(Neo) Paganismo, Cultura Pop e Mídia
(Neo) Paganism, Pop Culture and Media
Susan Sanae Tsugami1
Resumo: Práticas de magia e bruxaria são temas que despertam tanto curiosidade,
quanto estranhamento em grande parte da população brasileira. Quando assuntos
como bruxaria e paganismo são retratados em filmes, livros e séries de televisão,
observa-se que há certa mobilização e inspiração para muitos adeptos do movimento
(neo) Pagão. No entanto, os meios de comunicação e entretenimento possuem papel
social relevante, uma vez que produzem subjetividade na população. Nesse sentido, a
cultura pop pode ser compreendida de forma ambígua, já que, quando assuntos
abordados são referentes a essas temáticas, possuem papel tanto de popularizar o
conhecimento comum em relação a temáticas específicas, a exemplo, religiões pagãs,
magias e bruxaria, como também podem reafirmar um imaginário que foi construído
historicamente e, assim, acabam por reproduzir “verdades” equivocadas e
estereotipadas.
(Neo)Paganismo.
Palavras-chave:(Neo)Paganismo.
Estereótipos.
Bruxaria
Moderna.
Cultura
pop.
Mídia.
Abstract: The practice of witchery and sorcery is a theme which awakens both
curiosity and astonishment of a large amount of Brazil’s population. When matters
such as witchery and paganism are depicted in movies, books and TV series, a certain
mobilization and inspiration
ration occur among members of the (neo) Pagan movement.
However, the means of communication possesses a relevant social role, considering
their impact by producing subjectivity in people. In this sense, pop culture may be
understood ambiguously when approa
approaching
ching these themes, bearing in mind their role
whether popularizing common knowledge regarding specific themes like pagan
religions, witchery and sorcery, or reaffirming the historically
historically-built
built imaginary aspects
on the matter by reproducing stereotypical an
and
d misguided “truths”.
(Neo)Paganism. Modern Witchcraft. Pop culture. Media. Stereotypes.
Key-words:(Neo)Paganism.
Introdução
O (neo)Paganismo e a Bruxaria são temas que despertam tanto curiosidade,
quanto estranhamento em grande parte da população do Brasil e do mundo. Isso
provavelmente acontece devido ao fato de que temas como estes causam inúmeras
incompreensões ao serem retr
retratados
atados de maneira estereotipada. Quando o assunto é
Mestranda do Programa de Pós
Pós-Graduação
Graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB/PPGCR/CAPS). Membro do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE).
Contato: tsugamisanae@gmail.com.
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Sacrilegens,
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voltado para a cultura pop,englobando
,englobando produções cinematográficas, quadrinhos,
jogos e livros de ficção, é possível observar que o público pode se sentir atraído pela
possibilidade de experienciar uma prox
proximidade
imidade com os mundos mágicos, repletos de
seres
fantásticos
e
poderes
extraordinários.Simultaneamente,há
inúmeras
deturpações do universo mítico pagão e, como consequência, certas incompreensões
se
expandem
a
respeito
do
Paganismo
Contemporâneo,ensejando,
na
contemporaneidade, um processo complexo de demonização da magia, do paganismo
e da bruxaria.
As elaborações desimpatias e práticas de feitiços durante a década de 90, por
exemplo, ficaram muito populares entre os/as jovens do Brasil e do mundo.
Compreende-se,
se, portanto, quenessa época, o movimento alternativo esotérico
alcançou grande visibilidade, culminando no aumento das lojas de esoterismo e no
crescimento do interesse por produtos de tal natureza, como o tarot,as runas,os
incensos e livros esotéric
esotéricos,
os, que possuíam seus próprios ensinamentos sobre a
“bruxaria” e práticas de religiões pagãs.Em meio à popularização do cenário esotérico
e das espiritualidades alternativa,s o interesse pelas práticas de magia se destacou,
promovendo a possibilidade da el
elaboração
aboração de encantamentos de amor, sorte e
prosperidade, assim como leitura de oráculos (como o tarot e as runas).
runas
Com isso, o universo da Bruxaria Moderna e do (neo)Paganismo floresceu
justamente diante desse conhecimento popular. Filmes, séries e livro
livros, como a
produção cinematográfica Jovens Bruxas (1996); a série de televisão Charmed (19982006);a obra literária O Senhor dos Anéis
Anéis(1954) e os livros Harry Potter (1997) são
exemplos de grandes produções que vieram a exercer forte influência nesse
processo.Tratam-se
se de produtos midiáticos que despertaram anseio,sobretudo nos
jovens, que passaram a buscar conhecimento sobre a prática de Bruxaria Moderna e
sobre o movimento (Neo) Pagão, já que, em todas as produções citadas
anteriormente há, de fato, referê
referências
ncias religiosas das mais variadas ao universo
(Neo)Pagão.Com isso, começam a circular ideias centrais associadas a tais
movimentos religiosos, como o contato com a natureza, a conexão humana com as
entidades e a procura por conhecimentos mágicos.
No que diz
iz respeito ao cenário religioso do Paganismo Contemporâneo,
Davidsen (2012) ressalta que algumas das influências da cultura pop são pouco
discutidas
no
meio
acadêmico,inclusive
no
âmbito
dos
estudos
sobre
o(Neo)Paganismo como um todo. O autor ainda faz re
ressalva
ssalva sobre a importância do
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papel da mídia, da internet e da ficção para o movimento (neo) Pagão,em todo o
mundo, considerando que as obras de ficção apresentam, para grande parte dos
adeptos, sentido e inspiração para a compreensão religiosa. Davidsen ((2012) explica
que filmes,como Jovens Bruxas (The Craft,, 1996) e séries como Charmed (19982006), foram algumas das produções que propiciaram uma explosão do números de
(neo)Pagãos jovens entre os anos de 1990 a 2000. Nesse sentido, o papel da mídia
necessita ser considerado de suma importância,seja para compreendermos a
divulgação e popularização
larização desses temas,seja para entendermos de que maneira se dá
a reprodução de conceitos negativos, preconceituosos e estereótipos em torno do
assunto. A mídia, suas divulgações e impactos a respeito da religião Pagã
Contemporânea surgem para que sejam debatidos e discutidos com maior
profundidade no meio acadêmico.
Os estudos relacionados à mídia, à religião e à cultura, segundo Bellotti (2011),
têm como objetivo compreender o impacto que os meios de comunicação produzem
no entendimento da religiosidad
religiosidade.
e. A influência da mídia relaciona-se
relaciona
com a
introdução de uma mentalidade de propaganda e de mercado religioso, algo que se dá
por meio da formação de fronteiras religiosas manifestas nas mídias tradicionais e
digitais, que acabam por construir e perpetuar representações de estereótipos,
reforçados por veículos de imprensa como notícias jornalísticas, séries, filmes e
novelas de televisão. Entende
Entende-se,
se, portanto, que a mídia e a cultura pop possuem a
capacidade de produzir subjetividade e reproduzir pensament
pensamentos
os e comportamentos
nos sujeitos. Quando o assunto é relacionado ao Paganismo Contemporâneo, existe,
ainda, um complexo “pré
“pré-conceito”
conceito” originado na própria história do paganismo e do
processo de cristianização dos povos pré
pré-cristãos,
cristãos, quando as práticas pagãs
pag passaram
a ser consideradas demoníacas. Os estereótipos negativos permaneceram, então,
dentro de conceitos já fortalecidos e enraizados há muito tempo na sociedade. Sendo
assim, o presente artigo propõe uma revisão bibliográfica e teórica sobre o tema, com
objetivo de realizar uma discussão reflexiva e crítica a respeito do papel da mídia e da
cultura pop diante das compreensões do universo religioso (neo) Pagão e suas
ressignificações.
Bruxaria Moderna e Paganismo Contemporâneo
Tanto o conceito de “pag
“paganismo”
anismo” quanto o de “bruxaria” remetem a definições
complexas e, portanto, estão imersos em profundos debates e discussões a respeito de
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suas possíveis interpretações. Esses conceitos devem ser compreendidos de maneiras
distintas,
tornando-se
se
necessário,
eentão,interpretá-los
los
por
meio
de
suas
diferenciações históricas para que, somente depois, seja possível entender as
conotações que recebem no mundo contemporâneo. Segundo York (2003), o termo
“paganismo” é compreendido enquanto um conceito amplo que remete ao
humanismo, ao naturalismo e ao politeísmo. Conforme o autor explica, o termo
“paganismo” foi empregado em períodos antigos para se referir às religiões pré
précristãs europeias, utilizado para definir o rústico, o não
não-cristão,
cristão, o herege. Já na
contemporaneidade,
dade, o termo “paganismo” começa, em um contexto religioso
alternativo, a ser utilizado para representar novas religiões e espiritualidades que
possuam como objetivo, o resgate e a ressignificação das crenças pré
pré-cristãs
europeias, como se nota nos termos (Neo) Paganismo, Neopaganismo e Paganismo
Contemporâneo, que passaram a ser aplicados, para mencionar essa nova categoria
religiosa contemporânea. Entre essa categoria, incluem
incluem-se
se também a Wicca, a
Bruxaria Moderna, o Druidismo, o Ásatrú e o Paganismo Eclé
Eclético
tico2, dentre diversas
outras formas de Paganismos Contemporâneos existentes no mundo.
O Paganismo Contemporâneo, tanto para Gunnell (2015), quanto para
Strmiska (2005), é compreendido enquanto composto por uma série de movimentos
religiosos que se estabel
estabeleceram
eceram em dois campos históricos distintos. Portanto, os
autores compreendem que estes movimentos religiosos transitam entre dois tempos
diferentes: um paganismo histórico, que se esforça para basear suas crenças em
elementos culturais e mitológicos resgat
resgatados
ados das sociedades pré-cristãs
pré
europeias, e
em suas respectivas releituras na contemporaneidade, ou seja,nas adaptações e
inserções de novos elementos conferidos ao paganismo que,segundo Strimska
(2005), ocorrem por meio de um complexo processo de ressign
ressignificações no mundo
contemporâneo. As definições do Paganismo Contemporâneo são configuradas acima
de tudo em pluralidades, pois dentro dessa mesma categoria existem inúmeras
vertentes e crenças. Tentar direcionar aspectos gerais para definir os Paganismos
Contemporâneos mostra
mostra-se uma árdua e difícil tarefa.
Ao tentar definir o referido movimento religioso, Hutton (2008) propõe as
seguintes características constituintes das religiões Pagãs Contemporâneas: a
veneração de divindades tanto femininas, quanto mas
masculinas;
culinas; o senso de santidade
O Paganismo Eclético, pode ser compreendid
compreendido
o enquanto religião Pagã Contemporânea que não se
refere a um panteão específico, assim sendo, seus adeptos, podem a se identificar com um ou mais
panteões.
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inerente ao mundo natural; as formulações e concepções éticas, permeadas por uma
autoexpressão de forma individual e responsável que rejeita conceitos de pecado e
salvação; a identificação comas religiões pré
pré-cristãs da Europa e do Oriente próximo;
a celebração de festivais sazonais anuais, que podem apresentar, entre os diferentes
grupos, suas variações em números de celebrações, no significado e no nome
atribuídos às datas, que variam de acordo com a tradição (Neo) Pagã que o adepto
segue. Complementando essas definições, White (2016) argumenta que o Paganismo
Contemporâneo pode ser compreendido como uma família de religiões que possuem,
como ponto de convergência, o resgate das religiões pré
pré-cristãs
cristãs da Europa, do Oriente
próximo
imo e da África do Norte, mas que, em sua diversidade de panteões, apresenta
uma imensa variedade cultural. Dentre as principais vertentes estão as baseadas nas
culturas celta, nórdica, egípcia e grega.
Outro conceito labiríntico que se mescla tanto às cconcepções
oncepções do Paganismo
Contemporâneo, quanto aos estereótipos da mídia é o de “bruxaria” 3. Este conceito,
segundo Russell e Alexander (2008), remete a um contexto histórico
histórico-político-social
complexo que possui relação com o folclore, com a heresia cristã, com as crenças
pagãs e, por fim, com as crenças cristãs. Para os autores, a “bruxaria” pode ser
compreendida em relação com o religioso, uma vez que o Cristianismo possui forte
influência no constructo do sentido de “herege”. Russell e Alexander (2008) elu
elucidam
que, durante as perseguições às bruxas, aproximadamente 110 mil pessoas foram
torturadas, sob a acusação de bruxaria; dentre essas, entre 40 e 60 mil foram
executadas do séc. XV ao séc. XVIII. Os autores enfatizam a importância de se fazer
uma diferenciação
nciação entre o que seria a bruxaria histórica e a Bruxaria Moderna,
condição fundamental para que seja possível uma compreensão maior desses dois
fenômenos que,sob o viés acadêmico, são distintos.
Sendo assim, Russell e Alexander (2008) explicam que a his
história da bruxaria
está baseada na investigação de um conceito, possibilitando uma tentativa de se
compreender as interações sociais e as influências que culminaram na elaboração e
concepção do termo “bruxaria”. Certamente que o referido termo possui, em se
seu
significado, uma relação direta com a heresia, lembrando que as coesões da
Bruxaria, feitiçaria e magia, são termos que devem ser compreendidos de formas distintas, assim
como deve-se
se levar em consideração uma contextualização cultural e suas singularidades. Para maior
debate acerca dos termos, consultar: Bruxaria e História: as práticas mágicas no Ocidente cristão de
Carlos Nogueira, 2004; História da Bruxaria de Jeffrey B
B.. Russell & Brooks Alexander, 2008;
Bruxaria, Oráculo e Magia entre os Azande de Evans
Evans-Pritchard, 2005; Witchcraftand Magic in
theNordicMiddle Ages,, StephanMichell, 2011.
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comunidade cristã compreendiam a bruxaria enquanto relacionada a pactos com o
demônio e, consequentemente, sua prática era responsável por afastar as pessoas de
sua cristandade. Portanto,
ortanto, as bruxas e os bruxos eram, segundo o entendimento
cristão, pessoas que mantinham pacto com Satã.Na forma como o tema é tratado em
contos infantis, por exemplo, os estereótipos da “bruxa” podem ser facilmente
observados. Nesses materiais, prevalec
prevalecee a imagem da bruxa má, comumente descrita
de forma repugnante (possuindo a emblemática, e já conhecida, verruga no nariz),
cometendo crimes, sequestrando e comendo crianças. Nesses contos, além de ser
portada com essa imagem negativa, a bruxa também é des
descrita
crita relacionada a pactos
demoníacos.
Já a Bruxaria Moderna é fruto de um movimento produzido no mundo
contemporâneo. Assim sendo, compreende
compreende-se
se que a Bruxaria Moderna está
relacionada a um movimento espiritual/religioso que surgiu na década de 50 e que se
estabeleceu com maior visibilidade na década de 60. Autores como Margaret Murray,
Gerald Gardner e Doreen Valiente consideravam que a Bruxaria Moderna era uma
manifestação da sobrevivência de cultos pagãos antigos que, para eles, ainda existiam
escondidos
os nas sombras, até o momento em que puderam, então, vir à luz do
conhecimento popular. Russell e Alexander (2008) explicam que os estudos
acadêmicos de Margaret Murray apresentam elementos equivocados (forçando
evidências para que estas se encaixassem em sua teoria e não levando em
consideração alguns materiais sobre a Idade Média), a partir dos quais tentou
comprovar que, a bruxaria estaria relacionada à sobrevivência de cultos antigos. O
público e os autores considerados esotéricos foram cativados, adqui
adquirindo interesse
pela busca de uma religiosidade supostamente conectada a praticas ocultistas e cultos
pagãos antigos. No entanto,é necessário ressaltar que a Bruxaria Moderna
certamente herdou alguns estereótipos e incompreensões, sendo alvo de julgamentos
populares e estigmas antigos e caracterizada, muitas vezes, pelos olhares ainda
recorrentes da fé cristã.
A respeito da compreensão dos próprios Pagãos Contemporâneos, em especial
os adeptos da religião Wicca, inicialmente, eles percebiam suas crenças enq
enquanto
verdadeiras práticas sobreviventes de crenças antigas. Para Berger (1999), esse
fenômeno é importante para a compreensão das autopercepções religiosas (Neo)
Pagãs. Nesse sentido, há, para os adeptos, quatro aspectos envolvidos: (Neo) Pagãos
e, em especial,
ecial, os praticantes da Wicca, querem distinção de outros novos
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movimentos religiosos; as Bruxas e (Neo) Pagãos legitimam suas crenças ao percebê
percebêlas enquanto práticas oriundas de tempos pré
pré-cristãos;
cristãos; os adeptos buscam um
passado compartilhado com as brux
bruxas históricas e identificam-se
se com elas, algo que
serve, também, como símbolo, para unir essa comunidade religiosa; há a busca pela
conscientização, por parte dos praticantes, de uma atitude saudável em relação ao
planeta e às outras pessoas.
Russell e Alexander
xander (2008) contextualizam que, por volta de 1949, Gerald
Gardner publicou o seu primeiro “romance” sobre bruxaria, que trazia também
diversos assuntos relacionados às práticas mágicas e à religiosidade: seu livro,
intitulado “High
High magic’said
magic’said”, gerou grande
nde comoção. Os autores explicam que Gerald
Gardner estava convencido de que a publicidade seria um ponto chave para a
sobrevivência da Wicca, capaz de despertar grande interesse na população. Gerald
Gardner, de fato, logo cativaria novos adeptos, mas, em contrapartida, também
propiciou o surgimento de notícias sensacionalistas. A partir de então, começam a
difundir informações das mais diversas sobre seu livro, atraindo, inevitavelmente, os
olhares e o interesse jornalístico. Em meio à atenção que recebeu com tamanha
publicidade, tanto do ponto de vista negativo, quanto positivo, Gerald Gardner
acabou por influenciar Doreen Valiente, que se tornou uma nova adepta. Russell e
Alexander (2008) argumentam que ambos acabaram por ser cruciais para a difusão
do Paganismo
ganismo Contemporâneo e da religião Wicca, no mundo.
Um pouco mais tarde, viria Robert Graves, que estabeleceu uma ligação entre
literatura e história celta. A partir dele, dá
dá-se
se forma à personalidade espiritual da
Wicca Gardneriana e, com isso, à Bruxaria Moderna no geral. Desde então, passaram
a ser criadas várias vertentes da religião Wicca. A religião Wicca possui, nos dias de
hoje, vários elementos, sendo grande parte destes ressignificações da mitologia celta.
É imprescindível ressaltar, contudo, que existem poucas evidências concretas dessa
influência nos conteúdos de Gerald Gardner propriamente dito. Conforme o que foi
exposto, não podemos negar a grande importância da mídia para difusão do
Paganismo Contemporâneo e da Bruxaria Moderna. Ainda que ten
tenham sido
divulgados muitos conteúdos sob perspectiva sensacionalista, por meio do uso e
disseminação desses meios de divulgação midiáticos que, o (Neo) Paganismo pôde
alcançar tantas pessoas pelo mundo. Em paralelo a esse fenômeno, outra abordagem
da imagem
m da “bruxa” também começa a inspirar movimentos feministas, para quem
o símbolo da “bruxa” é percebido e resgatado no sentido da libertação do feminino.
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No final da década de 1960, o movimento feminista alegava que a bruxaria original
havia sido um instrumento
mento de poder e independência (RUSSELL E ALEXANDER,
2008, p. 182).
Por sua vez, em movimentos contraculturais como o new age,
age o ocultismo e o
esoterismo predominava a ideia da prática de bruxaria enquanto vivência espiritual e
religiosa, passando a ser bu
buscada
scada por pessoas à procura de religiões que estariam em
um caminho oposto ao proposto pelo cristianismo. Como consequência de tal
visibilidade, o universo de Hollywood,, dos filmes, séries, músicas e propagandas
passou a se apropriar desse tema, mostrando a prática da bruxaria sob uma
perspectiva agora jovial e antagônica à imagem da “bruxa velha”, feia e má. As bruxas
e os bruxos foram retratados, nessa época, como pessoas jovens, cujos objetivos
almejados diziam respeito ao combate do mal. Ainda assim, ac
acabou
abou por haver, um
pouco posteriormente, um movimento de oposição artística, passível de ser notado na
persistência em se criarem produções nas quais o estereótipo da bruxa má ainda
prevalecia, como no caso dos filmes Caça às Bruxas (2011), João e Maria: caçadores
c
de bruxas (2013), a série de televisão Salem (2014-2017),
2017), dentre outros.
Cultura pop e Mídia
Filmes e séries são produções indiscutivelmente cativantes, fazendo
fazendo-se
imprescindível ressaltar sua importância na influência da percepção pública em
relação
lação à Bruxaria Moderna e ao (Neo) Paganismo. Em 1990, segundo Russel e
Alexander (2008), houve um súbito interesse na temática relacionada à bruxaria nos
meios de comunicação, o que acabou por difundir globalmente imagens da Bruxaria
moderna e do Paganismo
mo Contemporâneo na cultura popular. Nessa conjuntura, a
maior parte do público cativado era composto por adolescentes, e estes, por sua vez,
vivenciam um período do desenvolvimento humano marcado pela busca de
identidade. Em meio a esse processo,a cultura pop pode ser compreendia como um
caminho para experimentação de espelhamentos e identificações, além de propiciar
acesso a um universo que pode ser tanto semelhante, quanto diametralmente
diferente do qual esses jovens fazem parte na vida real. Ademais, ttorna-se importante
ressaltar que, apesar do público jovem demonstrar interesse significativo pela cultura
pop,, esse universo não é exclusivo apenas deles, pois cativa e atrai o interesse e
curiosidade de todas as demais faixas etárias. A cultura pop e a mídia, então,
possuem papéis importantes não apenas para o entretenimento e diversão, mas
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também para a propagação de informações e construção de subjetividades e, por esse
motivo, ambas devem ser compreendidas dentro de suas importâncias e
problemáticas.
Jovens Bruxas (The
The Craft
Craft,, 1996), dirigido por Andrew Fleming, foi um filme
sucesso de bilheteria e um referencial relevante para a Bruxaria Moderna do século
XX. A obra tornou-se
se uma das produções mais influentes para grande parte dos
jovens, que imediatamente
nte passaram a se interessar por práticas de magia, bruxaria e
(Neo)Paganismo.O filme retrata a vida e o relacionamento de quatro amigas, todas
adolescentes e aprendizes de “bruxaria”. A protagonista principal muda
muda-se para uma
nova cidade e está em process
processo
o de adaptação a uma nova realidade, quando conhece
um grupo de três adolescentes que estudam ocultismo e, assim, as quatro garotas
logo começam a praticar feitiçaria juntas e a desenvolver seus poderes enquanto
bruxas. O filme retrata alguns elementos de práticas (Neo) Pagãs e, apesar de possuir
um contexto comercial, de fato, o filme retrata elementos mais próximos e reais
dessas práticas: o contato com a natureza e a sacralização da mesma; presença de
objetos e artefatos ocultistas (velas, incensos, smudge4, cristais); invocação de
entidades; invocação dos quatro elementos da natureza; práticas de feitiçaria e a
formação de um coven (núcleo religioso Neopagão).
Esses elementos são comuns nas práticas (Neo) Pagãs, em especial para a
Wicca, e inclusive se assemelham a algumas práticas elaboradas por Gerald Gardner.
Para Berger (1999), a Bruxaria Moderna pode ser compreendida como uma religião
de mistérios composta por práticas ritualísticas elaboradas em sabbats (festivais
sazonais) eesbats (rituais para as fases da lua), além de possuir, também, ritos de
passagem. A autora elucida que, para a realização dos rituais, alguns elementos
básicos são necessários, como tr
traçar
açar um círculo mágico e invocar os quatro elementos
da natureza (terra, ar, fogo e água); também, para o encerramento dos rituais, faz
faz-se
o compartilhamento de pães e vinhos. Esses elementos, por exemplo, são todos
retratados no filme Jovens Bruxas (The Craft,, 1996), sendo altamente improvável
que constem na referida produção, por mero acaso. Os produtores afirmaram que
algumas pesquisas foram realizadas para que eles conseguissem reproduzir esses
elementos ritualísticos com maior proximidade das práticas realizadas na Bruxaria
Moderna. Apesar de a produção possuir um viés de entretenimento direcionado ao
4Smudges
são uma espécie de incenso natural, feitos a partir da sálvia ou ervas espec
específicas com a
finalidade de purificação de ambientes, pessoas e contextos ritualísticos.
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público jovem, o referente filme pode, sem dúvidas, ser considerado um clássico para
os (Neo) Pagãos, pois, para muitos destes, Jovens Bruxas (The
The Craft,
Craft 1996) foi e
continua sendo um importante referencial para o despertar do interesse na Bruxaria
Moderna e no (Neo) Paganismo.
Em 1998, a série Charmed começou a ser transmitida pela emissora de
televisão The WB Television Network
Network, tornando-se
se outro importante
importan referencial para
o público (neo) Pagão. Nessa série de televisão, a história se desenrola em um
universo em que bruxas, demônios e anjos coexistem e convivem. As personagens
principais são três irmãs que encontram um antigo livro das sombras, supostamen
supostamente
pertencente à sua mãe, quem, conforme descobrem, possuía poderes sobrenaturais.
Trata-se
se de outra produção comercial direcionada ao público jovem que também
cativou grande parte da audiência e terminou por contribuir para a divulgação da
imagem das práticas
icas de feitiços para fins benéficos. Ainda em 1998, foi lançado o
filme Da Magia à Sedução (Practical Magic)) do diretor Griffin Dunne, que era uma
adaptação do livro homônimo, da escritora Alice Hoffman, publicado em 1995. A
trama cinematográfica foi prot
protagonizada
agonizada por Sandra Bullock e Nicole Kidman. A
narrativa permanece em torno de duas irmãs (Sally e Gillian Owens), cujas vidas são
influenciadas por sua ancestral que havia sido acusada de bruxaria. Dentre outros
acontecimentos, a história se desenrola em torno de Sally Owens, que primeiramente
tenta renegar, mas acaba por assumir seus dons mágicos e, consequentemente, sua
identidade enquanto “bruxa”. O filme retrata elementos como a observação da lua, no
sentido oracular, os sabbats
sabbats, a elaboração de feitiços
ços de amor, a necromancia e
experiências de preconceito religioso.
Outra adaptação literária foi a série de filmes Harry Potter (2001-2011) 5,
distribuídos pela Warner Bros. Pictures
Pictures.. A escritora J.K. Rowling publicou sete livros
(1997-2007)
2007) sobre o per
personagem
sonagem Harry e seu ingresso na escola de bruxaria de
Hogwarts. O universo Harry Potter veio a ser considerado um fenômeno mundial. A
história se passa em torno de três personagens principais, pertencentes ao universo
dos “bruxos (as)”. A escritora criou u
um
m mundo totalmente inspirador e cativou
milhares de leitores e fãs pelo mundo. O inominável sucesso motivou adaptação para
Harry Potter e a Pedra Filosofal (Chris Columbus, 2001); Harry Potter e a Câmara Secreta ( Chris
Columbus, 2002); Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (Alfonso Cua
Cuarón,
rón, 2004); Harry Potter e o
Cálice de Fogo (Mike Newell, 2005); Harry Potter e a Ordem Da Fênix (David Yates, 2007); Harry
Potter e o Enigma do Príncipe (David Yates, 2009); Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1
(David Yates, 2010); Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (David Yates, 2011).
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o cinema, a criação de parques de diversões, turismo ao estúdio da Warner Bros, na
Inglaterra, e o desenvolvimento de uma série de ob
objetos
jetos temáticos e merchandise
para aqueles que desejassem colecionar as réplicas desses artefatos, ou então
meramente se sentir parte do universo Harry Potter.
Nesse universo, os bruxos e bruxas vivem em uma sociedade secreta e
incompreendida pelos “troux
“trouxas”
as” (humanos comuns), que, por não alcançarem a
compreensão do mundo bruxo, acabam permanecendo sem o conhecimento da
magia. Alguns dos pontos mencionados na obra são a escola oficial de magia
(Hogwarts),
), a prática de feitiços e elaboração porções, a exist
existência de plantas
mágicas (como a mandrágora), vôos conduzidos em vassoura, duelos de varinhas e a
celebração do Yule Ball.. O Yule,, por sua vez, é um dos festivais sazonais celebrados no
calendário (neo) Pagão, conhecido como, A Roda do Ano.No entanto, tamb
também se
trata de um período do ano relevante para os povos nórdicos do período pré
pré-cristão
entre os quais, explica Langer (2015), recebe o nome de Yule ou Jól,
Jól um festival pagão
cuja celebração é realizada no solstício de inverno.
Em relação ao contexto pag
pagão
ão nórdico, a série de televisão Viking (2013 até o
momento atual), transmitida pelo History Channel,, retrata a história de Ragnar
Lothbrok e suas invasões realizadas na Inglaterra e França. Langer (2016) explica
que, ainda que esta produção tenha desconst
desconstruído
ruído alguns estereótipos em relação aos
povos nórdicos, ela ainda acaba reproduzindo alguns equívocos históricos.Isso
acontece, porque, novamente, há um contexto comercial em que não se vislumbra o
comprometimento com a historicidade.No entanto, esta, sem dúvida, trata-se
trata
de uma
série que, possuiu considerável relevância para popularização dos povos nórdicos na
contemporaneidade, assim como suas crenças e cultos aos deuses,como Thor e Odin,
despertando o interesse daqueles que não conheciam sobre as crença
crenças da religião
nórdica pré-cristã.Sauders
cristã.Sauders (2016) argumenta que, na série Vikings,
Vikings o paganismo
nórdico é contrastado de forma positiva em relação ao monoteísmo, mediante a
demonstração, pelos protagonistas, das crenças pagãs de forma genuína e fervorosa.
O autor
utor compreende que a contextualização da história dos personagens e de suas
crenças é algo que acaba por proporcionar ao espectador uma identificação com o
paganismo. Sendo assim, além de despertar interesse pelo conhecimento das
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mitologias, das sagas e d
dos
os estudos sobre (Neo) Paganismo Nórdico6, a série
desmistifica alguns estigmas em relação à fé nórdica.
Diante do contexto (Neo) Pagão Nórdico, uma obra fortemente influenciadora,
é a de J.R.R. Tolkien (1892
(1892-1973), principalmente livros como O Senhor dos Anéis
(The
The Lord of the Rings
Rings,, 1954). J.R.R. Tolkien também pode ser considerado um
grande e relevante fenômeno no assunto, e seus livros, inclusive, foram adaptados
para o cinema, tendo, os filmes, sendo dirigidos por Peter Jackson (se tornaram
grandes sucessos
cessos de bilheteria, conquistando o Oscar e outros prêmios dentro do
universo Hollywoodiano
Hollywoodiano).
). Na compreensão de Von Schnurbein (2016), o universo de
Tolkien foi fortemente influenciado pelas teorias filosóficas do mito, no qual o
escritor apoiou o entendi
entendimento
mento de que o mito era passível de ser reconstruído com
base em estudos filológicos. Em relação aos idiomas e mitologias criados por Tolkien,
estes beberam de fontes mitológicas de povos antigos, em especial das culturas
nórdica e finlandesa pré--cristãs.
Todo o universo criado por J.R.R. Tolkien é considerado fonte imprescindível
para os praticantes do Ásatrú. Von Schnurbein (2016) compreende que o trabalho de
J.R.R. Tolkien foi e ainda é recebido com entusiasmo por muitos adeptos do
Paganismo Nórdico Contemporâneo.
temporâneo. A autora ainda elucida que é comum encontrar
relatos de autores de livros religiosos (Neo) Pagãos, os quais se referem à obra de J.
R. R. Tolkien como material importante para estudo da fé germânica. Segundo Davy
(2007), a importância dessas ob
obras,
ras, para o público (Neo) Pagão, manifesta-se
manifesta
enquanto referências espirituais. Lembremos que, para grande parte desses adeptos,
é por meio de narrativas como essas que eles conseguem imaginar as crenças e
práticas pré-cristãs,
cristãs, identificando
identificando-se com os personagens,
onagens, suas batalhas e jornadas
espirituais. Nesse sentido, os leitores (Neo) Pagãos, quando em contato com essas
produções,realizam contato com a própria religiosidade. Essas obras podem ser
compreendidas como meios que proporcionam a vivência e experiê
experiência religiosas.
Estigmas e Estereótipos
Langer (2004) explica que, para a semiologia clássica, a imagem é interpretada
como um ícone, ou seja, ela constitui um signo que substitui a realidade. As imagens
visuais, literárias e orais são transmitidas pelo emissor como representações fiéis da
Pagã Contemporânea Nórdica, inclui
inclui-se
se o Odinismo, o Ásatrú e FornSed. Sobre o
(Neo)Paganismo Nórdico ver:ModernPaganism in world cultures: comparative perspectives, Michael
Strmiska, 2005.
6Vertente
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realidade e, assim, proporcionam a capacidade de identificação e interpretação. Um
fator preponderante de estruturação dessas imagens é a cultura e, por isso, deve
deve-se
levar em consideração o contexto histórico dessas im
imagens
agens e suas influências perante
o objeto analisado. Compreende
Compreende-se,
se, portanto, que os estereótipos podem surgir por
questões ideológicas ou por motivos especiais relacionados a um imaginário já
estabelecido culturalmente. Diante desse entendimento, argument
argumenta-se que há
consideráveis problemáticas nas formas como os temas “bruxaria” e paganismo têm
sido abordados na cultura pop.. Apesar do brando acesso à informação nos tempos
atuais, é notório o senso comum que permeia a percepção do paganismo, tomando
tomando-o,
por exemplo, como equivalente ao ateísmo, ou então, no caso da bruxaria, a
ocorrência da forte associação a pactos com entida
entidades
des malignas e demoníacas.
A ideia do conceito de “bruxa” e de “bruxaria” é construída por meio de um
processo de significação difícil de ser desconstruído. As representações desses
elementos em histórias infantis e filmes são, em sua maioria, disponibili
disponibilizadas de
forma negativa, narrando e descrevendo a “bruxa” enquanto ser que sequestra, mata,
possui pacto com o demônio ou adora entidades malignas. Além disso, sua imagem é
estereotipada e constantemente relacionada a características negativas e repudiosas
repudiosas:
a bruxa é uma mulher velha, feia, com verruga no nariz e com dentes podres.
Observam-se,
se, portanto, dois contrapontos: de um lado, a cultura pop age de forma
comercial, para cativar jovens, aproveitando
aproveitando-se
se de interesses que emergem perante a
sociedade; de outro, o blockbuster confirma um conhecimento popular e acaba por
difundir imagens padronizadas, influenciando negativamente a concepção que se tem
da Bruxaria moderna e do (neo) Paganismo.
Um exemplo pertinente é o filme Caça às Bruxas (Season
Season of the Witch),
Wi
estreado em 2011 e dirigido por Dominic Sena. A referida produção cinematográfica
retrata a história de dois cavaleiros que são obrigados a transportar uma mulher
acusada de bruxaria, levando
levando-a
a para seu julgamento. Os cenários do filme retratam a
cidade
ade em um momento em que a população estava doente e assolada por pragas e
pestes. O filme conduz o espectador a acreditar que tais pragas e pestilências que
assolavam a sociedade haviam sido causadas pela bruxa. Além disso, mais adiante, a
narrativa do filme
lme desemboca em uma visão estereotipada da bruxa demoníaca.
Outro exemplo de estereótipo está na produção Hollywoodiana, João e Maria:
Caçadores de Bruxas (Hanseland
Hanseland Gretel: Witch Hunters, 2013), do diretor Tommy
Wirkola. Nessa produção, a imagem da bruxa é representada de forma bem
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estereotipada: ela se apresenta sedutora, bonita e paralelamente feia, de nariz grande
e maligna (quando mostra sua “verdadeira” identidade). As bruxas, nessa produção,
não só são causadoras do mal, como também, reúnem
reúnem-se
se em rituais
ri
para
compactuarem com forças malignas. Nas duas produções citadas acima, são
apresentadas representações antigas daquilo que se concebia como “bruxa”, seguindo
um processo social de demonização da feitiçaria e da mulher.
Segundo Thomas (1991), no sé
século
culo XVII havia um direcionamento das
influências malignas para aquilo que não se conseguia resolver, tal como pestes,
pragas, doenças, morte, problemas no pastoreio, dentre outros. Além disso, para o
autor, as crenças em bruxas também poderiam ser uma for
forma de encobrir
insuficiências médicas.Com isso, problemas sociais, econômicos e climáticos, como
ressalta Cardini (1998), também eram fatores determinantes para que se
perseguissem costumes antigos e superstições. O autor compreende que com as
tentativas dee propiciar um estado absolutista, os costumes antigos, o folclore e, a
feitiçaria, acabam se tornando uma espécie de “bode expiatório” a ser
responsabilizado. Dessa forma, as práticas de feitiçaria passaram a ser consideradas
algo herege, sendo relacionad
relacionadas
as à imagem da bruxa que, por sua vez, eram também
acusadas degraves crimes, como o assassinato de crianças.Ressalta
crianças.Ressalta-se, portanto, que,
as acusações realizadas, incluíam: assassinatos de crianças, profanação de hóstias
consagradas, “congressos” especiais, denominados como sabbat,
sabbat voos mágicos e a
transformação em animais. Ademais, é importante enfatizar que o processo de
concepção da bruxaria7, enquanto prática maligna, é complexo, envolvendo extensos
debates a respeito do tema.
No entanto, apesar dos sécu
séculos,
los, os estereótipos do que se compreendia
enquanto “bruxa”insiste em permanecer. A cultura pop não está comprometida com
estudos acadêmicos ou com a contextualização histórica, já que possui um viés
puramente comercial e de entretenimento. Porém,acabam po
por contribuir para a
produção de subjetividade e reafirmaçãodesses constructos, uma vez que, no
conhecimento
popular,
pode
pode-se
se
entender
esses
elementos
como
meras
representações da realidade. A exemplo disso, uma série ambígua e problemática,
considerada ofensiva
nsiva por parte do público (Neo)Pagão, ééSalem (2014-2017)
transmitida pela emissora WGN America,, a qual mostra a perseguição àsbruxas, no
Estudos
tudos sobre feitiçaria e bruxaria ver: Magia e bruxaria na Idade Média e no Renascimento de
Franco Cardini, 1996; História noturna: decifrando o sabá de Carlo Ginzburg, 2012.
7
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final do século XVII,na cidade de Salem, Massachusetts,, nos Estados Unidos. Russell
e Alexander (2008) explicamque ess
essa
a perseguição,especificamente, continha, em seu
propósito, disputas políticas e ressentimentos, além de queo surto de bruxaria teria
sido uma expressão violenta das divisões da comunidade: as divisões morais, geradas
pela discordância em torno do governo e da igreja, e os problemas familiares e de
vizinhança. Novamente,nota
Novamente,nota-se
se que as situações dedifícil administração são
projetadas com um estereótipo de inimigo, no caso, as “bruxas”.
O seriado retrata algumas questões ambíguas a serem questionadas e por is
isso
é considerada ofensiva para alguns (Neo) Pagãos e, ao mesmo tempo, fonte de
inspiração para outros.Nessa série, a imagem da bruxaé retratada compactuando com
forças malignas e causando intriga. Esses aspectos não apenas reforçam estereótipos,
como também
m contribuem para que se crieuma inversão do que foi, de fato, a
perseguição das bruxas na cidade de Salem. Na série, as bruxas foramretratadas com
conotação negativa, responsabilizadas pela perseguição e pelas atrocidades ocorridas
no decorrer da trama. O enredo retrata conceitos referentes à descrição cristã do que
seria uma “bruxa”, além de abordar, de forma problemática, os processos históricos
da inquisição.Uma vez que há informações homogêneas, no caso do que foi
problematizado anteriormente, nas comp
compreensões
reensões de Biroli (2011), esses processos
confirmam concepções de uma imagem predominante capaz de propagar
estereótipos, que acaba por justificar a reprodução dessas imagens, como é o caso dos
ícones da “bruxa” nas produções cinematográficas, produções lliterárias
iterárias e produções
de televisão. Na concepção da autora, os estereótipos aparecem num sentido do que é
imposto pelos grupos dominantes, seguindo sua visão de mundo. Tanto a
mídia,quanto a cultura pop possuem papel central como instrumento de propagação
desse imaginário. Quando se é necessário retratar imagens parasuperar estigmas e
preconceitos, essa relação fica comprometida, uma vez que a produção do que é
verdade está no centro na dinâmica de dominação, ou seja, a relação entre o que é
verdade e o que não é depende, invariavelmente, do interesse de grupos que
predominam.
Em relação à importância da mídia e da cultura pop,
pop Hjavard (2011)
argumenta que a fé individual e a imaginação religiosa coletiva também são criadas e
mantidas por uma série de exper
experiências
iências e representações midiáticas que podem ter
ou não relações com religiões institucionalizadas. Os meios de comunicação são,
dessa forma, produtores de experiência religiosa, tornando
tornando-se
se uma fonte primária de
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20
informações. A mídia acaba desempenhando u
um
m papel social e cultural, ao propagar e
reproduzir suas concepções de verdade, culminando em uma ressignificação e
reafirmação do imaginário como, por exemplo, na difusão de estereótipos no
conhecimento popular. No caso específico do que é transmitido e rretratado sobre a
bruxaria e sobre os cultos pagãos e (Neo) Pagãos, a mídia possui função ambígua. A
temática pode ser utilizada com o intento de produzir sucesso de vendas, de
audiência e de bilheteria, sob o viés lucrativo de mercado, ao passo que corrobo
corrobora
com o consequente cunho propagandista, aproveitando a oportunidade para provocar
a curiosidade e a empatia do público em geral. Em contraponto, a cultura pop e a
mídia utilizam-se
se de estereótipos construídos com base em (pré) conceitos
estabelecidos e enraizados
nraizados na sociedade, advindos da perspectiva social dominante do
cristianismo. Assim, são reafirmados pensamentos problemáticos e preconceituosos
atrelados à intolerância religiosa, passíveis de afetar diretamente todo o processo de
vivência e experiência
ia religiosa (Neo) Pagã.
Considerações Finais
O poder que os meios de comunicação e de entretimento possuem na
construção de saber e da subjetividade é um fenômeno importante de ser observado e
considerado. A imagem que a bruxaria, o paganismo e o Paganismo Contemporâneo
possuem na concepção popular é, em sua maioria, extremamente distorcida. O
Paganismo Contemporâneo e a Bruxaria Moderna, interpretados de forma
equivocada, tornam-se
se sinônimos de ateísmo ou ganham uma conotação fortemente
pejorativa. Nesse sentido, ainda que os Pagãos Contemporâneos se percebam como
pessoas espiritualizadas, devido à incompreensão suscitada pelos aparatos
midiáticos, o preconceito religioso pode ser afirmando quando imagens distorcidas
dessas práticas e praticantes ssão
ão divulgadas, gerando todo um processo de estigmas,
estereótipos e julgamentos. Esses processos podem influenciar de maneira negativa o
modo com que a percepção da espiritualidade e da religiosidade é vivenciada em sua
totalidade por esses adeptos, princi
principalmente
palmente no que diz respeito à aceitação religiosa,
à intolerância e ao preconceito. É importante ressaltar que, para a vivência religiosa
(Neo) Pagã, Pike (2001) argumenta que a construção de Self religioso é diretamente
influenciada por meio da relação d
do
o sujeito com a comunidade e com o meio que o
cerca.
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O papel da cultura pop nos processos de ressignificação do imaginário é
fundamental. Ainda que a mídia não esteja comprometida com estudos acadêmicos
ou com uma contextualização histórica, possui, inegav
inegavelmente, relevância social,pois,
mesmo com viés de entretenimento, a subjetividade gerada através da construção da
percepção das imagens gera e propaga “verdades”. A relação do (Neo) Paganismo
com a mídia e com cultura pop é complexa, porém relevante. Além de todas as
problemáticas que essa dinâmica pode gerar, a cultura pop,, ambiguamente, também
possuiu papel imprescindível na divulgação e na forma como o Paganismo
Contemporâneo e a Bruxaria Moderna se estabeleceram, tendo em vista que foi
graças à divulgação,
ção, por meio de notícias e de produções blockbusters que se
despertaram a curiosidade, o interesse e o incentivo pela busca de práticas
(Neo)Pagãs.Por fim, essas informações também se relacionam com o público Pagão
Contemporâneo como espécie de guia que descreve,
escreve, retrata e ensina, sobre suas
próprias crenças. Ainda que essas produções não façam referências historicamente
fiéis, a forma como são tratadas faz com que consolidem
consolidem--se como fonte de
conhecimento e inspiração religiosa para seus adeptos.
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HARRY Potterr e a Ordem Da Fênix. Direção: David Yates. Londres. Produtora:
Warner Bros Entertainment & Heyday Films 2007.
2007.138 min.
HARRY Potter e o Enigma do Príncipe. Direção: David Yates.Londres. Produtora:
Warner Bros Entertainment & Heyday Films, 2009.153 min.
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HARRY
RY Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1. Direção: David Yates. Londres.
Produtora: Warner BrosEntertainment&HeydayFilms, 2010. 141 min.
HARRY Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2. Direção: David Yates. Londres
Produtora: Warner BrosEntertainment&Heyd
BrosEntertainment&HeydayFilms2011.
ayFilms2011. 130 min.
JOÃO e Maria: Caçadores de Bruxas. Direção: Tommy Wirkola. Estados Unidos.
Produtora: Metro-Goldwyn
Goldwyn-Mayer
Mayer & Gary Sanchez Productions & Spyglass
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