Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

(Neo) Paganismo, Cultura Pop e Mídia

Sacrilegens

Práticas de magia e bruxaria são temas que despertam tanto curiosidade, quanto estranhamento em grande parte da população brasileira. Quando assuntos como bruxaria e paganismo são retratados em filmes, livros e séries de televisão, observa-se que há certa mobilização e inspiração para muitos adeptos do movimento (neo) Pagão. No entanto, os meios de comunicação e entretenimento possuem papel social relevante, uma vez que produzem subjetividade na população. Nesse sentido, a cultura pop pode ser compreendida de forma ambígua, já que, quando assuntos abordados são referentes a essas temáticas, possuem papel tanto de popularizar o conhecimento comum em relação a temáticas específicas, a exemplo, religiões pagãs, magias e bruxaria, como também podem reafirmar um imaginário que foi construído historicamente e, assim, acabam por reproduzir “verdades” equivocadas e estereotipadas.

(Neo) Paganismo, Cultura Pop e Mídia (Neo) Paganism, Pop Culture and Media Susan Sanae Tsugami1 Resumo: Práticas de magia e bruxaria são temas que despertam tanto curiosidade, quanto estranhamento em grande parte da população brasileira. Quando assuntos como bruxaria e paganismo são retratados em filmes, livros e séries de televisão, observa-se que há certa mobilização e inspiração para muitos adeptos do movimento (neo) Pagão. No entanto, os meios de comunicação e entretenimento possuem papel social relevante, uma vez que produzem subjetividade na população. Nesse sentido, a cultura pop pode ser compreendida de forma ambígua, já que, quando assuntos abordados são referentes a essas temáticas, possuem papel tanto de popularizar o conhecimento comum em relação a temáticas específicas, a exemplo, religiões pagãs, magias e bruxaria, como também podem reafirmar um imaginário que foi construído historicamente e, assim, acabam por reproduzir “verdades” equivocadas e estereotipadas. (Neo)Paganismo. Palavras-chave:(Neo)Paganismo. Estereótipos. Bruxaria Moderna. Cultura pop. Mídia. Abstract: The practice of witchery and sorcery is a theme which awakens both curiosity and astonishment of a large amount of Brazil’s population. When matters such as witchery and paganism are depicted in movies, books and TV series, a certain mobilization and inspiration ration occur among members of the (neo) Pagan movement. However, the means of communication possesses a relevant social role, considering their impact by producing subjectivity in people. In this sense, pop culture may be understood ambiguously when approa approaching ching these themes, bearing in mind their role whether popularizing common knowledge regarding specific themes like pagan religions, witchery and sorcery, or reaffirming the historically historically-built built imaginary aspects on the matter by reproducing stereotypical an and d misguided “truths”. (Neo)Paganism. Modern Witchcraft. Pop culture. Media. Stereotypes. Key-words:(Neo)Paganism. Introdução O (neo)Paganismo e a Bruxaria são temas que despertam tanto curiosidade, quanto estranhamento em grande parte da população do Brasil e do mundo. Isso provavelmente acontece devido ao fato de que temas como estes causam inúmeras incompreensões ao serem retr retratados atados de maneira estereotipada. Quando o assunto é Mestranda do Programa de Pós Pós-Graduação Graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba (UFPB/PPGCR/CAPS). Membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE). Contato: tsugamisanae@gmail.com. 1 egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 6 voltado para a cultura pop,englobando ,englobando produções cinematográficas, quadrinhos, jogos e livros de ficção, é possível observar que o público pode se sentir atraído pela possibilidade de experienciar uma prox proximidade imidade com os mundos mágicos, repletos de seres fantásticos e poderes extraordinários.Simultaneamente,há inúmeras deturpações do universo mítico pagão e, como consequência, certas incompreensões se expandem a respeito do Paganismo Contemporâneo,ensejando, na contemporaneidade, um processo complexo de demonização da magia, do paganismo e da bruxaria. As elaborações desimpatias e práticas de feitiços durante a década de 90, por exemplo, ficaram muito populares entre os/as jovens do Brasil e do mundo. Compreende-se, se, portanto, quenessa época, o movimento alternativo esotérico alcançou grande visibilidade, culminando no aumento das lojas de esoterismo e no crescimento do interesse por produtos de tal natureza, como o tarot,as runas,os incensos e livros esotéric esotéricos, os, que possuíam seus próprios ensinamentos sobre a “bruxaria” e práticas de religiões pagãs.Em meio à popularização do cenário esotérico e das espiritualidades alternativa,s o interesse pelas práticas de magia se destacou, promovendo a possibilidade da el elaboração aboração de encantamentos de amor, sorte e prosperidade, assim como leitura de oráculos (como o tarot e as runas). runas Com isso, o universo da Bruxaria Moderna e do (neo)Paganismo floresceu justamente diante desse conhecimento popular. Filmes, séries e livro livros, como a produção cinematográfica Jovens Bruxas (1996); a série de televisão Charmed (19982006);a obra literária O Senhor dos Anéis Anéis(1954) e os livros Harry Potter (1997) são exemplos de grandes produções que vieram a exercer forte influência nesse processo.Tratam-se se de produtos midiáticos que despertaram anseio,sobretudo nos jovens, que passaram a buscar conhecimento sobre a prática de Bruxaria Moderna e sobre o movimento (Neo) Pagão, já que, em todas as produções citadas anteriormente há, de fato, referê referências ncias religiosas das mais variadas ao universo (Neo)Pagão.Com isso, começam a circular ideias centrais associadas a tais movimentos religiosos, como o contato com a natureza, a conexão humana com as entidades e a procura por conhecimentos mágicos. No que diz iz respeito ao cenário religioso do Paganismo Contemporâneo, Davidsen (2012) ressalta que algumas das influências da cultura pop são pouco discutidas no meio acadêmico,inclusive no âmbito dos estudos sobre o(Neo)Paganismo como um todo. O autor ainda faz re ressalva ssalva sobre a importância do egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 7 papel da mídia, da internet e da ficção para o movimento (neo) Pagão,em todo o mundo, considerando que as obras de ficção apresentam, para grande parte dos adeptos, sentido e inspiração para a compreensão religiosa. Davidsen ((2012) explica que filmes,como Jovens Bruxas (The Craft,, 1996) e séries como Charmed (19982006), foram algumas das produções que propiciaram uma explosão do números de (neo)Pagãos jovens entre os anos de 1990 a 2000. Nesse sentido, o papel da mídia necessita ser considerado de suma importância,seja para compreendermos a divulgação e popularização larização desses temas,seja para entendermos de que maneira se dá a reprodução de conceitos negativos, preconceituosos e estereótipos em torno do assunto. A mídia, suas divulgações e impactos a respeito da religião Pagã Contemporânea surgem para que sejam debatidos e discutidos com maior profundidade no meio acadêmico. Os estudos relacionados à mídia, à religião e à cultura, segundo Bellotti (2011), têm como objetivo compreender o impacto que os meios de comunicação produzem no entendimento da religiosidad religiosidade. e. A influência da mídia relaciona-se relaciona com a introdução de uma mentalidade de propaganda e de mercado religioso, algo que se dá por meio da formação de fronteiras religiosas manifestas nas mídias tradicionais e digitais, que acabam por construir e perpetuar representações de estereótipos, reforçados por veículos de imprensa como notícias jornalísticas, séries, filmes e novelas de televisão. Entende Entende-se, se, portanto, que a mídia e a cultura pop possuem a capacidade de produzir subjetividade e reproduzir pensament pensamentos os e comportamentos nos sujeitos. Quando o assunto é relacionado ao Paganismo Contemporâneo, existe, ainda, um complexo “pré “pré-conceito” conceito” originado na própria história do paganismo e do processo de cristianização dos povos pré pré-cristãos, cristãos, quando as práticas pagãs pag passaram a ser consideradas demoníacas. Os estereótipos negativos permaneceram, então, dentro de conceitos já fortalecidos e enraizados há muito tempo na sociedade. Sendo assim, o presente artigo propõe uma revisão bibliográfica e teórica sobre o tema, com objetivo de realizar uma discussão reflexiva e crítica a respeito do papel da mídia e da cultura pop diante das compreensões do universo religioso (neo) Pagão e suas ressignificações. Bruxaria Moderna e Paganismo Contemporâneo Tanto o conceito de “pag “paganismo” anismo” quanto o de “bruxaria” remetem a definições complexas e, portanto, estão imersos em profundos debates e discussões a respeito de egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 8 suas possíveis interpretações. Esses conceitos devem ser compreendidos de maneiras distintas, tornando-se se necessário, eentão,interpretá-los los por meio de suas diferenciações históricas para que, somente depois, seja possível entender as conotações que recebem no mundo contemporâneo. Segundo York (2003), o termo “paganismo” é compreendido enquanto um conceito amplo que remete ao humanismo, ao naturalismo e ao politeísmo. Conforme o autor explica, o termo “paganismo” foi empregado em períodos antigos para se referir às religiões pré précristãs europeias, utilizado para definir o rústico, o não não-cristão, cristão, o herege. Já na contemporaneidade, dade, o termo “paganismo” começa, em um contexto religioso alternativo, a ser utilizado para representar novas religiões e espiritualidades que possuam como objetivo, o resgate e a ressignificação das crenças pré pré-cristãs europeias, como se nota nos termos (Neo) Paganismo, Neopaganismo e Paganismo Contemporâneo, que passaram a ser aplicados, para mencionar essa nova categoria religiosa contemporânea. Entre essa categoria, incluem incluem-se se também a Wicca, a Bruxaria Moderna, o Druidismo, o Ásatrú e o Paganismo Eclé Eclético tico2, dentre diversas outras formas de Paganismos Contemporâneos existentes no mundo. O Paganismo Contemporâneo, tanto para Gunnell (2015), quanto para Strmiska (2005), é compreendido enquanto composto por uma série de movimentos religiosos que se estabel estabeleceram eceram em dois campos históricos distintos. Portanto, os autores compreendem que estes movimentos religiosos transitam entre dois tempos diferentes: um paganismo histórico, que se esforça para basear suas crenças em elementos culturais e mitológicos resgat resgatados ados das sociedades pré-cristãs pré europeias, e em suas respectivas releituras na contemporaneidade, ou seja,nas adaptações e inserções de novos elementos conferidos ao paganismo que,segundo Strimska (2005), ocorrem por meio de um complexo processo de ressign ressignificações no mundo contemporâneo. As definições do Paganismo Contemporâneo são configuradas acima de tudo em pluralidades, pois dentro dessa mesma categoria existem inúmeras vertentes e crenças. Tentar direcionar aspectos gerais para definir os Paganismos Contemporâneos mostra mostra-se uma árdua e difícil tarefa. Ao tentar definir o referido movimento religioso, Hutton (2008) propõe as seguintes características constituintes das religiões Pagãs Contemporâneas: a veneração de divindades tanto femininas, quanto mas masculinas; culinas; o senso de santidade O Paganismo Eclético, pode ser compreendid compreendido o enquanto religião Pagã Contemporânea que não se refere a um panteão específico, assim sendo, seus adeptos, podem a se identificar com um ou mais panteões. 2 egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 9 inerente ao mundo natural; as formulações e concepções éticas, permeadas por uma autoexpressão de forma individual e responsável que rejeita conceitos de pecado e salvação; a identificação comas religiões pré pré-cristãs da Europa e do Oriente próximo; a celebração de festivais sazonais anuais, que podem apresentar, entre os diferentes grupos, suas variações em números de celebrações, no significado e no nome atribuídos às datas, que variam de acordo com a tradição (Neo) Pagã que o adepto segue. Complementando essas definições, White (2016) argumenta que o Paganismo Contemporâneo pode ser compreendido como uma família de religiões que possuem, como ponto de convergência, o resgate das religiões pré pré-cristãs cristãs da Europa, do Oriente próximo imo e da África do Norte, mas que, em sua diversidade de panteões, apresenta uma imensa variedade cultural. Dentre as principais vertentes estão as baseadas nas culturas celta, nórdica, egípcia e grega. Outro conceito labiríntico que se mescla tanto às cconcepções oncepções do Paganismo Contemporâneo, quanto aos estereótipos da mídia é o de “bruxaria” 3. Este conceito, segundo Russell e Alexander (2008), remete a um contexto histórico histórico-político-social complexo que possui relação com o folclore, com a heresia cristã, com as crenças pagãs e, por fim, com as crenças cristãs. Para os autores, a “bruxaria” pode ser compreendida em relação com o religioso, uma vez que o Cristianismo possui forte influência no constructo do sentido de “herege”. Russell e Alexander (2008) elu elucidam que, durante as perseguições às bruxas, aproximadamente 110 mil pessoas foram torturadas, sob a acusação de bruxaria; dentre essas, entre 40 e 60 mil foram executadas do séc. XV ao séc. XVIII. Os autores enfatizam a importância de se fazer uma diferenciação nciação entre o que seria a bruxaria histórica e a Bruxaria Moderna, condição fundamental para que seja possível uma compreensão maior desses dois fenômenos que,sob o viés acadêmico, são distintos. Sendo assim, Russell e Alexander (2008) explicam que a his história da bruxaria está baseada na investigação de um conceito, possibilitando uma tentativa de se compreender as interações sociais e as influências que culminaram na elaboração e concepção do termo “bruxaria”. Certamente que o referido termo possui, em se seu significado, uma relação direta com a heresia, lembrando que as coesões da Bruxaria, feitiçaria e magia, são termos que devem ser compreendidos de formas distintas, assim como deve-se se levar em consideração uma contextualização cultural e suas singularidades. Para maior debate acerca dos termos, consultar: Bruxaria e História: as práticas mágicas no Ocidente cristão de Carlos Nogueira, 2004; História da Bruxaria de Jeffrey B B.. Russell & Brooks Alexander, 2008; Bruxaria, Oráculo e Magia entre os Azande de Evans Evans-Pritchard, 2005; Witchcraftand Magic in theNordicMiddle Ages,, StephanMichell, 2011. 3 egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 10 comunidade cristã compreendiam a bruxaria enquanto relacionada a pactos com o demônio e, consequentemente, sua prática era responsável por afastar as pessoas de sua cristandade. Portanto, ortanto, as bruxas e os bruxos eram, segundo o entendimento cristão, pessoas que mantinham pacto com Satã.Na forma como o tema é tratado em contos infantis, por exemplo, os estereótipos da “bruxa” podem ser facilmente observados. Nesses materiais, prevalec prevalecee a imagem da bruxa má, comumente descrita de forma repugnante (possuindo a emblemática, e já conhecida, verruga no nariz), cometendo crimes, sequestrando e comendo crianças. Nesses contos, além de ser portada com essa imagem negativa, a bruxa também é des descrita crita relacionada a pactos demoníacos. Já a Bruxaria Moderna é fruto de um movimento produzido no mundo contemporâneo. Assim sendo, compreende compreende-se se que a Bruxaria Moderna está relacionada a um movimento espiritual/religioso que surgiu na década de 50 e que se estabeleceu com maior visibilidade na década de 60. Autores como Margaret Murray, Gerald Gardner e Doreen Valiente consideravam que a Bruxaria Moderna era uma manifestação da sobrevivência de cultos pagãos antigos que, para eles, ainda existiam escondidos os nas sombras, até o momento em que puderam, então, vir à luz do conhecimento popular. Russell e Alexander (2008) explicam que os estudos acadêmicos de Margaret Murray apresentam elementos equivocados (forçando evidências para que estas se encaixassem em sua teoria e não levando em consideração alguns materiais sobre a Idade Média), a partir dos quais tentou comprovar que, a bruxaria estaria relacionada à sobrevivência de cultos antigos. O público e os autores considerados esotéricos foram cativados, adqui adquirindo interesse pela busca de uma religiosidade supostamente conectada a praticas ocultistas e cultos pagãos antigos. No entanto,é necessário ressaltar que a Bruxaria Moderna certamente herdou alguns estereótipos e incompreensões, sendo alvo de julgamentos populares e estigmas antigos e caracterizada, muitas vezes, pelos olhares ainda recorrentes da fé cristã. A respeito da compreensão dos próprios Pagãos Contemporâneos, em especial os adeptos da religião Wicca, inicialmente, eles percebiam suas crenças enq enquanto verdadeiras práticas sobreviventes de crenças antigas. Para Berger (1999), esse fenômeno é importante para a compreensão das autopercepções religiosas (Neo) Pagãs. Nesse sentido, há, para os adeptos, quatro aspectos envolvidos: (Neo) Pagãos e, em especial, ecial, os praticantes da Wicca, querem distinção de outros novos egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 11 movimentos religiosos; as Bruxas e (Neo) Pagãos legitimam suas crenças ao percebê percebêlas enquanto práticas oriundas de tempos pré pré-cristãos; cristãos; os adeptos buscam um passado compartilhado com as brux bruxas históricas e identificam-se se com elas, algo que serve, também, como símbolo, para unir essa comunidade religiosa; há a busca pela conscientização, por parte dos praticantes, de uma atitude saudável em relação ao planeta e às outras pessoas. Russell e Alexander xander (2008) contextualizam que, por volta de 1949, Gerald Gardner publicou o seu primeiro “romance” sobre bruxaria, que trazia também diversos assuntos relacionados às práticas mágicas e à religiosidade: seu livro, intitulado “High High magic’said magic’said”, gerou grande nde comoção. Os autores explicam que Gerald Gardner estava convencido de que a publicidade seria um ponto chave para a sobrevivência da Wicca, capaz de despertar grande interesse na população. Gerald Gardner, de fato, logo cativaria novos adeptos, mas, em contrapartida, também propiciou o surgimento de notícias sensacionalistas. A partir de então, começam a difundir informações das mais diversas sobre seu livro, atraindo, inevitavelmente, os olhares e o interesse jornalístico. Em meio à atenção que recebeu com tamanha publicidade, tanto do ponto de vista negativo, quanto positivo, Gerald Gardner acabou por influenciar Doreen Valiente, que se tornou uma nova adepta. Russell e Alexander (2008) argumentam que ambos acabaram por ser cruciais para a difusão do Paganismo ganismo Contemporâneo e da religião Wicca, no mundo. Um pouco mais tarde, viria Robert Graves, que estabeleceu uma ligação entre literatura e história celta. A partir dele, dá dá-se se forma à personalidade espiritual da Wicca Gardneriana e, com isso, à Bruxaria Moderna no geral. Desde então, passaram a ser criadas várias vertentes da religião Wicca. A religião Wicca possui, nos dias de hoje, vários elementos, sendo grande parte destes ressignificações da mitologia celta. É imprescindível ressaltar, contudo, que existem poucas evidências concretas dessa influência nos conteúdos de Gerald Gardner propriamente dito. Conforme o que foi exposto, não podemos negar a grande importância da mídia para difusão do Paganismo Contemporâneo e da Bruxaria Moderna. Ainda que ten tenham sido divulgados muitos conteúdos sob perspectiva sensacionalista, por meio do uso e disseminação desses meios de divulgação midiáticos que, o (Neo) Paganismo pôde alcançar tantas pessoas pelo mundo. Em paralelo a esse fenômeno, outra abordagem da imagem m da “bruxa” também começa a inspirar movimentos feministas, para quem o símbolo da “bruxa” é percebido e resgatado no sentido da libertação do feminino. egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 12 No final da década de 1960, o movimento feminista alegava que a bruxaria original havia sido um instrumento mento de poder e independência (RUSSELL E ALEXANDER, 2008, p. 182). Por sua vez, em movimentos contraculturais como o new age, age o ocultismo e o esoterismo predominava a ideia da prática de bruxaria enquanto vivência espiritual e religiosa, passando a ser bu buscada scada por pessoas à procura de religiões que estariam em um caminho oposto ao proposto pelo cristianismo. Como consequência de tal visibilidade, o universo de Hollywood,, dos filmes, séries, músicas e propagandas passou a se apropriar desse tema, mostrando a prática da bruxaria sob uma perspectiva agora jovial e antagônica à imagem da “bruxa velha”, feia e má. As bruxas e os bruxos foram retratados, nessa época, como pessoas jovens, cujos objetivos almejados diziam respeito ao combate do mal. Ainda assim, ac acabou abou por haver, um pouco posteriormente, um movimento de oposição artística, passível de ser notado na persistência em se criarem produções nas quais o estereótipo da bruxa má ainda prevalecia, como no caso dos filmes Caça às Bruxas (2011), João e Maria: caçadores c de bruxas (2013), a série de televisão Salem (2014-2017), 2017), dentre outros. Cultura pop e Mídia Filmes e séries são produções indiscutivelmente cativantes, fazendo fazendo-se imprescindível ressaltar sua importância na influência da percepção pública em relação lação à Bruxaria Moderna e ao (Neo) Paganismo. Em 1990, segundo Russel e Alexander (2008), houve um súbito interesse na temática relacionada à bruxaria nos meios de comunicação, o que acabou por difundir globalmente imagens da Bruxaria moderna e do Paganismo mo Contemporâneo na cultura popular. Nessa conjuntura, a maior parte do público cativado era composto por adolescentes, e estes, por sua vez, vivenciam um período do desenvolvimento humano marcado pela busca de identidade. Em meio a esse processo,a cultura pop pode ser compreendia como um caminho para experimentação de espelhamentos e identificações, além de propiciar acesso a um universo que pode ser tanto semelhante, quanto diametralmente diferente do qual esses jovens fazem parte na vida real. Ademais, ttorna-se importante ressaltar que, apesar do público jovem demonstrar interesse significativo pela cultura pop,, esse universo não é exclusivo apenas deles, pois cativa e atrai o interesse e curiosidade de todas as demais faixas etárias. A cultura pop e a mídia, então, possuem papéis importantes não apenas para o entretenimento e diversão, mas egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 13 também para a propagação de informações e construção de subjetividades e, por esse motivo, ambas devem ser compreendidas dentro de suas importâncias e problemáticas. Jovens Bruxas (The The Craft Craft,, 1996), dirigido por Andrew Fleming, foi um filme sucesso de bilheteria e um referencial relevante para a Bruxaria Moderna do século XX. A obra tornou-se se uma das produções mais influentes para grande parte dos jovens, que imediatamente nte passaram a se interessar por práticas de magia, bruxaria e (Neo)Paganismo.O filme retrata a vida e o relacionamento de quatro amigas, todas adolescentes e aprendizes de “bruxaria”. A protagonista principal muda muda-se para uma nova cidade e está em process processo o de adaptação a uma nova realidade, quando conhece um grupo de três adolescentes que estudam ocultismo e, assim, as quatro garotas logo começam a praticar feitiçaria juntas e a desenvolver seus poderes enquanto bruxas. O filme retrata alguns elementos de práticas (Neo) Pagãs e, apesar de possuir um contexto comercial, de fato, o filme retrata elementos mais próximos e reais dessas práticas: o contato com a natureza e a sacralização da mesma; presença de objetos e artefatos ocultistas (velas, incensos, smudge4, cristais); invocação de entidades; invocação dos quatro elementos da natureza; práticas de feitiçaria e a formação de um coven (núcleo religioso Neopagão). Esses elementos são comuns nas práticas (Neo) Pagãs, em especial para a Wicca, e inclusive se assemelham a algumas práticas elaboradas por Gerald Gardner. Para Berger (1999), a Bruxaria Moderna pode ser compreendida como uma religião de mistérios composta por práticas ritualísticas elaboradas em sabbats (festivais sazonais) eesbats (rituais para as fases da lua), além de possuir, também, ritos de passagem. A autora elucida que, para a realização dos rituais, alguns elementos básicos são necessários, como tr traçar açar um círculo mágico e invocar os quatro elementos da natureza (terra, ar, fogo e água); também, para o encerramento dos rituais, faz faz-se o compartilhamento de pães e vinhos. Esses elementos, por exemplo, são todos retratados no filme Jovens Bruxas (The Craft,, 1996), sendo altamente improvável que constem na referida produção, por mero acaso. Os produtores afirmaram que algumas pesquisas foram realizadas para que eles conseguissem reproduzir esses elementos ritualísticos com maior proximidade das práticas realizadas na Bruxaria Moderna. Apesar de a produção possuir um viés de entretenimento direcionado ao 4Smudges são uma espécie de incenso natural, feitos a partir da sálvia ou ervas espec específicas com a finalidade de purificação de ambientes, pessoas e contextos ritualísticos. egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 14 público jovem, o referente filme pode, sem dúvidas, ser considerado um clássico para os (Neo) Pagãos, pois, para muitos destes, Jovens Bruxas (The The Craft, Craft 1996) foi e continua sendo um importante referencial para o despertar do interesse na Bruxaria Moderna e no (Neo) Paganismo. Em 1998, a série Charmed começou a ser transmitida pela emissora de televisão The WB Television Network Network, tornando-se se outro importante importan referencial para o público (neo) Pagão. Nessa série de televisão, a história se desenrola em um universo em que bruxas, demônios e anjos coexistem e convivem. As personagens principais são três irmãs que encontram um antigo livro das sombras, supostamen supostamente pertencente à sua mãe, quem, conforme descobrem, possuía poderes sobrenaturais. Trata-se se de outra produção comercial direcionada ao público jovem que também cativou grande parte da audiência e terminou por contribuir para a divulgação da imagem das práticas icas de feitiços para fins benéficos. Ainda em 1998, foi lançado o filme Da Magia à Sedução (Practical Magic)) do diretor Griffin Dunne, que era uma adaptação do livro homônimo, da escritora Alice Hoffman, publicado em 1995. A trama cinematográfica foi prot protagonizada agonizada por Sandra Bullock e Nicole Kidman. A narrativa permanece em torno de duas irmãs (Sally e Gillian Owens), cujas vidas são influenciadas por sua ancestral que havia sido acusada de bruxaria. Dentre outros acontecimentos, a história se desenrola em torno de Sally Owens, que primeiramente tenta renegar, mas acaba por assumir seus dons mágicos e, consequentemente, sua identidade enquanto “bruxa”. O filme retrata elementos como a observação da lua, no sentido oracular, os sabbats sabbats, a elaboração de feitiços ços de amor, a necromancia e experiências de preconceito religioso. Outra adaptação literária foi a série de filmes Harry Potter (2001-2011) 5, distribuídos pela Warner Bros. Pictures Pictures.. A escritora J.K. Rowling publicou sete livros (1997-2007) 2007) sobre o per personagem sonagem Harry e seu ingresso na escola de bruxaria de Hogwarts. O universo Harry Potter veio a ser considerado um fenômeno mundial. A história se passa em torno de três personagens principais, pertencentes ao universo dos “bruxos (as)”. A escritora criou u um m mundo totalmente inspirador e cativou milhares de leitores e fãs pelo mundo. O inominável sucesso motivou adaptação para Harry Potter e a Pedra Filosofal (Chris Columbus, 2001); Harry Potter e a Câmara Secreta ( Chris Columbus, 2002); Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (Alfonso Cua Cuarón, rón, 2004); Harry Potter e o Cálice de Fogo (Mike Newell, 2005); Harry Potter e a Ordem Da Fênix (David Yates, 2007); Harry Potter e o Enigma do Príncipe (David Yates, 2009); Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 (David Yates, 2010); Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (David Yates, 2011). 5 egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 15 o cinema, a criação de parques de diversões, turismo ao estúdio da Warner Bros, na Inglaterra, e o desenvolvimento de uma série de ob objetos jetos temáticos e merchandise para aqueles que desejassem colecionar as réplicas desses artefatos, ou então meramente se sentir parte do universo Harry Potter. Nesse universo, os bruxos e bruxas vivem em uma sociedade secreta e incompreendida pelos “troux “trouxas” as” (humanos comuns), que, por não alcançarem a compreensão do mundo bruxo, acabam permanecendo sem o conhecimento da magia. Alguns dos pontos mencionados na obra são a escola oficial de magia (Hogwarts), ), a prática de feitiços e elaboração porções, a exist existência de plantas mágicas (como a mandrágora), vôos conduzidos em vassoura, duelos de varinhas e a celebração do Yule Ball.. O Yule,, por sua vez, é um dos festivais sazonais celebrados no calendário (neo) Pagão, conhecido como, A Roda do Ano.No entanto, tamb também se trata de um período do ano relevante para os povos nórdicos do período pré pré-cristão entre os quais, explica Langer (2015), recebe o nome de Yule ou Jól, Jól um festival pagão cuja celebração é realizada no solstício de inverno. Em relação ao contexto pag pagão ão nórdico, a série de televisão Viking (2013 até o momento atual), transmitida pelo History Channel,, retrata a história de Ragnar Lothbrok e suas invasões realizadas na Inglaterra e França. Langer (2016) explica que, ainda que esta produção tenha desconst desconstruído ruído alguns estereótipos em relação aos povos nórdicos, ela ainda acaba reproduzindo alguns equívocos históricos.Isso acontece, porque, novamente, há um contexto comercial em que não se vislumbra o comprometimento com a historicidade.No entanto, esta, sem dúvida, trata-se trata de uma série que, possuiu considerável relevância para popularização dos povos nórdicos na contemporaneidade, assim como suas crenças e cultos aos deuses,como Thor e Odin, despertando o interesse daqueles que não conheciam sobre as crença crenças da religião nórdica pré-cristã.Sauders cristã.Sauders (2016) argumenta que, na série Vikings, Vikings o paganismo nórdico é contrastado de forma positiva em relação ao monoteísmo, mediante a demonstração, pelos protagonistas, das crenças pagãs de forma genuína e fervorosa. O autor utor compreende que a contextualização da história dos personagens e de suas crenças é algo que acaba por proporcionar ao espectador uma identificação com o paganismo. Sendo assim, além de despertar interesse pelo conhecimento das egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 16 mitologias, das sagas e d dos os estudos sobre (Neo) Paganismo Nórdico6, a série desmistifica alguns estigmas em relação à fé nórdica. Diante do contexto (Neo) Pagão Nórdico, uma obra fortemente influenciadora, é a de J.R.R. Tolkien (1892 (1892-1973), principalmente livros como O Senhor dos Anéis (The The Lord of the Rings Rings,, 1954). J.R.R. Tolkien também pode ser considerado um grande e relevante fenômeno no assunto, e seus livros, inclusive, foram adaptados para o cinema, tendo, os filmes, sendo dirigidos por Peter Jackson (se tornaram grandes sucessos cessos de bilheteria, conquistando o Oscar e outros prêmios dentro do universo Hollywoodiano Hollywoodiano). ). Na compreensão de Von Schnurbein (2016), o universo de Tolkien foi fortemente influenciado pelas teorias filosóficas do mito, no qual o escritor apoiou o entendi entendimento mento de que o mito era passível de ser reconstruído com base em estudos filológicos. Em relação aos idiomas e mitologias criados por Tolkien, estes beberam de fontes mitológicas de povos antigos, em especial das culturas nórdica e finlandesa pré--cristãs. Todo o universo criado por J.R.R. Tolkien é considerado fonte imprescindível para os praticantes do Ásatrú. Von Schnurbein (2016) compreende que o trabalho de J.R.R. Tolkien foi e ainda é recebido com entusiasmo por muitos adeptos do Paganismo Nórdico Contemporâneo. temporâneo. A autora ainda elucida que é comum encontrar relatos de autores de livros religiosos (Neo) Pagãos, os quais se referem à obra de J. R. R. Tolkien como material importante para estudo da fé germânica. Segundo Davy (2007), a importância dessas ob obras, ras, para o público (Neo) Pagão, manifesta-se manifesta enquanto referências espirituais. Lembremos que, para grande parte desses adeptos, é por meio de narrativas como essas que eles conseguem imaginar as crenças e práticas pré-cristãs, cristãs, identificando identificando-se com os personagens, onagens, suas batalhas e jornadas espirituais. Nesse sentido, os leitores (Neo) Pagãos, quando em contato com essas produções,realizam contato com a própria religiosidade. Essas obras podem ser compreendidas como meios que proporcionam a vivência e experiê experiência religiosas. Estigmas e Estereótipos Langer (2004) explica que, para a semiologia clássica, a imagem é interpretada como um ícone, ou seja, ela constitui um signo que substitui a realidade. As imagens visuais, literárias e orais são transmitidas pelo emissor como representações fiéis da Pagã Contemporânea Nórdica, inclui inclui-se se o Odinismo, o Ásatrú e FornSed. Sobre o (Neo)Paganismo Nórdico ver:ModernPaganism in world cultures: comparative perspectives, Michael Strmiska, 2005. 6Vertente egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 17 realidade e, assim, proporcionam a capacidade de identificação e interpretação. Um fator preponderante de estruturação dessas imagens é a cultura e, por isso, deve deve-se levar em consideração o contexto histórico dessas im imagens agens e suas influências perante o objeto analisado. Compreende Compreende-se, se, portanto, que os estereótipos podem surgir por questões ideológicas ou por motivos especiais relacionados a um imaginário já estabelecido culturalmente. Diante desse entendimento, argument argumenta-se que há consideráveis problemáticas nas formas como os temas “bruxaria” e paganismo têm sido abordados na cultura pop.. Apesar do brando acesso à informação nos tempos atuais, é notório o senso comum que permeia a percepção do paganismo, tomando tomando-o, por exemplo, como equivalente ao ateísmo, ou então, no caso da bruxaria, a ocorrência da forte associação a pactos com entida entidades des malignas e demoníacas. A ideia do conceito de “bruxa” e de “bruxaria” é construída por meio de um processo de significação difícil de ser desconstruído. As representações desses elementos em histórias infantis e filmes são, em sua maioria, disponibili disponibilizadas de forma negativa, narrando e descrevendo a “bruxa” enquanto ser que sequestra, mata, possui pacto com o demônio ou adora entidades malignas. Além disso, sua imagem é estereotipada e constantemente relacionada a características negativas e repudiosas repudiosas: a bruxa é uma mulher velha, feia, com verruga no nariz e com dentes podres. Observam-se, se, portanto, dois contrapontos: de um lado, a cultura pop age de forma comercial, para cativar jovens, aproveitando aproveitando-se se de interesses que emergem perante a sociedade; de outro, o blockbuster confirma um conhecimento popular e acaba por difundir imagens padronizadas, influenciando negativamente a concepção que se tem da Bruxaria moderna e do (neo) Paganismo. Um exemplo pertinente é o filme Caça às Bruxas (Season Season of the Witch), Wi estreado em 2011 e dirigido por Dominic Sena. A referida produção cinematográfica retrata a história de dois cavaleiros que são obrigados a transportar uma mulher acusada de bruxaria, levando levando-a a para seu julgamento. Os cenários do filme retratam a cidade ade em um momento em que a população estava doente e assolada por pragas e pestes. O filme conduz o espectador a acreditar que tais pragas e pestilências que assolavam a sociedade haviam sido causadas pela bruxa. Além disso, mais adiante, a narrativa do filme lme desemboca em uma visão estereotipada da bruxa demoníaca. Outro exemplo de estereótipo está na produção Hollywoodiana, João e Maria: Caçadores de Bruxas (Hanseland Hanseland Gretel: Witch Hunters, 2013), do diretor Tommy Wirkola. Nessa produção, a imagem da bruxa é representada de forma bem egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 18 estereotipada: ela se apresenta sedutora, bonita e paralelamente feia, de nariz grande e maligna (quando mostra sua “verdadeira” identidade). As bruxas, nessa produção, não só são causadoras do mal, como também, reúnem reúnem-se se em rituais ri para compactuarem com forças malignas. Nas duas produções citadas acima, são apresentadas representações antigas daquilo que se concebia como “bruxa”, seguindo um processo social de demonização da feitiçaria e da mulher. Segundo Thomas (1991), no sé século culo XVII havia um direcionamento das influências malignas para aquilo que não se conseguia resolver, tal como pestes, pragas, doenças, morte, problemas no pastoreio, dentre outros. Além disso, para o autor, as crenças em bruxas também poderiam ser uma for forma de encobrir insuficiências médicas.Com isso, problemas sociais, econômicos e climáticos, como ressalta Cardini (1998), também eram fatores determinantes para que se perseguissem costumes antigos e superstições. O autor compreende que com as tentativas dee propiciar um estado absolutista, os costumes antigos, o folclore e, a feitiçaria, acabam se tornando uma espécie de “bode expiatório” a ser responsabilizado. Dessa forma, as práticas de feitiçaria passaram a ser consideradas algo herege, sendo relacionad relacionadas as à imagem da bruxa que, por sua vez, eram também acusadas degraves crimes, como o assassinato de crianças.Ressalta crianças.Ressalta-se, portanto, que, as acusações realizadas, incluíam: assassinatos de crianças, profanação de hóstias consagradas, “congressos” especiais, denominados como sabbat, sabbat voos mágicos e a transformação em animais. Ademais, é importante enfatizar que o processo de concepção da bruxaria7, enquanto prática maligna, é complexo, envolvendo extensos debates a respeito do tema. No entanto, apesar dos sécu séculos, los, os estereótipos do que se compreendia enquanto “bruxa”insiste em permanecer. A cultura pop não está comprometida com estudos acadêmicos ou com a contextualização histórica, já que possui um viés puramente comercial e de entretenimento. Porém,acabam po por contribuir para a produção de subjetividade e reafirmaçãodesses constructos, uma vez que, no conhecimento popular, pode pode-se se entender esses elementos como meras representações da realidade. A exemplo disso, uma série ambígua e problemática, considerada ofensiva nsiva por parte do público (Neo)Pagão, ééSalem (2014-2017) transmitida pela emissora WGN America,, a qual mostra a perseguição àsbruxas, no Estudos tudos sobre feitiçaria e bruxaria ver: Magia e bruxaria na Idade Média e no Renascimento de Franco Cardini, 1996; História noturna: decifrando o sabá de Carlo Ginzburg, 2012. 7 egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 19 final do século XVII,na cidade de Salem, Massachusetts,, nos Estados Unidos. Russell e Alexander (2008) explicamque ess essa a perseguição,especificamente, continha, em seu propósito, disputas políticas e ressentimentos, além de queo surto de bruxaria teria sido uma expressão violenta das divisões da comunidade: as divisões morais, geradas pela discordância em torno do governo e da igreja, e os problemas familiares e de vizinhança. Novamente,nota Novamente,nota-se se que as situações dedifícil administração são projetadas com um estereótipo de inimigo, no caso, as “bruxas”. O seriado retrata algumas questões ambíguas a serem questionadas e por is isso é considerada ofensiva para alguns (Neo) Pagãos e, ao mesmo tempo, fonte de inspiração para outros.Nessa série, a imagem da bruxaé retratada compactuando com forças malignas e causando intriga. Esses aspectos não apenas reforçam estereótipos, como também m contribuem para que se crieuma inversão do que foi, de fato, a perseguição das bruxas na cidade de Salem. Na série, as bruxas foramretratadas com conotação negativa, responsabilizadas pela perseguição e pelas atrocidades ocorridas no decorrer da trama. O enredo retrata conceitos referentes à descrição cristã do que seria uma “bruxa”, além de abordar, de forma problemática, os processos históricos da inquisição.Uma vez que há informações homogêneas, no caso do que foi problematizado anteriormente, nas comp compreensões reensões de Biroli (2011), esses processos confirmam concepções de uma imagem predominante capaz de propagar estereótipos, que acaba por justificar a reprodução dessas imagens, como é o caso dos ícones da “bruxa” nas produções cinematográficas, produções lliterárias iterárias e produções de televisão. Na concepção da autora, os estereótipos aparecem num sentido do que é imposto pelos grupos dominantes, seguindo sua visão de mundo. Tanto a mídia,quanto a cultura pop possuem papel central como instrumento de propagação desse imaginário. Quando se é necessário retratar imagens parasuperar estigmas e preconceitos, essa relação fica comprometida, uma vez que a produção do que é verdade está no centro na dinâmica de dominação, ou seja, a relação entre o que é verdade e o que não é depende, invariavelmente, do interesse de grupos que predominam. Em relação à importância da mídia e da cultura pop, pop Hjavard (2011) argumenta que a fé individual e a imaginação religiosa coletiva também são criadas e mantidas por uma série de exper experiências iências e representações midiáticas que podem ter ou não relações com religiões institucionalizadas. Os meios de comunicação são, dessa forma, produtores de experiência religiosa, tornando tornando-se se uma fonte primária de egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 20 informações. A mídia acaba desempenhando u um m papel social e cultural, ao propagar e reproduzir suas concepções de verdade, culminando em uma ressignificação e reafirmação do imaginário como, por exemplo, na difusão de estereótipos no conhecimento popular. No caso específico do que é transmitido e rretratado sobre a bruxaria e sobre os cultos pagãos e (Neo) Pagãos, a mídia possui função ambígua. A temática pode ser utilizada com o intento de produzir sucesso de vendas, de audiência e de bilheteria, sob o viés lucrativo de mercado, ao passo que corrobo corrobora com o consequente cunho propagandista, aproveitando a oportunidade para provocar a curiosidade e a empatia do público em geral. Em contraponto, a cultura pop e a mídia utilizam-se se de estereótipos construídos com base em (pré) conceitos estabelecidos e enraizados nraizados na sociedade, advindos da perspectiva social dominante do cristianismo. Assim, são reafirmados pensamentos problemáticos e preconceituosos atrelados à intolerância religiosa, passíveis de afetar diretamente todo o processo de vivência e experiência ia religiosa (Neo) Pagã. Considerações Finais O poder que os meios de comunicação e de entretimento possuem na construção de saber e da subjetividade é um fenômeno importante de ser observado e considerado. A imagem que a bruxaria, o paganismo e o Paganismo Contemporâneo possuem na concepção popular é, em sua maioria, extremamente distorcida. O Paganismo Contemporâneo e a Bruxaria Moderna, interpretados de forma equivocada, tornam-se se sinônimos de ateísmo ou ganham uma conotação fortemente pejorativa. Nesse sentido, ainda que os Pagãos Contemporâneos se percebam como pessoas espiritualizadas, devido à incompreensão suscitada pelos aparatos midiáticos, o preconceito religioso pode ser afirmando quando imagens distorcidas dessas práticas e praticantes ssão ão divulgadas, gerando todo um processo de estigmas, estereótipos e julgamentos. Esses processos podem influenciar de maneira negativa o modo com que a percepção da espiritualidade e da religiosidade é vivenciada em sua totalidade por esses adeptos, princi principalmente palmente no que diz respeito à aceitação religiosa, à intolerância e ao preconceito. É importante ressaltar que, para a vivência religiosa (Neo) Pagã, Pike (2001) argumenta que a construção de Self religioso é diretamente influenciada por meio da relação d do o sujeito com a comunidade e com o meio que o cerca. egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 21 O papel da cultura pop nos processos de ressignificação do imaginário é fundamental. Ainda que a mídia não esteja comprometida com estudos acadêmicos ou com uma contextualização histórica, possui, inegav inegavelmente, relevância social,pois, mesmo com viés de entretenimento, a subjetividade gerada através da construção da percepção das imagens gera e propaga “verdades”. A relação do (Neo) Paganismo com a mídia e com cultura pop é complexa, porém relevante. Além de todas as problemáticas que essa dinâmica pode gerar, a cultura pop,, ambiguamente, também possuiu papel imprescindível na divulgação e na forma como o Paganismo Contemporâneo e a Bruxaria Moderna se estabeleceram, tendo em vista que foi graças à divulgação, ção, por meio de notícias e de produções blockbusters que se despertaram a curiosidade, o interesse e o incentivo pela busca de práticas (Neo)Pagãs.Por fim, essas informações também se relacionam com o público Pagão Contemporâneo como espécie de guia que descreve, escreve, retrata e ensina, sobre suas próprias crenças. Ainda que essas produções não façam referências historicamente fiéis, a forma como são tratadas faz com que consolidem consolidem--se como fonte de conhecimento e inspiração religiosa para seus adeptos. Referências ias Filmográficas CAÇA às Bruxas. Direção: Dominic Sena. Estados Unidos. Produtora: Relativity Media &Saturne Films & Atlas Entertainment, 2011. 155 min. CHARMED. Direção: Constance Burge.Estados Unidos. Produtora: Paramount Television & Spelling Television,1998 Television,1998-2006. 180 ep. DA Magia à Sedução. Direção: GriffinDunne.Estados Unidos Produtora Di Novi Pictures & Warner BrosEntertainment, 1996. 144 min. HARRY Potter e a PedraFilosofal.Direção: Chris Columbus. Londres.Produtora: Warner Bros Entertainme Entertainment nt & 1492 Pictures & Heyday Films, 2001.152 min. HARRY Potter e a Câmara Secreta. Direção: Chris Columbus. Londres. Produtora, Warner Bros Entertainment & 1492 Pictures & Heyday Films, 2002. 2002.141 min. HARRY Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Direção: Alfonso Curarón. LondresProdutora: Warner Bros Entertainment & 1492 Pictures & Heyday Films,2004. 122 min. HARRY Potter e o Cálice de Fogo.Direção: Mike Newell.Londres. Produtora: Warner Bros Entertainment & Heyday Films, 2005.157 min. HARRY Potterr e a Ordem Da Fênix. Direção: David Yates. Londres. Produtora: Warner Bros Entertainment & Heyday Films 2007. 2007.138 min. HARRY Potter e o Enigma do Príncipe. Direção: David Yates.Londres. Produtora: Warner Bros Entertainment & Heyday Films, 2009.153 min. egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 22 HARRY RY Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1. Direção: David Yates. Londres. Produtora: Warner BrosEntertainment&HeydayFilms, 2010. 141 min. HARRY Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2. Direção: David Yates. Londres Produtora: Warner BrosEntertainment&Heyd BrosEntertainment&HeydayFilms2011. ayFilms2011. 130 min. JOÃO e Maria: Caçadores de Bruxas. Direção: Tommy Wirkola. Estados Unidos. Produtora: Metro-Goldwyn Goldwyn-Mayer Mayer & Gary Sanchez Productions & Spyglass Entertainment, 2013. 148 min. JOVENS Bruxas. Direção: Andrew Fleming.Estados Unidos. Produ Produtora:Columbia Pictures, 1996. 141 min. O Senhor dos Anéis. Direção: Peter Jackson. Nova Zelândia. Produtora: New Line Cinema & Saul Zaentz Film Co. &WingNut Films, 2001. 178 min. SALEM. Direção: Brannon Braga, Adam Simon. Estados Unidos. Produtora: WGN America, 2014-2017.36 2017.36 ep. VIKINGS. Direção: Michael Hirst. Canada. Produtora: History Channel& MGN Television & Shaw Media, 2013 2013-2018. 90 ep. Fontes PrimáriasContemporâneas: HOFFMAN, Alice. Practical Magic. Estados Unidos: BerkleyPublishingGroup, 1995. ROWLING, Joanne. Harry Potter and the Philosopher’s Stone Stone. ReinoUnido: Bloomsbury, 1997. TOLKIEN, John Ronald Reuel. The Lord of the Rings. Reino Unido: Allen &Unwin,1954. Fontes Secundárias: BELLOTTI, Karina Kosicki. História das religiões: conceitos e debates na era contemporânea. História: Questões& Debates Debates,, v. 2, n. 55, 2011, p.13-42. p.13 BERGER, Helen A. A community of witches witches: Contemporary neo-paganism neo and witchcraft in the United States. Columbia: Universityof South Carolina Press, 1999. BIROLI, Flávia. Mídia, tipificação e exercícios de poder: a reprodução dos estereótipos no discurso jornalístico. Revista Brasileira de Ciência Política, Política n. 6, 2011, p. 71-98. CARDINI, Franco. Magia e bruxaria na Idade Média e no Renascimento Renascimento. Psicologia USP, v. 7, n. 1-2, 2, 1996, p.9 p.9-16. DAVIDSEN, Markus Altena. What is Wrong with Pagan Studies?. Studies?.Method & theory in the study of religion religion, v. 24, n. 2, 2012, p. 183-199. DAVY, Barbara Jane. Introduction to Pagan Studies Studies. Lanham: AltaMira Press, 2006. noturna:: decifrando o sabá. São Paulo: Companhia GINZBURG, Carlo. História noturna das Letras, 2012. HJARVARD, Stig. The mediatisation of religion: Theorising religion, media and social change. Culture and Religion Religion, v. 12, n. 02, 2011, p. 119-135. 135. egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 23 HUTTON, Ronald. Modern Pagan festivals: A study in the nature of tradition. Folklore,, v.119, n. 3, 2008, p. 251 251-273. LANGER, JohnniJól. In: LANGER, Johnni (org.). (org.).Dicionário Dicionário de Mitologia Nórdica,, São Paulo: Hedra, 2015. LANGER, Johnni. Fé, exotismo e macabr macabro: o: algumas considerações sobre a religião nórdica antiga no cinema. Revista Ciências da Religião-História História e Sociedade, Sociedade v. 13, n. 2, 2016, p. 156-179. 179. LANGER, Johnni. Metodologia para análise de estereótipos em filmes históricos. Revista História Hoje Hoje. São Paulo, v.2, n 5, 2004, p. 1-13. MITCHELL, Stephen. Witchcraft and Magic in the Nordic Middle Ages. Ages Pennsylvania: UniversityofPennsylvania Press, 2011. NOGUEIRA, Carlos. Bruxaria e história história:: as práticas mágicas no ocidente cristão. São Paulo: EDUSC, 2004. PIKE, Sarah M. Earthly bodies, magical selves: Contemporary pagans and the search for community community.California:UnivofCalifornia California:UnivofCalifornia Press, 2001. PRITCHARD-EVANS, EVANS, Eward. Eward.Bruxaria, Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande. Azande Rio de Janeiro: Zahar, 2005. RUSSEL, Jeffrey; ALEXAN ALEXANDER, Brooks. História da bruxaria. bruxaria São Paulo: Aleph, 2008. SAUDERS, Robert. Religião em Vikings. Vikings.Notícias Asgardianas,, n. 10, 2015,p. 9-14. 9 SCHNURBEIN, Stefanie von. Norse revival:: Transformation of germanic Neopaganism.Boston: Brill, 2017. STRMISKA, Michael. l. Modern Paganism in world cultures: comparative perspectives. In: STRMISKA, Michael (eds). Modern Paganism in world cultures: cultures comparative perspectives. United StatesofAmerica: Abc-clio, clio, 2005, p. 1-53. 1 THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia magia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. WHITE, Ethan Doyle. Theoretical, Terminological, and Taxonomic Trouble in the Academic Study of Contemporary Paganism Paganism:: A Case for Reform. Pomegranate, v. 18, n. 1, 2016, p. 31 31-59. YORK, Michael. Pagan theology theology: Paganism ass a world religion. United States of America: NYU Press, 2003. Recebido em: 20/03/2019 Aceito em: 15/05/2019 egens, Juiz de Fora, v. 116, n. 1, p. 06-24, jan-jun/2019 Sacrilegens, 24