação com a beleza física, de coisas do lar e da família, que exerçam trabalhos domésticos ou vinculados ao cuidado como a pedagogia, a assistência social, a psicologia e a enfermagem, e se interessem amorosa e sexualmente por homens. No nível pessoal, na realidade, o gênero é multideterminado e envolve aspectos biológicos, psicológicos, sociais, culturais, e da experiência de vida da pessoa. Trata-se de uma construção dinâmica que ocorre desde os primeiros anos de vida e prossegue durante toda a existência. Como um dispositivo de poder e regulador da vida social, o gênero pode ser usado para justificar hierarquias, discriminações e opressões. A relação estabelecida entre sexo e gênero, como se fosse algo da ordem do natural, serve para criar modos de controle social que, ao definir anteriormente os papéis de cada sexo/gênero, exclui e oprime aquelas pessoas que não se encaixam nesses papéis pré-definidos. Assim, nos perguntamos: é necessário que seja assim? E é aí que surge a importância dos estudos de gênero. Estudar gênero é aprender a fazer perguntas e buscar compreender como funciona essa criação de papéis sociais de homens e mulheres. Estudar gênero é importante para quebrar estruturas de poder que oprimem e legitimam discriminações. 15 4. Identidade de gênero A identidade de gênero corresponde às formas como as pessoas se reconhecem, se descrevem, se apresentam, e como desejam ser reconhecidas socialmente em relação ao gênero. As identidades de gênero podem ser assumidas com base nas noções binárias culturalmente disponíveis de masculino e feminino ou alguma combinação dos dois. Como já afirmado, o gênero de uma pessoa nem sempre corresponde àquele atribuído em função do sexo biológico. As identidades de gênero podem ser trans ou cisgênero. A seguir vamos explicar cada uma delas. Uma identidade de gênero não pressupõe uma determinada orientação sexual. 5. Travesti Pessoa cujo sexo biológico é identificado como de homem, porém possui uma identidade de gênero que pode ser identificada como feminina. De modo geral, a forma de se referir às travestis é no feminino, pois trata-se de uma identidade construída como feminina. Ou seja, não se diz “o travesti”, mas sim “a travesti”, a menos que a própria pessoa se entenda de outra forma. É comum, no imaginário popular, identificar as travestis à prostituição, porém ser 16 travesti não significa, necessariamente, ser uma profissional do sexo. A exclusão social, que se expressa, muitas vezes, na rejeição familiar, na dificuldade de concluir os estudos e de ingressar no mercado de trabalho formal, contribui para que muitas travestis trabalhem como profissionais do sexo para sobreviver. Existem, no entanto, travestis que, apesar das dificuldades causadas pela exclusão e discriminação, atuam em outras profissões. É importante lembrar que prostituição não é crime, e não se deve discriminar profissionais do sexo. Considerando que a Constituição Federal veda toda forma de discriminação. 6. Transexual/transgênero O termo transexual refere-se às pessoas cuja identidade de gênero é diferente daquela que lhe foi atribuída tendo-se por base o sexo biológico. O termo aplica-se a quem se considera um homem ou uma mulher trans. Um homem que se identifica como trans é aquele que nasceu com o sexo biológico identificado como de mulher, mas sua identidade de gênero é masculina. Uma mulher trans nasce com o sexo biológico identificado como de homem, mas possui uma identidade de gênero feminina. Algumas pessoas trans podem desejar a alteração de seus corpos de variadas formas para identificação com o gênero com o qual se identificam mediante procedimentos médicos, inclusive optando pela redesignação genital, mas nem todas as pessoas transexuais têm esse desejo. 7. Não binaridade/pessoas não-binárias Chama-se não-binaridade às identidades que escapam ao padrão binário de gênero, ou seja, de que os seres humanos são divididos entre homens e mulheres, masculino e feminino. Em inglês existe o termo genderqueer para referir-se a pessoas não-binárias. 8. Cisgênero/Cisgeneridade Identidade ou sistema de gênero no qual o gênero atribuído no nascimento em função de seu sexo biológico e está em consonância com os padrões tradicionais de sexo e gênero. A cisgeneridade não define a orientação sexual. 9. Expressão de gênero sua identidade pela aparência (modo de vestir, cabelos), nome, comportamento, gestualidades e voz. 10. Sexualidade O ser humano é um ser sexual, isto significa que é um ser que busca o prazer e a satisfação. As sexualidades se estruturam como modos de obtenção do prazer. Assim como acontece em relação ao gênero, a sexualidade se encontra dentro de um jogo social de poder que vai dizer quais as formas “corretas” de desejar e quais as formas desviantes, através de uma rede de práticas e significados atribuídos ao sexo. É importante entender, porém, que as sexualidades são diversas e são definidas por fatores também diversos. Todo ser humano nasce com potencialidades de prazer, que serão moldadas a partir da experiência pessoal e coletiva, em interação com os aspectos biológicos. A interação entre a biologia e o meio/experiência constituirá padrões de obtenção de prazer que ficam “gravados” na personalidade dos sujeitos e determinam as interações futuras das mesmas. Vale ressaltar que o desejo sexual não se desenvolve na ordem da consciência, isto é, as pessoas não decidem intencionalmente como vão desejar, o desejo acontece. A expressão de gênero se refere à forma como uma pessoa expressa publicamente 17 11. Orientação Sexual 12. Homossexualidade A orientação sexual refere-se à atração sexual e afetiva por pessoas de um ou mais sexo ou gênero e pelo desejo de ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas. Algumas pessoas se sentem atraídas por pessoas de mesmo sexo e/ou do mesmo gênero, outras se sentem atraídas por pessoas de sexo e/ou gênero diferente, e há aquelas que se sentem atraídas por diferentes combinações de sexo e/ou gênero ou mesmo de diferentes sexos ou gêneros. Pode-se falar também da inexistência, em determinadas pessoas, do desejo sexual e erótico. Muitos termos são utilizados para dizer sobre as orientações sexuais, tais como: homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade, assexualidade, pansexualidade, lésbicas, gays, etc. Homossexualidade é o termo cunhado e desenvolvido nos séculos XIX e XX para referir-se à atração sexual, afetiva e amorosa por pessoas do mesmo sexo. Muitas pessoas ainda utilizam equivocadamente, ou de má-fé, o termo “homossexualismo”, porém este é inadequado e já foi abandonado no âmbito científico e legal, pois o sufixo “ismo” denota “doença”, considerando o contexto no qual esse termo foi cunhado. O termo “homossexualidade” aponta para essa variante do desejo humano como uma das possíveis manifestações da sexualidade e afetividade humana. A expressão “opção sexual” é considerada equivocada em muitos contextos, pois indicaria que as pessoas simplesmente escolhem o sexo ou gênero pelo qual irão sentir atração e desejo, sem considerar a complexa rede de situações e relações que interferem e constituem esse desejo. Portanto, prefere-se falar “orientação sexual”, visto que se refere ao direcionamento do desejo a um ou mais sexos e/ou gêneros. A partir da luta de movimentos sociais e dos estudos científicos sobre a sexualidade humana, algumas conquistas foram feitas no sentido de romper com ideias equivocadas e preconcebidas sobre a homossexualidade e pessoas que se identificam como homossexuais. A partir da década de 1970, a Associação Americana de Psiquiatria deixou de considerar a homossexualidade como doença, passo seguido pela Organização Mundial de Saúde em 1990. No Brasil, uma importante resolução do Conselho Federal de Psicologia de 1999 reafirma a não patologização da homossexualidade e proíbe profissionais de Psicologia de tratá-la como tal ou de proporem tratamentos que visem à suposta mudança de orientação sexual dos clientes. A palavra “homossexual” pode ser aplicada tanto a pessoas do sexo masculino como feminino, apesar de existirem termos próprios para cada um desses grupos, tais como “gays” e “lésbicas”. 18 13. Lésbica Lésbica é o termo usado para designar mulheres que se interessam afetiva e sexualmente e/ou mantêm relações sexuais e amorosas com outras mulheres. O termo foi cunhado no contexto dos movimentos de luta pelos direitos civis de pessoas homossexuais na segunda metade do século XX, em alguns casos para se diferenciarem de homens homossexuais que se apropriaram do termo “gay”. 14. Gays Gay é um termo utilizado para identificar homens que se sentem atraídos sexual e afetivamente e/ou mantêm relações sexuais e amorosas com outros homens. O termo, originalmente, significava “alegre”, na língua inglesa. Tem seu sentido contemporâneo como referência a homossexuais masculinos, popularizado no contexto dos movimentos por direitos civis de homossexuais nos Estados Unidos da América, na segunda metade do século XX e que se popularizaram no mundo inteiro. 15. Bissexualidade Bissexualidade é um termo usado para designar a atração sexual por pessoas de ambos os sexos comumente reconhecidos, homens e mulheres. Pessoas bissexuais não estão passando por uma fase, nem estão confusas quanto ao sexo/gênero pelo qual se sentem atraídas. A bissexualidade é uma orientação plena e constitutiva da personalidade como qualquer outra. 16. Pansexualidade O termo pansexualidade, tem origem na palavra pan – tudo/totalidade em grego é utilizado para se referir à atração sexual por pessoas, independentemente do sexo ou gênero. 19 17. Assexualidade A assexualidade começou a ser divulgada na esfera pública a partir do ano 2000. Diferentemente de outras manifestações da sexualidade, ainda é bastante desconhecida do senso comum. Trata-se da falta ou do baixo interesse sexual, não constituindo necessariamente falta de interesse afetivo ou estético. A assexualidade é considerada uma orientação sexual assim como a homossexualidade, a bissexualidade e a heterossexualidade. As pessoas assexuais têm se reconhecido assim em termos de uma identidade sexual, portanto, política. É importante compreender que assexualidade é diferente de celibato, pois, enquanto o celibato é uma opção de vida, independentemente de a pessoa sentir desejo sexual, a assexualidade é uma condição pessoal referente ao desejo em si. Considera-se a assexualidade como um espectro constituído por diferentes identidades. 18. Queer O termo queer foi apropriado por movimentos e grupos LGBTI+ como uma categoria inclusiva das diversas sexualidades e construções identitárias não-heteros- 20 sexuais e cisgêneras, pretendendo ultrapassar as categorias identitárias binárias. A chamada Teoria Queer se opõe a todas as demandas de identidades fixas e estáticas, além de fazer intersecções com questões de raça, classe, crença, etc. 19. LGBTIfobia A LGBTIfobia constitui a aversão ou ódio a pessoas que não se adéquam aos padrões de gênero e sexualidade impostos pela sociedade, podendo resultar em discriminação, rejeição ou violência. No Brasil, a LGBTIfobia é equiparada ao crime de racismo por decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2019. Mulheres LBT (lésbicas, bissexuais e trans), além de sofrer com a LGBTIfobia, ainda têm o agravante da misoginia, que é o ódio e a rejeição direcionados às mulheres por questões de gênero. 20. Norma binária, Heteronormatividade e cis normatividade Heteronormatividade é o termo utilizado para descrever a norma social hegemônica que define a heterossexualidade como única forma aceita de relação sexo afetiva. A heteronormatividade é divulgada e promovida como norma cultural por di- versos meios como a religião, as mídias, a educação, as instituições sociais e políticas. Ela produz o heterossexismo, que constitui a atitude que assume a heterossexualidade como forma legítima da sexualidade, e que leva ao desprezo, aversão ou ódio a todas as demais expressões da sexualidade. A heteronorma está relacionada também à cisnormatividade, ou seja, que a identidade de gênero legítima é aquela designada no nascimento em função do sexo biológico. Tanto a heteronormatividade quanto a cisnormatividade são faces da mesma normatividade binária de gênero que reconhece apenas dois sexos-gêneros e que pretende definir os papéis sociais e as relações que deveriam existir entre eles. 21. Movimento LGBTI+ Os movimentos LGBTI+ são movimentos de luta das pessoas que não se enquadram nas normas sexuais e de gênero socialmente estabelecidas pelo direito à vida, segurança, livre expressão de gênero e sexualidade, direitos civis, entre outros que já são garantidos às pessoas cisgênero e heterossexuais. Não se trata de busca por privilégios, mas de equidade na garantia de uma vida digna. começam a desenvolver práticas de sociabilidade entre si e a se reconhecerem como identidade. Isso possibilitou reagir às práticas médicas e policiais que, respectivamente, tratavam a homossexualidade como doença e/ou crime. Nas décadas de 1960 e 1970 há uma radicalização crescente na luta política de pessoas LGBTI+. Em 28 de junho de 1969 acontece o evento que ficou marcado como o ponto inicial do movimento LGBTI+ contemporâneo, quando pessoas trans e gays, frequentadoras de um bar em Nova York, se revoltam contra a polícia que, frequentemente, dava batida no local: a Revolta de Stonewall. No dia que deu início a esse evento, comemora-se o Dia do Orgulho LGBTI+. No Brasil, o movimento de diversidade sexual e de gênero começou nos anos 1970 com uma presença maior de homens gays, logo tendo adesão de lésbicas. A partir de 1990 foi crescendo a incorporação de pessoas trans e travestis e nos anos 2000, de pessoas bissexuais. Atualmente, pode-se ver variações das siglas referentes ao movimento, como LGBTQ, LGBTI+, LGBTQIA+, com novas letras sendo incorporadas tendo em vista a entrada de novos conceitos e grupos tais como queer, pessoas intersexo, assexuais, etc. Já na primeira metade do século XX, as pessoas identificadas como homossexuais 21 Referências BRASIL. Ministério Público Federal. O Ministério Público e a Igualdade de Direitos para LGBTI: Conceitos e Legislação. Brasília: MPF, 2017. BRIGADEIRO, Mauro. A emergência da assexualidade: notas sobre política sexual, ethos científico e o desinteresse pelo sexo. Sexualidad, Salud e Sociedad – Revista Latinoamericana. n.14, p. 253-283, Dossier n.2, ago. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1984-64872013000200012. Acesso em: 20 ago. 2020. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Psicologia e diversidade sexual: desafios para uma sociedade de direitos. Brasília: CFP, 2011. CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DA 6ª REGIÃO (Org). Psicologia e Diversidade Sexual. São Paulo: CRPSP, 2011. CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA SP. Histórico da luta de LGBT no Brasil. Disponível em: http://www.crpsp.org.br/portal/ comunicacao/cadernos_tematicos/11/frames/fr_historico.aspx. Acesso em: 15 ago. 2020. GRUPO DIGNIDADE. Identidade e expressão de gênero. Disponível em: 4. Identidade e expressão de gênero – Consulta Pública (grupodignidade.org.br) . Acesso em: 15 jan. 2021. MUSSKOPF, André Sidnei. Via(da)gens teológicas: itinerários para uma teologia queer no Brasil. São Paulo: Fonte Editorial, 2012. REIS, Toni (Org). Manual de Comunicação LGBTI+. Curitiba: Aliança Nacional LGBTI / GayLatino, 2018. SOARES, Ilcéia Alves Soares; BASSOTTO, Marinez Rosa dos Santos (Org). Gênero, Sexualidade e Direitos. São Paulo: Fonte Editorial, 2016. 22 23 24 Chave 2 Cinto de castidade: cristianismo e dissidentes das normas de sexo e gênero "Há uma rachadura em tudo. É assim que a luz entra.” (Leonard Cohen) “Um olhar para a história mostra que a violência contra o desejo humano não começa com a avaliação das categorias, mas já com sua invenção.” (Norbert Reck) 25 1. Os armários tem uma história? Os armários são recintos do silenciamento cujas chaves não nos pertencem. Abri-lo desde fora parece impossível. Dentro dele, tímido ou escondido, devemos imaginar um desejo. Com mais ou menos força, persiste um ímpeto que arromba suas fechaduras. Mesmo ali, presas ou aprisionadas, podemos espreitar suas rachaduras. Construída e remendada, arrombada e soldada, recriada e destruída, a relação do cristianismo com as pessoas dissidentes das normas de sexo e gênero tem sido tecida e rasgada. Os armários dessa relação têm uma longa história. Nesse percurso nos deparamos com vestígios desse passado cheio de lacunas, chaves, grades e grilhões, mas não sem o som que perturba a ordem e derruba as prisões. A tradição ocidental chamou de “Liberdade” a tentativa de estar além do que nos aprisiona. Liberdade também é um clarão que relampeja num momento de perigo, capaz de iluminar, mesmo que por algum instante, a pior escuridão em que nos encontremos. Encarar a história desses armários é uma forma de iluminá-los, mas também de incendiá-los! 2. Nas periferias do mundo Em uma região pouco conhecida, afastada e periférica, um homem chamado Jesus fez seus seguidores. O cristianismo cresceu na região da Galileia, dominada pelo Império Romano. Neste lugar, Jesus fez também sua história. A história do movimento de Jesus e dos seus seguidores nasceu ligada à marginalidade. A reunião dos cristãos começou como um movimento clandestino. Em seus primeiros dias, o cristianismo foi um movimento dos despossuídos. 1 As razões políticas, econômicas e sociais daquele tempo garantiram um lugar para a experiência dos seguidores de Jesus que atraía homens e mulheres seduzidos por uma promessa de libertação. Colocavam-se junto a Ele, aqueles que não tinham voz, nem vez, na sociedade do seu tempo. Ele representava um refúgio para aquelas e aqueles que foram escravizados e para uma grande massa de empobrecidos. O cristianismo primitivo nasceu e cresceu nas periferias do mundo. Curiosamente, em seu próprio seio, cresceram também as exclusões. 26 1 STARK, 2006. p. 41. 3. As mulheres e os armários do patriarcado A palavra “cristão” foi usada pela primeira vez na cidade de Antioquia (At 11, 26). 2 Em seus primórdios, o cristianismo dedicou lugar e atenção às mulheres que tinham, no interior das comunidades cristãs, maior status do que no mundo greco-romano. 3 As mulheres foram as grandes responsáveis pelo aumento da religião, seja por meio dos casamentos que convertiam seus maridos pagãos, como também pelo aumento do número de seus filhos. 4 Mas não só. Na história, vemos a importante atuação e expressão das mulheres nos templos, como era o caso de Lídia. Nascida em Filipos, na Macedônia, ela ocupou lugares importantes no interior da comunidade cristã, chegando a exercer postos de destaque, como o diaconato. As mulheres tiveram uma contribuição fundamental para o crescimento e expansão da fé cristã. Por outro lado, a suposta harmonia que parecia ser atribuída à relação entre as mulheres e o cristianismo não escondeu situações em que a perseguição, ou a suspeita em relação a sua participação nas comunidades, acompanhava as práticas sociais daquele tempo. Mesmo no círculo de Jesus, houve fortes resistências ao seguimento das mulheres. Maria de Magdala era uma dessas figuras, talvez uma das mais emblemáticas na história do cristianismo. Sobre ela sabemos pouco, mas o suficiente para afirmar seu lugar dentro do círculo dos seguidores de Cristo e das tensões que teria provocado. Não há nenhuma evidência nas escrituras de que Maria Madalena tenha sido prostituta. A tese foi divulgada pelo papa Gregório, bem mais tarde, no ano de 591. Contudo, no Evangelho (Jo 20, 11-18) consta que a primeira prova da ressurreição foi dada a Maria Madalena. 2 STARK, 2006. 3 FOX, 1987; CHADWICK, 1967; HARNACK, 1908; STARK, 2006. 4 STARK, 2006. pp. 110-144. 5 QUINN, et. al. 2008. p. 10. Ao longo da história, as mulheres foram, pouco a pouco, marginalizadas na medida em que a elas foi atribuído um lugar de inferioridade moral. A própria compreensão que os homens construíram de si próprios, desde a Antiguidade e em boa parte das sociedades que assim desenvolveram, baseava-se na rejeição do “feminino”, numa lógica cada vez mais hostil às mulheres. 5 Há diferentes modelos eclesiais no Novo Testamento, tanto um igualitário (Gl 3,28) quanto um patriarcal de supremacia masculina (1 Tm 2, 11-15), este último modelo acabou prevalecendo. Diferentemente do cristianismo primitivo, no decorrer dos três primeiros séculos do movimento, ele se institucionalizou e adquiriu caracte- 27 rísticas cada vez mais patriarcais, identificando-se com as comunidades greco-romanas, nas quais se desenvolveu. 6 Dentro desse regime, as mulheres foram submetidas ao poder masculino. As primeiras comunidades cristãs transformaram-se ao assumirem o modelo patriarcal de organização social, perdendo a característica de uma “comunidade de iguais”. 7 O modelo heterossexista ganhou predominância nesse contexto. 8 Junto a isso, a autoridade masculina heterossexual adquiriu, inclusive, um estatuto teológico. 9 A patriarcalização do cristianismo foi acompanhada por sua heterossexualização. 10 Essa também era uma estratégia de sobrevivência, encarada pelos primeiros “Padres da Igreja” como forma de legitimá-los perante o mundo social, já que o mundo greco-romano era profundamente patriarcal. As diferentes culturas, nas quais o cristianismo cresceu e se desenvolveu, parecem explicar as ambiguidades e a força das diferenças entre as práticas religiosas e as compreensões morais daquele tempo. Desse modo também se nutria a relação do cristianismo e as pessoas com comportamentos sexuais considerados “desviantes”. 4. Os armários do corpo "Não é o corpo que segura as ideias, são as ideias que abrigam o corpo, que o permitem, que criam as condições objetivas e subjetivas para que exista" (José Luís Peixoto. Autobiografia). Os armários nem sempre foram os mesmos. As ideias de homossexualidade, transexualidade, bissexualidade e intersexualidade como as entendemos hoje não existiam até o século XIX. 11 Também não era comum que “questões de gênero” fossem tema de interesse entre os pensadores, da forma como hoje as compreendemos. Isso não significa, contudo, que não possamos pensar o processo histórico que construiu essas relações. Nenhum olhar para o passado é capaz de se desvincular das questões que o presente nos coloca. Ao pensarmos com o passado, temos a oportunidade de compreender de que forma ele nos devolve ao nosso presente. 6 MUSSKOPF, 2004. p. 55. Também é apontado por E. S Fiorenza. 7 M. STROHER, A Igreja na casa dela. p. 21. 8 Aqui, a categoria é tomada como conceito analítico e não como evidência histórica, já que nesse período as formas de significação da experiência sexual eram outras. 28 9 MUSSKOPF, p. 75. 10 ibidem, p. 70. 11 FOUCAULT, 1988. 12 LAQUEUR, 2001. 13 GASDA, p. 24. 14 BROWN, 1999. p. 36-51. + Teria o corpo, uma história? Thomas Laqueur, historiador e médico francês, autor do livro "Inventando o sexo", discute a complexa construção histórica das noções sobre o corpo. Até o século XVIII, havia uma noção unissexuada de corpo. O corpo da mulher era considerado uma versão piorada do corpo do homem. A noção bissexuada de corpo não existia. Os antigos acreditavam, até o século XVIII, que a vagina seria um pênis atrofiado, uma versão defeituosa da mesma coisa. 12 Até esse período, a mulher era interpretada como uma variação do organismo do homem. Para além das fronteiras biológicas, Corpo e sexo, desde a perspectiva cristã, estiveram associados a dois movimentos decisivos: de um lado, a demonização do corpo como o que nos leva a pecar, e de outro, a valorização do espírito e das virtudes espirituais, aquelas que nos levariam à plenitude. Essa dicotomia associou o que é corpóreo e sexual ao menos desejável (e até mesmo ao indesejável) e forjou a interpretação cristã sobre as relações sexuais. Dentro de uma construção propriamente histórica, a moral cristã predominante se consolidou através da herança proveniente do Estoicismo e da noção de Lei Natural, ganhando forma nas correntes filosóficas dos primeiros séculos da era cristã e durante o período medieval. No Estoicismo o objetivo de procriação seria a única justificativa para o ato sexual, rejeitando-se qualquer forma de prazer. Essa perspectiva arrastou-se desde o ano 300 a.C até meados do século II d.C e influenciou, em muito, as perspectivas sobre o comportamento sexual. 13 Dentro desse paradigma, Agostinho, Jerônimo e Tomás de Aquino estabeleceram as bases da moralidade sexual. Durante os séculos IV e V, pelas mãos de Simeão Estilita, nascido em Cicilia por volta de 390 d.C, o tema ganhou mais tonalidade. Para ele, os “apetites” do ser humano representavam um “perigo”. Nessa perspectiva, o corpo precisava ser domado para permitir que o Espírito e a alma triunfassem. Pouco a pouco conformaram-se diferentes noções atribuídas aos “pecados da carne”, que foram utilizadas massivamente na construção da condenação aos corpos dissidentes de sexo e de gênero. 14 O esforço era grande na tentativa dos primeiros cristãos de se distanciar das práticas romanas consideradas “pagãs” e sexualmente degeneradas. Talvez, por isso, houvesse uma longa e profunda associação do corpo, e de tudo que ele representa, a um lugar moralmente inferior. Se todo passado tem uma história, devemos nos perguntar como, em diferentes momentos, as narrativas foram utilizadas, com efeitos particulares sobre as pessoas e seus corpos. Afinal, há muitos sentidos entre o que está na Bíblia e a forma como ela tem sido interpretada desde o início da era cristã. Através dos buracos podemos espreitar o que está para além das fechaduras. 29 5. Buraco da fechadura O desejo homossexual não é nenhuma novidade. Diferentes registros históricos, dentre eles as artes e a literatura, fornecem indícios de sua existência como uma constante na história da humanidade. A bissexualidade e a transexualidade também dão mostras de sua existência ao longo da história. Entretanto, a ideia que faz coincidir o desejo sexual a uma identidade tem expressão somente a partir do século XIX. Antes disso, era compreendido como uma prática e não como uma condição. 15 Na Antiguidade, pelas mãos de Fílon sabemos que os atos sexuais não eram considerados “certos ou errados” de acordo com o sexo do parceiro(a). Antes disso, as recomendações se manifestavam na tentativa de evitar exageros e em termos de hierarquias. 16 Era completamente possível que alguém fosse ativo na relação sexual, sem que isso fosse considerado “errado”. O que estava em jogo era de outra ordem. Ser passivo era considerado inaceitável por corresponder àqueles(as) julgados(as) como inferiores: as mulheres, escravizados, ou jovens sem cidadania. John Boswell afirma que na sociedade romana, pelo menos nos centros urbanos, na maioria das vezes, não havia distinção entre as pessoas em função dos seus comportamentos sexuais. Para o autor, o interesse e a prática homossexual eram considerados parte comum da gama de possibilidades do erotismo humano e não uma identidade social. Em relação à igreja primitiva, ela não parece ter se oposto ao comportamento homossexual por si. 17 Para o historiador, aqueles que rejeitaram a expressão física de sentimentos homossexuais, geralmente o fizeram com base em considerações não relacionadas aos ensinamentos de Jesus. A sexualidade foi um tema presente nas grandes matrizes dos debates que se expressaram em duas correntes do pensamento cristão: a Patrística e a Escolástica. Ainda hoje, essas concepções atravessam as relações entre cristianismo e os corpos dissidentes de sexo e gênero. Agostinho de Hipona foi um dos principais representantes e difusores da filosofia cristã dos primeiros séculos, chamada Patrística, e grande divulgador do Estoicismo. Para Agostinho, corpo e alma ocupavam lugares divergentes no julgamento cristão. Aliado ao ideal de virgindade, ele considerava que a restrição e a abstenção 30 15 FOUCAULT, 1988. pp. 43-44. 16 QUINN; ALTHAUSREID; BORGMAN; RECK,2008. p. 9. sexual, a vida ascética e contemplativa, e a relação sexual orientada à procriação estivessem no centro da moral cristã. Não parecia haver lugar nem para o prazer, nem para outras maneiras de experimentação sexual. Também ele, seguindo outros escritos judaicos, associou a passagem bíblica de Sodoma e Gomorra (Gn.19) ao ato homossexual, considerando-a um uso “antinatural” da sexualidade. Agostinho, ao comentar o texto paulino de Romanos 1, 27-29, compara o ato homossexual com sodomia e meretrício. Segundo ele, o ato sexual entre pessoas do mesmo sexo é o que torna alguém sodomita. Dentro desse paradigma, foi construída, no interior da história do cristianismo, a figura do “sodomita” - aquele(a) considerado(a) reincidente na prática de atos sexuais com pessoas do mesmo sexo. Nos relatos bíblicos, a homossexualidade não esteve vinculada ao relato de Sodoma e Gomorra. 18 Na Idade Média, Tomás de Aquino se apoiou fortemente na teoria da Lei Natural. Influenciado por Agostinho, também ele recobra a ideia de que todo ato sexual que não visa o fim ao qual está orientado (procriação) é contrário à natureza e à razão. 19 Os pecados avaliados como contrários à natureza (contrários à procriação) foram duramente acusados. Uma lógica que poderia tornar o estupro, inclusive, mais brando que a masturbação. O ato homossexual entrava na categoria de pecados contra a natureza, justamente porque por meio dele não se poderia procriar. Nesse sentido, as hierarquias de gênero remetiam à hierarquia entre posições sexuais (ativo e passivo) e à finalidade dessas práticas. Tomás de Aquino, apesar disso, não se deteve na questão da homossexualidade. 20 Não devemos nos esquecer que, por muitos momentos na história, a expansão política e econômica dos grandes reinos dependia também da procriação. Nessa lógica, as uniões de casais do mesmo sexo apareciam como um problema, vistos como risco ou ameaça. 17 BOSWELL, 1981. 18 GASDA, p. 82. 19 GASDA, p. 90. 20 VIDAL, 2008. p. 141. 21 LE GOFF, 1993. 22 BIGET, 2009. p. 229-267. A perspectiva punitiva e condenatória ergueu sua arquitetura. O século XII viu nascer o “purgatório”, por meio do qual as almas pecadoras purgariam suas faltas. 21 Sob a alegação de “heresia”, as pessoas com comportamentos sexuais considerados desviantes foram assassinadas. Em se tratando de uma acusação, quem definia o que era heresia era precisamente aquele que acusava, e o fazia nos termos da própria acusação. A ideia de heresia significou também um modo de acusação política. 22 Nos processos de denúncia inquisitorial, durante o século XIII, po- 31 demos observar a dimensão dessas práticas. Longe de conseguirem controlar os praticantes de atos sexuais proibidos, os documentos apresentam a multiplicidade desses casos, sua abrangência e, digamos, sua popularidade. Curiosamente, as denúncias alcançaram, inclusive, membros do clero. Muitos deles também foram condenados à morte. Na região de Castela e León, aqueles que fossem acusados de praticar atos homossexuais eram mandados à castração pública, pendurados pelos pés. Também os casos femininos passaram a fazer parte dos regimentos inquisitoriais. 23 Açoites, degredo, confisco de bens e fogueira fizeram parte do repertório da perseguição. Não é difícil imaginar que o clima de intolerância aumentava também entre os membros das comunidades, sob o jugo da “moral religiosa”. Contudo, para o historiador John Boswell havia sinais de tolerância, embora não haja consenso entre historiadores e pesquisadores sobre isso. O autor afirma que algumas correntes do cristianismo aceitavam a diversidade sexual em diferentes momentos históricos. Um exemplo dessa abertura pode ser verificado nas celebrações de ‘união’ entre pessoas do mesmo sexo, durante o período da baixa Idade Média. Ou por meio dos poemas de amor trocados entre clérigos. 24 Evidentemente, nem Clemente de Alexandria e Agostinho, tampouco Santo Alberto Magno, Pedro Lombardo e Tomás de Aquino sabiam daquilo que somente hoje podemos conhecer. Suas ponderações sobre a sexualidade partiram de concepções pré-científicas e estiveram marcadas por suas experiências pessoais. 25 Qualquer leitura desses textos e seus efeitos só podem ser compreendidos dentro dos contextos históricos nos quais foram escritos. Reconhecendo, por isso, seus limites. 23 GASDA, p. 92. 24 BOSWELL, 1981. 25 GASDA; VIDAL, 2008;. 32 6. Nas fissuras das reformas No século XVI, com as reformas protestantes que deram origem a novas tradições religiosas, aumentaram as formas pelas quais o cristianismo se relacionou com as dissidências das normas sexuais. As diferentes tradições cristãs, cada uma a seu modo, construiu sua própria doutrina. As reformas provocaram novas fissuras na arquitetura erguida pelo pensamento cristão até aquele momento. O movimento de reforma iniciado por Martinho Lutero no século XVI, deu início a diferentes denominações cristãs protestantes. Lutero manteve a insistência de que as mulheres não devessem assumir tarefas ministeriais, reafirmando as diferenças “naturais” e hierarquizando-as em seguida. Ele também considerou que o exercício da sexualidade estivesse ligado à procriação, mas aboliu as regras que determinavam comportamentos para as relações sexuais. 26 Há que se destacar que Lutero atribui o pecado de Sodoma e Gomorra à falta de hospitalidade. Desse modo, não faz referência nenhuma a “pecado sexual”. 27 Lutero restaura a interpretação dessa questão na tradição judaica rabínica, como nos primeiros Padres da Igreja. O deslocamento é sutil e não anula outras interpretações. Contudo, talvez seja uma das fissuras mais transformadoras do pensamento cristão em relação às dissidências sexuais. O Concílio de Trento, em reação às reformas protestantes, tratou a sexualidade humana numa visão biologicista (como chamaríamos hoje) e desintegrada da totalidade do ser humano. Dentro do ideal de virtude da castidade, a noção de sexualidade era reduzida à genitalidade, mantendo restrições sobre as práticas sexuais. 28 26 MUSSKOPF, 2004. p. 97-101. 27 ibidem, p. 102. 28 VIDAL, 2008. p. 57. 33 7. Nos armários da moral sexual cristã A moral sexual predominante, lida e interpretada por muitos cristãos como “oficial”, encontrou resistências. A “doutrina oficial” não é um pensamento único, fixo, acabado e eterno - apesar de assim se apresentar. Muitas pessoas e grupos sociais debelaram contra os armários da doutrina. Na negociação, no tensionamento, no conflito e nas disputas se conformaram as diferentes formas de ser e estar no mundo. As tradições, afinal, são muitas, embora busquem apagar suas origens para parecer que sempre foram as mesmas. É verdade que a intolerância social às pessoas dissidentes das normas de sexo e gênero aumentou por alguns períodos, embora seja difícil atestar suas causas. John Boswell atribui o aumento da intolerância e condenação das dissidências das normas sexuais, sobretudo ao desaparecimento de subculturas urbanas, ao aumento da regulamentação governamental da moralidade pessoal, além da pressão pública por ascetismo em todas as questões sexuais. 29 É no interior dessa compreensão que as sexualidades construídas como “desviantes” foram associadas, em alguns momentos e por alguns teólogos, ao prazer pelo prazer e, portanto, contrárias "à ordem natural”. A natureza, nesse caso, parece ser determinada por um conjunto de coisas que "sempre" existiu. Como expressão de uma vontade própria na terra, de Deus para além e fora dos limites da cultura. Senão pela tentativa de compreender o contexto dessas noções, devemos colocar em questão, afinal, o que é lido e interpretado como “natural” para percebemos de que forma os códigos culturais informaram essa leitura. A moral cristã, construída ao longo de muitos séculos, não foi a mesma “desde sempre e para sempre”. Podemos dizer que ela é uma das principais raízes das tensões entre o cristianismo e as dissidências das normas sexuais. Embora saibamos que todas as narrativas são disputadas, em geral, conhecemos e temos acesso somente àquela que saiu vencedora. Em se tratando do mar agitado onde as pessoas tecem suas relações sobre o mundo, toda vitória é provisória. 29 BOSWELL, 1981. p. 333. 34 8. Nos armários da cultura Marcelo Natividade, em seu artigo “Deus condena ou Deus aceita?” considera que o “preconceito sexual reproduzido nas proibições oficiais da Igreja não advém essencialmente da religião, mas reflete as convenções culturais de uma dada sociedade”. 30 O mais importante a se reconhecer nesse sentido, é que as práticas religiosas estiveram (e estão) mergulhadas nas convenções culturais onde se desenvolvem. Por isso, a história do cristianismo e suas relações com as dissidências das normas sexuais é também tão complexa quanto a história das diferentes sociedades e suas práticas. Os diferentes ambientes culturais onde se desenvolveu o cristianismo foram decisivos para estabelecer as diferentes formas de tratamento dispensadas pelas igrejas às dissidências de normas de sexo e gênero. E a cultura, sabemos, é uma terra movediça. Ela se transforma constantemente e só poderemos ler “os sinais dos tempos” se nos abrirmos à novidade que continua a transbordar da experiência humana. Uma das poucas evidências que permanece a mesma ao longo da história da humanidade situa-se na constatação de que nenhuma relação estabelecida entre o cristianismo e as dissidências das normas sexuais esteve fora das disputas históricas sobre os sentidos do corpo, da sexualidade, nas quais se assentam concepções historicamente construídas de “natureza”, “cultura” e “diferença sexual”. 30 NATIVIDADE, 2019. 35 9. Tirando os cintos, incendiando os armários O conhecimento histórico não pode julgar o passado, mas podemos refletir sobre seus usos. Ao não pretender ser mais do que se é, a história da relação entre cristianismo e as dissidências sexuais necessita de outros olhares, já que nós historiadores estamos convencidos de que também “os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer” . Para Jacques Rancière a morte, entre outras coisas, é um não-saber do vivo. 32 Por isso, a reflexão em torno da trajetória histórica que configurou essas relações constitui um esforço de manter viva a experiência das margens na memória das comunidades cristãs. Sem perder de vista que serão necessários novos e outros enquadramentos não só para o passado, mas para o presente que nos convoca. A experiência da margem também nos educa a todos, de diferentes maneiras. A intimidade de Jesus com as questões religiosas e políticas do seu tempo revela um profundo apreço pelas pessoas marginalizadas. O sentido da libertação caminha lado a lado com a experiência do Mestre. Assim, Ele era reconhecido: questionando as leis do seu tempo em nome da aliança com seu povo. Não há sujeito que esteja fora dessas relações e tramas do poder, mas também é verdade que o funcionamento do poder se modifica de uma sociedade para outra. 33 Como vimos, os valores sociais construídos ao longo da história impactaram diretamente o modo como as comunidades religiosas conceberam suas tradições. Não da mesma forma, e nem do mesmo jeito. As fissuras e rachaduras acompanharam essa longa trajetória, seja nas práticas sociais indiferentes às condutas sexuais, ou no interior de comunidades religiosas inclusivas. Assim como os hebreus - “o povo que atravessou” - todas, todes e todos nós continuamos atravessando. Passando da morte para a vida, removendo as pedras que nos interrompem o caminho. Ao longo dessa longa história, também nós temos tecido a nossa história com o nosso Deus. Este é um convite para olharmos os nossos armários desde dentro. Não só aqueles que aprisionam nossas capacidades de amar, mas daqueles outros que escondem de nós a beleza de sermos aquilo que somos, de abraçarmos a vida como ela é. Encarar o armário desde dentro significa nos perguntar sobre quem nos colocou ali, sobre como nos deixamos permanecer ali, mas também significa reconhecer que é possível arrombá-lo com a coragem que a liberdade tem. Não precisamos de chaves quando os armários já não têm poder sobre nós! 31 BENJAMIN, 2005 32 RANCIÈRE, 2014 33 cf. “Dispositivo da sexualidade” em Michel Foucault. 36 3737 Referências BENJAMIN, Walter. Teses Sobre o Conceito da História. In: LÖWY, Michael. Alarme de Incêndio: uma Leitura das Teses Sobre o Conceito de História. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. BIGET, Jean-Louis. Albigenses: observações sobre uma denominação. In: ZERNER, M. (org.). Inventar a heresia? Discursos polêmicos e poderes antes da Inquisição. Campinas: Ed. Unicamp, 2009, p. 229-267. BOSWELL, John. Christianity, social tolerance, and homosexuality. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1981. BROWN, Peter. Cristianismo e Império. In: A Ascensão do Cristianismo no Ocidente. Lisboa: Editorial Presença, 1999. p. 36-51. CHADWICK, Henry. The Early Church. Harmondsworth. Penguin Books, 1967. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade - A vontade de saber. Vol. 1. São Paulo: Graal, 1988. FOX, Robin Lane. Pagans and Christians. New York: Knopf, 1987. GASDA, Élio Estanislau. Ética Cristã da Sexualidade. Belo Horizonte: Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. (Manual não publicado). HARNACK, Adolf. The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries. New York, G. P. Putnam’s Sons, 1908. LAQUEUR, Thomas Walter. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Vera Whately (tradução). Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. LE GOFF, Jacques. O nascimento do purgatório. Tradução portuguesa. Lisboa: Estampa, 1993 MUSSKOPF, André Sidnei. Talar Rosa. Um estudo didático-histórico-sistemático sobre a Ordenação ao Ministério Eclesiástico e o exercício do Ministério Ordenado por homossexuais. Dissertação (Mestrado em Teologia) - Escola Superior de Teologia, Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia. São Leopoldo, 2004. NATIVIDADE, Marcelo. Deus condena ou Deus aceita? Cristianismo e diversidade sexual no Brasil. In: Revista Senso. 25 de set de 38 2019. Disponível em: <https://revistasenso.com.br/zrs-edicao-12/ deus-condena-ou-deus-aceita-cristianismo-e-diversidade-sexual-no-brasil/> Acesso em 01 de Ago de 2020. QUINN, Regina Ammicht; BORGMAN, Erik; RECK, Norbert; ALTHAUS-REID, Marcella Maria. “Nós” e os “outros”: à guisa de introdução. In: Homossexualidades. Concilium - revista internacional de teologia. N. 324, 2008/1. p. 104-120. RANCIÈRE, Jacques. Os nomes da história: ensaio de poética e saber. São Paulo: Editora Unesp, 2014. STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo. Um sociólogo reconsidera a história. São Paulo: Paulinas, 2006. VIDAL, Marciano. Sexualidade e Condição Homossexual na Moral Cristã. Marcelo C. Araújo (tradução). Aparecida: Editora Santuário, 2008. 39 40 Chave 3 Tetra-chave: a importância da tradição na relação da igreja com as minorias sexuais Eu vim para que todos e todas tenham vida, e vida em abundância. (Jo 10, 10) Examinem tudo, e fiquem com o que é bom. (1 Tess 5, 21) 41 1. Uma igreja de portas fechadas pela norma Há um senso comum de que não é possível pessoas cristãs serem lésbicas, gays, bissexuais, transgênero, travestis ou assumirem qualquer identidade que flexibilize ou escape à norma binária cisgênero e heterossexual. 34 Essa ideia é repetida e reforçada tanto por pessoas que se identificam como cristãs quanto por pessoas que se identificam como LGBTI+. Aliás, nessa frase já está dada essa separação entre “pessoas que se identificam como cristãs”, de um lado, e “pessoas que se identificam como LGBTI+”, do outro. Se a pessoa é cristã, já se supõe que não será também LGBTI+. E vice-versa. Essa ideia de que as pessoas LGBTI+ devem permanecer trancadas do lado de fora de uma Igreja de portas fechadas para nós em geral é apresentada em termos de uma certa “tradição”: pessoas cristãs “nunca” puderam ser LGBTI+, e pessoas LGBTI+ “nunca” puderam ser cristãs. E, se “nunca puderam” até aqui, “nunca poderão” daqui por diante. Essa “tradição”, que se estende desde o tempo presente e abarca todo o passado e todo o futuro, é uma das dimensões da chave que nos aprisiona no cristianismo. É uma tetra-chave: uma chave multifacetada, que vai criando oposições e incompatibilidades que vão se desdobrando umas nas outras, e se reforçando entre si. Outra face dessa tetra-chave envolve o reconhecimento de como as igrejas podem ser ambientes hostis às pessoas LGBTI+. Como a sociedade em geral, as igrejas se erguem sobre a norma binária cisgênero e heterossexual; mas há quatro agravantes interligados que tornam os ambientes eclesiais especialmente hostis a quem não se submete a essa norma. Esses agravantes são outras faces que se desdobram nessa tetra-chave de tantos lados. Primeiro, historicamente – como vimos ao discutir nosso “cinto de castidade” –, as igrejas cristãs são baseadas em um ordenamento binário de gênero bastante rígido. Quer dizer: de modo geral, os papéis e atribuições são distribuídos entre homens e mulheres. Criam-se assim dois domínios – o masculino e o feminino – delimitados por normas que definem com clareza certos estereótipos de gênero. E, além desses dois campos serem estritamente separados, estabelece-se uma hierarquia, em que cabe às mulheres a posição de inferioridade. Aos homens são destinados o protagonismo e a liderança; a eles cabe falar, inclusive em nome de Deus. Como intérpretes legítimos da vontade divina, neles é depositada a inquestionável autoridade de portadores da Salvação, apresentados como 42 34 A norma binária cisgênero e heterossexual, como já vimos, diz respeito àquela visão de mundo que organiza as pessoas em dois campos de gênero, homens e mulheres, com características estereotipadas muito bem definidas e delimitadas; associa cada um desses campos opostos à genitália-pênis e à genitália-vagina, respectivamente; e estabelece que esses campos são complementares, e que quem está em um dos lados só pode se relacionar com quem esteja no lado contrário. intermediários entre a humanidade e o Sagrado. Às mulheres são relegadas as funções domésticas e de cuidado; nessa condição, cabe-lhes permanecer nos bastidores, em silêncio e em passividade. Segundo, perdura nos cristianismos uma desconfiança em relação ao corpo (em especial ao prazer e à sexualidade). Essa desconfiança está relacionada a um entendimento de que nossa humanidade é constituída por uma dimensão espiritual – imaterial e imortal – e outra corporal – mortal e material. A relação entre essas duas dimensões, ao longo da história cristã, tem sido tema de muitos debates, e foi principalmente no contexto desses debates que nasceram ideologias que pregam a inferioridade do corpo em relação ao espírito e, no extremo, podem considerar o corpo impuro, “pecaminoso”, em contraste com uma maior pureza e “santidade” do espírito. Essa perspectiva pode chegar até a demonizar o corpo (e o prazer, e a sexualidade) e a entender que o corpo (e a sexualidade) precisa ser mortificado e sacrificado para purificação e salvação do espírito. Terceiro, há uma concepção de cristianismo que enfatiza a imagem de Cristo como vítima inocente que se sacrifica para a salvação da humanidade – levando a uma exaltação da “dor” e do “sacrifício” pessoais como caminhos para a “salvação”. Segundo essa abordagem dolorista quando Jesus diz “se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24), isso significa que o cristianismo precisa implicar em algum grau de sofrimento. Emergem aí uma teologia e uma espiritualidade que parecem exaltar mais a dor, o sofrimento e a morte do que o prazer, a alegria e a vida. 35 35 Há quem veja aí uma “necroteologia” e uma “necroespiritualidade”, como, por exemplo, Jackson Augusto (2019). O quarto elemento que contribui para que as igrejas tendam a ser, em geral, ambientes hostis para quem não se submete à norma binária cisgênero e heterossexual é consequência direta do encontro do segundo e do terceiro, acima. Se o corpo e o sexo são demonizados como impuros e fontes de pecado, e se o seguimento de Cristo demanda sacrifício pessoal, fica fácil justificar uma moral sexual que prega que o único sentido legítimo possível para a sexualidade se encontra na procriação, valorizando a abstinência como sacrifício purificador. Em outras palavras, exalta-se o ascetismo em detrimento do prazer corporal e sexual, que é proscrito. É em torno dessas concepções (a hierarquização binária de gênero; o corpo, o prazer e o sexo demonizados; a exaltação do sacrifício pessoal; a função exclusivamente reprodutiva da sexualidade) que se organiza na Igreja a norma binária cisgênero e heterossexual que determina: a pessoa que não se enquadrar nos estereótipos 43 binários de gênero, e/ou não puder estabelecer relações cis heterossexuais, não terá outra saída senão sacrificar-se, “negando a si mesma”. Jorra daí uma profusão de violências, em diferentes níveis e dimensões, contra as pessoas LGBTI+ na Igreja. Há a violência psicológica e, não raro, física das tentativas de “exorcismo”, das orações de “cura e libertação”, das “terapias de reversão”, chegando ao risco de agressão, tortura ou morte. A violência pode se dar pelas mãos de “justiceiros” de inspiração religiosa, da própria instituição religiosa ou do Estado – quando se chega ao extremo da criminalização da diversidade sexual e de gênero com justificativas religiosas. Concepções religiosas fundamentam também a violência do estigma, que leva à vergonha, ao medo, à culpa, ao silenciamento e à invisibilização. Há a violência da proibição de relações entre pessoas do mesmo sexo e de expressões de gênero que se afastem dos estereótipos vigentes sobre como “homens” e “mulheres” devem ser. O fantasma do “pecado” ou o temor de ser uma “abominação” acompanha a pessoa mesmo quando ela já foi expulsa ou se autoexilou de sua comunidade de origem, de sua família, das referências religiosas, dos símbolos sagrados e da experiência de fé em que foi socializada. A pessoa muitas vezes é convencida de que carrega algo tão maligno que se crê indigna do amor de Deus ou, de resto, de qualquer forma de amor. Crendo-se condenada à danação eterna, na tentativa de salvar-se, deixa-se submeter – ou se submete espontaneamente – a todo tipo de mutilações, do corpo e da alma, chegando não raro ao suicídio. O reconhecimento desse conjunto de violências é um dos fatores que contribuem para a premissa de que não é possível ser, simultaneamente, uma pessoa LGBTI+ e cristã. 44 2. “É assim mesmo”: “Tradição” e o congelamento da História Outra face dessa chave que nos tranca fora da Igreja é uma certa perspectiva que olha para a história e enxerga uma continuidade, ao longo do tempo, na maneira como a Igreja vem lidando com quem não se enquadra nas normas sexuais e de gênero. Olhando para a história desde esse ponto de vista, a tendência é dizer “a Igreja sempre foi assim, opressora ou hostil ou excludente de quem não se enquadra nas normas sexuais e de gênero”. E, se ela “sempre foi assim”, isso muito provavelmente quer dizer que ela vai continuar “sendo assim”. E sendo assim “para sempre”. Invoca-se, aqui, uma “Tradição”, assim, com T maiúsculo – que, aliás, por definição nem pode ser “uma” “Tradição”, só pode ser a “Tradição”, a única, absoluta e inequívoca. Como “Tradição” imutável no tempo, ela não só é fixa no tempo como tem o poder de fixar o próprio tempo: para imobilizar o passado, é preciso perder de vista a noção de processo histórico, de que tudo se transforma continuamente no tempo. O efeito é paralisar também o futuro, criando uma perspectiva de “eternidade”: “sempre foi assim, e continuará sendo assim para todo o sempre. Eternamente”. É uma retórica muito poderosa, com consequências profundas. Invocar uma “Tradição” única, absoluta e inequívoca é uma estratégia recorrente dos poderosos para manter as coisas – a começar pelas hierarquias e lugares de poder atuais – do jeitinho que estão. É um mecanismo muito eficiente para manter no poder quem já está lá. Por isso, é preciso muito cuidado com a reprodução de ideias como “a Igreja é assim”, “sempre foi assim”, “nunca vai mudar”; porque repetir a ideia de que “as coisas são como são” acaba reforçando essa noção de imobilidade e de imutabilidade. Isso só ajuda a fortalecer aqueles setores, grupos e modos de pensar dentro da Igreja que se beneficiam das normas estabelecidas e da inferiorização e exclusão de pessoas e grupos que não se adéquam a tais normas. Dizer “a Igreja é assim mesmo” cria a ilusão de que “a Igreja” é um corpo unitário, com uma única voz, que fala em uníssono. Cria a ilusão de um campo monolítico, uma superfície unificada e homogênea. E deposita naqueles que estão no topo da hierarquia a autoridade para falar em nome desse campo monolítico, apresenta-os como emissores autorizados dessa voz única. Porém, nada está mais longe da verdade: a Igreja e o cristianismo são uma multidão de vozes, inclusive dentro de cada uma das diferentes denominações e igrejas cristãs. 45 Na multidão de fiéis, as pessoas são muito diferentes entre si. Têm opiniões e maneiras de lidar com situações específicas e pontos de vista que podem se afastar muito ou pouco, mais ou menos, das orientações das autoridades da Igreja. Há um certo grau de autonomia moral, que pode ser maior ou menor. Há flexibilidade, há exceções, há dissenso – mesmo que em certas situações alguém possa preferir não expressar publicamente uma divergência, ou até que se sinta na obrigação moral de concordar, ou sinta culpa por discordar. As diferenças existem mesmo entre os religiosos ordenados: pastores, pastoras, reverendos, reverendas, ministros e ministras ordenados, diáconos, diaconisas, padres, freiras, bispos, papas podem ser muito diferentes entre si. Mesmo na hierarquia eclesiástica, em âmbito institucional, há debates, disputas, discordâncias. Por mais que figuras religiosas com espaço na mídia ou nos meios políticos se apresentem publicamente como intérpretes autorizados para falar em nome da Igreja, isso não muda o fato de que “a Igreja” é uma multidão de vozes, uma miríade de pontos de vista. Dizer “a Igreja é assim mesmo” é uma eficiente estratégia de poder, cujo efeito é apagar essas diferenças e criar uma voz única – que é a voz de quem “tem voz”, de quem tem interesse em manter determinadas maneiras de fazer as coisas, certas formas de distribuir o poder. Dizer “a Igreja sempre foi assim” (logo, “vai continuar sendo assim”; afinal, se “nunca” mudou, “nunca” vai mudar) é o complemento lógico dessa estratégia, promovendo esse apagamento das diferenças no tempo. Apaga as disputas, tensões, conflitos, negociações que vão se dando ao longo do tempo. É ao longo do tempo e a partir de disputas e negociações que vão se constituindo e consolidando as posições “oficiais” das Igrejas. Enquanto isso, outras perspectivas e pontos de vista vão sendo eliminados e esquecidos; afinal, a História é contada pelos vencedores. Dizer “a Igreja sempre foi (e sempre será) assim” apaga o fato de que os discursos “oficiais” têm uma história. É no tempo que vão sendo construídos – uma construção que se deu no caminho percorrido para chegar até aqui, e se dá e dará no caminho a percorrer ago- 46 ra e daqui para a frente; o caminho que nos levará ao futuro que, mesmo sem nos darmos conta, estamos construindo neste exato momento. O perigo desse apagamento é criar uma cegueira: quanto menos enxergamos as transformações que nos trouxeram até aqui, mais difícil será imaginar outros mundos – pois será mais difícil sequer conceber a possibilidade de mudança. Olharemos para a frente sem conseguir imaginar nada muito diferente do que já está aqui. E não há nada mais paralisante, mais aprisionador, do que a falta de imaginação. Somos movidos a imaginação; ela cria um horizonte para onde ir. Por isso, apresentar uma “Tradição” imutável, que “nunca mudou” e é “impossível mudar”, tem este efeito fatal: congela o tempo, esgota a capacidade de imaginação e de transformação, nos aprisiona para sempre no presente, em como as coisas são hoje. Daí ser preciso cautela para não reproduzir a ideia de que “é assim, sempre foi assim, sempre será assim”, que só reforça e fortalece os poderosos e seus esquemas para se perpetuar no poder. A cegueira é uma arma poderosa, pois cria paralisias, impede que nos movamos. Não à toa, Jesus curou tantos cegos, e tantas pessoas com deficiência – e despertou o ódio dos poderosos do seu tempo. Jesus liberta as pessoas dos demônios que as subjugam e faz isso entregando em nossas mãos as chaves da nossa prisão: abrir os olhos para enxergar outros horizontes e libertar a imaginação é o primeiro passo do caminho de construção de um mundo novo e melhor. Portanto, para tomarmos em nossas mãos essa tetra-chave que, ao pretender nos aprisionar do lado de fora da Igreja, nos aprisiona também nos armários que vivemos dentro dela, precisamos compreender o uso que se faz da “Tradição” (aquela, congelada) e do modo como as tradições são disputadas, construídas e desconstruídas. 47 3. A construção de uma “Tradição” na História Não podemos perder de vista como a gradual conquista de legitimidade e espaço social por parte de pessoas de orientação sexual e identidades de gênero fora dos limites estritos da norma binária cisgênero e heterossexual (sobretudo a partir dos anos 1960) vem interpelando pessoas e comunidades de fé (inclusive em nível institucional), assim como a sociedade mais ampla, e desafiando-as a questionar suas próprias concepções sobre sexualidade e gênero. Há um diálogo constante, que se dá nas orações e elaborações pessoais e comunitárias das pessoas cristãs; nas atividades paroquiais; nas pastorais da família, da juventude e outras; nos seminários e outras esferas de formação de religiosos; nas instituições de ensino cristãs; na academia; em diferentes campos da teologia; e em muitas outras dimensões da vida cristã. Não podemos perder de vista como as respostas a esse desafio vão sendo construídas a partir de trocas e tensionamentos na Igreja, e entre Igreja e sociedade. São muitas respostas, que variam ao longo do tempo e correspondem a atitudes diversas. Há repúdio, condenação e exclusão das pessoas LGBTI+, na linha daquelas concepções de sexo e corpo como fontes de perigo, que restringem a sexualidade legítima à reprodução. Mas há também iniciativas de acolhida pastoral; e até revisões e retificações de posturas e doutrinas a respeito da diversidade sexual e de gênero, como no caso das Igrejas Anglicana, Metodista e Presbiteriana Unida, por exemplo. A prevalência do senso comum de que pessoas LGBTI+ não podem ser cristãs, e vice-versa, além de criar dois campos separados e estanques – de um lado, o das pessoas LGBTI+, e, do outro, a Igreja – também ajuda a encobrir as trocas intensas e constantes entre os dois, e a porosidade e maleabilidade das fronteiras que os delimitam. Uma das consequências dessa separação é a invisibilização, por um lado, da diversidade sexual e de gênero presente em comunidades de fé – e, por outro, da fé e da pertença religiosa de pessoas fora da norma binária cisgênero e heterossexual. Mas, apesar da invisibilidade, há um diálogo que se dá e que vai além de reflexões de pessoas e comunidades de fé sobre a “diversidade sexual e de gênero” como algo que se olha de fora, que não existe entre elas. Afinal, também pessoas de fé são lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros (aliás, há uma multidão de LGBTI+ não só dentro da Igreja, e muito atuantes na sua construção e sustentação). Também pessoas de fé são parentes e amigas de 48 pessoas LGBTI+. Pessoas e comunidades de fé se sentem chamadas a refletir sobre identidades, sexualidades, orientações sexuais, experiências de gênero desde suas próprias concepções religiosas e vivências do sagrado. Do mesmo modo, experimentam e refletem também sobre suas concepções religiosas e vivências do sagrado desde suas próprias identidades, sexualidades e afetos, orientações sexuais e experiências de gênero. 36 Catecismo da Igreja Católica, nº 2357. 37 Sobre o caso específico do catolicismo romano, é preciso lembrar que o Concílio Vaticano II reconhece o caráter dinâmico da Tradição e a evolução da própria doutrina; afirma a autonomia e a inviolabilidade da consciência, o valor das ciências profanas na formação de uma fé mais pura e adulta, e a hierarquia de verdades nos conteúdos doutrinais. Isso vale também no âmbito da moral. Os diversos preceitos têm diferentes níveis de importância, levando-se em conta o mandamento supremo do amor (Jo 13,34-35; Rm 13,8-10). Não podemos olhar para esse trecho do Catecismo fora desse contexto doutrinário mais amplo, sob o risco de fazer o jogo dos que reduzem o cristianismo a um conjunto de proibições. Vai se produzindo, assim, um conjunto de reflexões e posturas em relação à diversidade sexual e de gênero que é mais rico e matizado do que podemos perceber se acreditarmos no peso excessivo que se costuma atribuir às doutrinas religiosas “oficiais” e aos pronunciamentos das autoridades religiosas. Para além das doutrinas e discursos “autorizados” sobre sexualidade e gênero que prevalecem na Igreja, há, desde sempre, uma multiplicidade de concepções divergentes que atravessam desde as experiências mais cotidianas da vida individual e em comunidade até as elaborações teológicas mais sofisticadas. Essa diversidade, junto com os documentos e pronunciamentos “oficiais”, compõe o conjunto dos discursos e atitudes das pessoas e Igrejas cristãs sobre diversidade sexual e de gênero – um conjunto heterogêneo, múltiplo e em processo permanente de construção e transformação, individual e coletivamente. Assim, foi em reação à entrada em cena de novas identidades e demandas que a Igreja, em suas diversas denominações, começou a produzir documentos e pronunciamentos a respeito da diversidade sexual e de gênero. E o recurso estratégico à “Tradição” e ao “sempre foi assim” acaba sendo uma tentativa de “blindar” doutrinas e pronunciamentos, interditando o debate e o questionamento. Por exemplo: na Igreja Católica romana, o documento mais antigo a se referir à homossexualidade é a “Declaração Persona Humana sobre alguns pontos de ética sexual”, de 1975. É a esse documento que a doutrina católica romana, expressa no Catecismo, remete para fundamentar a afirmação de que “a tradição sempre declarou que ‘os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados’” 36 – “sempre”, aqui, é desde 1975. 37 Mas esse não é um exemplo isolado. É recorrente o apelo à “Tradição” ao ler ou interpretar documentos ou diferentes passagens bíblicas de um modo que esteja de acordo com os pontos de vista que se quer defender. Tiram-se documentos ou trechos das Escrituras do contexto em que foram escritos a fim de usá-los para justificar violências e exclusões, mesmo que isso signifique distorcer seu sentido e deturpar a mensagem mais ampla de Cristo, que é a Boa Nova do Amor: “Eu vim para que [todos e todas] tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10, 10). 49 Um exemplo muito atual é como o argumento da “Tradição” vem sendo usado para congelar a própria norma binária cisgênero heterossexual e torná-la inquestionável. Sobretudo desde os anos 2010, vem se articulando uma verdadeira “cruzada” moral religiosa em torno de uma ficção chamada “ideologia de gênero”. Forjada inicialmente por grupos católicos romanos, nos anos 1990, essa expressão foi adotada e disseminada por segmentos de outras denominações cristãs e por grupos e pessoas que usam uma linguagem cristã. O objetivo é demonizar a categoria “gênero” – uma ferramenta nascida nos estudos feministas para analisar padrões de identidade e de relação que sustentam desigualdades e violências estruturais – e, assim, deslegitimar ao mesmo tempo o campo de estudos de gênero, os movimentos LGBTI+ e feministas e as lutas pela garantia e expansão de direitos sexuais e reprodutivos e à livre expressão de gênero. A ideia de que há uma “ideologia de gênero” e que é preciso combatê-la vem servindo para consolidar alianças que agregam interesses e grupos diversos em torno de agendas contrárias à perspectiva dos direitos humanos e à lógica democrática pluralista. “Ideologia de gênero” é o rótulo usado para reunir aqueles elementos que escapam, questionam ou fazem alguma crítica à norma binária cisgênero e heterossexual e ao modelo de família baseado nessa norma – aquele modelo familiar composto por um par heterossexual e seus filhos, em que homens se sobrepõem a mulheres e adultos, a jovens e crianças. Na cruzada contra a “ideologia de gênero”, toda opção que não se adéque a tal norma é inferiorizada (e até tratada como patologia, perversão ou crime) e marginalizada. É uma estratégia muito inteligente. Ao caracterizar como “ideológicos” os alvos de seus ataques, a posição “antigênero” reforça sua própria sacralidade. Afinal, “ideologia” é sempre 50 o que “os outros” defendem. O que “nós” defendemos é “ordem natural”, “ordem sagrada”, “ordem divina”, expressa e cristalizada na “Tradição” Imutável. O efeito é este mesmo: ocultar, sob o manto da “Tradição” (aquela, unívoca, uníssona, com T maiúsculo), o fato de que a própria norma binária cisgênero e heterossexual é fruto de sua época. Diferentes culturas e sociedades, em diferentes momentos históricos, organizam-se sobre outras bases. A norma binária cisgênero e heterossexual é construída social e culturalmente e situada historicamente. Logo, é tão “ideológica” quanto qualquer outra forma de organização social. Mas, ao disfarçá-la como “Tradição” (“sempre foi assim”, “sempre será assim”, “não existe outro mundo possível”, “qualquer outra possibilidade vai contra a Vontade de Deus”), a cruzada contra a dita “ideologia de gênero” esconde que tal norma não passa de uma maneira específica de organizar e concentrar o poder nas relações sociais. No fim das contas, “ideologia de gênero” vem sendo o rótulo ideal para reunir tudo aquilo que se queira definir como aberrante, abjeto ou abominável, convertendo pessoas e grupos inteiros em inumanos – e, assim, justifica-se seu extermínio, simbólico ou real. Nesse sentido, essa “cruzada antigênero” vem se configurando como uma nova “caça às bruxas” – e precisa ser inequivocamente condenada por sua intolerância, virulência e capacidade de destruição. Por outro lado, é preciso cuidado para que a denúncia (imprescindível) da violência cristã contra a diversidade sexual e de gênero não acabe reforçando a oposição entre Igreja e pessoas LGBTI+ – e fortalecendo tanto o uso político de uma linguagem cristã contra a diversidade sexual e de gênero quanto a própria violência religiosa que é preciso combater. 51 4. Outras tradições, outros mundos possíveis Para escapar dessa armadilha, é fundamental reconhecer e não perder de vista outras tradições cristãs. E há uma multiplicidade delas, remontando diretamente ao próprio Cristo. “Examinem tudo, e fiquem com o que é bom” (1 Tess 5, 21). Há tradições que não perpetuam “as coisas como elas são”, nem compactuam com desigualdades, opressões e injustiças, nem se colocam ao lado dos poderosos. Tradições que criticam e se opõem frontalmente ao legalismo vazio e ao moralismo hipócrita. Tradições que remetem, em última instância, à Tradição cristã primordial do Amor, Acolhimento, Serviço – ligada à Tradição cristã ancestral e revolucionária da luta contra toda injustiça, que impõe a quem segue o Cristo o dever moral de se colocar sempre ao lado daquelas pessoas mais pequeninas, mais desamparadas, mais excluídas, mais marginalizadas, mais violentadas. A Tradição da Libertação, anunciada pelo próprio Cristo, da prisão de toda opressão e autoridade terrena – inclusive religiosa. Tradição que nos liberta para o discernimento e a responsabilidade moral. Tradição, essa sim, com T maiúsculo e sem aspas. É na linhagem da Tradição do Amor Revolucionário que emergem, na heterogeneidade das comunidades de fé e instituições religiosas, espaços de diálogo, respeito e acolhimento, e de luta das pessoas LGBTI+ por reconhecimento e afirmação de sua dignidade também na Igreja – com graus variáveis de integração ao tecido social de cada comunidade cristã. Foi assim que, em 1968, surgiram nos EUA as Igrejas da Comunidade Metropolitana (ICM), primeira denominação cristã dedicada expressamente à diversidade sexual e de gênero. Nascia aí uma tradição de igrejas chamadas de “inclusivas” – um campo heterogêneo, marcado por uma variedade de abordagens teológicas e pastorais, que constitui um importante espaço de acolhimento da diversidade sexual e de gênero dentro do cristianismo. Desde os anos 1960 vêm surgindo também iniciativas de acolhida e reconhecimento da diversidade sexual e de gênero no interior de diferentes denominações. Só nos EUA, há exemplos como o Dignity (católicos romanos, 1969), Integrity (episcopais anglicanos, 1974), Lutherans Concerned (luteranos, 1974), Affirmation (metodistas, 1975) e outros; mas há também coletivos, coalizões e redes ecumênicas similares em todo o mundo. 52 No Brasil, o Diversidade Católica, primeiro grupo organizado de católicos romanos LGBT, surgiria no Rio de Janeiro em 2007. Em seu rastro viriam outros, dos quais sete fundaram, em 2014, a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT – que, no começo de 2021, congregava 23 coletivos leigos espalhados por todo o país, exceto a Região Norte. O Movimento Episcopaz surgiria no começo dos anos 2010; o Inclusão Luterana, em 2014; o Evangélicxs pela Diversidade, em 2018; o Inclusão Metodista, em 2020. Esses grupos e movimentos adotam a perspectiva da permanência e reivindicação de espaço e reconhecimento dentro de seus ambientes eclesiais de origem, constituindo espaços de dissidência e resistência, sobretudo nas comunidades e instituições religiosas mais marcadas pelo rigorismo moral e defesa de uma ordem sexual e de gênero restritiva. Porém, as disputas e negociações em torno da diversidade sexual e de gênero na Igreja vão além das demandas desses grupos por espaço e liberdade. Elas se traduzem também em iniciativas específicas de acolhimento pastoral e em controvérsias em torno da ordenação de clérigos e clérigas LGBTI+, da aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da aceitação de pessoas que não se enquadrem na norma binária cisgênero e heterossexual como membros plenos em diversas denominações, numa disputa em torno dos limites da “inclusividade” de cada igreja e comunidade cristã. 38 É uma disputa, em última instância, em torno das linhagens e tradições em que se inserem cada pessoa, cada comunidade, cada movimento: a Tradição Inclusiva do Amor para Todas as Pessoas? Ou as tradições excludentes e segregadoras, que criam hierarquias e subalternidades, em conluio com os poderosos deste mundo? Retomar em nossas mãos essa tetra-chave que nos aprisiona em tantas dimensões significa, pois, reconhecer nosso próprio legado, a linhagem em que nos inserimos. Significa reconhecer que as pessoas LGBTI+ somos filhas de Deus e da Igreja, herdeiras legítimas da promessa de vida em abundância e plenitude. Significa honrar aqueles e aquelas que vieram antes de nós, bem como aqueles e aquelas que caminham conosco hoje — reconhecendo que também graças a eles e elas estamos aqui. As pessoas LGBTI+ cristãs somos peregrinas orgulhosas no caminho da construção do Reino de Justiça e Amor. Não precisamos nos justificar: em Cristo, já estamos justificadas. Somos Igreja. Este é o nosso Corpo. Esta é a chave da Tradição libertadora de Cristo. 38 Sobre “inclusividade”, ver Ana Ester Pádua Freire (2019; 2020). 53 Referências AUGUSTO, Jackson. Necroespiritualidade, necroteologia e os pecados da morte. Novos Diálogos, 20 de novembro de 2019. Disponível em: <https://novosdialogos.com/artigos/necroespiritualidade-necroteologia-e-os-pecados-de-morte/>. Acesso em: 02 jan. 2021. FREIRE, Ana Ester Pádua. Armários queimados: igreja afirmativa das diferenças e subversão da precariedade. 2019. 298 f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Belo Horizonte, 2019. FREIRE, Ana Ester Pádua. O Bom Samaritano e a Igreja Afirmativa das Diferenças (vídeo em curta-metragem). Site <www.youtube.com>, 2020. 15:07 mins. Disponível em: <https:// youtu.be/tQAgCdgFKcE>. Acesso em: 21 set. 2020. LIMA, L. Gênero e Orientação Sexual. Theologica latinoamericana: enciclopédia digital. Belo Horizonte: FAJE, 2019. Disponível em: <http://theologicalatinoamericana.com/?p=1786>. Acesso em: 01 fev. 2021. MUSSKOPF, André. Via(da)gens teológicas: itinerários para uma teologia queer no Brasil. São Paulo: Fonte Editorial, 2012. MUSSKOPF, André. To Queer or Not To Queer – É possível uma teologia QUEER/LGBTI+? Revista Senso, nº 12, setembro/outubro de 2019. MUSSKOPF, André ; FREIRE, Ana Ester Pádua. Teologia queer – O necessário indecentamento da teologia. Revista Senso, 15 de julho de 2020. Disponível em: <https://revistasenso.com.br/zrs-edicao-17/teologia-queer-o-necessario-indecentamento-da-teologia/>. Acesso em: 21 set. 2020. SERRA, Cris. O coração, a santa e a dádiva: contribuições teológicas de corpos fora-dalei. In: JURKEWICZ, Regina Soares (org.). Teologias fora do armário: teologia, gênero e diversidade sexual. Jundiaí, SP: Max Editora, 2019a. Disponível em: <https://catolicas.org. br/wp-content/uploads/2020/08/2019-Livro-Teologias-Fora-do-Armario-Catolicas.pdf>. Acesso em: 02 jan. 2021. SERRA, Cris. Viemos pra comungar: os grupos de católicos LGBT brasileiros e suas estratégias de permanência na Igreja. Rio de Janeiro: Metanoia Editora, 2019c. SERRA, Cris; SILVA, Jeferson B.; ARAÚJO, Murilo (orgs.). Testemunhos da Diversidade: Histórias de fé, amor e comunhão. Rio de Janeiro: Autorale, 2020. [livro eletrônico] Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1brwAXLhawHjMG3yHRqeivkm3Ct_FKIhB/view>. Acesso em: 20 nov. 2020. 54 55 56 Chave 4 Hermenêutica do cadeado: os Textos de Terror “Eles venceram e o sinal está fechado para nós!” – ou não (!?) A sentença é clara e direta: a Bíblia condena a homossexualidade (e toda a diversidade sexual e de gênero)! É assim que a maioria das pessoas LGBTI+ têm contato com os textos considerados sagrados pelo Cristianismo. A porta está fechada e o cadeado trancado. As chaves foram jogadas fora ou estão tão bem guardadas que as próprias pessoas LGBTI+ não têm acesso aos textos e à leitura. Muitas vezes, acreditam que o cadeado é apenas mais um laço de fita no belo embrulho que se tornou a religião e que é vendido em praças, lojas, farmácias e supermercados – e até mesmo online. Não percebem as correntes que aprisionam, os armários que sufocam e aceitam verdades inventadas para o aprisionamento. 57 A relação de pessoas LGBTI+ com a religião tem sido, majoritariamente, tensa e problemática. Na grande maioria dos casos, uma experiência (no âmbito do sexo, do gênero e da sexualidade) tem sido pregada e apreendida como irreconciliável com outra (no âmbito da religião). Trata-se daquilo que se tem chamado de cisheternormatividade. Ainda que haja instituições, práticas e experiências que contradigam essa ideia de que a diversidade sexual e de gênero e religião não podem ser conciliadas, o que predomina é a ideia de condenação e rechaço que paira sobre a população LGBTI+ como uma nuvem ameaçadora. Algumas dessas instituições, práticas e experiências, mesmo quando tentam acomodar determinadas perspectivas diversas em relação a sexo, gênero e sexualidade, acabam por recriar armários e cadeados que podem parecer mais confortáveis e flexíveis, mas não são, necessariamente, menos aprisionadores e cerceadores de movimentos mais livres e trânsitos inesperados. No campo das religiões organizadas, ou mesmo das religiosidades cotidianas e mais informais, determinadas narrativas (orais ou em forma de texto) assumem a função de dar sentido ao que existe e ao que é experimentado e vivenciado. Em muitas, essas narrativas, em suas diversas formas, assumem, também, um caráter sagrado e de valor que estaria acima das experiências e conhecimentos mais imediatos e cotidianos. Servem de guia e orientação para o agir e o viver, ou mesmo como um conjunto de normas às quais se deve seguir fielmente. Em muitos casos tornam-se a régua (cânon) a partir da qual se mede o quão forte e válida é a experiência religiosa, a crença ou a fé. As escrituras ou textos sagrados cumprem esse papel de norma da fé. Isso se dá por seu caráter aparentemente mais estável e facilmente identificado. Esses textos podem ser invocados a partir de uma autoridade delegada ou assumida (um pastor, um padre, um estudioso) que desempenha o papel de guardiã das chaves de leitura e interpretação. O risco para aquilo que se tem chamado de fundamentalismo se torna grande. Os textos já não são mais vistos como elementos vivos de uma prática religiosa e de fé em construção, mas uma forma de subjugação e controle. Qualquer perspectiva alternativa que possa questionar as estruturas e relações de poder estabelecidas é rechaçada a partir de uma determinada interpretação. É nesse campo de disputa e negociação que se insere a relação entre os textos sagrados do Cristianismo, a Bíblia, e a experiência das pessoas LGBTI+, dentro ou fora da religião. A Bíblia é um dos conjuntos de textos sagrados que estão em permanente disputa no campo religioso. Mesmo dentro do Cristianis- 58 mo eles são uma das fontes da reflexão teológica e da prática da fé ao lado de outras, ainda que para muitas correntes ela seja a principal, a primeira ou a mais importante. Mesmo assim, há outras amarras que precisam ser desenredadas para poder lidar com esses textos em relação à experiência LGBTQIA+. Uma delas é que aquilo que se conhece por “Bíblia” (do grego biblion, um conjunto de livros) e reúne milhares de anos de relatos, narrativas, testemunhos, teologias e até tradições religiosas. Estes textos foram originados de experiências contadas oralmente em diversos contextos até serem codificadas em escritos. Por isso, é impossível querer harmonizar todo esse conjunto de perspectivas em uma narrativa única ou definitiva e fazê-lo significa realizar uma leitura simplista e pobre da Bíblia. A própria leitura desses textos com base na experiência de pessoas LGBTI+ evidencia isso. Elaborações teológicas e dogmáticas das igrejas ao longo dos séculos tentam articular e definir as formas corretas e apropriadas (ortodoxia) de entender e significar esses textos. Mas a própria Bíblia resiste às tentativas de leituras e interpretações fechadas e segue produzindo novos sentidos a respeito de situações novas e antigas. Assim como qualquer outro livro, seus textos precisam ser interpretados. Eles seguem gerando significados mesmo quando se pretende encerrá-los em armários escuros e mofados aos quais apenas quem tem as chaves pode acessar. Isso explica, por um lado, porque ela segue sendo tão estudada e discutida e, por outro, a grande variedade e diversidade de denominações e práticas religiosas a utilizam como fonte, mesmo quando apresentam características e formas tão distintas. Não é apenas a diversidade de igrejas e denominações que evidencia essa pluralidade de compreensões sobre os significados e sobre como atuam determinados textos na constituição de uma tradição religiosa ou de uma prática de fé – muitas das quais se fundam precisamente pela divergência com relação a determinados textos ou o conjunto deles. A composição do cânon (conjunto de textos reconhecidos como tendo valor normativo), a forma como eles são utilizados dentro de uma determinada instituição ou na prática religiosa e mesmo quem tem acesso à sua leitura e interpretação variam enormemente. Um rápido inventário das Bíblias disponibilizadas em bancas e livrarias ou nas estantes das igrejas evidencia facilmente essa diversidade: há Bíblias com mais ou menos livros/textos; há diferentes traduções e versões da Bíblia; há Bíblias com comentários, introduções, notas de rodapé e títulos separando os diferentes textos (algo que não está presente nos textos originais); há, até, Bíblia para 59 a mulher, para a criança, para o jovem; de estudo, de meditação e para pregação. Há uma infinidade de “Bíblias”, muitas delas adaptadas para o gosto de quem consome. Quando se lê e discute esses textos individualmente ou em comunidade é preciso ter todas essas questões em mente. O que define – embora, em geral, instituições e lideranças religiosas neguem essa realidade – o quê, como, onde e por quem a Bíblia e as diversas narrativas que a compõem é lida vai depender fundamentalmente da perspectiva assumida para fazê-lo. Isso implica definir quais são as lentes através das quais os textos serão lidos e significados e de que forma as experiências de quem lê (seja uma autoridade legitimada ou uma comunidade leitora) se relacionam com a leitura que é feita. Não existe uma leitura literal, neutra ou definitiva da Bíblia (ou de qualquer outro texto sagrado ou não). Toda leitura é intencionada e são essas intenções que definirão aquilo que é possível encontrar quando ela é lida. Para deixar a Bíblia ser o que ela é, é preciso entrar em um diálogo aberto e honesto no qual o próprio processo de diálogo revelará significados e sentidos importantes para a prática da fé e da vivência em comunidade. Cada pessoa ou comunidade que lê a Bíblia precisa refletir sobre essas questões e tomar suas próprias decisões. Compreender essas questões é fundamental para aproximar-se dos cadeados que pretendem manter a experiência LGBTI+ no armário quando o assunto é Bíblia e Cristianismo. Para isso, é preciso chamar alguns desses cadeados pelo nome e pela função que exercem na experiência de pessoas LGBTI+ cristãs: “textos de terror”. A expressão “textos de terror” foi criada no âmbito das teologias feministas cristãs que identificam determinadas passagens bíblicas usadas para justificar, manter e promover a inferiorização, silenciamento e violência contra as mulheres nessa tradição religiosa. Embora tais textos também possam ser aplicados às pessoas LGBTI+, especialmente quando se trata de mulheres lésbicas, bissexuais ou trans, há um outro conjunto de “textos de terror” mais comumente usados para condenar as pessoas desse grupo (ainda que com particularidades para cada subgrupo da sigla). O terror dos referidos textos não vem dos textos em si, mas muito mais de como são utilizados em determinados contextos. Isso é feito tanto para provocar um pânico moral em relação a determinadas pessoas e grupos sociais, quanto para aterrorizar as próprias pessoas pertencentes a esses grupos com relação ao seu lugar e seu destino dentro de uma determinada tradição ou prática religiosa. Muitas vezes, esse terror resulta em violência pessoal (suicídio e automutilações), familiar e comunitária (segregação, expulsão, 60 agressão), em suas mais variadas formas (física, simbólica, psicológica, econômica, religiosa). É possível identificar seis textos comumente acionados para condenar a “homossexualidade” e a “diversidade sexual e de gênero”. Eles podem ser encontrados nas seguintes passagens bíblicas: livro de Gênesis, capítulo 19, versículos 1 a 25 (Gn 19, 1-25); livro de Levítico, capítulo 18, versículo 22 (Lv 18,22) e capítulo 20, versículo 13 (Lv 20,13); carta de Paulo aos Romanos, capítulo 1, versículos 26 e 27 (Rm 1,26-27); primeira carta de Paulo aos Coríntios, capítulo 6, versículo 9 (1Cor 6,9); e carta de Paulo a Timóteo, capítulo 1, versículo 10 (Tm 1,10). É um número bastante pequeno de textos e de autores que, segundo essa lista, se referem a essa temática. Mas, como se verá, a questão é bem mais complicada que isso. Em geral se fala na condenação da “homossexualidade”, pois essas referências se sustentam numa compreensão que emergiu a partir do século XIX quando esse conceito foi cunhado no campo das ciências médicas. No entanto, tais referências também são usadas com relação ao espectro mais amplo de pessoas LGBTI+, embora as experiências dessas pessoas sejam muito mais diversas e complexas do que o termo “homossexualidade”, ou o que ele quer dizer e pode expressar. Afinal, nos discursos condenatórios, geralmente não é reconhecida ou aceita toda a diversidade de identidades e identificações compreendidas na perspectiva da “diversidade sexual e de gênero”. Todas são vistas desde o mesmo olhar e colocadas sob o mesmo guarda-chuva, como se fossem a mesma coisa. Isso também fica evidente na recente utilização da expressão “ideologia de gênero” como uma forma de atacar os estudos, as discussões e a ação política relacionada a gênero e sexualidade. Existe uma infinidade de publicações, fruto de pesquisa e de exercícios interpretativos, sobre esses textos. Essas publicações analisam detalhadamente questões literárias e redacionais, históricas e culturais, para situar os textos em seus respectivos contextos e entender tanto o que queriam dizer, quem os disse e registrou e para quem estavam destinados, e ainda qual o seu significado na atualidade. Trata-se de uma disputa sem fim tentando estabelecer a verdade definitiva sobre esses textos e seus significados, uma vez que o parecer final, de modo geral, dependerá dos pressupostos a partir dos quais os textos são lidos e interpretados, como visto acima. Uma das principais críticas à utilização desses textos para falar (e condenar) experiências, identidades e práticas contemporâneas é justamente o fato de que os seus significados dependem pro- 61 fundamente do contexto no qual são enunciados e dos termos e conceitos utilizados. Nesse sentido, a simples aplicação do termo “homossexualidade” (com uma história e um contexto particular) ou outra forma de referir-se a questões de gênero e sexualidade em textos bíblicos como tradução de termos das línguas originais seria, em princípio, equivocada, pois tais termos e conceitos não aparecem nesses textos. A identificação entre práticas, experiências e identidades contemporâneas e aquelas que aparecem nas narrativas bíblicas precisaria ser analisada e compreendida levando em consideração uma série de questões que, ao final, revelariam a incongruência e o equívoco dessa identificação. Não é possível simplesmente aplicar termos e conceitos como “homossexualidade” a textos que surgiram e foram registrados há muito tempo, quando tal termo não era utilizado e o conceito ao qual se refere não havia sido formulado. Os próprios textos evidenciam essa dificuldade: no livro de Levítico fala-se de “abominação”. Mas o que significa “abominação” no contexto em que esses textos foram produzidos e registrados? A Carta de Paulo aos romanos fala de comportamentos “contrários à natureza”. Mas o que Paulo quer dizer com essa expressão e a quem se dirige? Na carta aos coríntios e a Timóteo aparecem os termos gregos malakoi e arsenokoitai, estranhos à própria Bíblia, uma vez que só aparecem nessas passagens. Quem seriam os malakoi e os arsenokoitai? Uma revisão de diferentes traduções permitirá ver que esses termos, e as notas explicativas acrescentadas a algumas versões da Bíblia, variam grandemente sobre a compreensão dessas expressões e sua tradução. A leitura e interpretação desses textos exige um olhar cuidadoso (veja algumas referências para aprofundar o debate no final dessa parte). Mas é possível afirmar que não há base para condenar a homossexualidade, a diversidade sexual e de gênero a partir da Bíblia. A leitura e o estudo dos “textos de terror” associados à homossexualidade e à diversidade sexual e de gênero provavelmente levantam mais dúvidas do que apresentam respostas sobre esses assuntos. A seguir são apresentadas algumas perguntas que podem ser feitas aos textos para mostrar como é difícil usá-los para condenar a diversidade sexual e de gênero. Como se vê, isso só é possível quando se lê e interpreta esses textos já com a condenação decidida antes mesmo de se aproximar dos textos. 62 63 Texto Gn 19,1-25 64 Texto/ Resumo Perguntas Comentário Um grupo de homens da cidade de Sodoma se reúne à noite e vai à casa de Ló para violentar sexualmente dois homens estrangeiros que estão hospedados em sua casa Por que quando esse texto é mencionado dentro da própria Bíblia ele não se refere a uma prática sexual (por exemplo Ez 16,48-49; Mt 10,5-15), mas à falta de hospitalidade e a injustiças sociais? Uma vez que o texto não é usado dentro da própria Bíblia para condenar práticas sexuais, o que se está condenando não é a sexualidade e a homossexualidade, mas a falta de hospitalidade e a avareza Sodomia e sodomitas tornaram-se (no século XII) termos para referir-se a homens que fazem sexo com homens. Como uma identidade geográfica passou a se referir a uma prática sexual tanto tempo depois? Os termos sodomia e sodomita, que aparecem em algumas traduções da Bíblia, não existem nas línguas originais e sodomita é simplesmente quem nasceu ou mora em Sodoma e não tem nada a ver com práticas sexuais. Assim, é errado utilizar o termo para referir-se à homossexualidade nos textos da Bíblia. Essa é uma invenção muito posterior. Homossexuais ou pessoas LGBTI+ se juntam em grupos para abusar sexualmente de outros homens (estupro coletivo) – que é o que acontece no texto? Embora no imaginário de algumas pessoas homossexuais e pessoas LGBTI+ são apresentadas como pessoas “perigosas” que “forçam” outras pessoas a terem relações sexuais com elas, essa não é nossa experiência. Quando falamos em identidades e relações homossexuais e LGBTI+ falamos de relações afetivas e amorosas consentidas entre pessoas adultas. Texto Texto/ Resumo Perguntas Comentário Lv 18,22 Com homem não te deitarás como se fosse mulher; é abominação. Por que nenhuma das passagens se refere a mulheres? O fato de que nenhuma passagem no Antigo testamente se refira às mulheres revela um preconceito em relação a elas e também questiona a condenação da homossexualidade de modo geral. Lv 20, 13 Se também um homem se deitar com outro homem como se fosse mulher, ambos praticaram cousa abominável; serão mortos; o sangue cairá sobre eles A que tipo de relação o texto se refere? Relações amorosas e afetivas entre pessoas adultas? A maioria dos estudos desses textos mostra que a proibição provavelmente se refira a prostituição cultual ou alguma forma violenta e injusta de prática sexual que não se aplica à compreensão atual sobre homossexualidade. Que outras coisas (como comer peixes que têm barbatanas e escamas – Lv 11,10-11) o livro de Levítico considera abominação? Vários outros textos no Levítico falam de abominação e não se referem a questões de gênero e sexualidade, mas a coisas comuns como comer peixe que tem barbatanas. Por isso, não é possível usar o termo abominação para se referir à homossexualidade sem compreender o que os textos querem dizer com o termo “abominação”. 65 Texto Rm 1, 26-27 66 Texto/ Resumo Por causa disso os entregou Deus a paixões infames; porque até as suas mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas, por outro contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si mesmos a merecida punição do seu erro. Perguntas Comentário Por que Paulo considera ser “contra a natureza” para um homem usar cabelo comprido (1Co 11,14) e afirma que até mesmo Deus age “contra a natureza” (Rm 11,24)? A expressão “contra a natureza” também aparece em outros textos de Paulo, mas não se referem a questões de sexualidade. A interpretação mais comum dessa expressão é que se trata de algo que é diferente em termos de costume, mas que não é considerado um pecado. A que tipo de relação o texto se refere? Relações amorosas e afetivas entre pessoas adultas? Assim como no Levítico no Antigo Testamento, aqui não se tem certeza de a que tipo de relações Paulo está se referindo. O mais provável é que se trate de práticas de outros povos e outras religiões que podem ser consideradas injustas e violentas. Texto Texto/ Resumo Perguntas Comentário Os termos que aparecem no texto nas línguas originais não aparecem em outros textos e o seu significado é impreciso. Por isso, quando algumas pessoas traduzem esses termos colocam nas traduções seus próprios preconceitos e utilizam termos que são estranhos ao texto bíblico. De qualquer forma, a partir do contexto em que aparecem, é possível afirmar que esses textos se referem a relações abusivas e prejudiciais, e não se trata de relações de amor e afeto. 1Cor 6, 9 Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem malakoi, nem arsenokoitai Por que os termos malakoi e arsenokoitai são traduzidos de forma diferente em diferentes versões da bíblia (afeminados, homossexuais, sodomitas, masturbadores)? 1Tm 1, 10 ... impuros, arsenokoitais, raptores de homens, mentirosos, perjuros, e para tudo que se opõe à sã doutrina. Como entender esses termos se eles não aparecem em outros textos da Bíblia? Por que ninguém os mencionou em outras narrativas? 67 Essas são apenas algumas das perguntas e algumas das complexidades que quem utiliza esses textos para condenar pessoas LGBTI+ precisam responder para ser minimamente coerentes com a sua leitura e pregação. Elas apontam para problemas de tradução (geralmente mal intencionadas), questões relacionadas ao tipo de relação a que se refere o texto (abuso ou violência sexual, práticas de outros povos e religiões das quais se quer diferenciar) e compreensões mais amplas sobre gênero e sexualidade em cada contexto em que o texto foi produzido, registrado e divulgado, bem como suas intenções no conjunto da mensagem bíblica. No final, restará bastante difícil associar essas passagens às experiências, práticas e identidades de pessoas LGBTI+, mas tais releituras poderão reforçar a denúncia com relação a práticas e comportamentos violentos, abusivos e injustos. A esse tipo de acercamento aos textos que compõem as escrituras sagradas cristãs, tem se dado o nome de “método defensivo”. Num primeiro momento, tal método visita os textos usados para condenar e demonstrar que essa condenação não pode ser sustentada. Ao desconstruir leituras fundamentalistas e tendenciosas se libertaria homossexuais e pessoas LGBTI+ dessa palavra condenatória que parece tão definitiva de determinadas instituições e lideranças. E não resta dúvida de que esse exercício é importante para a construção de uma cidadania religiosa por parte de pessoas LGBTI+ que se sentem autorizadas e legitimadas a tomar o texto em suas mãos, ler e interpretá-lo. Além disso, tal exercício e seus resultados têm provocado a abertura por parte de vários grupos cristãos às experiências de pessoas LGBTI+, ainda que de diferentes formas e em diferentes níveis. Outro argumento utilizado com frequência nessa perspectiva é o fato de que nenhum dos textos mencionados encontra-se entre as falas de ou narrativas sobre Jesus registradas nos quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João). A não referência e, por con- 68 seguinte, não condenação ou reprovação por parte de Jesus pode indicar que não se trata de uma postura que se possa associar a ele. Grande parte apoiada na compreensão de que Jesus andava e se relacionava preferencialmente com as pessoas marginalizadas e excluídas da sociedade (especialmente mulheres) entende-se que isso também incluía questões de gênero e sexualidade como atestam inúmeras passagens onde aparecem pessoas que não se encaixam nos padrões sociais e religiosos. A ausência de reprovação e o reconhecimento de tais pessoas por Jesus nos textos bíblicos demanda, então, uma postura semelhante por parte de quem diz seguir seus ensinamentos. Mas, apesar dos inegáveis ganhos desse tipo de leitura, ele não deveria apenas apontar para a não-condenação de algumas experiências, práticas e identidades no âmbito da diversidade sexual e de gênero. Inclusive porque tais textos seguem em disputa e continuam sendo usados abundantemente e reforçando atitudes e práticas discriminatórias, injustas e violentas. Pelo contrário, esse tipo de leitura deveria abrir as possibilidades de formas de se acercar às narrativas bíblicas ou mesmo de outros textos sagrados e de outras práticas e estruturas religiosas, tomando como ponto de partida a experiência vivida de pessoas LGBTI+. Tal proposta hermenêutica se funda numa perspectiva dialógica entre as narrativas e escrituras religiosas e as situações cotidianas no que diz respeito a gênero e sexualidade, atentando para o tipo de relações que essas leituras e acercamentos produzem e reproduzem. As portas, os cadeados e as chaves são todas invenções que têm como objetivo aprisionar, mesmo quando produzem uma sensação de segurança e proteção. Assumir a responsabilidade de tomar as chaves, decodificar os cadeados e abrir as portas exige coragem, ousadia e persistência. De tal responsabilidade nunca se deveria abrir mão nem deixá-la ser sequestrada em nome de qualquer credo ou ideologia. 69 Referências BESSON, C. Homossexuais católicos: como sair do impasse. São Paulo: Loyola, 2015. FEITOSA, Alexandre. Bíblia e homossexualidade. Verdade e mitos. Rio de Janeiro: Metanoia, 2010. HANKS, Tom. Biblia y prejuicios: 40 mitos – Crítica de la manipulación homofóbica de textos usualmente citados. Buenos Aires: Epifanía, 2011. HELMINIAK, Daniel. O que a Bíblia realmente diz sobre homossexualidade. São Paulo: Sumus, 1998. JUNG, P.; CORAY, J. (org.). Diversidade sexual e catolicismo: para o desenvolvimento da teologia moral. São Paulo: Loyola, 2005. LEERS, B.; TRASFERETTI, J. Homossexuais e ética cristã. Campinas: Átomo, 2002. LIMA, L. Gênero e Orientação Sexual. Theologica latinoamericana: enciclopédia digital. Belo Horizonte: FAJE, 2019 (aqui). LIMA, L. Pastoral dos LGBT. Theologica latinoamericana: enciclopédia digital. Belo Horizonte: FAJE, 2017 (aqui). LINGS, Renato. Biblia y homosexualidad. ¿Se equivocaron los traductores? San José, Costa Rica: Universidad Bíblica Latinoamericana, 2011. MINER, Jeff; CONNOLEY, John Tyler. Dios nos ha hecho libres. Una relectura de los textos bíblicos referentes a las relaciones entre personas del mismo sexo. MUSSKOPF, André S. Que comece a festa. O filho pródigo e os homens gays. Belo Horizonte: Editora Senso, 2020. SALZMAN, T.; LAWLER, M. A pessoa sexual: por uma antropologia católica renovada. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2012. 70 71 72 Chave 5 Hermenêutica do fechadura: espiando o texto bíblico “Ou qual a mulher que, tendo dez moedas, se perder uma não acende a lamparina, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? E, tendo-a achado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: ‘Alegrai-vos comigo, porque achei a moeda que eu tinha perdido!’?” (Lucas 15.8-9) 73 Na parte anterior foram discutidos alguns textos que são utilizados para afirmar que a homossexualidade e a diversidade sexual e de gênero são contrárias à vontade de Deus no âmbito do Cristianismo. Como se viu, uma leitura cuidadosa desses textos revela que essa ideia é equivocada em vários níveis. Não é no texto que estão as condenações gritadas de púlpitos e em sessões de “aconselhamento pastoral” irresponsável e violento. É nas compreensões pré-determinadas sobre nós, sobre gênero e sexualidade, que está a condenação. Por isso, nesse tipo de leitura e de discurso religioso não temos nenhuma chance. Nossa alternativa, para quem o Cristianismo ainda faz algum sentido, é buscar nossas próprias formas de ler não apenas esses textos, mas a mensagem bíblica como um todo. No que segue, são apresentados alguns exercícios possíveis para libertar a mensagem bíblica e espiar pela fechadura. Romper com o que nos aprisiona é um exercício cotidiano que não se encerra aqui. Todos os tipos de fundamentalismos sustentam-se na ideia de que existem determinadas verdades inalteráveis e indiscutíveis. Escondem-se atrás de portas envernizadas trancadas com pesados cadeados sob a aparência de que nada, nunca, muda. Algumas autoridades iluminadas, então, arrogam-se o poder de guardiãs de tal conteúdo a ser repetido roboticamente por quem não teve a fortuna de receber as chaves do conhecimento e vive sob a ilusão de participar dele através da obediência. Quem ousa questionar essa ordem das coisas, mesmo que seja para espiar pela fechadura, sofre punição. Mas seu pior castigo pode ser não perceber que a porta, o cadeado e a fechadura são apenas artimanhas para aprisionar a realidade que é sempre feita de movimentos, misturas e ambiguidades. Um dos campos férteis para os fundamentalismos é a religião. Em todos os cantos brotam formas autoritárias e absolutistas que capturam as experiências religiosas e as transformam em fórmulas fechadas e definitivas que exigem adesão irrestrita. Alguém define a forma correta de crer e às demais pessoas só resta seguir repetindo o que, às vezes, nem faz muito sentido. Narrativas e textos recebem o selo de sacralidade e perdem o seu caráter vivencial para se transformar em norma que regula as formas corretas e autorizadas de crer e viver. Os textos sagrados do Cristianismo (a Bíblia), por exemplo, deixam de ser vistos como uma multiplicidade de vozes, práticas, experiências e teologias para se tornar um instrumento de controle e autoridade. É preciso acreditar no que nos dizem sobre os textos como se quem determina a leitura correta não estivesse interpretando, 74 mas tivesse um acesso exclusivo a Deus e sua revelação. Guardados nos armários da pureza religiosa, esses textos já não dialogam com as experiências cotidianas das pessoas e das comunidades. Apenas servem para preservar um sistema que promete salvação e convertem-se em dogmas infalíveis que apenas reiteram a danação. Nessa matemática vamos todas e todos para o inferno. Estruturas, relações e padrões de gênero e sexualidade são elementos constitutivos das engrenagens fundamentalistas que se articulam com várias outras e de diversas formas. Mecanismos binários, que funcionam como opostos, definem o que significa ser e viver como homem e como mulher, como heterossexual e como homossexual. Dessa forma, projetam sobre as experiências, práticas e identidades das pessoas, valores, ideias e comportamentos como sombras ameaçadoras que indicam os limites intransponíveis e o lugar de cada pessoa no ordenamento estabelecido. Nessa concepção, não é possível discutir e debater os contornos das definições, pois a mobilidade das linhas colocaria em risco a própria estratégia de dominação disfarçada de vontade divina. Só pode existir um jeito de experimentar Deus, de crer e de viver a fé. Caso contrário, as formas de opressão ficariam expostas e quem quer manter-se no poder perderia o controle das coisas. Adentrar os textos bíblicos, as estruturas religiosas e as práticas institucionais desde a perspectiva da diversidade sexual e de gênero implica em reconhecer a falácia das portas trancadas dos armários. Implica em perceber os cadeados desenhados para o confinamento de determinadas verdades inventadas e manusear outras chaves de leitura e interpretação. Uma das formas de acesso é a negação de qualquer sentença condenatória definitiva baseada em “textos (e instrumentos) de terror” que visam a afastar qualquer olhar curioso, como vimos na parte anterior. Usando uma metodologia “defensiva” é possível visitar as passagens usadas e abusadas para invalidar as experiências LGBTI+ e relativizar o seu poder de controle, semeando dúvidas inquietantes ou simplesmente negando o seu poder determinante sobre tais experiências. Metodologias mais “ofensivas” ou “afirmativas” e não apologéticas, no entanto, podem revelar outros segredos escondidos e bem guardados. A leitura popular e feminista da Bíblia oferece chaves importantes para esse exercício. Tal perspectiva integra elementos metodológicos da educação popular aplicados à interpretação de textos bíblicos. Esses elementos são oriundos dos movimentos eclesiais e sociais comunitários na América Latina. As categorias de análise de gênero e sexualidade, articuladas nas formas de produzir conhecimento feminista e queer dialogam com esses elementos. Como descrito no texto em epígrafe no início deste capítulo, tal metodo- 75 O amor (proibido) de Carlos e Mariana Carlos fez Mariana jurar de novo, pelo amor que tinha por ela, porque Carlos a amava com todo o amor de sua alma. “E quanto àquilo que eu e tu falamos”, disse Carlos, “eis que o Senhor está entre mim e ti, para sempre”. Mas aconteceu que Irineu, pai de Carlos, ficou com muita raiva dele e lhe disse: “Filho de mulher perversa e rebelde; não sei eu que escolheste a Mariana, para vergonha tua e para vergonha da tua mãe? Ela vai acabar com tua vida e por isso vou dar um jeito nela”. Então, respondeu Carlos a Irineu, seu pai, e disse a ele: “Por que você vai fazer isso? O que foi que ela fez?” Carlos ficou com muita raiva, se levantou da mesa no meio da festa, não comeu nada, pois ficou muito triste por causa de Mariana, a quem seu pai tinha ofendido. Ele foi ao encontro de Mariana no local onde tinham combinado. Carlos abraçou Mariana, os dois se beijaram e choraram juntos. Depois Carlos disse a Mariana: “Vai em paz, porque juramos ambos em nome do Senhor, dizendo: ‘O Senhor seja para sempre entre mim e ti e entre a minha descendência e a tua’.” O amor (intergeracional) de Vanessa e Antônio Naquele dia, Cláudia, Vanessa e Antônio choraram alto. Cláudia, com um beijo, se despediu de Antônio, seu sogro, mas Vanessa se apegou a ele. Disse Antônio: “A tua cunhada voltou para a família dela e seus deuses; volta tu também para a tua família”. Disse, porém, Vanessa: “Não insistas para que eu te deixe e me obrigues a não ir contigo; porque aonde quer que fores, eu irei e, onde quer que pousares, ali eu pousarei; a tua família é a minha família, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que tu morreres, lá eu morrerei e serei sepultada; faça-me o Senhor o que bem quiser, se outra coisa que não seja a morte me separará de ti”. Quando nasceu o filho de Vanessa, as mulheres disseram a Antônio: “o Senhor seja bendito, porque não deixou, hoje, de te dar um herdeiro”. Antônio tomou o menino, e o pôs no regaço, e entrou a cuidar dele. As vizinhas lhe deram nome, dizendo: “a Antônio nasceu um filho”. E o chamaram de Luiz. 39 76 Alguém com alguma familiaridade com a Bíblia ou com vivência em alguma igreja cristã possivelmente reconhecerá as narrativas apresentadas acima e perceberá que algo foi alterado. Para um leitor ou uma leitura sem essa familiaridade, no entanto, as narrativas podem apenas refletir dois relacionamentos bastante corriqueiros (apesar de seus dilemas) – entre pessoas do que se convencionou chamar “sexo oposto” – que poderiam ou não estar na Bíblia. O fato é que essas narrativas estão na Bíblia, mas naquele contexto elas apresentam o relacionamento entre dois homens – Jônatas e Davi (no primeiro caso) e duas mulheres – Rute e Noemi (no segundo caso). 40 As narrativas completas trazem vários outros elementos que podem ser articulados numa perspectiva da diversidade sexual e de gênero. O exercício da troca de nomes, no entanto, pode ajudar a tornar evidente as diferentes percepções acerca de determinadas relações quando envolvem pessoas identificadas como sendo do mesmo sexo ou de sexos diferentes (opostos). Como se leem e o que se entende desses textos quando falam de relações entre um homem e uma mulher, e como eles são lidos quando se sabe que falam de dois homens e de duas mulheres? 39 As narrativas são apresentadas e discutidas em MUSSKOPF, André S. Bíblia, cura e homossexualidade – “Homens sejam submissos ao seu próprio marido. Da mesma forma, mulheres sejam submissas às suas esposas.” Ribla, n. 49, 2004/3. p. 93-107. 40 Os textos bíblicos podem ser encontrados em 1 Sm 20.17, 23, 3032, 34, 41-42 (Jônatas e Davi) e (Rt 1.14-17, 4.14, 17 (Rute e Noemi). Algumas leituras poderão identificar aqui experiências semelhantes àquelas vividas por homens gays e mulheres lésbicas e reconhecer o texto bíblico como algo que fala também sobre e para eles e elas de forma afirmativa. Outras leituras poderão, ainda, não apenas afirmar a identificação entre experiências do passado e contemporâneas, visto que refletem contextos muito diferentes, mas abrir a discussão para pensar como gênero e sexualidade estruturam as narrativas, as mensagens e os sentidos produzidos a partir delas. Pode-se perguntar que diferença faz o sexo, o gênero ou a sexualidade das personagens nessas narrativas bíblicas. Todas essas leituras e percepções sobre os textos mostram que podemos nos apropriar dessas narrativas e pensar sobre homossexualidade, diversidade sexual e de gênero de forma diferente, afirmando a vida de pessoas LGBTQIA+. Um olhar menos cuidadoso pode também deixar passar despercebida uma relação aparentemente sem maiores consequências no livro de Mateus, capítulo 8, versículos 5 a 13. Aqui, um soldado romano procura Jesus com o objetivo de aliviar o sofrimento causado por uma doença de alguém com quem vive. Esse soldado é milagrosamente atendido e, ainda, elogiado por seu gesto. A atitude do soldado é inesperada e até mesmo desproporcionada, considerando que ele representa o sistema opressor no contexto em que a narrativa se desenvolve. Seu gesto em relação ao “rapaz” 77 adoecido pode – e geralmente é – apresentado como um gesto gratuito de solidariedade e fé naquele em busca de quem se vai – Jesus. Essa, sem dúvida, é uma leitura válida e importante e não deve ser negada. Ainda assim, é preciso lançar um olhar mais atento para algumas questões. A forma como o soldado se refere à pessoa que está doente, por exemplo, pode levantar outras perguntas numa perspectiva LGBTQIA+. O termo que aparece no texto geralmente é traduzido como “servo” ou “criado” (em grego pais). Mas quem é esse “rapaz” (v. 6)? Por que o termo usado para se referir a ele é diferente dos termos usados para outros homens (v.9) como os “soldados” (em grego stratiotas) e “servos” (doulos)? Quem é esse “rapaz” por quem o soldado nutre tamanha afeição a ponto de expor-se ao ridículo, buscando um judeu para ajudá-lo e que, ao mesmo tempo, prefere que Jesus não vá até sua casa (por vergonha?) para ver a situação pessoalmente? Quem é esse “rapaz” que é identificado com o mesmo termo do qual deriva “pederastia”, empregado no passado para se referir a homens que mantêm relações com outros homens, e que designa um papel social específico na cultura grega? E o que fazer com a reação de Jesus a todo esse cenário de possibilidades que se apresenta diante dele e que ele provavelmente não ignora? É difícil estabelecer um paralelo direto e definitivo entre a possível relação homoafetiva/homossexual entre esses dois homens e relacionamentos contemporâneos entre homens gays ou pessoas LGBTI+ de modo geral. Não seria prudente nem preciso identificar um rapaz que desempenha o papel de “mancebo” em determinados círculos da Grécia (e não se sabe se realmente é disso que trata o texto, uma vez que esse não é seu interesse) com a realidade de pessoas que se identificam como homossexuais hoje. É importante tomar cuidado para não cair no mesmo erro das leituras fundamentalistas e querer utilizar um texto para justificar a aprovação da homossexualidade e da diversidade sexual em contraposição à condenação das leituras condenatórias tradicionais. O desafio é fazer uma leitura diferente. Ainda assim, uma leitura que busca “tirar a Bíblia do armário” a partir da experiência LGBTI+ ajuda a perceber que a Bíblia é mais diversa do que se pensa. Ao encontrar não apenas textos afirmativos, mas personagens que podem ser identificados como LGBTI+, percebe-se que há uma realidade que uma leitura viciada por uma perspectiva heteronormativa quer esconder. Dentro dessa estratégia de identificar personagens que refletem as 78 experiências de pessoas LGBTI+, outro grupo que emerge, geralmente reduzido a uma única identidade e forma de vivência, é o dos eunucos. A literatura revela que as pessoas e experiências identificadas com esse termo variam enormemente, ainda que geralmente se pense nelas simplisticamente como “homens castrados”. No próprio texto bíblico, numa passagem que discute o divórcio, Jesus é apresentado referindo-se a três tipos de eunucos. Porque há eunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos céus. (Mateus 19.12) A categoria “eunucos” representa diferentes formas de conceber e viver gênero e sexualidade. Ela pode incluir diversas formas de mudança do corpo (incluindo, mas não necessariamente, a genitália). Pessoas trans ou mesmo intersexuais, que passam por algum timo de mudança corporal (cirurgia de redesignação sexual, tratamento hormonal etc.) ou não podem ter seu sexo enquadrado nas duas categorias binárias disponíveis (masculino e feminino) têm encontrado aqui uma referência a suas vivências. O seu corpo fora dos padrões reconhecidos ou em transição pode ser visto como aquele dos eunucos, que não são vistos nem como homens, nem como mulheres. Isso revela que mesmo quando se lê a Bíblia as categorias que usamos (homem/mulher, masculino/feminino) são insuficientes para a realidade vivenciada pelas pessoas de então e de agora. Além disso, a referência aos eunucos pode ser vista como um reconhecimento por parte do próprio Jesus de seu lugar no projeto do “Reino dos Céus”. Mais do que isso, a fala de Jesus revela a dificuldade de muitas pessoas em compreender essa realidade, quando ele afirma: “Quem é apto para o admitir, admitirá” (v. 19b). Estabelecer uma relação entre a identidade e o papel social desempenhado pelo grupo social dos eunucos em sua variedade de expressões e contextos com aquelas de pessoas LGBTI+ hoje pode ser um caminho na afirmação da sua cidadania religiosa. A possibilidade de identificação com esses personagens numa leitura dialógica entre o texto bíblico e a experiência concreta pode ter um profundo poder pastoral e também de ressignificação do texto bíblico. O fato de pessoas trans e intersexuais se verem no texto bíblico e serem vistas como exemplo de fé pode ser libertador para muitas pessoas. Do ponto de vista pastoral, essa leitura pode oferecer uma perspectiva de pertencimento e reconciliação tanto com o texto bíblico quanto com a própria tradição religiosa. Do ponto de vista 79 do texto bíblico, inclusive outros em que aparecem as figuras dos eunucos (como Atos 8.26-38, que narra a conversão do eunuco etíope, o primeiro convertido não judeu), tal leitura pode oferecer uma outra chave interpretativa para perceber de que forma gênero e sexualidade são parte estruturante das narrativas e dos significados produzidos, então e agora. Essa outra chave interpretativa pode ser aquilo que Mona West chamou de “leitura desde um lugar social específico”, no caso de pessoas LGBTI+, ou o que Timothy Koch chamou de “fazer pegação” (cruising) com a Bíblia. Segundo esse último autor, na interpretação de textos ou na produção do conhecimento teológico, isso implica: usar nossas próprias formas de conhecimento, nosso próprio desejo por conectar-se, nossa própria compreensão e instinto, nossa própria resposta ao que nos atrai e nos compele (...) Pois, assim como em nossas vidas sociais, escolher fazer pegação aqui significa assumir nossa própria autoridade e responsabilidade em seguir o que quer que entre no nosso caminho, pois é isto que fala aos nossos próprios desejos. (KOCH, 2001, p.16). Nesse exercício já não há mais o peso ou a sombra de uma heterossexualidade compulsória como ponto de partida para a leitura bíblica (ou de qualquer outro texto ou narrativa), nem a necessidade de provar que a existência LGBTI+ é legítima – dentro ou fora das igrejas cristãs. Aqui, a leitura do texto sagrado se torna aquilo que ela deve ser no contexto da experiência religiosa: um diálogo produtivo e interpelativo entre elementos de uma determinada tradição que não se esgota no passado e a experiência individual e coletiva para quem esses elementos têm um sentido religioso. É aquilo que a leitura popular da Bíblia chama de “ler os dois livros”: a Palavra de Deus 80 (a Bíblia) e a Vida (nossas experiências, crenças e formas de ver o mundo). Esse diálogo entre o texto bíblico e a experiência cotidiana produz novos significados que alimentam a fé e a vida diante dos desafios de ser quem se é e de estar onde se está, num movimento aberto contínuo. Gênero e sexualidade não deixam de ser chaves importantes para esse exercício, justamente porque tão comumente são articulados de maneira a controlar e oprimir quem se localiza fora das zonas de normalidade aceitas e determinadas num dado contexto. A Bíblia já não é um texto estranho, distante e impositivo, mas uma companheira na jornada da vida. Livre das amarras e dos cadeados é possível entender que a diversidade sexual e de gênero e as pessoas LGBTQIA+ não são um erro de Deus, mas uma expressão de seu amor e criatividade. Com essa liberdade é possível se aproximar de outras narrativas, como aquela de um jovem que deixa sua casa e sua comunidade e se arrisca no desconhecido para descobrir e conhecer a si mesmo. Nesse processo, esse jovem se encontra em situações degradantes e violentas que expõem fatores de vulnerabilidade que o colocam nessas situações e o empurram para a marginalidade social. Diante de uma situação extrema, se vê obrigado a buscar refúgio no lugar de onde saiu, ainda que isso signifique negar a si mesmo e conformar-se às normas vigentes. Sua sexualidade, ou determinadas ideias sobre a forma como viveu ou vive sua sexualidade são usadas como acusação de sua culpabilidade pelos infortúnios vividos. Todas as pessoas conhecem histórias de jovens que passaram por situações como essas: sair de casa (ou ser expulso e expulsa) e ir para um grande centro urbano; passar por diversas dificuldades; pensar em voltar para casa para sobreviver (quando isso é possível). A parábola do filho pródigo (Lucas 15.1132) reflete exatamente essa situação e ajuda a entender realidades vividas por muitas pessoas LGBTI+ e fazer sentido delas no contexto da experiência religiosa. A própria imagem de Deus, bem como o papel que essa imagem desempenha na organização das relações sociais e religiosas, pode mudar e uma experiência religiosa renovada emergir – para pessoas LGBTI+, mas também para todas as pessoas de se permitem vivenciar essa religiosidade viva e coerente com os desafios cotidianos de viver em cada realidade concreta. Nesse caminho talvez se perceba que não se trata apenas de espiar pela fechadura como um ato de desobediência e ousadia, destrancar os cadeados que mantêm determinadas realidades invisíveis nos armários, mas perceber que todos eles são instrumentos de controle, injustiça e violência inventados para manter uma determinada ordem social – e religiosa. A leitura dos textos bíblicos e da própria religião na perspectiva da diversidade sexual e de gênero deveria evitar o risco de criar outros armários, cadeados e fechaduras que impedem as pessoas de viverem de forma livre e com dignidade. Isso implica numa vigilância constante que só é possível numa comunidade de iguais que se reconhecem e se desafiam mutuamente, suspeitando de qualquer estrutura que se pareça com um armário, identificando e espiando pelas brechas e fissuras que sinalizam os armários criados e recriados cotidianamente e acionando chaves que destranquem qualquer forma de aprisionamento para que o ar penetre e leve vida aos cômodos mais escuros e esquecidos. A Bíblia não precisa ser vista como uma fonte de condenação e negação da experiência de pessoas LGBTQIA+. Muitas pessoas têm descoberto outros sentidos na leitura dos textos sagrados do Cristianismo que afirmam a diversidade sexual e de gênero como parte desses textos e como parte do projeto de Deus. Os cadeados e as fechaduras não querem que isso seja percebido com medo de que a realidade social seja transformada. Aqui foram apresentadas algumas pistas que podem ajudar a romper com esses cadeados e fechaduras. Outras pistas e outras leituras possíveis podem ser encontradas e construídas para quem essas questões são importantes e para deslegitimar quem diz que as vidas LGBTQIA+ não importam. 81 Referências BARROS SANTOS, Odja. “Outro gênero” de Igreja - Um estudo sobre a prática comunitária de Leitura Popular e Feminista da Bíblia. Tese de Doutorado. São Leopoldo: Faculdades EST, 2019. GUEST, Deryn; GOSS, Robert E.; WEST, Mona; BOHACHE, Thomas (ed.). The Queer Bible Commentary. London: SCM Press, 2006. HANKS, Tom. Las minorias sexuales en la Biblia – Textos positivos en la Biblia Hebrea. Buenos Aires: Epifanía, 2013. HANKS, Tom. Las minorias sexuales en la Biblia – Textos positivos en el Nuevo Testamento. Buenos Aires: Epifanía, 2012. KOCH, Timothy. A homoerotic approach to Scripture. Theology & Sexuality, v. 14, p.10-22, 2001. MUSSKOPF, André S. Bíblia, cura e homossexualidade – “Homens sejam submissos ao seu próprio marido. Da mesma forma, mulheres sejam submissas às suas esposas”. Ribla, n. 49, 2004/3. p. 93-107. MUSSKOPF, André S. Que comece a festa. O filho pródigo e os homens gays. Belo Horizonte: Editora Senso, 2020. STONE, Ken (ed.). Queer commentary and the Hebrew Bible. Cleveland: Pilgrim, 2001. WEST, Mona. Reading the Bible as Queer Americans. Theology & Sexuality, n. 10, setembro 1999. WILSON, Nancy. Nossa tribo – Gays, Deus, Jesus e a Bíblia. Rio de Janeiro: Metanoia, 2012. 82 83 84 Chave 6 Há uma brecha na igreja: abertura e inclusão de pessoas LGBTI+ A lgumas expressões linguísticas se tornam tão populares que pode ser difícil encontrar o significado do que originalmente designavam, afinal, seu uso marcado por categorias socioculturais acaba transformando de maneira definitiva seu sentido originário. “Sair do armário” é uma dessas expressões. O termo remete à ideia de sexualidade, em especial à homossexualidade. Segundo Glauco Lessa 41, a origem do termo está na junção de duas expressões da língua inglesa: come out (sair, revelar-se) e skeletons in the closet (esqueletos no armário). A primeira dizia respeito, durante os séculos XIX e XX, às debutantes que se apresentavam à sociedade, tradição conhecida pelos brasileiros. Já a segunda ainda é usada como sinônimo de “segredo vergonhoso”. À junção das duas expressões, surgiu o termo come out of the closet, que foi traduzido para a língua portuguesa por “sair do armário”. 41 LESSA, 2018. 85 A expressão foi acolhida pelo senso comum e passou a ser culturalmente ligada à publicização da orientação sexual, podendo também, mas com menos frequência, dizer respeito à identidade de gênero. Segundo Wagner Xavier Camargo42, sair do armário significa fazer-se aparecer ou tornar algo público, e também pode significar to declare oneself openly (declarar-se abertamente), tendo maior peso quando a expressão é pronunciada no tocante à orientação sexual. Declarar-se gay ou lésbica, por exemplo, deixa de ser apenas questão íntima e se torna pública e, portanto, alvo mais contundente de julgamentos morais. Existe ainda, no que tange à compreensão do termo, a expressão outing que, segundo Tamsin Spargo43, designa a prática de revelar publicamente a identidade de gênero ou a orientação sexual de figuras públicas sem o consentimento delas. Assim, importa perceber que o sair do armário pode ou não ser consentido. A metáfora do armário acaba se tornando, então, algo presente no dia a dia, na medida em que mais pessoas publicizam sua orientação sexual ou identidade de gênero divergente. Tomada sob uma perspectiva cristã, a metáfora do armário pode remeter às inúmeras chaves que mantêm as portas das igrejas fechadas impedindo que a sexualidade seja experimentada positivamente sob o ponto de vista da fé. Nesse sentido, pensar uma “igreja-armário” significa compreender a dinâmica de negação e condenação do Cristianismo hegemônico em relação às pessoas LGBTI+. Entretanto, assim como é possível se imaginar brechas no armário 44, é também possível se imaginar brechas na igreja. Isso implica dizer que, por mais que o Cristianismo hegemônico insista em trancafiar as experiências sexo/gênero divergentes, existem fissuras, brechas, aberturas que garantem outras possibilidades de experiência da mesma realidade. Uma discussão nesse sentido requer que se pense a existência de um “Cristianismo inclusivo” que tem operado há algumas décadas na proposição de formas de resistência à negação da existência de outras experiências sexuais e de gênero que não se enquadram na norma, ou melhor, cisheteronorma. 45 Não é possível se chegar a um consenso sobre a gênese de um Cristianismo inclusivo, principalmente considerando-se que as próprias práticas de Jesus, o Cristo, narradas nos evangelhos, retratam como ele mesmo se colocou à disposição de um projeto de radical inclusão, dando voz e vez às mulheres, aos doentes, aos estrangeiros, dentre tantos outros grupos marginalizados de sua época. Entretanto, no que diz respeito à inclusão como uma abertura do Cristianismo institucionalizado às pessoas LGBTI+ é possível sugerir que o evento fundante tenha sido a criação da Fra- 86 42 CAMARGO, 2013. 43 SPARGO, 2017. 44 Metáfora compartilhada pelo teólogo André Musskopf em sua obra “Uma brecha no armário: propostas para uma teologia gay”, 2015. 45 Cisheteronorma é um vocábulo que remete à cisgeneridade e à heteronormatividade, conceito esse que será apresentado mais adiante. ternidade Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana, nos Estados Unidos, aos 6 de outubro de 1968 46. A partir daí, um número crescente de denominações cristãs inclusivas surgiu ao redor do mundo possibilitando o protagonismo das pessoas LGBTI+ na experiência, ainda que marginal, do Cristianismo. Igreja inclusiva, segundo Marcelo Natividade47, é uma autodenominação religiosa, ou seja, é um termo autorreferenciado, pois não existem critérios para que uma igreja seja ou não considerada inclusiva, a não ser a aceitação de pessoas LGBTI+ em seus espaços religiosos. Isso implica dizer que a inclusão se dá em diferentes níveis. Tradicionalmente, consideravam-se igrejas inclusivas aquelas que foram originalmente fundadas por pessoas LGBTI+ e que eram voltadas, quase exclusivamente, para esse público. Marcelo Natividade explica que essas igrejas foram chamadas, por muito tempo, de “igrejas gays”. Todavia, o que se percebe na contemporaneidade é que muitas igrejas cristãs, principalmente as de tradição protestante, também têm se autodeclarado inclusivas por aceitarem em seu rol de membros pessoas LGBTI+. Ou seja, igrejas que não foram fundadas por dissidentes sexuais e de gênero passaram a incluir essas pessoas, demonstrando uma ampla, mas, muitas vezes, não irrestrita, aceitação. Não importa, neste momento, refletir sobre como se dá esse dinâmica, mas interessa pensar que a saída do armário de um número cada vez maior de pessoas implicou em uma mudança dentro do Cristianismo que, mesmo muitas vezes resistindo ao debate, acabou cedendo ao diálogo dentro de algumas denominações e expressões de fé cristãs. E isso não se dá apenas no contexto protestante, afinal são vários os grupos que surgem, inclusive no catolicismo romano, reivindicando a experiência ampla da fé por meio do reconhecimento não somente de suas existências, mas de seus desejos – desejo pela vivência da fé e desejo pela vivência do afeto. 46 Para mais informações sobre a fundação da Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana, ver: FREIRE, Ana Ester Pádua. Armários Queimados: igreja afirmativa das diferenças e subversão da precariedade, 2019. 47 NATIVIDADE, 2010. Essa realidade mostra que, quer a maioria da cristandade queira quer não, existe uma brecha na igreja! É possível pensar essa brecha como sendo: 1) resultado da ação do tempo, que altera as estruturas eclesiásticas e cria fissuras, 2) resultado da ação exterior, que de tanto empurrar a porta forçando uma entrada acaba criando espaços de passagem; 3) resultado da ação interna, que de tanto empurrar a porta forçando uma saída acaba, também, criando brechas. Pode-se, por outro lado, pensar que essa brecha sempre esteve lá, à medida que se percebe no próprio Jesus a ação libertadora que cria passagens, pontes, travessias entre a negação e a aceitação. 87 E é justamente uma das reflexões de Jesus que pode ajudar a pensar como a igreja cristã, tem na atualidade, se relacionado com as pessoas LGBTI+. Essa reflexão encontra-se no evangelho de São Lucas 10, 25-37 e conta a tão conhecida história do “Bom Samaritano”. Tradicionalmente reconhecida como sendo de autoria de Lucas, a parábola está localizada na chamada “narrativa da viagem”, na qual Jesus segue em direção à Jerusalém, local de sua paixão. Uma pergunta conduz a ação: “E quem é o meu próximo?”. Esse questionamento leva Jesus a contar a história de um homem que, seguindo seu caminho, foi tomado por assaltantes, que depois de o roubarem e o espancarem, o largaram semimorto. O verbete semimorto traz a ideia de vulnerabilidade. O semimorto de Lucas é marcado pela “chaga” (cf. Bíblia de Jerusalém). Na tradução Vulgata de São Jerônimo, o termo foi traduzido por vulnus, vulneris, que significa ferida, golpe, corte. Daí a palavra vulnerabilitas, que dá origem ao verbete vulnerabilidade. Ou seja, o semimorto é o vulnerável. Pensar a vulnerabilidade é fundamental não somente para melhor compreender a condição do semimorto, como também para compreender a condição das pessoas LGBTI+ diante do estigma condenatório que o cristianismo hegemônico impõe sobre suas práticas afetivo-sexuais e identitárias. Para pensar a ideia de vulnerabilidade, a filósofa Judith Butler48 parte do conceito de precariedade. A precariedade são modos de não viabilidade da vida e “implica um aumento da sensação de ser dispensável ou de ser descartado que não é distribuída por igual na sociedade” 49. A precariedade designa, segundo Butler “a situação politicamente induzida na qual determinadas populações sofrem as consequências da deterioração de redes de apoio sociais e econômicas [...] e ficam diferencialmente expostas ao dano, à violência e à morte” 50. É na precariedade que a vulnerabilidade se manifesta. A filósofa explica que a vulnerabilidade não é simplesmente uma fraqueza, mas uma condição injusta e desigual de relações político-econômicas. Ou seja, a precariedade é o ambiente propício para o encontro com os semimortos. Segundo a narrativa de Lucas, diante do semimorto, três pessoas passaram. E é justamente aqui que, por meio do princípio da imaginação como propulsor de outras e novas leituras do texto bíblico, propõe-se três possibilidades de relacionamento da igreja com a comunidade LGBTI+. Não importa neste momento pensar em quem não aceita, quem rejeita, quem condena, mas sim pensar a respeito de três formas de relacionalidade que existem na contemporaneidade, por meio das já apontadas “brechas na igreja”. 48 BUTLER, 2018. 49 BUTLER, 2018, p. 21. 50 BUTLER, 2018, p. 40. 88 1. Igreja receptiva A narrativa de Lucas conta que o primeiro que passou pelo semimorto foi o sacerdote. “Viu e passou adiante”, afirma Lucas. O sacerdote seria o que é considerada hoje uma igreja receptiva (do inglês, welcoming church). Ele passa, vê, mas não é afetado pela realidade. Essas igrejas são denominações cristãs que se abrem às realidades subalternas, mas no quesito sexualidade conservam a tradição como forma de invisibilizar as diferenças. Existe uma barreira teológica, marcada pela ideia de pecado, fundamentada sobre o patriarcado, que as impede de avançar em discussões que realmente as afetem enquanto instituições de fé formadas, quer queiram quer não, por corpos generificados. Geralmente, os discursos aqui são: “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador”, “nós até temos membros LGBTI+ em nossas comunidades, mas eles não namoram”. Os discursos podem ser considerados até mais “progressistas”, como, por exemplo, “temos membros LGBTI+, eles até cantam no louvor”. A igreja receptiva recebe as pessoas sexo/gênero divergentes, mas não permite que essas pessoas tenham destaque, liderem, conversem sobre suas realidades nem que vivam a plenitude de suas sexualidades. 2. Igreja inclusiva A narrativa de Lucas continua e, diante do semimorto, passa o levita. “Atravessou o lugar, viu e prosseguiu”. Ainda trabalhando sob o prisma metafórico, é possível comparar o levita com a comumente chamada igreja inclusiva (do inglês, inclusive church). Para essa comparação, é necessário se pensar em dois conceitos importantes quando se trata da sexualidade como dispositivo regulatório das relações sociais: a heterossexualidade compulsória e a heteronormatividade. Muito resumidamente, heterossexualidade compulsória é um termo cunhado por Adrienne Rich, escritora feminista estadunidense, para explicar que a heterossexualidade não deve ser compreendida como algo natural, mas como o resultado de práticas sociais que estabelecem uma norma que regula as relações amorosas e sexuais. Ou seja, é um modelo imposto de relações amorosas e sexuais com o sexo oposto. Por outro lado, a norma que regula os indivíduos e as relações na sociedade é chamada de heteronormatividade. Para Richard Miskolci, “heteronormatividade é um regime de visibilidade, ou seja, um modelo social regulador das formas como as pessoas se rela- 89 cionam” 51. Segundo o autor, o termo foi cunhado por Julia Kristeva, filósofa feminista búlgara, para explicar que existe regulação e normatização dos modos de ser e de viver no que diz respeito aos desejos corporais e à sexualidade. A norma heteronormativa que rege os indivíduos e as relações diz respeito ao modo pelo qual o indivíduo se relaciona com o outro afetivamente – orientação sexual – e o modo com o qual o indivíduo se relaciona com seu próprio corpo – identidade de gênero. Atualmente, é possível que o termo seja grafado como “cisheteronormatividade”, pois inclui a cisgeneridade dentro do espectro regulador. Paul Preciado52 explica que a ordem sexual é fundada no modelo heterossexual, familiar e reprodutivo, por isso a definição de heterossexualidade como norma regula tanto as pessoas quanto as relações. É possível sugerir que igrejas inclusivas conseguiram avançar nas discussões sobre heterossexualidade compulsória, afinal, incluem no cenário da experiência cristã a diversidade sexual e de gênero, considerando que existem outros tipos de sexualidade que definem corpos e afetos, ainda que dissidentes. Nesse sentido, é importante ressaltar que, hoje, igrejas inclusivas não são somente aquelas comumente conhecidas como “igrejas gays” ou “igrejas só de gays”, pois, muitas igrejas progressistas se encontram nesse formato no qual acolhem LGBTI+, entretanto esperam dessas mesmas pessoas um comportamento “moral” adequado à heteronormatividade. Ou seja, as igrejas inclusivas rompem com a heterossexualidade compulsória, mas não avançam nas discussões referentes à heteronormatividade. Assim, discursos como família nuclear (casal com filhos), sexo depois do casamento e relações monogâmicas, por exemplo, ainda regem essas igrejas que insistem em repetir padrões para que sejam aceitas no contexto do cristianismo. 90 51 MISKOLCI, 2016, p. 44. ⁵2 PRECIADO, 2011. 3. Igreja afirmativa das diferenças A parábola segue e protagoniza um samaritano, que “chega junto, o vê e é movido por compaixão”. Não somente o semimorto está em uma situação de vulnerabilidade, como também o samaritano, por ser estrangeiro. Entretanto, o samaritano tem as condições necessárias para agir ativamente sobre a sua vulnerabilidade, colocando-se em favor do outro. Diante do semimorto é imperativa uma resposta, ainda que seja essa o ignorar o corpo, a chaga, a vida que se esvai. Entretanto, o samaritano é interpelado pelo cenário de quase-morte e se move em misericórdia. A consideração da existência de tanto um “eu” como um “outro” é fundamental para se pensar o semimorto no caminho. Somente quando a existência do semimorto foi percebida é que outro se achegou a ele, não como um outro qualquer, mas como sujeito que também reconhece a própria existência e a necessidade da relacionalidade como fundamento para (co)existir. E é nesse contexto de uma ética solidária a qual percebe o outro em sua singularidade, que é possível se pensar em uma igreja afirmativa das diferenças (do inglês, affirming church), tomando em consideração a metáfora da ação do samaritano que “chega junto, o vê e é movido por compaixão”. Essa aproximação permite que ele veja, abrindo perspectivas para um padrão de relacionalidade para além da cisheteronormatividade. Quando o samaritano toca o semimorto ele é interpelado pela iminência da morte, por isso a vida é hipervalorizada. Somente nesse contexto, se faz possível repensar as relações, conversar sobre as singularidades e afirmar as diferenças em amor. Uma igreja afirmativa das diferenças é a que rompe com a heterossexualidade compulsória, como também com a heteronormatividade por meio do reconhecimento das diferenças. Esse é um caminho sem volta, que muda as estruturas da experiência cristã propondo novos ritos e novas liturgias de solidariedade. Essa tipologia (igreja receptiva, igreja inclusiva e igreja afirmativa) não precisa, necessariamente, se limitar ao conceito de igreja, mas pode – e deve – ser pensada, também, a partir de grupos que se organizam dentro do ambiente eclesiástico. Grupos, coletivos, redes, que se organizam dentro das igrejas também podem ser observados por meio desses parâmetros. São grupos receptivos, são inclusivos, são afirmativos? A tentativa de localizar essas comunidades em uma tipologia não pretende engessar as experiências, afinal, é sabido que a organicidade desses grupos permite que as diferenças se relacionem em solidariedade. 91 Na realidade, o que importa com uma tipologia que intenta pensar a relação da igreja com as pessoas LGBTI+ é criar um horizonte para o qual se caminha. O desejo último de uma experiência dissidente sexual e de gênero no contexto da fé cristã deve ser a celebração! Celebração da fé, da sexualidade, da vida. A parábola do Bom Samaritano aponta uma chave importantíssima para essa celebração: a chave da hospedaria. O texto do evangelho de São Lucas conta que o samaritano não somente “chega junto, o vê e é movido por compaixão”, ele também cuida das feridas do semimorto com óleo e vinho, o coloca sobre seu animal e o leva a uma hospedaria. Lá, no dia seguinte, ele pede ao hospedeiro que cuide do semimorto, se comprometendo em pagar todas as suas despesas. A chave da hospedaria é a chave que abre a porta do cuidado, da proteção, da cura. Essa chave é fundamental para a reconciliação entre a fé e a vivência sadia da sexualidade. E não somente isso, essa chave é importante para o acolhimento que promove a celebração pelo reconhecimento da possibilidade de comemorar quem se verdadeiramente é. Sim, existe uma “brecha na igreja”, ou melhor, existem “brechas na igreja”. Essas fissuras, essas aberturas, permitem o tráfego do desejo, da livre sexualidade, da afirmação que liberta. Diante das tantas possibilidades de relacionalidade entre a igreja e as pessoas LGBTI+, é possível se desejar a experiência de fé que afirma as diferenças e as celebra, percebendo justamente nas diferenças a própria criatividade divina. 92 Referências A BÍBLIA DE JERUSALÉM. 3a edição. São Paulo: Paulinas, 2004. BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. CAMARGO, Wagner Xavier. Nos armários da sexualidade: polêmicas no futebol alemão. Contemporânea (uma quase revista), Florianópolis, v. 3, p. 10-11, 13 jan. 2013. FREIRE, Ana Ester Pádua. Armários queimados: igreja afirmativa das diferenças e subversão da precariedade. Tese (Mestrado). Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, PUC Minas, 2019. KRISTEVA, Julia. Pouvoirs de l'horreur. Essai sur l'abjection. Paris: Éditions du Seuil, 1980. LESSA, Glauco. Como surgiu a expressão “sair do armário”? Mundo Estranho. Super Interessante. 9 out. 2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/ MISKOLCI, Richard. Teoria queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica Editora, UFOP, 2016. MUSSKOPF, André Sidnei. Uma brecha no armário: propostas para uma teologia gay. 3. ed. São Leopoldo: Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, Fonte Editorial, 2015. NATIVIDADE, Marcelo Tavares. Uma homossexualidade santificada? Etnografia de uma comunidade inclusiva pentecostal. Religião & Sociedade, v. 30, p. 90-120, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rs/v30n2/ PRECIADO, Paul. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, jan-abr 2011. Disponível em: https://periodicos. ufsc.br/index. php/ref/article/view/S0104-026X2011000100002/18390. Acesso em 18 mar. 2019. RICH, Adrienne. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Bagoas – Estudos gays: gêneros e sexualidades, v. 4, n. 05, 27 nov. 2012. Disponível em: https://periodicos. ufrn.br/bagoas/article/view/2309/1742. Acesso em: 03 out. 2019. SPARGO, Tamsin. Foucault e a teoria queer, seguido de Ágape e êxtase: orientações pósseculares. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. 93 94 Chave 7 O armário está mofado e eu tenho alergia 1. O armário O armário é uma metáfora muito forte para expressar a realidade vivida por milhares de pessoas LGBTI+ em suas relações em todas as dimensões da vida. Na vida cotidiana, o armário é o lugar em que se guarda aquilo que, por algum motivo ou outro não se quer mostrar, aquilo que, se aparecer, se estiver fora do lugar, deixa o ambiente desorganizado, desordenado, “desnormatizado”. Quando se quer que cada coisa esteja em seu devido lugar, aquilo que não pode estar à mostra é colocado no armário, na invisibilidade. É lugar-comum dizer que as sexualidades LGBTI+ são sexualidades dissonantes, que não se enquadram na heterossexualidade compulsória e na “cisnormatividade”. É também lugar-comum nos mais diversos estudos e escritos dizer da força do Cristianismo em um processo de disciplinar os corpos, seus desejos, o prazer. Segundo a pesquisadora Guacyra Lopes Louro (2019, p. 19), 95 esses mecanismos operam, fortemente, no campo da sexualidade. Aqui, uma forma de sexualidade é generalizada e naturalizada e funciona como uma referência para todo o campo e para todos os sujeitos. A heterossexualidade é concebida como natural e, também, como o universal e normal. Aparentemente supõe-se que todos os sujeitos tenham uma inclinação inata para eleger como objeto de seu desejo, como parceiro de seus afetos e de seus jogos sexuais alguém do sexo oposto. Consequentemente, as outras formas de sexualidade são constituídas como antinaturais, peculiares e anormais. É curioso observar, no entanto, o quanto essa inclinação, tida como inata e natural, é alvo da mais meticulosa, continuada e intensa vigilância, bem como o mais diligente investimento. Esses diversos mecanismos são exatamente esse armário que encerra em si o que não pode ser visto, o que deve ser escondido. Pode-se até saber que existe o que está lá, pode-se até gostar, em alguma medida, do que está lá, mas é lá que deve permanecer para não contaminar os demais. Se os outros virem o que está lá, o que dirão de nossa igreja ou família? Mas, deixe lá, guardadinho, afinal, Deus detesta o pecado, mas ama o pecador. Desde que não pratique o homossexualismo (sic), poderá participar da comunhão dos santos. É neste sentido que o Catecismo da Igreja Católica (nn. 2357-2359) afirma que: homossexualidade designa as relações entre homens ou mulheres, que experimentam uma atracção sexual exclusiva ou predominante para pessoas do mesmo sexo. Tem-se revestido de formas muito variadas, através dos séculos e das culturas. A sua gênese psíquica continua em grande parte por explicar. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves a Tradição sempre declarou que «os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados». São contrários à lei natural, fecham o acto sexual ao dom da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afectiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados. Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, objetivamente desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã. 96 Esse discurso católico não difere muito de como várias outras igrejas cristãs (não todas)53 tratam as pessoas LGBTI+. Existem, mas não deveriam. Já que existem devem ficar no armário. O armário gay não é uma característica apenas das vidas de pessoas gays. Mas, para muitas delas, é ainda a característica fundamental da vida social, e há poucas pessoas gays, por mais corajosas e sinceras eu sejam de hábito, por mais afortunadas pelo apoio das comunidades imediatas, em cujas vidas o armário não seja ainda uma presença formadora. (SEDGWICK, 2007, p. 22). Por mais que haja muitas mudanças, que haja aqui e acolá em algumas igrejas, ou por parte de lideranças, a acolhida de pessoas LGBTI+, o armário é uma experiência cotidiana em alguns contextos. O armário, porém, não é dos lugares mais agradáveis para se viver, afinal de contas, o arco-íris precisa de luz para existir. O teólogo queer André Musskopf entrevê em uma de suas obras “uma brecha no armário”. Há muito o que fazer, sem dúvida quando se trata de reconhecimento das sexualidades e identidades de gênero dissonantes, mas há uma brecha que exige, em alguma medida, fazer abrir a porta, sair do armário. E armário fechado dá mofo e nós temos alergia. Diante disso, a seguir pensaremos acerca do mofo e da alergia. 53 Nem todos os discursos das diversas igrejas e nem todos os pensadores, teólogas, lideranças cristãs são, necessariamente homofóbicos ou coadunam com discursos homofóbicos. Há um grande número de igrejas e lideranças que têm dado passos significativos na assunção de uma postura acolhedora. A generalização de todo o campo cristão como um discurso único no que diz respeito à temática LGBTI+ seria um equívoco. 97 2. O fenômeno do mofo Uma primeira palavra para a qual gostaríamos de chamar a atenção é para “fenômeno”, é aquilo que aparece, o que pode ser visto. Quando no armário há carência de luz, excesso de umidade e falta de ventilação, desenvolve-se uma forma de vida, o fungo: o popular mofo. Como esse mofo se mostra? O que vemos quando vemos mofo? Quais ideias nos vêm à mente? Talvez essa seja uma reflexão importante de se propor. O mofo nos remete a algo parado, em decomposição. O mofo é, também, uma forma de vida muito diferente da vida humana; é uma forma de vida bastante rudimentar que, no entanto, pode prejudicar, em grande medida, a vida humana. André Musskopf em possibilitando que homens gays falem de suas experiências com a religião, recolhe uma história importante, que nos ajuda a compreender o mofo do armário e sua toxicidade. A Igreja Católica é a igreja que eu frequento, mas eu já me senti muito discriminado porque eu não poderia tomar a comunhão por ser divorciado. Então, hoje eu devo estar com uma falta muito mais grave com a Igreja Católica, com Deus pela Igreja Católica, porque além de divorciado sou gay. Eu acho que a Igreja Católica discrimina muito, e se não se abrir vai chegar uma hora que não vai ter quem possa. Porque divorciado não pode, mulher não sei o que não pode, gay não pode, lésbica não pode. O que eu quero ter é o respeito, reconhecimento, que as pessoas reconheçam como sou profissional, como pessoa, independentemente da minha situação, da minha orientação sexual, porque hoje eu tenho menos amigos do que eu tinha quando estava casado. (MUSSKOPF, 2015, p.84). Quando refletimos acerca dos mofos nos quais estamos, como pessoas LGBTI+ encerrados em armários, sobretudo no que diz respeito a igrejas cristãs, entendemos que mofo do armário são os agenciamentos políticos e linguísticos que matam a identidade das pessoas LGBTI+. O mofo é, em tese, tóxico. O Cristianismo em sua forma hegemônica, não poucas vezes, com seu arcabouço moral (pouco bíblico), tem na sociedade o papel de mofo, sobretudo quando se fala de moral sexual. Há que se ressaltar que o mofo não existe somente no seio da Igreja Católica ou do Cristianismo. O mofo está presente nas várias instâncias da sociedade. Mas, talvez no campo religioso a toxicidade do mofo seja mais sentida nas religiões devido ao fato de serem, 98 para muitas pessoas, lugares de construção de sentido, de busca de refúgio para as suas angústias existenciais. Não poucas vezes, o que se encontra é juízo e preconceito. Para o teólogo Marcelo Barros (2020, p. 289), a tragédia de nossas igrejas é que, muitas vezes, diante da humanidade, ainda mantêm uma linguagem e postura que não parecem amorosas. Como viver uma opção de amor com a obsessão de, ao mesmo tempo, salvar o próprio poder? Há exceções, graças a Deus. Infelizmente, exceções confirmam as regras. Mas não é por isso que não se podem celebrar as vozes dissonantes. O mofo existe, mas as pessoas LGBTI+ resistem. As brechas do armário vão se abrindo aos poucos. Isso exige das igrejas cristãs uma constante conversão, mudança de mentalidade, uma reforma constante de suas teologias morais. No que tange à moral sexual, é preciso partir do chão da vida, das experiências existenciais de pessoas concretas que com o coração sincero buscam dar sentido às suas próprias vidas. Tudo isso a partir da experiência cristã. 99 3. A alergia como reação Mas ao mofo, cabe a reação alérgica. Do ponto de vista biológico, a alergia é uma reação do sistema imunológico do corpo a algum agente que lhe ameace. No campo religioso LGBTI+ a alergia pode se manifestar tanto em um abandono das igrejas por parte das pessoas LGBTI+, quanto pode se manifestar em uma profética resistência, mesmo que marginal, no interior das instituições religiosas. Nessa profética resistência, leigas e leigos, religiosas, religiosos, presbíteras, presbíteros, bispas e bispos reagem ao mofo mostrando uma face amorosa de Deus que se manifesta na vida de Jesus. A psicóloga Cris Serra, em seu livro Viemos para comungar, aponta para esta profética resistência, demonstrando uma maior possibilidade de acolhida e aceitação no meio católico algo que podemos ver também e, talvez, de maneira mais visível no campo cristão não católico, gestos de acolhida. Para a autora, existe “uma mudança percebida na atitude de alguns bispos, padres e comunidades, acompanhada não só de declarações públicas, mas, também da promoção e aceitação de iniciativas de diálogo e com acolhida da diversidade sexual e de gênero.” (2019, p. 133). Na alergia ao mofo do armário, as pessoas LGBTI+ encontram outras pessoas que, a partir de uma experiência libertadora do Evangelho, colocam-se como companheiras e companheiros na construção de um cristianismo capaz de ser mais “jesuânico”, seguindo o pobre de Nazaré que vivia em meio ao povo e distante dos centros de poder. Na perspectiva de Marcelo Barros, “é essa opção de amor que assume a cruz, isto é, a renúncia ao poder e a doação da vida que obrigará as Igrejas a reverem seus dogmas, suas disciplinas e suas normas, não no sentido de um relativismo inconsequente, mas na dimensão de uma postura relacional e dialogal.” (2020, p. 289). A alergia ao armário se manifesta no reconhecimento de si mesmo como ser humano digno que tem direito, inclusive, à liberdade de crença e de consciência, mas essa liberdade não será dada, mas conquistada e este processo de conquista está em curso no meio do cristianismo já há algum tempo. O Espírito move as Igrejas, e sopra aonde quer, mas não sabe para onde vai (cf. Jo 3,8). O Espírito transmuta a alergia em alegria ao explodir o armário com sua força renovadora. 100 4. A chave ou o explosivo: O arco-íris como sinal de aliança. Os armários, de modo geral, possuem alguma coisa que os mantém fechados, de modo que quem está de fora não possa ver o que está dentro. Já vimos que estar no armário é não ser reconhecido, mas é, também não mostrar-se. Vimos os incômodos que o mofo causa. Segundo a reverenda Ana Ester Pádua Freire (2019, p. 39), A opção pelo armário é desestabilizadora, e mais difícil do que sair é permanecer nele, uma vez que a incerteza do permanecer é consumida pelo desconhecimento do que há adiante. Por isso, a “saída do armário” pode trazer a revelação de um desconhecimento poderoso como um ato de desconhecer, não como o vácuo ou o vazio que ele finge ser, mas como um espaço epistemológico pesado, ocupado e consequente. Permanecer no armário, conviver com o mofo, é opção que algumas pessoas fazem. Há que se respeitar, pois cada pessoa tem seu processo e seu modo de agir e reagir diante dos dispositivos de controle e de exclusão, presentes nas sociedades e no Cristianismo. A saída do armário, diante do incômodo causado pelo mofo, pode gerar medo do que virá, pois, não nos enganemos, há católicos mais papistas que o Papa, há cristãos mais inerrantes que a Bíblia. Para a teóloga, “o processo de ‘sair do armário’ é considerado um dos mais complicados para o indivíduo homossexual, envolvendo uma grande carga emocional e medo.” (2019, p. 42). Por isso, cada pessoa tem seu tempo e seu modo de fazer esse processo. No entanto, é fora do armário que se pode ver, com maior nitidez, a luz e as cores do arco-íris. É fora do armário que se pode construir com maior intensidade a sua identidade, seu modo de ser no mundo como um processo de construção de si mesmo. Talvez a chave para abrir ou para explodir o armário possa estar em uma leitura do mito do dilúvio bíblico como uma metáfora. Na arca, lugar da salvação de Deus, foram colocados animais de toda espécie (sim, vamos prescindir do binarismo em nossa (des)construção/truição do texto). Diante do caos, o sinal da Aliança, de que a tormenta passou e que outra vida é possível foi o arco-íris, como um sinal de pacificação, de criação de uma outra ordem cósmica. 101 Nos movimentos LGBTI+ a bandeira do arco-íris passou a ser empunhada nas paradas do Orgulho LGBTI+, desde a década de 1970, como símbolo de como as diferenças podem conviver em paz. Talvez a chave para abrir ou para explodir o armário esteja, primeiramente, em uma autocompreensão de que ser LGBTI+ não é algo ruim. Não há norma prefixada em lugar algum que não nos permita ser quem e como somos, onde somos. Os interditos sexuais, a heterossexualidade compulsória é mais uma frágil construção histórica, que, tendo em vista as relações de poder, quis nos encerrar nesse lugar de mofo ao qual não somos obrigados por nada nem por ninguém. Certamente haverá nas igrejas quem apresente como objeção os textos bíblicos cujas interpretações já foram desconstruídas ao longo dos capítulos deste manual. O convite é para olharmos para as bandeiras dos vários movimentos LGBTI+ e percebermos (do ponto de vista da fé) que Deus criou um mundo diverso, que o cânone, a medida da normalidade, foi construído histórica e culturalmente e que, em pleno século XXI, não há mais armário que possa nos conter e conter o Espírito que nos move a ser livremente quem somos. Isso não quer dizer que é fácil, que seremos acolhidas em todos os espaços e igrejas, mas sabemos que não estamos sozinhas. Temos umas às outras e temos outras tantas que não se põem como normas e, assim como Deus, amam a nós com tudo que somos e temos. Se Deus existe, ele é trans, é sapatão, é viado, é mulher, é homem, é não binária, é bi, é assexual, é travesti, é gente. A Palavra se fez gente e armou sua tenda (ui) entre nós! 102 Referências BARROS, Marcelo. Teologia da Libertação para os nossos dias. Petrópolis: Vozes, 2020. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Disponível em: http://www. vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_ po.html FREIRE, Ana Ester Pádua. Armários queimados: igreja afirmativa das diferenças e subversão da precariedade. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Programa de Pós Graduaçao em Ciências da Religião, PUC Minas, 2019. LOURO, Guacyra Lopes. Corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. MUSSKOPF, André Sidnei. Uma brecha no armário: propostas para uma teologia gay. São Leopoldo: Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, Fonte Editorial, 2015. SEDGWICK, Eve Kosofky. A epistemologia do armário. Cadernos Pagu, n. 28, p. 19- 54, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_abstract SERRA, Cris. Viemos para comungar: Os grupos católicos LGBT brasileiros e suas estratégias de permanência na Igreja. Rio de Janeiro: Metanoia, 2019. 103 Manual de CRISTIANISMO E LGBTI+ 104 B SEÇÃO ARMÁRIO ESCANCARADO 105 106 Grupos / Igrejas Cristãs com acolhida e acompanhamento de pessoas LGBTI+ 1. EXPERIÊNCIA ANGLICANA IGREJA EPISCOPAL ANGLICANA DO BRASIL Paróquia da Santíssima Trindade São Paulo, SP Região do Brasil que se encontra: Sudeste Instagram: @paroquiatrindade.sp Mini histórico do grupo | Igreja A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) é uma igreja autônoma da Comunhão Anglicana que abrange todo o território do Brasil.[1] É formada por nove dioceses e um distrito missionário, cada um deles dirigido por um bispo, dentre os quais um é eleito como primaz (superior). O atual primaz no Brasil é o Bispo Naudal Alves Gomes, da Diocese Anglicana de Curitiba, eleito em 2018, no XXXIV Sínodo Geral, em Brasília-DF. A IEAB é a mais antiga igreja não Católica Romana do país,[2] tendo suas origens no Tratado de Comércio e Navegação firmado em 1810 entre Portugal e Inglaterra e que permitiu à Igreja Anglicana estabelecer capelanias no país. Em 1890, aportaram no país missionários da Igreja Episcopal dos Estados Unidos para realizar cultos em português e converter brasileiros. A IEAB foi um distrito missionário da Igreja Episcopal americana por 74 anos, obtendo sua autonomia eclesiástica em 1965, quando se tornou a décima-nona província da Comunhão Anglicana. Vinte anos depois, começou a ordenar mulheres. Já em 107 2018, passou a permitir o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. A igreja se destaca por seu compromisso em combater problemas que afetam a sociedade brasileira, tais como a desigualdade social, a concentração fundiária, a violência doméstica, o racismo, a homofobia e a xenofobia. Sua postura inclusiva em relação às minorias tem provocado cismas, ao mesmo tempo em que atrai fiéis de outras denominações em busca de aceitação e acolhimento. (Fonte: Wikipédia). Objetivo A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, doravante denominada IEAB, é parte da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica de Cristo, estabelecida no Brasil, em todo o território nacional, por prazo indeterminado, em conformidade com as leis do país, tendo por finalidade disseminar e testemunhar o evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo os princípios da Comunhão Anglicana e tendo por fundamentos: I – a unidade de todas as pessoas cristãs; II – a solidariedade; III – a dignidade da pessoa humana; IV – a fraternidade; V – a integridade da criação divina; VI – o respeito à pluralidade religiosa; VII – a inclusividade; VIII – a promoção e garantia dos direitos humanos. (Constituição da IEAB). Missão | Linha de ação | Carisma A missão da igreja é a missão de Cristo 1. Proclamar as boas novas do reinado de Deus 2. Ensinar, batizar e nutrir os novos crentes 3. Responder às necessidades humanas com amor 4. Procurar a transformação das estruturas injustas da sociedade, desafiar toda espécie de violência, e buscar a paz e a reconciliação 5. Lutar para salvaguardar a integridade da Criação, sustentar e renovar a vida da terra (5 MARCAS DA MISSÃO) 108 Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Qualquer pessoa pode-se tornar membro pleno da IEAB. Precisará passar é claro por uma formação cristã durante um período de tempo. São acolhidas em uma cerimônia chamada confirmação (crisma) e recebimento. Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais. A organização no Brasil é feita através de Dioceses (9) e Distrito Missionário (1), geralmente seguindo regiões geográficas de um mesmo estado, ou região, ou mesmo englobando todo estado. Neles temos uma centena de paróquias e missões com pastorais diversas, entre elas a pastoral da diversidade que acolhe LGBTQIA+. Não existe uma rede formal entre as pastorais da diversidade. Considerações finais | Partilha Ao tocar no tema da inclusividade, gostaria de ressaltar que a IEAB não faz parte das chamadas “igrejas inclusivas”, ou seja, não surgiu ou foi pensada para atender pastoralmente determinado perfil de pessoa fiel. A IEAB vai se tornando inclusiva para LBTQIA+ através de processos orgânicos que levaram aproximadamente duas décadas (1997-2018) para concluírem, desde a Carta Pastoral sobre Sexualidade Humana da Câmara Episcopal até a aprovação do cânon sobre o Casamento Igualitário no 34º Sínodo Geral (2018). Creio que foi, e continua sendo, um processo de conversão de corações e mentes, de pessoas clérigas e leigas, no compromisso de acolhida. Pastoral da Diversidade Anglicana Foz do Iguaçu, PR Região do Brasil que se encontra: Sul Contato: Pastoral da Diversidade Anglicana | Igreja Anglicana Foz 109 Mini histórico do grupo | Igreja A PDA-Foz nasceu em 2018, com eventos públicos em forma de seminário, tratando de temas marginais, ligados à diversidade sexual, usando recursos de vídeos, palestras e depoimentos de especialistas, bem como dos sujeitos envolvidos nos temas em aprofundamento. Objetivo Criar espaço seguro de aproximação das pessoas LGBTI+ ao campo do Sagrado, buscando conhecer esses sujeitos, bem como escutar suas queixas, conflitos e sonhos. Promover aprendizado permanente, dentro e fora da comunidade de fé, das temáticas que interseccionam religião e sexualidades, tendo como público alvo todas as pessoas abertas a este aprendizado, principalmente familiares de pessoas LGBTQI+. Missão | Linha de ação | Carisma Defender o sagrado, seus espaços e sua produção, como direito de todas as pessoas, principalmente do público LGBTQI+ Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Todxs pessoas abertas ao aprendizado e à vivência da diversidade humana. Considerações finais | Partilha A PDA-Foz é coordenada por pessoas homoafetivas. Tem especial interesse em cuidar dos conflitos e dores familiares nos lares de pessoas homoafetivas, ajudando a todxs no processo de sair do armário. A aceitação familiar dos homossexuais é imprescindível para que estes sujeitos possam conquistar sua aceitação plena na sociedade. Roda de Conversa: Sexualidade e Espiritualidade Londrina, PR Região do Brasil que se encontra: Sul Página Facebook: @rodadeconversaS.E 110 Mini histórico do grupo | Igreja É um grupo recente, com pouco mais de um ano de existência. Surgiu em dezembro de 2018 e foi idealizado e alicerçado pelas mãos dos jovens LGBTQIA+ e as lideranças religiosas da Paróquia São Lucas de Londrina/PR. Tendo como intuito de, em rodas de conversas (presenciais ou on-line), desmistificar temáticas polêmicas (alguns temas já abordados: ISTs, HIV/AIDS, LGBTFobia institucional/religiosa, famílias LGBTQIA+, machismo, preconceitos religiosos, entre outros) que são pouco trabalhadas/abordadas nos âmbitos cristãos e que são de suma importância sua discussão. Desde seu surgimento até hoje a roda já participou e apoiou vários eventos sociais em prol de lutas por direitos das minorias e liberdades individuais/coletivas. Objetivo Conversar sobre a DIVERSIDADE LGBTQIA+, suas vivências ou não na espiritualidade e emancipar pessoas para uma vida sexual e espiritual plena. Missão | Linha de ação | Carisma Nossa missão é apresentar um cristianismo que acolhe todas as pessoas sem distinções e orientá-las para uma vida consciente, responsável, saudável e prazerosa. Reunimo-nos mensalmente e a cada encontro abordamos uma temática especifica e alinhada para as questões espirituais e/ou sexuais, onde convidamos uma ou mais pessoas especialistas no assunto para facilitarem a discussão. E levantamos a bandeira que todas as pessoas podem, e devem viver sua Sexualidade e Espiritualidade em plenitude sem as amarras preconceituosas que as impedem de serem elas mesmas e terem um contato com o Criador. Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Todas as pessoas interessadas em conhecer e viver sua sexualidade e Espiritualidade sem preconceitos, tabus e amarras. Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais. 111 Atualmente a roda de conversa existe apenas em nossa comunidade, porém estamos estudando a possibilidade de formação2. de grupos em outras localidades de nossa diocese e/ou província. Catedral Santíssima Trindade Porto Alegre, RS Região do Brasil que se encontra: Sul Página Facebook: @catedralsstrindade Mini histórico do grupo | Igreja Pastoral Anglicanxs - Grupo de apoio, solidariedade e acolhida aos LGBTI+ Objetivo Promover um espaço e lugar seguro para pessoas LGBTI+. Missão | Linha de ação | Carisma Promover respeito e diálogo. Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Todas as pessoas Diocese Anglicana do Recife Missão Anglicana São Francisco Petrolina, PE Região do Brasil que se encontra: Nordeste Instagram: @anglicanxspetrolina Facebook: @anglicanxspetrolina Twitter: @AnglicanosP Mini histórico do grupo | Igreja Somos uma pequena comunidade, constituída por gente que cultiva uma espiritualidade cristã inclusiva 112 Missão | Linha de ação | Carisma Acolher na vida comunitária cristã as pessoas como sejam, em respeito à graça divina da diversidade Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Quem desejar 113 2.EXPERIÊNCIA CATÓLICA ROMANA Igreja Católica Apostólica Romana Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT Nordeste: Fortaleza (CE); Iguatu (CE); São Luís (MA); Mossoró (RN); Recife (PE); Teresina (PI); Centro-Oeste: Brasília (DF); Sudeste: Belo Horizonte (MG); Nova Iguaçu (RJ); Rio de Janeiro (RJ); São João de Meriti (RJ); Campinas (SP); Guarulhos (SP); Ribeirão Preto (SP); São Paulo (SP) Sul: Curitiba (PR); Maringá (PR); Região do Brasil que se encontra: Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste, Sul Site: www.redecatolicoslgbt.com.br E-mail: redecatolicoslgbt@gmail.com; Instagram: @redecatolicoslgbt Facebook: @redenacionalcatolicoslgbt Mini histórico do grupo | Igreja O primeiro grupo organizado de católicos romanos LGBTI do Brasil surgiu em 2007: o Diversidade Católica, do Rio de Janeiro. Em seu rastro surgiram diversos coletivos similares espalhados pelo país. Em 2014, aconteceu o I Encontro Nacional de Católicos LGBT, quando representantes de cinco grupos existentes no país fundaram a Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT. O II Encontro Nacional de Católicos LGBTI aconteceu em São Paulo em 2018, com representantes de 15 grupos de todo o país (exceto região Norte). No final de 2020, a Rede é composta por 21 grupos e integra a Global Network of Rainbow Catholics (GNRC), que reúne grupos de “católicos do arco-íris” de todo o mundo. 114 Objetivo Os grupos de católicos LGBT brasileiros são coletivos leigos que se organizam a partir da necessidade de criar, para aquelas e aqueles que buscam conciliar sua pertença religiosa católica romana com suas identidades como pessoas LGBTI+, espaços seguros de acolhimento respeitoso, partilha de experiências e vivência da fé cristã em comunidade. São espaços de encontro e de troca, de reflexão e escuta, de aprofundamento de nossa fé e espiritualidade. Espaços onde plantamos sementes de vida que nos nutrem e enriquecem e de onde saímos para semear nossos dons e gerar bons frutos, contribuindo assim para a construção de um mundo de mais justiça e igualdade, em que haja espaço para cada um florescer na diversidade. Missão | Linha de ação | Carisma Assumimos como missão promover e difundir a Boa Nova de Jesus Cristo e o projeto plenamente inclusivo do Reino de Deus, partilhando a experiência do Amor, da Liberdade, da Justiça e da Vida em abundância com todas as pessoas que são excluídas da Igreja e/ou da sociedade em virtude de sua identidade de gênero e/ou orientação sexual. Acreditamos que Deus nos criou e nos ama a todos e todas com Amor Incondicional, que Cristo nos abraça e nos chama de amigos e amigas, e que Sua Igreja é para todos e todas nós. Acreditamos no Espírito que sopra em nossas vozes e nossas vidas, e que é nossa missão profética contribuir com nossas dádivas e nossos testemunhos para a construção do Reino. Que a paz de Cristo e a proteção amorosa de Maria, nossa mãe, estejam sempre com todos e todas nós, e com todos e todas vocês. Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Todas as pessoas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, não-binárias, intersexo, queer, e outras identidades que não se enquadrem na norma cis-heterocentrada, e busquem conciliar essas identidades com a pertença religiosa católica romana. Acolhemos também suas famílias e pessoas aliadas. Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais. 115 Diversidade Cristã Brasília Cidade: Brasília - DF E-mail de Comunicação: diversidadecristabrasilia@gmail.com Redes Sociais: https://www.instagram.com/ diversidadecristabsb/ Diversidade Católica de Belo Horizonte Cidade: Belo Horizonte - MG E-mail de Comunicação: felipeista@outlook.com Diversidade Católica de Fortaleza Prisma da Fé Cidade: Brasília - DF E-mail de Comunicação: prismadafe@gmail.com Redes Sociais: https://www.instagram.com/prismadafe/ Arco da Aliança - Diversidade Católica de Maringá Cidade: Maringá - PR E-mail de Comunicação: avelarfc@hotmail.com Redes Sociais: https://www.facebook.com/ groups/412050502336393/ Cristãos pela Diversidade 116 Cidade: Fortaleza - CE E-mail de Comunicação: dcf.fortaleza@gmail.com Redes Sociais: https://www.instagram.com/ diversidadecatolica_fortaleza/ Diversidade Católica de Ribeirão Preto e região Cidade: Ribeirão Preto - SP E-mail de Comunicação: diversidadecatolicarp@gmail.com Redes Sociais: https://www.facebook.com/ DiversidadeCatolicaRP Diversidade Católica do Rio de Janeiro Cidade: Belo Horizonte - MG E-mail de Comunicação: cristaospeladiversidade@gmail.com Redes Sociais: https://www.instagram.com/ cristaospeladiversidadebh/ Cidade: Rio de Janeiro - RJ E-mail de Comunicação: contato@diversidadecatolica.com.br Redes Sociais: https://www.facebook.com/ diversidadecatolica/ https://www.diversidadecatolica.com.br/ Diversidade Católica Campinas Diversidade Cristã de Mossoró Cidade: Campinas - SP E-mail de Comunicação: diversidadecatolicacampinas@gmail.com Redes Sociais: https://www.facebook.com/ diversidadecatolicacps/; https://www.instagram.com/ diversidadecatolicacampinas/ Cidade: Mossoró - RN E-mail de Comunicação: diversidade.crista.mossoro@gmail.com Redes Sociais: https://www.instagram. com/diversidadecristamo/; https://www.facebook.com/ DiversidadeCristaDeMossoro/ Diversidade Cristã de São Luís Cidade: São Luís - MA E-mail de Comunicação: diversidadecristaslz@gmail.com Redes Sociais: https://www.instagram.com/ diversidadecristaslz/ Grupo de Acolhimento Pastoral LGBTI+ Bom Pastor Cidade: Duque de Caxias/São João de Meriti - RJ E-mail de Comunicação: gaplgbtiabompastor@outlook.com Redes Sociais: https://www.instagram.com/ gaplgbtiabompastor/ Diversidade Cristã de Teresina Cidade: Teresina - PI E-mail de Comunicação: corneliopsi@hotmail.com Redes Sociais: https://www.instagram.com/diversidade_ the/ Grupo Filho de Davi Diversidade Cristã Recife Cidade: Iguatu - CE E-mail de Comunicação: luan_layzon@hotmail.com Cidade: Recife - PE E-mail de Comunicação: diversidadecristarec@gmail.com Redes sociais: https://www.instagram.com/ diversidadecristarecife/ Grupo Católico de Acompanhamento Pastoral com Pessoas LGBT Cidade: Curitiba - PR E-mail de Comunicação: uilson.assistentesocial@gmail.com Grupo de Ação Pastoral da Diversidade Cidade: São Paulo - SP (Belém) E-mail de Comunicação: diversidadesp@hotmail.com Redes Sociais: https://www.facebook.com/GAPDSP https://www.instagram.com/gapd_sp/ https://spdiversidadecatolica.blogspot. com/ Grupo Porta da Misericórdia Cidade: Fortaleza - CE E-mail de Comunicação: portadamisericordialgbt@gmail.com Redes Sociais: https://www.instagram.com/ portadamisericordia/ Movimento Pastoral LGBTI+ Marielle Franco Cidade: São Paulo - SP (Itaquera) E-mail de Comunicação: mopamariellefranco@gmail.com Rede Sociais: https://www.facebook.com/ mopalgbtmariellefranco 117 Considerações finais | Partilha Gostaríamos de partilhar nossos valores: 1. Centralidade da fé trinitária: Somos filhas e filhos amados de Deus, que é Pai e Mãe, testemunhas do amor salvífico e incondicional de Jesus Cristo e, movidos pelo Seu Espírito, abraçamos a proposta do Evangelho como centro e fundamento maior das nossas vidas e do nosso trabalho. 2. Pertença Eclesial: Somos Povo santo de Deus, membros inalienáveis da Igreja Católica Apostólica Romana e, acolhidos pela proteção de Maria, mãe desta mesma Igreja, nos reunimos à comunidade de irmãos e irmãs batizados em Cristo, contribuindo com nossos dons, em toda a sua diversidade, na jornada da construção do Reino. 3. Protagonismo leigo: Impelidos pelo Espírito Santo, assumimos o chamado e a vocação a sermos sal da terra e luz do mundo, valorizando o protagonismo e a participação ativa do laicato na realização da missão de Cristo e da Igreja. 4. Diversidade: Considerando a pluralidade do próprio Deus, que se revela na Santíssima Trindade e se manifesta na beleza múltipla da Criação, lutamos pelo reconhecimento e pela celebração plena da diversidade de expressões, identidades, gêneros, sexualidades, raças, etnias, culturas e credos. 5. Diálogo: Primamos pelo exercício do diálogo aberto e fraterno como caminho para construir pontes, diminuir muros, ampliar horizontes e aproximar corações e mentes, favorecendo a construção de novas relações, baseadas em uma perspectiva inclusiva, solidária e não violenta. 6. Profetismo: Por amor à causa do Evangelho, inspiramo-nos na tarefa profética de anunciar a Esperança, resistir à opressão e denunciar a injustiça, e nos comprometemos a trabalhar pela construção de uma sociedade verdadeiramente justa e fraterna para todas as pessoas, sem qualquer distinção. 7. Ecumenismo e inter-religiosidade. Nos abrimos para o diálogo com nossas irmãs e irmãos de outras tradições religiosas, cristãs e não-cristãs, para, em amizade fraterna e sem proselitismo, caminharmos juntos na construção de um mundo em que reinem o Amor e a Justiça, e onde todas e todos tenham espaço para serem quem são. MAMI – Mães de Amor Incondicional Curitiba, PR Região do Brasil que se encontra: Sul Instagram: @mamicuritiba 118 Mini histórico do grupo | Igreja O grupo MAMI se iniciou no ano de 2014, por meio de conversas entre algumas amigas que viviam situações parecidas em suas casas: uma filha ou filho homossexual. A carga de medos e angústias se assemelhava nestas famílias, mas o amor incondicional também estava presente em todas elas. As reuniões foram se repetindo a cada mês, proporcionando momentos importantes de troca de experiências e observação de realidade por outra perspectiva, a do amor e do acolhimento. Objetivo MAMI é um grupo de mamis e papis de pessoas LGBTI+, que tem por objetivo dar apoio a seus familiares que estão iniciando o processo de entendimento da diversidade sexual. Compartilhamos experiências pessoais e acolhemos a todes. Missão | Linha de ação | Carisma Acolher as demandas de famílias LGBTI +, promovendo a compreensão, o diálogo e a restauração do amor familiar. Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Mamis e papis de pessoas LGBTI, tios, tias, avós, irmãos também são bem-vindos. FAMI – Famílias do Amor Incondicional Brusque, SC Região do Brasil que se encontra: Sul Instagram: @famibrusque Mini histórico do grupo | Igreja Iniciamos o grupo a partir do Mami de Curitiba Objetivo Acolher famílias e pessoas da comunidade LGBTIQ+ 119 Missão | Linha de ação | Carisma Acolher, aconselhar Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Todos as famílias com filhos da comunidade LGBTQI Pastoral da Juventude – PJ Presentes em todos os estados brasileiros Região do Brasil que se encontra: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste, Sul Site: www.pj.org.br E-mail: secretarianacional@pj.org.br Facebook: PASTORAL DA JUVENTUDE NACIONAL Instagram: @pjnacional Mini histórico do grupo | Igreja A Pastoral da Juventude começa pelos anos 70, com a Ação Católica Especializada, com grupos de jovens espalhados em vários estados do Brasil. Aprendemos muito com a teologia da libertação, com a pedagogia do oprimido. No início dos anos 80, a igreja na América Latina vivia um período de muitas expectativas com o trabalho Pastoral. As conferências de Medellín e Puebla assumem a opção preferencial pelos pobres e jovens, o que viabiliza ainda mais nossa organização e dinamização dentro da Igreja Católica. Fomos nos tornando grupos mais organizados, uma pastoral orgânica. Hoje, temos quase 50 anos de história no Brasil, inúmeros grupos de jovens espalhados pelo país, com linha e metodologia próprias. Com atuação dentro e fora da igreja, comprometidos com a formação integral. Nossos grupos são compostos por jovens na sua maioria empobrecidos/as e marginalizados/as, valorizamos o protagonismo juvenil, respeitamos a diversidade das juventudes, sonhamos com um mundo mais justo, igualitário e possível para todas, todos e todes. Nossa história é marcada por muitas lutas e sonhos, reafirmando dia a dia a opção preferencial pelos jovens marginalizados/as. Objetivo Queremos despertar os e as jovens para a pessoa e a proposta de 120 Jesus Cristo, proporcionando a eles e elas um processo de formação integral baseado na fé e na vivência comunitária. Formamos lideranças capacitadas para atuarem na igreja, na sociedade e na política, comprometidas com a libertação e inclusão das juventudes, de modo que contribuam concretamente com a civilização do amor. Missão | Linha de ação | Carisma A missão é o que dá vida e sentido à PJ. É o nosso agir concreto, testemunhando a nossa fé. Nossa missão está encarnada na evangélica opção preferencial por todas as pessoas que sofrem. Como jovens, vamos ao encontro de todos os jovens nas diversas realidades eclesiais e sociais. Sendo sensíveis às suas dores, medos, sonhos, necessidades e potencialidades. Nós anunciamos o Reino, mas também denunciamos as situações de morte. Inspirados/as em Jesus, nossa missão é a construção de uma nova sociedade, de homens e mulheres livres, vivendo em justiça e igualdade. Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Todos/as os/as jovens inquietos/as e inconformados com as injustiças do mundo, todos/as jovens que têm sede de sentido e horizontes de vida, todos e todas que buscam uma experiência de fé que o torne mais humanizado/a, e sensível às dores dos/as outros/ as, todos e todas que se sentem provocados pela vida de Jesus. A PJ é um espaço de acolhida e amizade. Estamos abertos à todas as juventudes. Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais. Nós estamos espalhados em mais de 5.000 grupos de jovens em todos os estados brasileiros. Nossa organização é composta por coordenações de grupos, coordenações paroquiais, diocesanas, regionais e coordenação nacional. Contamos com adultos leigos/as e religiosos/as na assessoria dos grupos e das coordenações. Considerações finais | Partilha Ficamos imensamente agradecidos por sermos reconhecidos como espaço de acolhida às juventudes LGBTQIA+. Em uma sociedade extremamente preconceituosa e marcada pela violência, exclusão 121 e hipocrisia, queremos continuar sendo sinais do amor de Jesus, sinais de acolhida, afeto e cuidado na vida das juventudes oprimidas, excluídas e violentadas, pois não se faz reino de Deus amando uns/umas e excluindo outros/as. O Reino se constrói participando da luta do povo, abraçando causas justas, promovendo o amor, a escuta e a inclusão, pois todos, todas e todes são amados/as/es por Deus. É o nosso dever também amar, sem restrições. GAPD - Grupo de Ação Pastoral da Diversidade - SP São Paulo, SP Região do Brasil que se encontra: Sudeste Instagram: @gapd_sp – Grupo de Ação Pastoral da Diversidade Mini histórico do grupo | Igreja Somos um grupo de Leigxs de Católicxs LGBTI+, que acreditam ser possível conciliar nossa sexualidade com nossa fé. Fundado em 1º de novembro de 2010. Objetivo Temos objetivo em ajudar as pessoas a se reconciliar com a Fé cristã e nossa orientação. Missão | Linha de ação | Carisma Nosso grupo é formados por leigxs católicos, porém, acolhemos a todes que queiram conhecer o nosso trabalho e que estejam de coração aberto. Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Todes Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais. Rede Nacional de Católicos da Diversidade. Atualmente somos uma rede de 22 grupos espalhados pelo Brasil. 122 3.EXPERIÊNCIA DAS IGREJAS DA COMUNIDADE METROPOLITANA Igrejas da Comunidade Metropolitana @redeicmbr (Cidades com igrejas afiliadas: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Maringá, Teresina, Vitória) MINI HISTÓRICO DO GRUPO/IGREJA As Igrejas da Comunidade Metropolitana (ICM) são uma fraternidade brasileira e internacional de comunidades cristãs, e caracterizada particularmente por seu progressivismo humanitário e aceitação irrestrita de pessoas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e afins (LGBT), e seus familiares, aliadas/os e amigas/os. A ICM não somente acolhe, afirma a diversidade, atualmente 4 pastoras trans são parte do Conselho Nacional da ICM no Brasil e lideram comunidades locais em suas cidades. Desde a sua fundação (1968) a ICM tem estado na vanguarda dos movimentos de direitos humanos e civis. No Brasil, se consolida a partir de 2006, estabelecendo sua agenda nacional. Foi a primeira igreja cristã a celebrar casamento entre pessoas do mesmo sexo com efeito civil em 2012. MISSÃO Promover a oportunidade de conexão das pessoas com Deus, com as outras pessoas e consigo mesmas, a partir de uma espiritualidade libertadora em sintonia com a diversidade que nelas habita, e do espírito comunitário fortalecido pela luta coletiva por justiça social, no âmbito das Igrejas da Comunidade Metropolitana do Brasil. VISÃO Consolidar a voz profética das Igrejas da Comunidade Metropolitana em todas as unidades federativas do Brasil até 2030, sendo ela reconhecida pela ousadia de denunciar as estruturas sociais de opressão e de anunciar as boas-novas de forma afirmativa, progressista e libertária. 123 4.EXPERIÊNCIA LUTERANA Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil Inclusão Luterana São Paulo, SP (sede) Região do Brasil que se encontra: Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste, Sul Instagram: @inclusão_luterana E-mail: luteranospelainclusao@gmail.com Mini histórico do grupo | Igreja O coletivo Inclusão Luterana nasce em 7 de setembro de 2014, a partir de diálogos entre a juventude evangélica da IECLB no 22º CONGRENAJE (Congresso nacional da juventude evangélica), por nascer na juventude o diálogo se faz bastante presente em outras edições do CONGRENAJE, acampamentos, retiros e outras instituições ligadas a IECLB. Em maio de 2020, cria-se a primeira coordenação eleita do coletivo, desde então tem desenvolvido trabalhos mais constantes entre os LGBTs luteranes do Brasil. Objetivo Que a comunidade cristã reconheça a união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida como sinônimo de “família”, permitindo o casamento com a bênção da Igreja e de Deus para relacionamentos envolvendo todas as formas de amar. Mesmo com a dificuldade para lidar com o assunto relações homoafetivas ou homossexualidade, lembrar a todos os cristãos que o amor incondicional de Deus pelos humanos é a base essencial para abordar esse tema. Orientar as pessoas para o discernimento ético, fortalecendo-as a tomarem, em liberdade e responsabilidade, suas próprias decisões diante de Deus. Ressaltando que a Igreja luterana não tem um magistério com prerrogativa de estabelecer normas éticas a serem seguidas pelos fiéis, de modo que cabe a cada fiel prestar contas de seus atos perante Deus, e não perante homens. Combater nas comunidades cristãs posturas maniqueístas, que distinguem o bem e o mal. Observar que há questões em que cristãos 124 devem lidar com a tensão oriunda da dificuldade de dar respostas rápidas, lembramos que é intrínseca à comunidade protestante a convivência com o debate difícil, mas sério, aberto, respeitoso. Que a igreja se posicione com relação ao Estado visando superar a intolerância, o preconceito, a estigmatização de comportamentos e as consequências que provocam violência, sofrimento, perseguição e morte. Defendemos que o Estado assegure e concretize os direitos fundamentais da liberdade de pensamento, de crença e de manifestação, que coíba a violência decorrente de posturas extremas, como querer calar a voz dos que buscam o diálogo. Respeito mútuo pelas posições distintas, de diálogo franco, desarmado e fraternal, de busca da superação da exclusão e, que proponha uma “opção radical por manifestações e gestos que deem lugar à graça e ao amor de Deus”. Missão | Linha de ação | Carisma Ser um grupo que acolhe e anima a vivência evangélica de LGBTI+ nos âmbitos pessoal, familiar e comunitário. Defender a garantia de igualdade de direitos, fomentar o diálogo sobre gênero e sexualidade dentro das igrejas luteranas brasileiras visando a superação de todas as formas de preconceito, discriminação e violação de direitos contra pessoas LGBTI+ e promover a reflexão coletiva com vistas à construção de comunidades seguras, inclusivas e acolhedoras, para que pessoas de todas as identidades e expressões de gênero e orientações afetivo-sexuais possam viver suas espiritualidades de forma plena. Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? Todos, todas e todes que se identifiquem como luteranes e LGBTQIA+, também acolhemos pessoas de outras denominações e pessoas hetero e cis, só não têm direito a voto nas decisões do coletivo. Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais. Ainda não temos, mas está nos planos do futuro próximo criar núcleos regionais. 125 Considerações finais | Partilha Cabe também dizer um pouco da identidade que foi construída durante esses anos: o caráter missional foi fortemente destacado entre nós, para acolhermos e resgatar o LGBT que se afastou de toda e qualquer espiritualidade por conta do preconceito e LGBTfobia claramente visível no meio cristão brasileiro. Por isso também nos identificamos como um setor de maior potencial missionário da igreja. 126 5.EXPERIÊNCIA METODISTA Igreja Metodista no Brasil Inclusão Metodista São Paulo, SP Região do Brasil que se encontra: Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste, Sul Instagram: @inclusaometodista Mini histórico do grupo | Igreja A articulação Inclusão Metodista nasceu oficialmente em 2020 para organizar o envio de propostas ao Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil, espaço no qual se debatem as mudanças na legislação da igreja, e de forma mais geral a disputa pela inclusão integral de pessoas LGBT na vida da igreja. Trata-se do primeiro movimento LGBT na Igreja Metodista do Brasil, envolvendo membros clérigos e leigos que estavam dispersos por paróquias de diversos estados do país. Objetivo Transformar a Igreja Metodista do Brasil em uma Igreja que inclua integralmente e afirme os dons e ministérios das pessoas LGBT. Missão | Linha de ação | Carisma Ministério que fomenta a inclusão integral na igreja, com atuação na área de formação sobre sexualidade humana e disputa nos espaços de decisão da igreja. Quem é convidado/a para participar deste grupo/ Igreja? Pessoas LGBT das diversas comunidades metodistas e aliadas. Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais. O Inclusão Metodista é um movimento formado por pessoas que estão espalhadas pelo país, nossas principais atuações estão nas cidades de: São Paulo (SP); Belo Horizonte (MG); Porto Alegre (RS) e Rio de Janeiro (RJ). Fazemos parte do RMN (Reconciling Ministries Network), rede de advocacy pelos direitos LGBT da Igreja Metodista Unida. 127 6.EXPERIÊNCIA DE GRUPOS CRISTÃOS INTERDENOMINACIONAIS ou NÃO DENOMINACIONAL Evangélicxs Pela Diversidade Norte: Belém (PA); Porto Velho (RO); Nordeste: Aracaju (SE); Fortaleza (CE); Recife (PE); São Luís (MA); Centro-Oeste: Brasília (DF); Cuiabá (MT) Sudeste: Vitória (ES); Belo Horizonte (MG); Rio de Janeiro (RJ); São Paulo (SP); Sul: Curitiba (PR); Londrina (PR); Criciúma (SC); Joinville (SC); Região do Brasil que se encontra: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste, Sul www.evangelicxs.com.br Instagram: @evangelicxs_ | instagram.com/evangelicxs_ Twitter: @evangelicxs | twitter.com/evangelicxs Facebook: Evangélicxs Pela Diversidade | facebook.com/evangelicxs falecomevangelicxs@gmail.com Mini histórico do grupo | Igreja O Evangélicxs é a primeira organização LGBT Evangélica interdenominacional (que não é uma igreja) na América Latina. Surgiu em 2017 e se lançou em 2018 como uma página no Instagram e Facebook. A partir disso começou a agregar virtualmente pessoas LGBTs e aliadas em todo o Brasil. Em 2018 foi realizado o primeiro Encontro Nacional de Evangélicxs Pela Diversidade, que aconteceu no Rio de Janeiro e teve mais de 200 inscrições e contou com representação de pessoas de todas as regiões do Brasil. A partir de então, em 2019, começou a se organizar no território através de núcleos locais que tem o objetivo de oferecer suporte e acolhimento para LGBTs e espaços de formação. Em 2019 o Evangélicxs passou a integrar uma coalizão da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre "Religião, espiritualidade e Sociedade Civil", incidindo no combate do fundamentalismo religioso e seus impactos na sociedade civil (como nas atividades do Ministério de Direitos Humanos, entre outras agendas). Através dos seus 4 pilares/eixos de atuação (explicados na sequência), o Evangélicxs vem promovendo suas atividades no Brasil e fora dele com as parcerias que constitui. 128 Objetivo O Evangélicxs tem o objetivo de combater o fundamentalismo religioso evangélico contra a população LGBTI+ construindo pontes de diálogo entre igrejas, comunidades, agências missionárias e demais organizações evangélicas que queiram pensar de forma afirmativa o tema da diversidade de gênero e sexualidade. Além do trabalho junto a organizações evangélicas, temos o objetivo de promover suporte para LGBTs, familiares e líderes evangélicos que passam pelo processo de aceitação, reconhecimento da identidade e que precisam de suporte pastoral. Contamos com um projeto de suporte Psicológico com uma rede de Psis Pela Diversidade e também com rede de apoio pastoral de plantão. Outro Objetivo é a incidência pública na sociedade civil, não permitindo que o fundamentalismo religioso evangélico seja responsável pela perseguição política, retirada de direitos e diminuição da representatividade de LGBTs nos espaços de tomada de decisão da sociedade. Missão | Linha de ação | Carisma O Evangélicxs Pela Diversidade se organiza através de 4 pilares/eixos de atuação. Cuidado Pastoral: Oferecer suporte para LGBTs e familiares que estão no processo de aceitação. Oferecer mentoria e suporte para pastores e líderes que querem trabalhar o tema da diversidade sexual e de gênero de forma afirmativa em suas igrejas ou que precisam de auxílio por não poderem tornar pública suas decisões sobre este tema diante das suas denominações. Formação, Produção de Conteúdo e Ensino: Formar e informar a igreja sobre a experiência com Cristo que LGBTI+ têm, através da produção de conteúdo teológico, publicação autoral e/ou tradução de artigos e textos, produção de material audiovisual para redes sociais, apostilas, estudos bíblicos, bem como o oferecimento de oficinas, workshops, palestras, pregações e treinamentos locais e virtuais sobre o tema para quem tiver interesse. Serviço, Incidência Pública e Diaconia: Atuar junto à sociedade para oferecer suporte, amparo e cuidado que tenha o objetivo de garantir o cuidado integral da população LGBTI+ e que reduza a desigualdade, trabalhando desde a escala individual, com suporte, mantimentos e amparo social, bem como escalas intermediárias, como paradas pela diversidade e marchas do orgulho, até na escala regional, representando organizações da sociedade civil em fóruns internacionais como ONU, OEA, etc. 129 Quem é convidado/a para participar deste grupo/Igreja? LGBTs que querem cultivar um relacionamento com Cristo. Familiares que querem passar pelo processo de compreensão, aceitação e afirmação da pessoa LGBTI+ que possuem em sua rede Pastores, Missionários e Líderes que querem ter amparo para uma postura afirmativa em seus ministérios Igrejas, Comunidades, Agências Missionárias e organizações evangélicas que queiram passar a assumir uma postura afirmativa em suas estruturas. Organizações da Sociedade Civil, ONGs e projetos voltados para a comunidade LGBT que queiram suporte com a demanda de espiritualidade em suas agendas. Se o grupo | igreja | organização trabalha em rede (tendo mais de uma iniciativa pelo Brasil), por favor, indicar o nome dos grupos com a cidade, estado, contato institucional e redes sociais. Curitiba (PR), Londrina (PR), Joinville (SC), Criciúma (SC), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Vitória (ES), Brasília (DF), Cuiabá (MT), Aracajú (SE), Fortaleza (CE), Recife (PE), São Luís (MA), Belém (PA), Porto Velho (RO) 130 131 FILMES 132 Título As Cores do Divino Produção Produzido em 2017. Dirigido por Lucas Porfírio. Produzido em 2020. Dirigido por Victor Costa Lopes. “Além de PRETO, VIADO”, é um documentário realizado em 2017 como trabalho de conclusão de curso em Comunicação Social - Jornalismo, pela Universidade Federal de São João del-Rei. Com direção de Lucas Porfírio, o filme aborda questões relacionadas ao homem gay negro, dentro e fora do movimento LGBTQ+. Hipersexualização dos corpos negros, solidão, racismo e homofobia são exemplos dos temas abordados. Assim, busca-se discutir, em diferentes momentos, as vivências desses sujeitos e suas características. "Além de PRETO, VIADO" é uma homenagem a todas as bichas pretas no intuito de juntos promovermos o empoderamento gay negro. Documentário realizado a partir de conversas com pessoas LGBTI+, unidas por um traço em comum: todas já fizeram parte, ou ainda fazem, de alguma instituição religiosa. O filme traça um instigante panorama sobre a relação entre religião e sexualidade. https://www.youtube.com/watch?v=BDglGIUgF2g https://embaubafilmes.com.br/locadora/ as-cores-do-divino/ Link Comentário Além de PRETO, VIADO. 133 A identidade que (trans)forma. 134 A garota dinamarquesa Produzido em 2018. Por Beatriz Flório Pereira, Raquel Baes Correia e Talissa Fávero Gouvêa, em 2018. Com base nesta nova determinação, a narrativa de “A identidade que TRANSforma” explora os constrangimentos vividos publicamente, o desejo da retificação do nome e a difícil relação com a esfera familiar, a partir dos relatos de experiência de vida de Étory, Natália, Enzo e Théo. Além dos relatos, foram convidadas (os) especialistas das áreas psicológica e jurídica que pudessem explicar processos comuns nestes casos e propor reflexões necessárias para o avanço de políticas que permitem o justo e eficaz reconhecimento destes sujeitos.” Produzido em 2016. Direção de Tom Hooper. https://www.youtube.com/watch?v=4zZQZzCoSco https://www.youtube.com/watch?v=vjq2FgjpXow Na Copenhague de 1926, os artistas Einar e Gerda Wegener se casam. Gerda então decide vestir Einar de mulher para pintá-lo. Einar começa a mudar sua aparência, transformando-se em uma mulher, e passa a se chamar de Lili Elbe. Com o apoio, ainda que conturbado, da esposa, um Einar deprimido passa por uma das primeiras cirurgias de mudança de sexo da história para tentar se transformar por completo em Lili e recuperar o gosto pela vida. A Morte e a Vida de Marsha P. Johnson Produzido em 2017. Dirigido por David France Fala sobre a vida e, principalmente, sobre a morte de Marsha P. Johnson. Em 1992, ela foi encontrada morta no Rio Hudson, em Nova York, e nos registros oficiais consta que a causa foi suicídio. Porém, a narrativa do documentário mostra que – talvez – as coisas não tenham acontecido – e isso não é novidade – da maneira que constam nos registros oficiais. Marsha era uma mulher transexual, ativista dos direitos de pessoas LGBTI+, fundadora do grupo Street Transvestites Action Revolutionaries (S.T.A.R. ou Ação Revolucionária das Travestis de Rua – em tradução livre) e teve um papel fundamental na Revolta de Stonewall. Para quem não se lembra ou perdeu o fio da história, esta foi a primeira revolta de pessoas LGBTI+ contra a repressão policial e deu origem à parada do Orgulho Gay (como foi conhecida durante muitos anos). Marsha era uma mulheres transexuais que estava no enfrentamento direto contra a violência. Netflix 135 136 A máscara em que você vive. A revolta de Stonewall. Produzido em 2015. Dirigido por Jennifer Siebel Newsom. Netflix. Produzido em 2010. Dirigido por Kate Davis. Uma importante discussão sobre a construção de masculinidades. Este documentário sobre a “crise dos meninos” nos EUA explica como criar uma geração de homens mais saudáveis e apresenta entrevistas com especialistas e acadêmicos. O filme traz a voz dos principais ativistas que participaram dos protestos para contar essa história  e ainda mostra o lado dos policiais que, autorizados pela moralidade da época e pelo Estado, invadiram o bar de forma violenta. Um filme que ajuda a entender historicamente o contexto dos protestos em um momento de opressão e o quanto essas manifestações foram fundamentais para a construção dos direitos civis das pessoas LGBTs nos Estados Unidos e, posteriormente, no mundo. https://www.netflix.com/br/title/80076159 https://www.youtube.com/watch?v=cxSBW79yxjQ Bichas Boy Erased Produzido em 2016. Criado, dirigido e editado por Marlon Parente. Produzido em 2019. Dirigido por Joel Edgerton Esse filme fala, antes de tudo, de amor. Para ser mais exato: de amor próprio. A palavra BICHA vem sendo usado de forma errada, como xingamento. Quando na verdade, deveríamos tomar como elogio. Ser bicha é correr o risco de ser agredido pela ignorância. Resistimos para nos proteger, resistimos para vencer. Ser bicha é ser livre. Não vamos deixar que nos vençam. Não mesmo! Todos os depoimentos contidos nesse filme são experiências vividas pelos próprios participantes. Recife - PE. O jovem Garrard (Lucas Hedges) de apenas 19 anos mora numa pequena cidade conservadora do Arkansas. Ele é gay e filho de um pastor da Igreja Batista. Chega um momento em que ele é confrontado pela família, ou arrisca perder sua família e amigos ou entra num programa de terapia que busca a "cura" da homossexualidade. https://www.youtube.com/ watch?v=0cik7j-0cVU Em LIBRAS: https://www.youtube.com/ watch?v=RqXKnRN7JfY 137 138 Carta para além dos muros. Com amor, Simon. Produzido em 2019. Dirigido por André Canto. Netflix. Produzido em 2018. Autor Becky Albertalli Saiba mais sobre a trajetória do HIV e da Aids, com foco no Brasil, por meio de entrevistas com médicos, ativistas e pacientes, além de farto material de arquivo. Do pavor inicial às campanhas de conscientização, passando pelo estigma imposto às pessoas vivendo com HIV, veja como a sociedade encarou essa epidemia em sua fase mortífera ao longo de mais de duas décadas. Aos 17 anos, Simon Spier aparenta levar uma vida comum, mas sofre por esconder um grande segredo: não revelou ser gay para sua família e amigos. E tudo fica mais complicado quando ele se apaixona por um dos colegas de classe h t t p s : // w w w . n e t f l i x . c o m / b r/ title/81213977?source=35 https://www.netflix.com/br/title/81213977?source=35 Depois da tempestade Produzido em 2018. Depois da tempestade: a lgbtfobia na escola | A escola ainda não está preparada para acolher a diferença. Por isso, o período dos ensinos fundamental e médio costuma ser desafiador para LGBTs – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. É durante o percurso educacional que questões como corpo, sexualidade e afetividade começam a aflorar, gerando uma série de conflitos internos e externos. Qual é o espaço na escola para aqueles que não se encaixam no padrão heterossexual e cisgênero? Durante décadas, a diversidade sexual foi violentada e invisibilizada nas salas de aula. “Depois da Tempestade”, documentário universitário de 24 minutos, apresenta relatos de LGBTs de diferentes cores, gerações e realidades. Hoje, eles enfrentam o ódio para construir um futuro diferente e permanecer na escola. A tempestade, aos poucos, parece dar lugar ao arco-íris. https://www.youtube.com/watch?v=g_RAbnK61N8 139 140 Elena Undone Eu resisto. Produzido em 2010. Dirigido por Nicole Conn Produzido em 2017. Dirigido por Clarissa Fortes. Elena (Necar Zadegan) é mãe e esposa de um pastor bastante dedicado. Peyton (Traci Dinwiddie), por outro lado, é uma escritora assumidamente lésbica. O caminho das duas se cruza várias vezes e uma amizade se inicia. De amigas, elas acabam desenvolvendo algo mais profundo e iniciam um tórrido romance. Peyton tenta se prevenir, antes que seu coração queira algo que não terá. Elena, por sua vez, está embalada pelo romance e incentiva a relação, mesmo sem nunca ter imaginado que beijaria uma mulher. O filme, de Clarissa Fortes, é dedicado pela documentarista à memória de todas as mulheres lésbicas que vieram décadas e séculos atrás, às lésbicas que tiveram que viver vidas inteiras escondidas, às meninas e mulheres lésbicas de hoje que são obrigadas a viver “dentro do armário” e a todas as meninas e mulheres lésbicas que estão passando ou ainda vão passar pelo processo de autoaceitação. Netflix https://www.youtube.com/watch?v=avrYjZsqAkE Hoje eu quero voltar sozinho. Laerte-se Produzido em 2014. Dirigido por Daniel Ribeiro. Produzido em 2017. Dirigido por Eliane Brum. Leonardo, um adolescente cego, tenta lidar com a mãe superprotetora ao mesmo tempo em que busca sua independência. Quando Gabriel chega em seu colégio, novos sentimentos começam a surgir em Leonardo, fazendo com que ele descubra mais sobre si mesmo e sua sexualidade. A cartunista Laerte passou quase 60 anos se expressando e sendo identificada como homem, até que decidiu revelar sua identidade de mulher transexual. Uma das artistas mais reconhecidas do Brasil, Laerte teve três filhos e passou por três casamentos. https://www.youtube.com/ watch?v=FKQSSfJZQ4o https://www.netflix.com/br/ title/80142223?source=35 141 142 Má educação. Majur Indígena. Produzido em 2019. Roteiro de Mike Makowsky Produzido em 2018. Direção, Fotografia e Montagem: Íris (Rafael Irineu) O sistema educacional dos Estados Unidos é abalado quando é descoberto o maior escândalo de apropriação indébita de fundos de escolas públicas na história do país. Documentário biográfico indígena lgbt. Majur é porta-voz e responsável pela Chefia de Comunicação em uma comunidade indígena no interior de Mato Grosso. HBO https://www.filmesimples.com/majur Milk, a Voz da Igualdade O Mau Exemplo de Cameron Post Produzido em 2009. Dirigido por Gus Van Sant Produzido em 2018. Dirigido por Desiree Akhavan Início dos anos 70. Harvey Milk (Sean Penn) é um nova-iorquino que, para mudar de vida, decidiu morar com seu namorado Scott (James Franco) em San Francisco, onde abriram uma pequena loja de revelação fotográfica. Disposto a enfrentar a violência e o preconceito da época, Milk busca direitos iguais e oportunidades para todos, sem discriminação sexual. Com a colaboração de amigos e voluntários (não necessariamente homossexuais), Milk entra numa intensa batalha política e consegue ser eleito para o Quadro de Supervisor da cidade de San Francisco em 1977, tornando-se o primeiro gay assumido a alcançar um cargo público de importância nos Estados Unidos. Tele Cine Flagrada pelo namorado transando com a melhor amiga em pleno baile de formatura, Cameron Post (Chloe Grace Moretz) é enviada pela tia para um centro religioso que afirma curar jovens atraídos pelo mesmo sexo, mas para se submeter ou não ao suposto tratamento, a adolescente precisa antes descobrir quem é de fato. Tele Cine 143 Orações para Bobby ¿Por qué no seguiste? Produzido em 2009. Dirigido por Russell Mulcahy. Produzido em 2017. Roteiro de Luis Chaves Catter. Dirigido por Ozzy Perona. Produzido por Colectivo 360. País: Perú Mary Griffith (Sigourney Weaver) é uma devota cristã que criou seus filhos com os ensinamentos conservadores da Igreja Presbiteriana. Bobby (Ryan Kelley), um dos seus filhos, confidencia ao irmão mais velho que talvez seja gay, o que muda a vida da família inteira quando Mary descobre. Todos da família lentamente entram em acordo com a homossexualidade de Bobby, menos Mary que acredita que Deus pode curar o filho. Querendo agradá-la, ele faz tudo que a mãe lhe pede, mas fica cada vez mais depressivo e então decide sair de casa. Trata de “J” e “D”, que são melhores amigos e estudam no mesmo colégio. Depois de uma partida de futebol frustrada, “D” vai visitar “J” em casa. As horas que passam juntos acabam revelando algo inesperado. https://catracalivre.com.br/criatividade/ assista-ao-filme-oracoes-para-bobby-naintegra/ 144 https://www.youtube.com/channel/ UCUPluR5tx0ETbn7rN7SSaNw Pose Produzido 2018 Série do canal FX, produzida por Ryan Murphy, mostra o cotidiano da comunidade LGBTQ+ de New York nos anos 1980, entre os bailes e competições de figurinos e performances e a contaminação pelo HIV. Com elenco essencialmente LGBTQ+ e majoritariamente negro, compreendendo cinco mulheres trans, a transfobia, a sexualidade e as cirurgias transexualizadoras fazem parte do roteiro. O ator Billy Porter ganhou o Grammy 2019 pelo seu papel em Pose, ele foi o primeiro ator assumidamente gay a receber o prêmio de Melhor Ator em Série de Drama. Um aspecto que chama a atenção é que o produtor doa os honorários recebidos com a série para a comunidade transexual. Netflix 145 SKAM France Produzido a partir de 2017. Dirigido por David Hourrègue. Disponível em Francetv Slash. País: França Em 2015 a tevê norueguesa NRK lançou a série Skam (vergonha), voltada para o público jovem e adolescente, procurando retratar de modo realista os temas atuais. Já em 2017, dado o sucesso da série, surgiu, dentre outras, uma versão franco-belga. Um grupo de estudantes, que frequentam o Licèe Dorian em Paris, desenvolvem uma forte amizade. Na terceira temporada, acompanha-se as descobertas e a evolução do relacionamento entre Lucas e Elliot. A sexta temporada (a versão francesa supera a original em duas) foi divulgada em abril de 2020. Lola, irmã mais nova de Daphné, tem personalidade forte e comportamento intransigente. Convive com a revolta de descobrir que é fruto de um relacionamento extraconjugal da mãe, que acaba de falecer. Conhece Maya, que consegue superar o trauma de perder os pais em um acidente de automóvel, quando ainda era muito pequena. As duas serão confrontadas com seus sentimentos mais íntimos, dentre eles o medo de reconhecer um verdadeiro amor. https://www.youtube.com/c/francetvslash/videoscoes-para-bobby-na-integra/ 146 Queer eye for the straight guy (Temporada 5, episódio 1) Produzido a partir de 2003 (Sobre) Vivências. Produzido em 2018. Uma produção do Grupo de Pesquisa Psicologia e Educação - Tecnopoéticas. Homens homossexuais dão conselhos sobre moda, higiene pessoal, design de interiores, comida, vinho e cultura para os homens heterossexuais. 14 pessoas contam suas histórias de vida, todas elas atravessadas por experiências de preconceitos de gênero e sexualidade. (Sobre)Vivências é um documentário que busca ampliar as vozes de pessoas LGBT's e contribuir para a construção de novas ideias frente à forte estigmatização que esta população possui na sociedade. Os relatos cotidianos são intencionalmente explorados com o objetivo de tornar a experiência única e pessoal para cada um que assiste. Netflix https://www.youtube.com/ watch?v=3HpfRWEYVqM 147 Tomboy 2012 Tomboy é o termo dado a garotas que seguem traços masculinos. Escrito e dirigido por Céline Sciamma, uma francesa que retrata a história de Laure, uma menina de dez anos que tem comportamento e maneira de se vestir relacionada socialmente ao gênero masculino. A trama mostra de forma apropriada que comportamento e sexualidade são coisas distintas, assim como, demonstra que sexualidade não é caráter. Num contexto de vivência familiar e com adolescentes da sua idade, Laure conta com a sensibilidade da irmã mais nova, Jeanne, que se mostra uma personagem muito madura que, ao descobrir que a irmã estava se apresentando como Mickael, lida com ela da forma mais simples e acolhedora, apoiando e defendendo a mesma em diversas situações. Com uma linda trilha sonora, atuação marcante de Zóe Héran e Malon Levana, Tomboy é capaz de mostrar de forma simples os preconceitos velados que insistem em se manifestar na sociedade. 148 Todo mundo vai saber. Produzido em 2017. Roteiro, produção e direção de Eduardo Bittar. Transgêneros - a vida além da identidade. Você não pode ser gay em uma cidade pequena, senão todo mundo vai saber. Como é ser gay em uma cidade do interior? O estigma, as tradições e peculiaridades desse contexto fazem com que a experiência da sexualidade seja no mínimo, única. "Todo mundo vai saber" é um mergulho na história de homens homossexuais que nasceram e cresceram em Formosa, uma cidade do interior de Goiás. Todos os depoimentos contidos nesse filme são experiências vividas pelos próprios participantes. O documentário “Trangêneros – Além da identidade”, conta a trajetória de vida da professora Danieli, do adolescente Luan, da cabeleireira Alessandra, dos irmãos gêmeos Eik e Vitor e da cartunista Laerte. Todos transgêneros com diferentes visões sobre a transgeneridade, que relatam suas histórias desde o momento que se identificaram com o gênero oposto até a aceitação familiar e social. O documentário também inclui o ponto de vista dos profissionais da área. https://www.youtube.com/ watch?v=KsneAFUObfA https://www.youtube.com/ watch?v=WupOPOrH8hw 149 Tudo vai ficar bem. Documentário LGBTQ Produzido em 2015. Por Beatriz Nonato, Cleyton Santana e Ingrid Curityba. Um documentário que visa combater a homofobia no Brasil e os diversos casos de suicídios cometidos por pessoas que não aceitam a sua sexualidade, e tem como meta oferecer um mundo com mais amor, respeito e maiores possibilidades e chaves de entendimentos para comunidade jovem LGBTQ. É com muita honra que oferecemos parte íntima do nosso trabalho enquanto jornalista. Produzido por Beatriz Nonato, Cleyton Santana e Ingrid Curityba. https://www.youtube.com/ watch?v=rRcEQ5T2xgw 150 Pray Away Produzido em 2021. Direção: Kristine Stolakis; Produção: Jason Blum e Ryan Murphy. O documentário da Netflix Pray Away expõe programas de conversão para gays, revelando as consequências causadas pela repressão na LGBTQ + por meio de depoimentos íntimos de membros atuais e ex-líderes do movimento ''Pray Away the Gay'', que visava expurgar a homosexualidade através da oração. (Classificação indicativa: 16 anos) Netflix 151 LIVROS 152 Título A Bíblia fora do armário Autor Gregory Rodrigues Roque de Souza Editora/Ano Appris/2018 Comentário O livro A Bíblia fora do armário apresenta uma temática que não é assunto recente. Ao longo de toda a história tal discussão precede diversas compreensões sobre a homossexualidade, que as interpretações históricas e teológicas passaram a englobar. Para que essas interpretações fossem entendidas fez-se necessária uma viagem no transcorrer dos séculos, a fim de se observarem as possíveis causas da formação do pensamento conservador no qual se embasam diversos líderes religiosos, políticos e sociais quando a temática se refere à homossexualidade. O livro, então, visa a demonstrar, por meio de uma sucinta explanação, como, ao longo dos tempos, os textos bíblicos foram utilizados por diversos grupos e segmentos para discriminar pessoas, subjugando-as e até mesmo dominando-as, sem ao menos se preocupar com as possíveis consequências de tais atitudes. Não obstante, o livro A Bíblia fora do armário apresenta uma nova perspectiva das interpretações teológicas, utilizada nos tempos presentes, para acolher a diversidade humana sob uma ótica inclusiva dos textos bíblicos. Dessa maneira, foi utilizada pesquisa bibliográfica, que buscou, em autores renomados e de grande relevância sobre tal temática, exemplificar que a atual forma de interpretação dos textos bíblicos precisa ser revista e, consequentemente, confrontar a sociedade em suas atitudes e pensamentos, evitando equívocos e conceitos preestabelecidos, apresentando os desafios e mudanças que se fazem necessários para uma melhor compreensão e aceitação das mais variadas formas nas quais se apresenta a sexualidade humana. Título Amor sacralizado e amor banido: gênero, orientação sexual e espiritualidade Autor Junqueira, Kluck e Schlögl. Editora/Ano Editora: CRV, 2015. Comentário Promove a discussão sobre religiosidade e sua relação com sexualidade e gênero, a partir das perspectivas histórica, científica e da diversidade religiosa, apresentando uma reflexão sobre o papel que o ensino religioso pode desempenhar no âmbito destas questões. Reconhece a importância da área da Psicologia na constatação de que a orientação sexual e de gênero não configuram opção ou preferência; tampouco transtornos psicológicos ou psiquiátricos, chamados também de “desvios de conduta”. Destaca a influência de dogmas e princípios religiosos – principalmente cristãos – na condenação ao prazer, revelado como um tabu principalmente nas sociedades patriarcais, situação que reflete na desigualdade de direitos da mulher e da comunidade homossexual. 153 154 Título As homossexualidades na psicanálise: na história de sua despatologização Autor Antonio Quinet e Marco Antonio Coutinho Jorge (org.). Editora/Ano Segmento Farma/2013 Comentário Em 26 de junho de 2009 aconteceu o colóquio “As homossexualidades na psicanálise”, no campus Tijuca da Universidade Veiga de Almeida, por ocasião da celebração dos quarenta anos de Stonewall. O livro é a reunião dos trabalhos que foram apresentados neste evento, contando também com a inserção de outros textos. Já na leitura do primeiro capítulo, mostra que veio para ser lido, pois adota uma linguagem didática e inclusiva. Trata, dentre outros temas, da despatologização à luz da história da psicanálise organizada e sua relação com a homossexualidade. Freud e Lacan, referências nesta disciplina, são resgatados para, com suas contribuições, debater o mistério das homossexualidades. A bissexualidade é tratada de modo a desconstruir preconceitos e inseguranças, diferenciando sexualidade fluida dos julgamentos ignorantes, que consideram, com frequência, que bissexuais são pessoas indecisas. Também contribuem para o entendimento das estruturas clínicas das homossexualidades. Quatro capítulos são dedicados exclusivamente para debater sobre as homossexualidades femininas e suas particularidades. Título Bíblia e Homossexualidade: verdades e mitos Autor Alexandre Feitosa Editora/Ano Rio de Janeiro: Metanoia, 2010 Comentário Este livro é fruto de uma análise inovadora de textos bíblicos que, supostamente, condenam a homossexualidade, proporcionando uma visão pouco explorada no meio teológico, com o intuito de abrir as portas da inclusão para milhares de cristãos homoafetivos, antes excluídos em virtude de uma interpretação equivocada das Escrituras. O que se espera agora não é um debate entre os favoráveis e aqueles contrários à homoafetividade, mas a libertação de muitos que vivem sob um jugo não imposto por Cristo, mas construído ao longo dos séculos por uma interpretação literalista da Bíblia Sagrada. Título Deus queer Autor Marcella Althaus-Reid Editora/Ano Rio de Janeiro: Metanoia, Novos Diálogos, 2019 Comentário Deus Queer apresenta uma nova teologia a partir das margens dos desvios sexuais e da exclusão econômica. Seus capítulos sobre a Teologia Bissexual, a santidade sadeana, os cultos afro-brasileiros frequentados por gays no Brasil e a santidade queer marcam a busca por uma face diferente de Deus - Deus Queer - que desafia os poderes opressivos da ortodoxia heterossexual, da branquitude e do capitalismo global. Inspirado pelos espaços transgressivos da espiritualidade latino-americana, onde as experiências das crianças da favela fundem-se com interpretações queer de graça e santidade, Deus Queer busca libertar Deus do armário do pensamento cristão tradicional, e abraçar a participação de Deus na vida dos gays, lésbicas e dos pobres. Título Deus nos fez livres: reexaminando a evidência bíblica nas relações homoafetivas Autor Jeff Miner; John Tyler Connoley Editora/Ano Rio de Janeiro: Metanoia, 2014 Comentário Podem duas pessoas do mesmo sexo viver um relacionamento amoroso com a bênção de Deus? Essa é a pergunta que norteia nossos autores em sua pesquisa teológica nas Escrituras Sagradas. Este livro é imprescindível à biblioteca de qualquer cristão que questiona o papel da Bíblia na vida dos gays, lésbicas e bissexuais e uma ferramenta poderosa de desconstrução de preconceitos enraizados dentro das comunidades religiosas cristãs. 155 Título Em busca de mim mesmo Autor Sergio Viula Editora/Ano Rio de Janeiro: Livre expressão, 2010 Comentário Fui pastor batista, casado com uma mulher, pai de dois filhos, militante entre o que acreditam ser possível reverter a orientação sexual de uma pessoa homossexual. Decidi reavaliar "aquela velha opinião formada sobre tudo" que caracteriza o fundamentalismo religioso e passei por uma tremenda metamorfose nos na estrutura do pensamento, da crença, da maneira de lidar com a afetividade e, consequentemente, com a vida, sem contudo modificar meu verdadeiro eu, o qual encontrou terra fértil, Título Fé além do ressentimento: fragmentos católicos em voz gay Autor James Alison Editora/Ano É Realizações, 2010 Comentário Faz um chamado às pessoas cristãs de confissão católica para uma reflexão sobre si mesmas, na compreensão do reposicionamento fraternal da mensagem de Deus, promovida por Jesus. Em entrevista concedida ao programa Religión Digital, do portal espanhol Periodista Digital, ao ser perguntado pelo entrevistador se a Igreja causa muita dor, o teólogo diz que sim, porque “[...] [as pessoas da Igreja] tentam dizer que a voz de Deus não está dizendo o que a voz de Deus está dizendo [...]”. E completa: Todo jovem gay que mantém a fé [...] tem que passar pelo processo de superar o escândalo de distinguir entre a voz de Jesus, que diz que lhe ama, que quer lhe acompanhar e que quer viver com ele, da voz daqueles que dizem: “te amamos, contanto que você não seja o que é” 156 Título Nossa tribo: Gays, Deus, Jesus e a Bíblia Autor Nancy Wilson Editora/Ano Rio de Janeiro: Metanoia, 2012 Comentário A Rev. Nancy faz teologia contando histórias, e assim vai refletindo sobre a experiência de ser LGBT neste mundo. Deus nos criou e nos deu tantos dons, muitos inerentes a essa tribo. Mas a homossexualidade é apenas a ponta o iceberg de problemas ainda mais profundos na relação entre sexualidade humana e igreja. O papel deste livro é esse: apontar para esses problemas, criar um espaço onde todos sejam acolhidos e fazer frente às injustiças do mundo. Título O que a bíblia realmente diz sobre homossexualidade Autor Daniel A. Helminiak Editora/Ano São Paulo: Summus;1998 Comentário Promove uma desconstrução das interpretações fundamentalistas da Bíblia, através de uma leitura histórico-crítica e literária do “Pecado de Sodoma”, narrativa do Primeiro Testamento, bem como do “desvio do natural” presente em Rm (Carta de São Paulo aos Romanos) e do sexo abusivo entre homens em 1Cor (Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios) e 1Tm (Primeira Carta de São Paulo a Timóteo), dentre outras referências às relações homossexuais feitas também no Segundo Testamento. 157 Título O sexo e a psique: gênero, orientação sexual e espiritualidade Autor Brett Kahr Editora/Ano BestSeller/2009 Comentário O livro é resultado de cerca de cinco anos de pesquisa, com entrevistas presenciais e também com formulários anônimos, abrangendo nada menos que dezenove mil pessoas voluntárias, incluindo suas fantasias e frustrações. Do jovem heterossexual bem sucedido na profissão e na vida pessoal, acompanhado de uma linda namorada, e que tem fantasias sexuais com “lutadoras de boxe” de um DVD de conteúdo pornográfico, passando pela mulher de 42 anos, casada, dois filhos, que prefere pensar em mulheres quando estimulada sexualmente, ainda que admita que seu marido “[...] é carinhoso, atencioso e nunca me machuca [...]”, a obra surpreende por revelar a essência mais desnuda de pessoas reais, cuja identidade foi (obviamente) preservada. Termina por revelar dez dimensões fundamentais da fantasia sexual, depois de responder a vinte e duas questões, reflexivas e conceituais. 158 Título Quando elas se beijam o mundo se transforma: o erótico em Adélia Prado e Marcella Althaus-Reid Autor Genilma Boehler Editora/Ano Rio de Janeiro: Metanoia, 2013 Comentário Trabalho que se propôs ler a obra poética e prosaica de Adélia Prado elegendo a teologia feminista e queer de Marcella Althaus-Reid para desvendar a relação entre literatura e teologia, na combinação dos elementos eróticos e teológicos presentes na produção das duas autoras. Um fator relevante que conduziu à escolha do erótico como baliza interpretativa é o processo emancipador das mulheres, em que a dimensão da sexualidade tem ocupado espaço importante na luta feminista por libertação. Título Sexo e religião: do baile de virgens ao sexo sagrado homossexual Autor Dag Oisten Endjso Editora/Ano Geração Editorial/ 2014 Comentário Depois de cicatrizadas as feridas causadas pelo preconceito, recomenda-se esta obra para ampliar o conhecimento sobre a mudança ocorrida nas expressões da sexualidade, promovidas, aceitas e condenadas, ao longo do tempo e nas diversas culturas. Partindo das fronteiras e delimitações das religiões, trafega sobre a compreensão da sexualidade, os aspectos abençoados e malditos da heterossexualidade, também pelo sexo homossexual “esperado, compulsório e condenado”. Título Talar Rosa Homossexuais e o ministério na Igreja Autor André Sidnei Musskopf Editora/Ano São Leopoldo: Oikos, 2005 Comentário Na atualidade há dois temas extremamente complexos para a teologia e a ética: o ministério e a ética sexual. Não satisfeito com um deles, o autor aborda os dois. A obra apresenta um trabalho cuidadoso de pesquisa, que consegue sistematizar um belo conjunto de informações para subsidiar uma discussão atualizada sobre ordenação ministerial de pessoas homossexuais. Através dessa obra, o autor busca em argumentos teóricos e empíricos, narrar tentativas de homossexuais de servir dentro de um contexto eclesiástico que se deparam com a longa e sofrida marca dos pré-conceitos. 159 160 Título Teologia e Religião de Bolso (Coleção) Série Ensaios Teológicos Indecentes Autor André Sidnei Musskopf. Editora/Ano SENSO/2020 Comentário A coleção Teologia e Religião de Bolso da Editora Senso, tem como objetivo levar reflexões teológicas e sobre religião de uma maneira prática e atrativa para quem tem interesse nessas questões. As obras publicadas nesta coleção pretendem ser contribuições de valor que possam acompanhar quem lê, literalmente, em seu bolso. Algo que alimente a própria fé ou simplesmente o conhecimento e a reflexão sobre temas da vida. A Série Ensaios Teológicos Indecentes, foi organizada pelo autor André S. Musskopf. O autor é Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Ciências Humanas, Departamento de Ciência da Religião. Possui graduação (2001), mestrado (2004) e doutorado (2008) em Teologia pela Escola Superior de Teologia. Volume 1 – “Nem santo te protege”: AIDS, teologia e religião de bolso Os santos, como uma ideia fetichizada, não protegem ninguém. Sua santidade não vem magicamente sobre ou dentro das pessoas fazendo amor e evita a infecção pelo HIV, DST ou hepatites – embora algumas autoridades religiosas se atrevam a dizer que sim (mas elas, obviamente, não podem se dar ao luxo de até mesmo pensar sobre esses pequenos pecadilhos, ou os escondem tão bem que fazem seu truque convencer a si mesmos). Volume 2 - “Que comece a festa”: O filho pródigo e os homens gays Ser bem recebido ou recebida também não é a experiência da maioria dos homens gays e pessoas LGBTI+ quando assumem uma determinada identidade ou expressão de gênero e sexualidade a membros da família. Ostracismo, negação, silêncio e até violência são muito mais comuns. Romper com o sistema heteronormativo envolve uma reconstrução da estrutura familiar e comunitária que parece estar além das possibilidades da maioria das famílias e comunidades. Volume 3 - “Viado não nasce, estreia! Não morre, vira purpurina”: diversidade sexual, performatividade e religião A discussão aqui realizada, coloca-se como uma proposta de diálogo entre diversas formas de conhecimento. Não despreza nem desconsidera o saber acadêmico produzido por estudantes, pesquisadoras e pesquisadores. Mas busca trazer para o debate e dar visibilidade a formas marginais e indecentes de produção do conhecimento, não apenas a título de exemplo ou como elemento de análise, mas deixando que falem por si mesmas. Propõe, na linha de diversas correntes de pensamento contemporâneas, repensar os próprios saberes acadêmicos e científicos e suas formas de produção, tomando como ponto de partida a ideia de espetáculo na sua relação com religião e sexualidade. Título Autor Editora/Ano Comentário Uma brecha no armário: propostas para uma teologia gay André Sidnei Musskopf São Leopoldo: Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, Fonte Editorial, 2015 Se para os homens heterossexuais a masculinidade é uma carga com a qual precisam aprender a lidar, e uma grande pressão antingir o ideal de provedores que a sociedade lhes exige, para os homens gays esta situação é duplamente rigorosa. Numa sociedade em que o sucesso é a medida pela qual se aceita ou rejeita as pessoas, os homens gays têm que ser ainda melhores do que os “homens reais”. Título Via(da)gens teológicas: itinerários para uma teologia queer no Brasil Autor André Sidnei Musskopf Editora/Ano Fonte Editorial/2012 Comentário Com uma dose de ironia já no título, faz um relato da História do Brasil e sua relação com a homossexualidade, desde o Descobrimento. MUSSKOPF desafia a compreensão de uma Teologia Queer, abordando a formação de grupos cristãos GLBT. Posteriormente, o autor dá indicativos de como desenvolver esta Teologia específica, citando renomadas autoras como Simone de Beauvoir e Ivone Gebara, sugerindo uma caminhada baseada no Ocupar, Resistir e Produzir. Em entrevista concedida pelo autor, publicada no sítio do Instituto Humanitas Unisinos, “De maneira simplificada, poder-se-ia dizer que a ‘teologia queer’ é um desdobramento das teologias gay e lésbica, tendo em vista as discussões acerca de identidade e subjetividade desenvolvidas em vários campos do saber desde a década de 1980, especialmente no âmbito das correntes pós-estruturalistas e pós-modernas”. 161 162 Título Viemos para comungar: os grupos de católicos LGBT brasileiros e suas estratégias de permanência na Igreja Autor Cris Serra Editora/Ano Rio de Janeiro: Metanoia, 2019 Comentário Livro que apresenta os grupos de católicos LGBT brasileiros e as estratégias que adotam para se posicionar e permanecer dentro do campo eclesial, aponta para a reapropriação do religioso em termos favoráveis à liberdade e à diversidade sexual; e constata que a visibilização e a apropriação de espaço não só reconfiguram os ambientes eclesiais como, nessa reorganização, parecem mesmo estabelecer novos ordenamentos. Ao “tomarem a palavra” a fim de afirmar uma verdade sobre si mesmos, ao recusarem a verdade sobre si que a autoridade eclesial pretende lhes impingir, os “católicos LGBT” ultrapassam a perspectiva da vitimização e se tornam criadores do próprio espaço que habitam, criando uma nova Igreja. Título Vitral com teologias: feministas e queer Autor Genilma Boehler Editora/Ano Rio de Janeiro: Metanoia, 2010 Comentário Este livro apresenta fragmentos das Teologias feminista, latino-americana e queer, reflexos do século XXI. Teologias iluminadas, não de dentro dos templos com luzes artificiais, até porque nestes espaços nem sempre cabem ou quase nunca são anunciadas. Mas sim, iluminadas com a luz de fora. A luz da vida marginalizada, excluída, crucificada. Pedaços de uma “só coisa harmoniosa, ajustada, digna de amor e de amar, de fazer outros, outras felizes”. Trabalhos Acadêmicos (Artigos/Dissertações/Teses) Título Armários queimados: igreja afirmativa das diferenças e subversão da precariedade Autor Ana Ester Pádua Freire Trabalho Acadêmico Tese de Doutorado IES/Ano Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas)/2019 Título Deus me aceita como sou? A disputa sobre o significado da homossexualidade entre evangélicos no Brasil Autor Marcelo Tavares Natividade Trabalho Acadêmico Tese de Doutorado IES/Ano Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/ 2008 Título Homens católicos com práticas homossexuais: desregulação religiosa e produção de sentidos. Autor Alexandra Ribeiro Leite Trabalho Acadêmico Dissertação de Mestrado IES/Ano Universidade Federal do Pernambuco (UFPE)/2016 Título Homossexualidade e igrejas cristãs no Rio de Janeiro Autor Maria das Dores Campos Machado, Fernanda Delvalhas Piccolo, Luciana Patrícia Zucco, José Pedro Simões Neto Trabalho Acadêmico Artigo IES/Ano Revista de Estudos da Religião/2011 Título Narrativas de jovens gays cristãos: experiências em igrejas inclusivas Autor Vilmar Pereira de Oliveira Trabalho Acadêmico Dissertação de Mestrado IES/Ano Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas)/ 2015 Título Unindo a cruz e o arco-íris: vivência religiosa, homossexualidades e trânsitos de gênero na Igreja da Comunidade Metropolitana de São Paulo Autor Fátima Weiss de Jesus Trabalho Acadêmico Tese de Doutorado IES/Ano Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/ 2012 163 Manual de LGBTI+ 164 CRISTIANISMO E