Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE ARTES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM ARTES A BANDA CORPORAÇÃO MUSICAL NOSSA SENHORA DO CARMO: UM ESPAÇO DE RELAÇÕES E DE ENSINO/APRENDIZAGEM MUSICAL (1985-2014) Uberlândia, fevereiro de 2016. MURILO SILVA REZENDE A BANDA CORPORAÇÃO MUSICAL NOSSA SENHORA DO CARMO: UM ESPAÇO DE RELAÇÕES E DE ENSINO/APRENDIZAGEM MUSICAL (1985-2014) Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Artes, subárea Música, ao Programa de Pós-graduação em Artes/Mestrado do Instituto de Artes, da Universidade Federal de Uberlândia. Orientadora: Dra. Lilia Neves Gonçalves. Uberlândia, fevereiro de 2016. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil. R467b 2016 Rezende, Murilo Silva, 1985A Banda Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo : um espaço de relações e de ensino/aprendizagem musical (1985-2014) / Murilo Silva Rezende. - 2016. 223 f. Orientadora: Lilia Neves Gonçalves. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Artes. Inclui bibliografia. 1. Música - Teses. 2. Educação - Música - Teses. 3. Música Instrução e estudo - Teses. 4. Bandas (Música) Instrução e estudo Teses. I. Gonçalves, Lilia Neves. II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Artes. III. Título. CDU: 78 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho ao meu pai que, em vida, não pode acompanhar minhas conquistas. AGRADECIMENTOS À minha mãe e meus irmãos, que acompanham minha trajetória e vibram com minhas conquistas; Ao Pirulito, Lucca, Lorenzo e Gui, que fizeram e, certamente, farão os dias mais felizes; À minha orientadora, professora Drª Lilia Neves Gonçalves, por ter acreditado em mim desde os tempos da graduação, ter me orientado e despertado o gosto pela pesquisa; pelo auxílio na busca dos caminhos para esta pesquisa e pelas indicações que tornaram tudo isso possível; Aos meus tios, tias, primos, primas, padrinho e madrinha, cunhado e cunhada, por terem contribuído de todas as formas possíveis durante esses tempos de estudo; À Priscila, por estar junto e sempre dizer que “está lindo” na hora certa; Ao pessoal da Banda, meus amigos, professores e, em especial, aos colaboradores desta pesquisa, que me proporcionaram aprendizagens imensuráveis e tornaram este trabalho possível; Aos amigos que não citarei os nomes, pois já disse pessoalmente o tanto que me ajudaram na minha formação como músico, como pessoa e nessa empreitada; Aos professores que se tornaram amigos; À agência financiadora CAPES por, através de uma bolsa neste último ano, ter possibilitado ainda mais a minha dedicação para a conclusão desta dissertação; Aos membros das bancas de qualificação e defesa desta dissertação, pela atenção e contribuição com esta pesquisa; A todos, muito obrigado! RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender a constituição - o como se dá ou se organiza - do ensino/aprendizagem musical a partir das relações sociais que ocorrem no espaço da banda Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo, da cidade de Arcos-MG. Para isso foi usado o recorte temporal de 1985 até 2014. Como objetivos específicos, tem-se: entender as relações sociais e de que forma elas subsidiam o processo de ensino/aprendizagem de música; discutir as relações de ensino/aprendizagem musical, que são constituídas na Banda a partir do processo de sociabilidade; analisar a convivência no espaço da Banda e entender de que forma os laços estabelecidos entre os componentes estão presentes no processo de formação de músicos; e identificar como se constituem as sociabilidades formadas a partir dos processos de ensino/aprendizagem musical nesse espaço. É uma pesquisa qualitativa (DENZIN; LINCOLN, 2006; HESSEBIBER; 2006), que utiliza como método a História Oral (LEAVY, 2011; MEIHY, 2000) e como procedimentos de coleta de dados fontes orais (entrevistas), escritas (artigos de jornais) e iconográficas (fotografias). Tem como fundamentos teóricos a educação musical enquanto prática social (GONÇALVES, 2007; SOUZA, 2004), que não existe por si mesma e depende de pessoas e grupos, os quais produzem ensinam/aprendem música e estão juntos por vários interesses, constituindo formas de sociabilidades pedagógico-musicais (RIEDEL, 1964; GURVITCH, 1941) como principal explicação para quererem estar juntos e se sujeitarem a aprender/ensinar música, seja pela integração e/ou pela participação em um grupo. Concluiu-se que na Banda as relações sociais estabelecidas se estendem para fora do espaço da Banda e fazem com que pessoas queiram aprender música, às vezes nem sempre pela música, mas por quererem estar juntas. Estes momentos de ensino/aprendizagem que formam músicos profissionais e pessoas que têm interesse em aprender música, tocar um instrumento musical, estão imersos em vários tipos de relações pedagógico-musicais. Palavras-chave: educação musical, ensino/aprendizagem de música, banda de música, relações pedagógico-musicais, sociabilidade pedagógico-musical. ABSTRACT This research aims to understand the constitution of the teaching-learning process in music from the social relationships that occur within the brass band, namely Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo, from the city of Arcos, MG, during the period of 1985 to 2014. This study intends to understand the social relations and the ways in which they subsidize the teaching-learning process in music; discuss the relations around the teaching /learning process of music which are constituted within the band in terms of sociability; analyze the coexistence within the band and understand how the links established between the members are present in the training of musicians and identify how sociability is constituted through the process of teaching and learning music in that context. It is a qualitative research (DENZIN; LINCOLN, 2006; HESSE-BIBER, 2006) that uses the methodology of Oral History (LEAVY, 2011; MEIHY, 2000) and the collection of data by means of oral sources (interviews), in the written form (newspapers articles), and those which are iconographic (photographs). The theoretical foundations are based upon music education as a social practice (GONÇALVES, 2007; SOUZA, 2004) which does not exist by itself and depends on people and groups that produce, teach and learn music and who mingle for various reasons, constituting forms of sociability in music education (RIEDEL, 1964; GURVITCH, 1941) as the main reason to get together and/or form a band. As a conclusion, the social relations go beyond the scope of the band and make people want to learn music, not necessarily because of the music itself, but due to the sociability that it involves. the teaching-learning impetus of professional musicians, as well as people who are interested in learning music and who wish to play a musical instrument leads such people to be immersed in various pedagogical and musical relationships. Keywords: Music education, teaching/learning music, brass bands, music education relations, sociability in music education. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Corporação musical Nossa Senhora do Carmo........................................ 68 Figura 2 - Os integrantes da Banda .......................................................................... 88 Figura 3 - Sede da Banda com o detalhe do nome da corporação ao lado da porta ................................................................................................................................. 123 Figura 4 - Primeira página da folha escrita à mão pelo maestro ............................. 137 Figura 5 - Segunda página da folha escrita à mão pelo maestro ............................ 138 Figura 6 - Terceira página da folha escrita à mão pelo maestro. ............................ 139 Figura 7 - Exercício 11, p. 8. ................................................................................... 141 Figura 8 - Trecho da música “O Cisne Branco” ....................................................... 146 Figura 9 - Banda Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo .......................... 193 Figura 10 - Paulo e o quepe utilizado entre os anos de 1990 e 2005 ..................... 194 Figura 11 e 12 - Paulo e os uniformes da Banda .................................................... 196 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Quadro temporal de existência da Banda e da permanência dos músicos no grupo .................................................................................................................... 49 Quadro 2 - Informações sobre as entrevistas e os colaboradores ............................ 56 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 14 1.1 Discutindo o objeto desta pesquisa........................................................ 16 1.1.1 Estudos sobre bandas de música ................................................... 16 1.1.2 Uma história, minha história com a Banda ...................................... 22 1.1.3 O objeto desta pesquisa em foco .................................................... 27 1.1.4 Fundamentos teóricos ..................................................................... 30 1.2 Estrutura do trabalho ................................................................................ 34 2 METODOLOGIA .................................................................................................... 36 2.1 Pesquisa qualitativa .................................................................................. 36 2.2 A História Oral como Método .................................................................... 38 2.3 A memória como fundamento da História Oral ......................................... 40 2.4 Coleta de dados ........................................................................................ 42 2.4.1 Visitando o museu da cidade .......................................................... 43 2.4.2 Os colaboradores da pesquisa ........................................................ 45 2.4.2.1 A escolha dos colaboradores da pesquisa ............................ 45 2.4.2.2 Apresentando os colaboradores da pesquisa ........................ 46 2.4.3 As entrevistas .................................................................................. 50 2.4.3.1 Os tipos de entrevista ............................................................ 50 2.4.3.2 O roteiro da entrevista ........................................................... 51 2.4.3.3 Realizando as entrevistas ...................................................... 55 2.4.3.4 Entrevistando os colaboradores ............................................ 60 2.4.3.4.1 Sr. João Fernandes Mendes ........................................... 60 2.4.3.4.2 Vinícius Eustáquio das Graças ....................................... 62 2.4.3.4.3 Sinara Cristina Teixeira Carvalho .................................... 63 2.4.3.4.4 Cássia Gonçalves Montouto ........................................... 65 2.4.3.4.5 Ramsés dos Reis ............................................................ 65 2.4.3.4.6 Paulo José Rodrigues Amorim ........................................ 66 2.4.3.4.7 Geraldo Nunes Pereira (Pixano) ..................................... 67 2.4.3.4.8 Juliano Ferreira da Silva .................................................. 69 2.4.3.4.9 Cléber Gonçalves Resende ............................................ 70 2.4.3.4.10 Camila Aparecida Santos Américo ................................ 71 2.4.3.4.11 Poliana Jordele de Sousa ............................................. 72 2.4.3.4.12 Edwilson de Faria Souza Borges .................................. 73 2.4.3.5 As transcrições das entrevistas ............................................. 73 2.5 A Análise dos dados ................................................................................. 77 3 OS MÚSICOS E A BANDA COMO GRUPO SOCIAL E DE FORMAÇÃO MUSICAL NA CIDADE DE ARCOS-MG .................................................................. 80 3.1 A Banda nos tempos/espaços da cidade.................................................. 80 3.2 A Banda como grupo social ...................................................................... 82 3.3 Participantes da Banda ............................................................................. 87 3.3.1 Quem podia fazer parte da Banda .................................................. 87 3.3.2 Tipos de participantes da Banda ..................................................... 91 3.3.3 Como os participantes passavam a frequentar a Banda................. 93 3.3.4 Motivos para os participantes irem à Banda ................................... 96 3.4 Tornando-se músico da Banda ................................................................. 97 3.5 Os músicos e os instrumentos musicais na/da Banda ........................... 101 3.5.1 A escolha dos instrumentos musicais ........................................... 101 3.5.2 Relação dos músicos com o instrumento ...................................... 108 3.6 Ser reconhecido como músico da Banda ............................................... 110 3.7 Os tempos de formação e de lazer do músico na Banda ....................... 112 3.7.1 A Banda como um tempo que passa ............................................ 112 3.7.2 O tempo livre do músico passado na Banda ................................. 116 4 O ENSINO/APRENDIZAGEM DE MÚSICA NO ESPAÇO DA BANDA .............. 119 4.1 A banda de música como espaço social de educação musical .............. 120 4.2 Função do maestro na Banda................................................................. 124 4.3 O repertório da Banda ............................................................................ 126 4.4 Princípios pedagógicos do maestro ........................................................ 131 4.5 Etapas para ensino/aprendizagem na Banda ......................................... 135 4.5.1 Primeira etapa: a de teoria da música ........................................... 136 4.5.2 Segunda etapa: a do solfejo .......................................................... 138 4.5.3 Terceira etapa: iniciando no instrumento ...................................... 142 4.6 Ensinar/aprender a tocar um instrumento na Banda .............................. 145 4.6.1 Pela leitura e escrita musical ......................................................... 145 4.6.2 Pela imitação sonora e visual ........................................................ 148 4.7 Os ensaios da Banda.............................................................................. 151 4.7.1 Preparação do repertório............................................................... 152 4.7.2 Ensaio como momento de estudo ................................................. 154 4.7.3 Ensaios como lugar de encontro de amigos ................................. 156 5 A BANDA COMO ESPAÇO DE SOCIABILIDADE E DE RELAÇÕES DE ENSINO/APRENDIZAGEM DE MÚSICA ............................................................... 159 5.1 A Banda como um espaço de sociabilidade pedagógico-musical .......... 159 5.2 O que mantém a Banda como grupo ...................................................... 164 5.3 Sociabilidade pedagógico-musical interna na Banda ............................. 168 5.3.1 A Banda como espaço de frequentação ....................................... 168 5.3.2 Porque gostam de estar na Banda ................................................ 172 5.3.3 A Banda: um espaço de reunião para praticar e aprender música 175 5.3.4 Laços estabelecidos na Banda...................................................... 177 5.4 Sociabilidade pedagógico-musical externa a Banda .............................. 182 5.4.1 Redes de sociabilidade pedagógico-musicais............................... 182 5.4.2 As apresentações musicais da Banda .......................................... 186 5.4.3 As viagens da Banda..................................................................... 189 5.5 O uniforme como forma de ser visto dentro e fora da Banda ................. 192 5.6 Uma formação musical para além da Banda .......................................... 198 5.6.1 A Banda como espaço para a profissionalização dos músicos..... 198 5.6.2 Uma aprendizagem para a vida .................................................... 201 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 203 6.1 Sobre a pesquisa .................................................................................... 203 6.2 Sobre a Banda na cidade hoje................................................................ 206 6.3 Um trabalho para a educação musical ................................................... 208 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 210 APÊNDICES ............................................................................................................ 217 APÊNDICE A ................................................................................................ 217 APÊNDICE B ................................................................................................ 218 APÊNDICE D ................................................................................................ 222 ANEXO .................................................................................................................... 223 14 1 INTRODUÇÃO O foco desta pesquisa está no ensino/aprendizagem na banda de música “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo, da cidade Arcos-MG” (ANEXO)1. Considerada um espaço social, a banda se caracteriza pelo encontro de pessoas que têm interesses comuns, ou seja, aprender música, tocar um instrumento, estarem juntos. Portanto, é um espaço de ensino/aprendizagem na cidade, sendo que as pessoas aprendem música com o maestro de forma individual e/ou coletiva, participam de viagens, eventos e apresentações. Essa é uma banda de música centenária que, segundo Barreto (1992), foi “a primeira Lira Musical de Arcos e tem registro de sua existência na cidade desde 1908” (BARRETO, 1992, p. 170). Porém, segundo o maestro João Fernandes Mendes2, provavelmente, esta corporação já existia antes dessa data, contudo ainda não há fontes que confirmem essa informação. Durante o período em que se tem registro das atividades dessa banda de música, pelo menos oito maestros estiveram à frente da corporação. Um artigo de jornal, ao publicar uma homenagem ao maestro o Sr. Benetides3, dizia que “em 1910 foi fundada em Arcos a primeira banda de música. Seu nome era Lira Musical Santa Cecília. Porém, mais tarde com a formação de novos músicos passou a chamar-se “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo” (O Arcos, agosto de 1978)4. Essa Banda5 mantém um trabalho em parceria com a prefeitura municipal da cidade, que custeia as despesas básicas do grupo, tais como faxina e honorários do maestro, além de algumas despesas para viagens. Em troca, a Banda retribui na forma de serviços musicais quando solicitado. Arcos é uma cidade localizada no estado de Minas Gerais a, aproximadamente, 210 km de Belo Horizonte, 490 km de São Paulo e a 680 km de Brasília. Tem em torno de 40 mil habitantes e sua economia tem como base a mineração, com ênfase no calcário para a fabricação de cimento. A cidade recebeu o nome de Arcos em 1833 e foi emancipada em 17 de dezembro 1938. 2 João Fernandes Mendes foi maestro da “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo”, da cidade Arcos-MG, durante 29 anos. Ele foi o regente titular de 1985 até 2014, período que corresponde ao recorte temporal desta pesquisa. Esse maestro é um dos colaboradores desta pesquisa. 3 Ex-maestro da Banda “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo, da cidade Arcos-MG”, citado, muitas vezes, pelo maestro João Fernandes, como Sr. Bené. 4 [A Música em Dois Tempos]. O Arcos, ano 1, n. 8, p. 12, ago. 1978. 5 Neste trabalho, para fluir melhor o discurso, usarei a palavra Banda em letra maiúscula quando me referir à banda “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo, de Arcos-MG”. Quando estiver em letra minúscula, estou me referindo à banda de música, substantivo comum, quando se tratar de grupos civis ou militares que mantêm a tradição de repertório, de instrumentação, de formas de ensinar/aprender música, espaços de apresentações, etc. 1 15 De modo geral, quando se trata do ensino/aprendizagem de música no mundo em que vivemos, sabe-se que ele ocorre em praticamente todos os momentos em que há interação entre os indivíduos. Além disso, é claro, também se dá em diversas situações da vida em que as pessoas se relacionam com a música, nos vários espaços sociais em que se ensina/aprende, com ou sem a mediação de um professor. Como prática comum entre os indivíduos que compartilham intenções semelhantes, a música pode ser considerada um forte agente socializador e de sociabilidade (GONÇALVES, 2007; RIEDEL, 1964). Pode-se dizer que a música é uma prática social (SOUZA, 2014; 2000), que ocorre na interação entre as pessoas em espaços e tempos, cujas motivações levam, direta ou indiretamente, ao ensino/aprendizagem. No caso da Banda, muitas vezes, o objetivo da pessoa não é tornar-se um músico, mas fazer parte de um grupo, ou realizar o sonho de tocar um instrumento. A busca por estes objetivos, em alguns casos, depende de outras pessoas presentes naquele espaço, pessoas que se relacionam com esse indivíduo e contribuem, mesmo que de forma inconsciente, com sua experiência e/ou seus conhecimentos para que os objetivos do outro sejam alcançados. Para Heller (1977), pode-se falar de grupo “somente se as relações face-aface de um determinado número de homens têm alguma função comum” (HELLER, 1977, p. 71, tradução minha, grifos no original)6. Esta função comum seria o que mantém o grupo junto, seria o ponto de intercessão entre os caminhos das pessoas que se cruzam na busca de objetivos distintos. Nesse sentido, na concepção dessa autora, só existe grupo se os habitantes de um mesmo espaço desenvolvem algum tipo de contato, sejam eles “formais e/ou informais”7. Quando se fala do envolvimento das pessoas em um grupo que tem suas características bem definidas, e que a sociedade já o reconhece por suas especificidades, os participantes desse grupo se envolvem e se reconhecem uns com/nos outros, nos mais diversos atos e pensamentos que os tornam parte de uma No original: “Podemos hablar de grupo solamente si las relaciones face-to-face de un determinado número de hombres tienen alguna función común (grifos do original)”. 7 Neste trabalho utilizarei aspas por três motivos. O primeiro em citações e, em segundo, para indicar situações e termos em que se reconhece a necessidade de discussão para uma definição mais clara, mas que os leitores da área reconhecerão as questões, bem como suas complexidades embebidas de concepções e teorias pedagógico-musicais. E, em terceiro, as aspas são usadas em termos, expressões ou ideias que podem ter um duplo significado ou interpretações variadas, sendo que, nesse caso, não haverá explicações para que não haja interrupção do texto. 6 16 estrutura, na qual o pensamento coletivo é fundamental para a consolidação do grupo. Campos (2008), que realizou um estudo sobre os aspectos pedagógicos em bandas e fanfarras escolares, afirma que “ ‘fazer parte’, ‘se fazer integrado’ em um determinado grupo na escola significa ter suas expectativas sociais correspondidas, adquirir experiências até então não vivenciadas em outros espaços sociais” (CAMPOS, 2008, p. 109). Independente de quais objetivos o indivíduo busca, ele se submete a ações que irão beneficiar o grupo, ou seja, o objetivo a ser alcançado se entrelaça com o caminho rumo ao objetivo que pertence ao outro indivíduo. Assim, ao estarem juntas, em um grupo, as pessoas desenvolvem afinidades e laços por terem seus objetivos tão próximos ou por se sentirem bem ao completar ou estar em/no grupo (HELLER, 1977; RIEDEL, 1964; GURVITCH, 1941). Tendo em vista esses pressupostos, esta investigação teve como objetivo geral compreender a constituição (como se dá, se organiza) do ensino/aprendizagem musical, a partir das relações sociais que ocorrem no espaço da banda “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo”, na cidade Arcos-MG, de 1985 até 2014. Já como objetivos específicos pretendeu-se entender as relações sociais e de que forma elas subsidiam o processo de ensino/aprendizagem de música; discutir as relações de ensino/aprendizagem musical que são constituídas na Banda, a partir do processo de sociabilidade; analisar a convivência no espaço da Banda e entender de que forma os laços estabelecidos entre os componentes estão presentes no processo de formação de músicos; e identificar como se constituem as sociabilidades formadas a partir dos processos de ensino/aprendizagem musical nesse espaço. 1.1 Discutindo o objeto desta pesquisa 1.1.1 Estudos sobre bandas de música Estudos sobre bandas de música no Brasil estão localizados em várias áreas do conhecimento, como a sociologia, a história, a política, a antropologia, a música (musicologia, etnomusicologia, educação musical), dentre outras. 17 Na musicologia, entre diversos autores que estudam as bandas de música, estão aqueles que abordam temas ligados aos aspectos históricos e à relação desses grupos musicais com os locais nos quais estão inseridos. Por exemplo, Binder (2006) focou sua atenção na atuação de bandas militares e sua representação, e, através do estudo de documentos, repertório e relatos, buscou “esclarecer a função das bandas militares no processo de difusão das bandas de música no Brasil” (BINDER, 2006, p. 13). Já Costa (2011, p. 241) propôs uma discussão na área da história, “a respeito das bandas civis no Brasil e suas apropriações militares”. Essa autora também aborda as relações hierárquicas que acontecem na banda, além de analisar a instrumentação e as vestimentas utilizadas, além do repertório tocado por este grupo musical. Neste trabalho ela menciona que as bandas estão presentes em diversos momentos de uma comunidade, e elas caracterizam-se também por seu aspecto coletivo e integrador. Essas sociedades musicais se apresentam como lugares onde se articulam ideias e imagens, ritos e práticas que exprimem a via escolhida pelo grupo para a sua inserção na sociedade, melhor dizendo, elas constroem espaços de sociabilidade, afirmando uma determinada cultura e identidade (COSTA, 2011, p. 259). Santiago (1997-1998) realizou um estudo antropológico sobre a relação entre bandas, sociedades musicais e a cidade de Campos dos Goytacazes-RJ. Discute que estes grupos são dotados de “representações, de símbolos, de emblemas de uma prática social que os legitima, lhes dão uma função social e à qual é preciso assegurar a proteção”. Esse autor acredita que “as sociedades musicais têm um papel a desempenhar: aquele de ser, através do reconhecimento público, agentes da reunião e da interação entre as diferentes partes da população urbana” (SANTIAGO, 1997-1998, p. 190). Albernaz (2008), em sua dissertação no campo da antropologia social, através de uma etnografia, relaciona o “conviver” e o “lembrar” dos músicos que frequentaram a banda Rossini, da cidade de Rio Grande-RS. Este autor dá atenção às relações dos músicos com o espaço da banda, à música e à memória que eles têm daquele lugar, e, quando se trata do “lembrar”, faz associação com a memória, o tempo (sonoro e social) e a vida dos músicos. 18 Por sua vez, Gomes (2008), na política social, estudou o significado das bandas de música civis na cidade de Campos dos Goytacazes, dando destaque à importância das bandas “não somente como patrimônio cultural, mas também como patrimônio imaterial e prática social no espaço onde se inserem” (p. 12). Em seu estudo, ela utilizou observações e análises da relação da banda com a “vida social e cultural da cidade, e de sua função formadora de músicos” (p. 12). A autora discorre sobre os principais fatos que propiciam o desgaste da banda, bem como de seus integrantes, fazendo também um paralelo entre as políticas públicas, municipais, estaduais e federais, mencionando que estas políticas não são as ideais para que as bandas de música possam continuar existindo. Na educação musical, estudos realizados sobre bandas têm abordado processos de ensino/aprendizagem e aspectos históricos envolvendo a sua estrutura e o seu funcionamento. Neste âmbito, destaca-se o trabalho de Cislaghi (2009), que deu atenção aos processos de ensino/aprendizagem de música em bandas de música, bem como às concepções dos professores de música que atuam nestes grupos musicais. Fez sua pesquisa tendo como base três estudos de caso, em três tipos de grupos musicais (fanfarra, banda marcial e banda de percussão). O autor utilizou como procedimentos de coleta de dados observações e entrevistas semiestruturadas para entender como as concepções dos professores sobre educação musical afetam suas práticas pedagógicas e concluiu que o processo de ensino/aprendizagem do aluno varia conforme a formação do professor. Já Gonçalves (2007), a partir de relatos orais, procurou entender o cotidiano das aulas de música para compreender como se organizavam os processos pedagógico-musicais de ensino/aprendizagem da banda de música, enquanto um espaço de ensinar/aprender música na cidade de Uberlândia, nas décadas de 1940 a 1960. Neste trabalho, a proposta foi investigar e compreender como se constituía uma “sociabilidade pedagógico-musical em espaços onde se ensinava/aprendia música” (GONÇALVES, 2007, p. 19). A autora concluiu que o “processo do conhecimento musical é adquirido sob várias formas de interação” (p. 306) e depende também de como cada espaço se organiza em torno de suas especificidades. Especificidades constituídas em torno de uma sociabilidade pedagógico-musical própria e específica de cada grupo, espaço e em determinada época. 19 Gonçalves et. al. (2009), em uma pesquisa participante, investigaram a construção da identidade coletiva dos músicos, a partir da participação em bandas de música de seis cidades mineiras. Assim sendo, concluíram que o papel social da banda de música na manutenção e continuidade de uma tradição está “pautado na construção pessoal e coletiva de seus membros” (GONÇALVES et. al., 2009, p. 7). Em uma pesquisa realizada entre os anos de 1976 e 1985, Granja e Tacuchian (1984/85), quando participavam dos encontros estaduais de bandas civis do Rio de Janeiro, mencionam que se propuseram a observar a banda de música como um ritual coletivo, marcado por ações, personagens, gestos, vestimentas, caracterizando um momento especial da nossa sociedade, onde determinados elementos ou relações adquirem um significado diferente daqueles estabelecidos no mundo cotidiano (GRANJA; TACUCHIAN, 1984/85, p. 27). Os autores citam três níveis de procedimentos nos quais eles estavam envolvidos, sendo que o primeiro diz respeito aos trabalhos burocráticos para a organização desses encontros de banda, tais como infraestrutura, reuniões transporte, locais, datas e etc.; o segundo está ligado à “própria natureza da Animação Cultural” (p. 28), no qual os autores se questionavam sobre a tradição das bandas no país, a função social da banda; e, o terceiro, realizado durante os encontros de bandas, constituiu a realização de entrevistas informais com “políticos, líderes comunitários, representantes do público de diversas faixas etárias, músicos” (p. 29). Com esse trabalho concluíram que “as manifestações culturais não são excludentes e podem coexistir simultaneamente” (GRANJA; TACUCHIAN, 1984/85, p. 39). Ou seja, mesmo com as novas formas nas quais a sociedade se arranja, e que resultam em novas formas de expressões culturais, não se “excluem as antigas, desde que elas guardem sua função social” (GRANJA; TACUCHIAN, 1984/85, p. 39). Silva, T. (2012) focou sua atenção em como acontecem os processos de ensino e aprendizagem presentes em uma banda marcial, lembrando que esta banda está inserida no espaço de uma escola. O ponto que chamou atenção, por conter análises que tangem aos objetivos desta pesquisa, é o que a autora menciona sobre a banda, que, além de 20 funcionar como um veículo de educação para a escola, ela proporciona para a instituição status, um lugar de destaque na comunidade e nas diversas instituições de ensino, sejam municipais, estaduais ou particulares, devido aos títulos conquistados em campeonatos (SILVA, T. 2012, p. 121). Lima (2005) pesquisou bandas estudantis e sua investigação esteve voltada para compreender como e porque esses agentes (estudantes, regentes, professores de balizas, instrutores de ordem unida, pais e alunos, administradores da banda, promotores de competições), com interesses aparentemente díspares, marcam suas presenças em torno da fanfarra marcial (LIMA, 2005, p. 2). Ao contrário de alguns trabalhos destacados anteriormente, como os de Cislaghi (2009) e Gonçalves (2007), que têm como foco a aprendizagem musical em bandas de música, os estudos de Silva, T. (2012) e de Lima (2005) dão ênfase às bandas que estão inseridas no espaço da escola. No caso deste trabalho, a banda “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo” é o espaço em que o ensino/aprendizagem musical se constitui. A banda de música, neste sentido, é um espaço no qual se ensina e se aprende música, um processo que está inscrito em uma sociedade que reconhece esse grupo a partir de sua função social, neste caso, ensinar música, tocar nos espaços da cidade. O grupo banda é uma formação de músicos notada desde os tempos do Brasil colônia e que se caracteriza pela reunião de instrumentos de sopro (metais e madeiras), percussão e por ser um grupo musical caminhante. As bandas tinham um trânsito extraordinário, percorrendo e se fazendo presentes em diversas situações e territórios. Tocavam em inaugurações, solenidades, homenagens e festas políticas; eram chamadas também para tocar em procissões, quermesses e diversas festas das igrejas, introduzindo muitas vezes temas populares no repertório sacro. No carnaval, davam ritmo aos foliões; no circo, recepcionavam o “admirável público” e tocavam durante os números circenses, para criar um clima de acordo com o que acontecia no picadeiro. A praça, muitas vezes, acabava se transformando numa passarela de sedução, o famoso “footing” em volta do coreto, deixando rolar o espetáculo da convivência humana (REINATO, 2014, p. 97) Autores como Costa (2011), Gonçalves (2007), Granja e Tacuchian (1984/85) mencionam que bandas de música, tanto civis quanto militares, 21 funcionavam como escolas de música que formavam, e ainda formam, músicos que aprendem/ensinam e se tornam professores, músicos ou maestros. Percebe-se que as bandas de música se faziam presentes em situações nas quais a música era indispensável, como nos momentos de cerimônias oficiais, de lazer das pessoas, nos momentos de ensino/aprendizagem para os músicos e não músicos. Dessa necessidade de presentificar a música, houve a proliferação das bandas de música. Para Salles (2004), a banda de música sempre foi, paralelamente ao seu valor como forma de expressão cultural permanente tanto nos grandes centros quanto nas áreas mais afastadas dos grandes centros metropolitanos, um mecanismo fecundo de formação de instrumentistas que tem nutrido as orquestras e outros conjuntos musicais (SALLES, 2004, p. 226). Concebe-se, neste trabalho, a banda de música como um espaço no qual se ensina/aprende música e, mais do que isso, um lugar no qual se aprende “música de banda”, pois os processos que o maestro usava para ensinar música eram voltados para o que “era necessário saber” de forma que a Banda pudesse funcionar, se manter. Embora houvesse muitas outras formas de ensinar/aprender música e muitas músicas que pudessem ser tocadas, o maestro optava por usar músicas/métodos específicos para esse tipo de grupo musical. Após as leituras, define-se “banda de música” ou “banda de coreto” como um grupo musical que tem como características: tocar em formação, caminhando ou em pé e em pouquíssimas situações sentados; o nome geralmente começa com: Euterpe, Sociedade Musical, Corporação Musical, Lira, Associação Musical ou, até mesmo, Banda. É um grupo composto por instrumentos de sopro8 e percussão9, que usam roupas, geralmente, muito parecidas com uniformes militares e, em diversos casos, com o uso de quepes. No repertório destacam-se os dobrados, valsas, maxixes, mazurcas, polcas e marchas religiosas, e se apresentam, principalmente, em praças, coretos, festas religiosas (como a Semana Santa), desfiles cívicos e encontro de bandas (REINATO, 2014; GONÇALVES, 2007; SALLES, 2004; CARVALHO, 1998; TACUCHIAN, 1982). Instrumento/afinação: Requinta Mib, Clarinete Bb, Trompete Bb, Saxhorns Mib, Trombone (de vara C, ou de pisto Bb), Bombardino Bb, Souzafone Bb/Eb e/ou Baixo Helicon Bb/Eb. Atualmente, pode-se notar Flauta Transversal C, Sax alto Mib, Sax tenor Bb, Bombardão Bb. 9 Bombo, Caixa Surda ou Surdo, Caixa Clara e/ou Parol, Pratos. 8 22 1.1.2 Uma história, minha história com a Banda Essa banda, a “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo”, de ArcosMG, foi escolhida para este trabalho, principalmente, a partir das experiências que eu tive com a mesma. Minhas memórias, lembranças, histórias e muitos aprendizados foram consolidados e sedimentados naquele espaço, no qual eu ia, com alguns amigos que estudavam música, desenvolver habilidades para tocar um instrumento. Eu10 toquei nessa Banda de 1999 até 2004, quando ingressei no curso de graduação em música. Até o final de 2014 ainda tinha como hobby passar na Banda para tocar com os amigos, ou mesmo para conversar com o maestro. Lá aprendi a tocar violão11, o dito “violão erudito”, e somente depois passei a fazer parte da Banda, tocando um instrumento de sopro (o trombone de vara), que era, naquele momento, a necessidade da Banda. Como muitos adolescentes de 14 anos de idade, tinha e tenho uma família que me proporcionava o que eu precisava, deixando de lado as chamadas “coisas de adolescente”. Tive muitas influências, principalmente do meu pai, que, desde criança, acompanhava meu avô, violeiro, tocador de catira. Meu pai, por sua vez, também se interessou por música e sempre que podia arriscava seus acordes no violão e na viola, tanto que foi, até o dia de sua morte, violeiro e cantador de retinto12 em uma folia de reis. Meu pai, por achar que tocar bem um instrumento era para poucos, instigounos, eu e meu irmão, a aprender um instrumento musical. Primeiro, meu irmão, por ser mais velho, começou a ter aulas de música em Uberlândia, no ano de 1990, e, posteriormente, eu também fui direcionado para uma aula particular (coletiva) de violão, oferecida pela prefeitura da minha cidade natal, Arcos-MG. Desse dia em diante, de forma inocente, eu “cantava, tocava viola e fazia graça”, pois era essa a definição de músico presente em meu linguajar. Isso porque Em algumas partes deste trabalho, opto pela escrita ora na primeira pessoa do singular, ora na terceira pessoa. Esta opção se deve à forma de contar os fatos como “narrador reflexivo” [...] “em que os discursos na primeira pessoa e na terceira pessoa se alternam, de modo a iluminarem-se reciprocamente” (COLOMBO, 2005, p. 283). 11 A prefeitura oferecia os cursos de violão popular e erudito. Violão Popular na Casa de Cultura de Arcos, sede da Secretaria de Cultura; Violão erudito na sede da Banda, na qual o maestro João era o professor. 12 Na folia de reis é a voz mais aguda, a última voz a entrar no acorde formado no momento da resposta aos versos cantados. Voz masculina cantada em falsete. 10 23 meu avô catireiro e meu pai folieiro eram frequentadores assíduos de festas e bailes, cantando e tocando, e, às vezes, sem querer animavam muitas pessoas, mesmo que este não fosse o intuito principal deles. Naquele momento, eu só tinha condições de tocar acordes e fazer algumas pestanas, três ou quatro, que já me proporcionavam um destaque junto aos outros adolescentes que dividiam comigo aquele “horário de aula”, todos os dias da semana, de 15h às 17h e de 19h às 21h. Lembro-me, perfeitamente, de uma sala grande com um professor, muitas cadeiras e violões, crianças entrando e saindo o tempo todo, nem dava para saber de quem era o horário, mas o meu professor não descuidava de nós em momento algum. Nós deveríamos, em nove meses, fazer difíceis sete lições e tocar intermináveis sete músicas. Porém, eu não sei bem o porquê, em menos de três meses já tinha tocado as lições, as músicas e estava ali prestes a me formar em uma cerimônia, na Casa de Cultura13. Uma cerimônia que tinha alguns convidados e outros músicos de prestígio da cidade, e havia uma abertura para que nós pudéssemos mostrar nossas habilidades. Foi neste momento que, após me apresentar, vi um senhor tocar algumas peças eruditas em seu violão, e eu, é claro, sempre curioso, fui perguntar o que era aquilo. Descobri que na minha cidade existia o tal “violão erudito”, que, segundo as palavras do maestro, era para poucos, porque tinha que estudar muito e não dava para estudar em turma, como nós fazíamos com o “violão popular”. Eu, muito interessado, falei: “_Uai, eu quero aprender isso. Como é que faz?” Prontamente, o maestro da Banda falou: “_É só você ir na sede da Banda que eu te ensino”. Pensei comigo: “_Opa, vou aprender e não vou pagar nada! Tô dentro”. E aí eu fui lá, no horário marcado, carregando meu violão, morro acima, debaixo de um sol, “numa felicidade só”. Lá chegando, tinha uns bancos velhos, uns instrumentos estranhos que eu nunca tinha me dado conta da existência, e eu, na minha expectativa de fazer aula, me acomodei em um desses bancos e esperei a minha vez. Como a Banda só tinha uma sala, o maestro dava aulas um por um, ensinava a cada um o seu instrumento enquanto os outros iniciantes esperavam sua vez. Todos paravam de fazer barulho, conversar e tocar quando ele ia ensinar Casa de Cultura “Maria do Carmo Frias” é o teatro e biblioteca da cidade. É lá que a maioria das apresentações artísticas de teatro e música, financiadas e apoiadas pela prefeitura, era realizada. 13 24 alguém a cantar as notas ou a ler as notas musicais na pauta. Todos tinham sua vez, até que a minha chegou. Deparei-me com uma nova linguagem, pois como eu tocaria violão erudito sem saber partitura? Era impossível na visão do maestro, mas, para mim, tanto fazia! E foi assim que comecei a “aprender a ler música”. Durante as aulas, nós ficávamos ali, sentados, eu e outras pessoas, sem distinção de idade, todos esperando sua vez de fazer aula. Um dia, eu que era o último da fila, o maestro me convidou para assistir o ensaio da Banda. Aquele tanto de gente tocando junto? Para mim, era uma situação impossível, quase vinte pessoas tocando a mesma música, ao mesmo tempo? Quando o ensaio acabou, fui ao maestro e disse: “_Eu quero tocar”. E ele me disse: “_Primeiro tem que aprender a ler!”. Ah! Aceitei o desafio! Pronto, fiquei ali cinco anos como frequentador assíduo (e outros tantos passeando, tocando e vendo os amigos). Eu ficava nos ensaios escutando as músicas, prestava bastante atenção em como o toque da caixa anunciava as entradas das músicas que não seriam marcadas pelo maestro, observava como um instrumentista “espiava” a mão do outro, tentando acompanhar o movimento, talvez por não saber a digitação. Tinha um rapaz que nunca tocava na primeira vez que a música era passada, parece que ele ficava esperando a repetição para depois tocar certo. Fascinante, então, como cada naipe era dividido em 1º e 2º (requintas, clarinetes, trompetes, bombardinos, trombones e baixos). Após o ensaio, eu ficava esperando para ver se tinha a chance de carregar o instrumento de algum e tentar “tirar algum som”. Era normal alguém perguntar: “_Me ensina essa mais fácil?”. O que de fácil não tinha nada: eram dedos mexendo, porém mexendo coordenadamente. No entanto, isso não me impedia de pensar que eu podia fazê-lo, e, diga-se de passagem, com a mesma precisão! Durante muito tempo, minha rotina era estudar violão, solfejar fazendo o desenho no ar das formas de compasso, acompanhado pelo maestro ao violão, e esperar o fim do ensaio para conversar com os companheiros de banda, perguntar algo sobre as músicas que foram tocadas, o porquê das diferenças, quem fazia o que e assim por diante. A essa altura, eu já tocava violão clássico (é claro que bem pior do que eu achava) e um dia perguntei ao maestro: “_Eu não vou tocar nada na Banda não?”. E ele me disse que eu já podia. Pensei comigo: “_Ah, é agora que eu vou tocar saxofone”. Foi aí que ele me disse: “_Você é alto, magro e tem uns ‘bração’. Você 25 vai tocar trombone de vara!”. Bom... O que seria um trombone? Eu descobri alguns minutos depois. O maestro, então, empossou-se de um dos trombones e me entregou o outro, dizendo: “_Sopra”. Eu soprei e depois ele disse: “_Estica o braço”. Eu estiquei e eis que eu estava tocando a nota SI. Durante muito tempo, após essa experiência, frequentei a Banda, dia após dia, tardes e noites, e nem sempre era para tocar. Às vezes era para conversar com os amigos, era para dar dicas para os iniciantes que, em alguns casos, tinham começado bem antes de mim. Este é o ambiente que a Banda possibilita: o da troca de conhecimentos desde o momento em que se é iniciante, seus componentes têm condições de ensinar algo, de forma simples, porém funcional. Essas experiências, de ensino/aprendizagem, de troca de conhecimentos, fizeram com que muitos daquela época seguissem carreira como músicos, maestros ou professores de música. Sei que, durante muito tempo, o maestro mediou e instigou-nos a tocar o que estava escrito, porém o aprendizado na Banda também estava nos momentos em que experimentávamos coisas novas, como criar pequenos grupos para tocar em carnavais, festas, serenatas. Usávamos as janelas, o lado de fora embaixo delas, como palco para nossas apresentações, nossas retretas. Muitos músicos daquela época ainda namoram as meninas que eram “agraciadas”, se é que cabe este termo, com uma serenata. Existe um legado de professores que tiveram sua formação musical na Banda. As reflexões no espaço da Banda, o nosso convívio, as experiências tocando em Arcos, em outras cidades próximas e aos domingos no coreto, fez com que muitos se tornassem maestros, de outras bandas, em outras cidades. Pessoas que, mesmo sem uma formação musical escolar, hoje ocupam estes lugares e são vistos como professores de música muito importantes para manter viva as tradições das bandas de música e instigar novos músicos a “seguir carreira”, não só como músico de banda, mas como professores, compositores e/ou arranjadores. Outro aspecto importante é que a Banda era um complemento de nossas casas, minha e dos meus companheiros, lugar em que gastávamos boa parte de nosso tempo. Ao avisarmos nossos pais que estávamos na Banda, passávamos confiança, eles ficavam tranquilos, pois acreditavam na idoneidade das pessoas que frequentavam aquele ambiente. Nossos pais sabiam que ali havia uma pessoa responsável e que zelaria por nossa educação. A Banda, então, era tida como um ambiente em que nós não ficaríamos em contato com “maldades” do mundo. 26 A quantidade de famílias presentes na Banda era admirável, pois uma pessoa ia e levava o irmão, o pai que levava os filhos. Em pouco tempo, estas pessoas já tinham sua baqueta e podiam tocar o surdo, o bumbo ou mesmo ajudavam a montar as estantes, e, assim, já se tornavam parte da Banda. Mesmo nos dias de hoje, fico admirado com a facilidade com que as bandas de música, aquelas que já tive contato, têm de “arrebanhar elementos”, e a forma com que essas pessoas que assistiam os ensaios ou apresentações se transformaram em músicos do grupo, com funções específicas e que faziam a diferença nos momentos das apresentações. Como o maestro sabia onde todos nós morávamos, ele ia de casa em casa, avisando sobre os ensaios, apresentações e/ou novas partituras que deveríamos estudar. Para ele, a Banda era um lugar de harmonia, pois, conforme ele, ninguém deveria caçar encrenca num lugar de música, num lugar sagrado, é igual um templo religioso, é um lugar aonde o sujeito vem pra abrir o espírito, ensaiar e melhorar nessa coisa mais divina que Deus pôs no mundo, que é a música (Sr. João, Caderno de entrevistas14, 05/02/201, p. 15). Durante o período em que fiz parte daquele grupo, não consegui perceber e explicar as muitas dimensões educativo-musicais presentes naquele espaço, no entanto, com o ingresso na universidade e depois na pós-graduação, com conhecimento de teorias que buscam explicar as relações sociais, o meu olhar voltou-se para a Banda de uma nova forma, agora carregada de novos significados e, principalmente, buscando explicações para o que acontecia naquele espaço. Passei, então, a me lembrar, conversar com os amigos da época e também ouvir o maestro da Banda, buscando entender a banda de música como lugar importante para a formação e profissionalização musical. Essas reflexões foram importantes para que o meu olhar se direcionasse para questões ligadas ao ensino/aprendizagem que ocorriam neste grupo, considerando a banda um espaço que subsidia as relações de ensino/aprendizagem entre pessoas que buscam objetivos semelhantes. 14 Caderno de entrevistas - Caderno no qual as entrevistas realizadas estão compiladas, por ordem de sua realização. A página refere-se à localização de cada trecho transcrito das entrevistas, neste caderno. 27 1.1.3 O objeto desta pesquisa em foco A construção do objeto de pesquisa é um momento de reflexão para o pesquisador, no qual ele se pergunta o que ele sabe sobre o tema, o que ele pode dizer sobre o assunto. É o momento no qual ele deve ser capaz de separar, delimitar o que é importante para sua pesquisa, diferindo-o do que seria o senso comum. Para Bourdieu (2004), construir um objeto científico é: antes de mais e sobretudo, romper com o senso comum, quer dizer, com representações partilhadas por todos, quer se trate do simples lugares-comuns da existência vulgar, quer se trate das representações oficiais, frequentemente inscritas nas instituições, logo, ao mesmo tempo na objectividade das organizações sociais e nos cérebros (BOURDIEU, 2004, p. 34). Acredita-se que a banda de música, por ter seu espaço e suas normas bem definidas, oferece para quem a frequenta facilidades e/ou dificuldades, regras e convenções, que são características daquele espaço na construção dos conhecimentos. Porém, as pessoas, ao se relacionarem umas com as outras neste espaço, compartilham novos conhecimentos que fazem com que cada uma crie e estabeleça relações que as levem ter experiências musicais individuais e coletivas. Nesta pesquisa, a “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo” de Arcos-MG é o espaço no qual se tem como foco o ensino/aprendizagem de música, a partir das relações sociais estabelecidas neste lugar. Um espaço em que, tradicionalmente, as pessoas se encontram para tocar, estudar, conversar, dentre outras. Para que uma banda de música possa funcionar é necessário que as pessoas se relacionem, tenham ações conjuntas. Por este motivo, acredita-se que para se pensar o ensino/aprendizagem de música na banda é fundamental que se dirija o olhar para as relações sociais que lá se formam. Fazer parte de um grupo que frequenta um espaço social não faz, necessariamente, com que o sujeito possa entender as relações que lá se estabelecem. Desta forma, quando se pensa no objeto de pesquisa é importante visualizá-lo em suas muitas nuances. Para Kaufmann (2013, p. 42), “objeto é aquilo que consegue se separar do conhecimento comum e da percepção subjetiva do sujeito graças a procedimentos científicos de objetivação”. Por isso, a partir do destaque de aspectos comuns no dia a dia de quem frequenta o espaço da banda 28 de música, o ensino/aprendizagem será estudado, nesta pesquisa, a partir das relações sociais que se constituem neste espaço quando se ensina/aprende música. Com isso, entende-se que não basta dizer o que é banda, pois quem a vê e a reconhece nem sempre é capaz de pensar as situações que a configuram como uma instituição social ou um espaço no qual as pessoas se encontram, e, ao se encontrarem por objetivos diversos, aprendem/ensinam música. O que se busca, neste sentido, é entender que o olhar que se tem comumente sobre a Banda, um grupo que toca “músicas de banda”, pode ser entendido como um espaço em que pessoas ensinam/aprendem música e existe porque lá as pessoas convivem, se relacionam e tocam “músicas de banda”. Tanto minha participação na Banda quanto o papel dela na minha formação foram as principais motivações para a escolha deste tema. Passei a ver que muitos colegas queriam tocar na Banda, tocar seus instrumentos, mas outros tantos iam lá para fazer amigos, laços que muitos mantêm durante a vida, carregando consigo, na memória, momentos que fazem parte da história de vida de cada um. Este estudo está focado nas atividades pedagógico-musicais realizadas nessa Banda de música, no período de 1985 até 2014. É um recorte temporal que abrange o período em que o maestro João Fernandes Mendes esteve à frente deste grupo musical, ou seja, por 29 anos15. Esse período pode ser considerado um ciclo da Banda, além de ser um tempo não tão distante, o que possibilita acesso com maior tranquilidade às fontes. Nesse período, a Banda se manteve com apresentações em festas cívicas e religiosas no município e fora dele, em encontros de bandas, missas, procissões, quermesses, desfiles e, aos domingos, se apresentava no coreto da praça. Em matéria publicada em um jornal local, pode-se perceber que a Banda está presente no dia a dia da cidade: Uma ouvinte assídua é Célia Silva Guimarães, 83. Ela conhece a banda desde a adolescência e vai a praça todos os domingos para ouvi-la. Ela conta que antigamente eles tocavam em frente à igreja. É importante mencionar que, no entanto, apesar dessa delimitação temporal, a maioria das entrevistas foi realizada em 2015. O que os participantes dizem do tempo presente faz referência também ao ano de 2015. 15 29 “não [sic] havia jardim, era só terra e as moças ficavam rodeando só pra ver os rapazes” (Jornal Laboratório, março de 2003)16. Percebe-se que a Banda tem um papel de destaque junto à cidade e, provavelmente, alguns dos seus integrantes buscam mais que um espaço no qual se ensine/aprenda música. Portanto, ao pensar na banda de música como espaço social composto e organizado por pessoas, é possível acreditar que elas são movidas por interesses e/ou objetivos. De acordo com Riedel (1964), o músico busca reconhecimento do seu trabalho ou algo que possa diferenciá-lo dos outros. Este autor diz que: o estudante que pratica seu instrumento assiduamente faz isso não só porque ele quer aprender como tocar o instrumento, mas também porque ele quer adquirir alguma habilidade com a qual possa agradar seus amigos, para ganhar aceitabilidade pelo grupo, para impressionar seus pais, adversários reais ou imaginários, ou membros do sexo oposto (RIEDEL, 1964, p. 152, tradução minha)17. Como um espaço e um grupo social, de acordo com Gurvitch (1941), “as organizações são condutas coletivas habituais, combinadas hierarquizadas, centralizadas, seguem um modelo reflexivo e fixado de antemão” (GURVITCH, 1941, p. 25, tradução minha)18. Nesse sentido, a Banda carrega em si muitas condutas que surgiram, foram se desenvolvendo e fazem parte da construção simbólica dos valores daquele espaço. Dessa maneira, o indivíduo se reconhece e passa a reconstruir formas, bem como os modelos necessários para fazer parte daquele lugar. As pessoas que fazem parte desse espaço por vezes aprendem as convenções e características daquele local e tendem a se expressar de acordo com o que se pensa ser comum para aquele espaço. Estudar o ensino/aprendizagem a partir das relações constituídas nesse espaço passa por ter em vista a problemática da sociabilidade para que se tenha condições de distinguir quais aspectos podem ser ou foram usados no [Banda faz história com arte e ação social]. Jornal Laboratório Puc Minas Arcos, março de 2003, p. 3. 17 No original: “The student who practices his instrument assiduously does so not only because he wants to learn how to play the instrument, but also because he wants to acquire some skill with which to please his friends, to gain acceptance by a group, to impress his parents, real or imaginary adversaries, or member of the opposite sex”. 18 No original: “Las organizaciones son conductas colectivas habituales, combinadas, jerarquizadas, centralizadas, según un modelo reflexivo y fijado de antemano”. 16 30 fortalecimento dos grupos sociais, e, até mesmo, definir quais destes aspectos são base para a “formação do grupo, controle do grupo e conflitos do grupo, e para estudantes no desenvolvimento de certas atitudes comportamentais através da educação musical” (RIEDEL, 1964, p. 155, tradução minha)19. Este trabalho terá como suporte teorias advindas da sociologia para ajudar a entender de que forma acontece o ensino/aprendizagem de música em locais onde a interação entre as pessoas é fundamental. Neste sentido, poderá contribuir para reflexões relacionadas ao ensinar/aprender música como uma prática social, que ocorre em momentos em que existe interação entre as pessoas e que juntas buscam por seus objetivos. Compreender como se dá o ensino/aprendizagem musical no espaço da Banda justifica-se ainda pela importância do entendimento deste processo inserido em um contexto de grupo social. Sendo assim, este trabalho poderá ajudar a compreender de que forma o conhecimento musical é transmitido e apropriado na/pela convivência em um local onde as relações sociais acontecem e tendem a se estender para além do espaço social em que o ensino/aprendizagem acontece. 1.1.4 Fundamentos teóricos Como mencionado, esta pesquisa tem como objetivo compreender a constituição do ensino/aprendizagem musical, a partir das relações sociais que ocorrem no espaço da banda “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo”, na cidade de Arcos-MG, de 1985 até 2014. Sabe-se que as relações sociais características de cada espaço são importantes para que a música aconteça. Acredita-se que as pessoas envolvidas nas práticas musicais nestes espaços compartilhem de afinidades, motivos e razões. De acordo com Souza (2004), para entender a música nas relações sociais é importante pensá-la como “fato social”. Subsidiada pelo pensamento de Anne-Marie Green (1987), essa autora afirma que “se o sociólogo pretender estudar o fato musical, ele deverá considerar a música como uma comunicação sensorial, simbólica e afetiva que pode, muitas vezes, estar subjacente à nossa consciência” (GREEN, A.-M., 1987, p. 91 apud SOUZA, 2004). 19 No original: “group formation, group control and group conflicts, and for studies on the development of certain behavioral atitudes through music education”. 31 Assim, compreender a música e a constituição do seu ensino/aprendizagem passa também pelo entendimento dos fenômenos que acontecem nas relações sociais, que estão inscritos em espaços, tempos e situações nas quais o homem pode se relacionar com o outro. Na perspectiva de Riedel (1964), a música é entendida como um fenômeno social, no qual o homem também é um “ser social” e sua música é vista como uma forma de comportamento social que o identifica como um indivíduo culturalmente motivado e como um membro do coletivo no qual as características sócio culturais de interação com os outros membros de sua comunidade cultural (RIEDEL, 1964, p. 149, tradução minha)20. Diante disso, Riedel (1964) discute aspectos que fazem com que grupos estejam unidos através de laços que possam preencher as necessidades tanto individuais quanto coletivas. Os aspectos que levam Riedel a esta concepção estão ligados diretamente aos diversos comportamentos sociais, que fazem com que os indivíduos se relacionem das mais diversas formas. Por isso, a música é vista como “uma forma de comportamento social que dá origem a vários tipos de sociabilidade” (RIEDEL, 1964, p. 149, tradução minha)21. Quando se trata especificamente do ensino/aprendizagem de música, Riedel (1964) afirma que, historicamente, tanto o ensinar quanto o aprender estavam ligados a diversos fatores que puderam contribuir com a inserção e reconhecimento do homem na sociedade. Como exemplo, Riedel cita a antiga China e a Grécia, onde a função social da música “era canalizar as emoções do grupo social em atividades que desenvolveriam e manteriam um equilíbrio entre governantes e governados” (RIEDEL, 1964, p. 156, tradução minha)22. Também, de acordo com Riedel (1964), a educação musical pode desenvolver habilidades que não estão ligadas somente ao conhecimento musical. Logo, os objetivos da educação musical estão muito além dos objetivos em que se pensa, e podem estar ligados “à satisfação das necessidades intelectuais e No original: “a form of social behavior that enables him to identify himself both as a culturally motivated individual and as a collective member whose characteristic is socio-cultural interaction with other member of his cultural community”. 21 No original: “a form of social behavior that gives rise to various types of sociability”. 22 No original: “was to channel the emotion of the social group into activities which would develop and maintain a balance between rules and ruled’. 20 32 emocionais dos estudantes na escola primária, secundária, no colégio e na universidade” (RIEDEL, 1964, p. 152, tradução minha)23. Na Idade Média, “a função dos educadores-musicais era palestrar na matemática, astronomia e teoria da música”, conforme diz Riedel (1964, p. 165, tradução minha)24, e a performance “era ensinada na catedral e nas escolas da cidade pelo cantor” (RIEDEL, 1964, p. 165, tradução minha) 25. A ideia de fortalecimento das doutrinas da igreja estava presente nestes educadores. Na reforma, a presença dos educadores musicais já estava descentralizada das academias e, mais adiante, a “ênfase no trabalho músico educacional transferido para a escola” (RIEDEL, 1964, p.157, tradução minha)26. Com isso, a música passou a ter um significado mais ligado à identificação social. Como exemplo, o autor cita o estudo da música por grupos e congregações, nos quais os grupos vocais foram se estabilizando e ganhando importância. Essas menções do autor são destacadas para irem ao encontro do que ele acredita. Para Riedel (1964), os conhecimentos musicais não são buscados unicamente para que a pessoa se torne músico, já que a busca pode estar ligada à ascensão social, ao reconhecimento dentro do grupo. Riedel (1964) diz ainda que um estudante, por exemplo, que pratica seu instrumento durante horas, o faz não só por tocar, mas para adquirir o conhecimento e a técnica necessária para que ele possa “surpreender seus amigos, ganhar aceitabilidade no grupo” (RIEDEL, 1964, p. 152, tradução minha)27. O estar junto em momentos da vida, fazendo parte de um grupo no qual os integrantes têm interesses em comum, e/ou buscam algum objetivo, faz com que o indivíduo tenha contato com diversas práticas que são características de determinados espaços. Estar com o outro é uma das características do que é “sociedade”. Para Simmel (1983), a “sociedade” propriamente dita “é o estar com um outro, para um outro contra um outro que, através do veículo dos impulsos ou dos propósitos, forma e desenvolve os conteúdos e os interesses materiais ou individuais” (SIMMEL, 1983, p. 168). No original: “the major objective of music education must be the satisfaction of the intellectual and emotional needs of the general student in the primary and secondary school, the college, and the university”. 24 No original: “the function of music educators was to lecture in mathematics, astronomy and music theory”. 25 No original: “was taught in the cathedral and town council schools by the cantor”. 26 No original: “emphasis of music educational work shifted to the school”. 27 No original: “to please his friends, to gain acceptance by a group”. 23 33 Desse modo, o indivíduo, ao estar em sociedade, ao interagir socialmente, cria laços e estabelece relações que contemplam seus interesses, o que seria uma das formas na qual a sociedade se sustenta. Para Simmel (1950), as formas nas quais esse processo resulta ganham vida própria. Ele é liberto de todos os laços com o conteúdo. Ele existe para o seu próprio bem e para estes que o fascinam, e que na própria liberação desses laços difunde-se. É precisamente o fenômeno que chamamos de sociabilidade (SIMMEL, 1950, p. 43, tradução minha)28. Assim, de acordo com Simmel (1950), ao estar em sociedade o indivíduo “escolhe” o grupo ao qual quer pertencer e estabelece seus laços na busca por se sentir completo, de maneira que estar em sociedade passa por ações que vão ao encontro dos objetivos de cada um, sendo que seus interesses e estas ações, nas quais o indivíduo se desdobra para interagir com o outro dentro da sociedade, também podem ser chamadas de sociabilidade. Nessa perspectiva, a sociabilidade surge das diversas formas de relações pessoais, dos laços afetivos formados entre pessoas, a partir da necessidade de estar junto com alguém, engajados na busca pela satisfação pessoal ou coletiva. O estabelecimento de uma relação social, na qual a música acontece, sendo ela o principal foco, também está ligado aos diversos momentos, variantes e convenções sociais de cada grupo. A educação musical, ao ser percebida em suas mais diversas formas e funções, deve ser pensada como uma “manifestação complexa” (SOUZA, 1996, p.15), sendo que a pedagogia da música: ocupa-se com as relações entre as pessoa(s) e a(s) música(s) sob aspectos de apropriação e de transmissão. Ao ser campo de trabalho pertence toda a prática músico-educacional que é realizada em aulas escolares e não escolares, assim como toda cultura musical em processo de formação (KRAEMER, 2000 p. 51). Por esse ângulo, a educação musical é uma área ampla, na qual as relações do sujeito com o espaço e com o outro são fundamentais para o entendimento de suas práticas. A partir destas características, para Riedel (1964), o estudo da educação musical “deveria ser examinado de um ponto de vista músico-sociológico” 28 No original: “The forms in which this process results gain their own life. It is freed from all ties with contents. It exists for its own sake and for these of the fascination which, in its own liberation from these ties, it diffuses. It is precisely the phenomenon that we call sociability.” 34 (RIEDEL, 1964, p. 153, tradução minha)29, o que reafirma a necessidade de estudos que, ao se direcionarem para a compreensão da educação musical, também levem em consideração os aspectos que permeiam outras partes das ciências sociais. No mesmo sentido de Souza (2004; 1996) e Riedel (1964), Kraemer (2000) afirma que a educação musical divide seu objeto com “as disciplinas chamadas ocasionalmente de “ciências humanas”, filosofia, antropologia, pedagogia, sociologia ciências políticas, história” (KRAEMER, 2000, p. 4). Portanto, este trabalho se inscreve no campo da educação musical, tendo como suporte os princípios teóricos da sociologia para a compreensão do ensino/aprendizagem musical, a partir das relações sociais que ocorrem no espaço da banda “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo”, na cidade Arcos-MG, de 1985 até 2014, um ensino/aprendizagem permeado por práticas pedagógicomusicais. 1.2 Estrutura do trabalho Esta dissertação de mestrado está organizada em seis partes. Nesta introdução contextualizo a banda de música da cidade Arcos-MG, apresento o meu objeto, situando-o no campo de estudos sobre bandas de música, exponho a justificativa da pesquisa e também os princípios teóricos adotados neste trabalho. Na metodologia, na segunda parte, indico os pressupostos metodológicos nos quais esta pesquisa se inscreve, ou seja, discuto aspectos que a caracteriza como qualitativa, descrevo fundamentos metodológicos, os processos desta pesquisa, bem como os procedimentos adotados para levantar o seu material empírico. Na terceira parte discuto a relação dos músicos com a Banda enquanto grupo social. São abordados aspectos importantes para entender o espaço que a Banda ocupa na cidade, bem como quem são os participantes deste grupo e como eles se relacionam com este grupo musical, sua atividade e seus instrumentos, além das formas pelas quais as pessoas se tornam músicos da/na Banda. Na quarta parte volto a atenção para os processos de ensino/aprendizagem que ocorrem na Banda, dando destaque tanto aos processos conscientes, 29 No original: “should be examined from a musico-sociological point of view”. 35 escolhidos pelo maestro, quanto aos processos identificados nas formas como os iniciantes aprendem música e se tornam músicos. Na quinta parte analiso a Banda como um espaço de convivência e de sociabilidade pedagógico-musical, que proporciona aos músicos momentos para estarem juntos e, consequentemente, para aprender/ensinar música. Os laços estabelecidos na Banda serão tratados como forma de disseminar aprendizagens que fazem com que a Banda tenha condições de se manter, recebendo novas pessoas e possibilitando a continuidade do grupo. Na sexta parte, nas considerações finais, retomo o objeto desta pesquisa, fazendo, em primeiro lugar, considerações sobre o que foi constatado nesta pesquisa; em segundo lugar, o leitor terá algumas considerações a respeito do atual momento da Banda, seu lugar na sociedade local e as possíveis ações que poderiam ajudar com a manutenção e continuidade deste grupo; e, em terceiro lugar, discuto e contextualizo a importância deste trabalho, destacando seus possíveis desdobramentos. 36 2 METODOLOGIA 2.1 Pesquisa qualitativa Não seria possível estudar a Banda de música e as relações sociais que ali acontecem sem que o foco desta pesquisa estivesse direcionado aos sujeitos, com suas peculiaridades e pontos de vista. Dessa forma, esta pesquisa aborda especificidades de indivíduos no coletivo, ou seja, histórias contadas que contêm nuances particulares que acontecem no coletivo e que são importantes para entender o ensino/aprendizagem musical no contexto da Banda de música, a partir das relações sociais ali estabelecidas. Compreender o processo de ensino/aprendizagem de música na Banda passa pelo entendimento das relações que se estabelecem neste grupo e o ambiente em que estas relações estão imersas em cenas vividas pelos participantes. Portanto, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17). A partir de relatos de pessoas envolvidas com a Banda nos anos de 1985 a 2014, acredita-se ser possível compreender seus discursos, seus pontos de vista sobre aspectos relacionados ao ensino/aprendizagem de música presentes neste espaço, nesta época. De acordo com Denzin e Lincoln (2006), os pesquisadores qualitativos “empregam a prosa etnográfica, as narrativas históricas, os relatos em primeira pessoa, as imagens congeladas, as histórias de vida, os ‘fatos’ transformados em ficção e os materiais biográficos e autobiográficos, entre outros” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 25). Nessa perspectiva, esta pesquisa também dá ênfase aos aspectos da individualidade e da subjetividade do sujeito, buscando subsidiar o entendimento da banda de música como espaço social em que essas práticas pedagógico-musicais 37 acontecem. Atentar-se para os dizeres de cada um dos colaboradores30 permite entender suas visões e suas opiniões, além de contribuir para o entendimento das questões aqui propostas. A partir do momento em que a atenção se volta para a compreensão do sujeito, entendendo os motivos pelos quais ele faz parte de um grupo, bem como os motivos que fazem com que ele se torne adepto das convenções características do espaço social, a qual ele faz parte, esta pesquisa ganha ainda mais força como qualitativa, pois “desloca o foco central do objeto para o sujeito” (FREIRE, 2010, p. 14). Além disso, os métodos qualitativos “têm mais vocação para compreender, detectar comportamentos, processos ou modelos teóricos” (KAUFMANN, 2013, p. 49). Por conseguinte, é necessário o entendimento do indivíduo como estando presente em um espaço social, que depende da interação com pessoas com as quais compartilha gostos semelhantes. Aí sim os fenômenos presentes naquele espaço poderão ser estudados, mesmo já tendo sido reconhecidos como práticas recorrentes de um lugar específico. Portanto, ao lidar diretamente com a diversidade e unicidade da vida, e com as experiências de cada um, adotam-se procedimentos de investigação que devem ser ainda mais amplos, o que para Denzin e Lincoln (2006) envolve a coleta de uma variedade de materiais empíricos - estudo de caso; experiência pessoal; introspecção; história de vida; entrevista; artefatos; textos e produções culturais; textos observacionais, históricos, interativos e visuais - que descrevem momentos e significados rotineiros e problemáticos na vida dos indivíduos (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17). O foco desta pesquisa está no ensino/aprendizagem musical, a partir das relações sociais que ocorrem no espaço da banda “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo”, na cidade de Arcos-MG, de 1985 até 2014. Um espaço social constituído por regras e estratégias de sobrevivência enquanto grupo. Nesse sentido, para Deslauriers e Kérisit (2008), “um dos objetivos privilegiados da pesquisa qualitativa é, portanto, o sentido que adquirem ação da sociedade na vida 30 Nesta pesquisa, os participantes serão chamados de colaboradores, pois é “importante na definição do relacionamento entre o entrevistador e o entrevistado. Sobretudo é fundamental porque estabelece uma relação de compromisso entre as partes” (MEIHY, 2000, p. 49). 38 e os comportamentos dos indivíduos, assim como o sentido da ação individual quando ela se traduz em ação coletiva” (DESLAURIERS; KÉRISIT, 2008, p. 131). Além disso, enquanto pesquisa qualitativa, este estudo valoriza os aspectos do dia a dia de cada um, de forma que as análises aqui propostas sejam realizadas a partir de fatos reconstituídos pelas lembranças que os músicos viveram na Banda. 2.2 A História Oral como Método O método adotado nesta pesquisa é o da História Oral. O termo “História Oral” tem sido utilizado por pesquisadores de várias áreas, como sociologia, história, educação, música, dentre outras. Segundo Portelli (1997, p. 26), a História Oral trata da “subjetividade, memória, discurso e diálogo”. Consiste também em um método que, segundo Hesse-Biber e Leavy (2006), permite aos pesquisadores aprender sobre a vida dos entrevistados a partir de sua própria perspectiva - onde eles criam significado, o que eles consideram importante, seus sentimentos e atitudes (explícitos e implícitos), a relação entre diferentes experiências de vida ou diferentes momentos de sua vida - sua perspectiva e sua voz sobre suas próprias experiências de vida (HESSE-BIBER; LEAVY, 2006, p. 151, tradução minha)31. Para Cruikshank (2006), História Oral é “uma expressão mais especializada, que, em geral, se refere a um método de pesquisa, no qual se faz uma gravação sonora de uma entrevista sobre experiências diretas ocorridas durante a vida de uma testemunha ocular” (CRUIKSHANK, 2006, p. 151, grifo no original). A História Oral, como método, permite coletar dados, organizá-los de forma que seja possível sistematizá-los e aprofundar cada vez mais nas entrevistas. O principal intuito, assim como mencionado por Hesse-Biber e Leavy (2006), é conhecer os fatos contados por pessoas que viveram experiências no tempo, entender visões e estas experiências vividas reconstruídas pelas memórias dos atores sociais. Assim, estes dados são importantes para que se possa aprofundar sobre determinados fenômenos, espaços históricos e sociais. É importante salientar que o objetivo não é verificar e dizer que existe alguém certo e/ou alguém errado, e No original: [The Oral History] “allows researchers to learn about respondents’ lives from their own perspective - where they create meaning, what they deem important, their feelings and attitudes (both explicit and implicit), the relationship between different life experiences or different times in their life their perspective and their voice on their own life experiences”. 31 39 sim levantar aspectos que possam iluminar o objeto de pesquisa em questão. A História Oral é baseada em uma tradição oral de transmitir o conhecimento. Em essência, esse método pressupõe que o ator individual tem conhecimento valioso para compartilhar baseado em suas experiências de vida, incluindo seus comportamentos, rituais atitudes valores e crenças (LEAVY, 2011, p. 11, tradução minha)32. Meihy (2000) define três tipos de História Oral: História Oral de Vida, História Oral Temática e Tradição Oral. A primeira “trata-se da narrativa do conjunto da experiência de vida de uma pessoa” (MEIHY, 2000, p. 61); a segunda quase sempre equivale o uso da documentação oral ao uso das fontes escritas. [...] é quase sempre usada como técnica, pois articula, na maioria das vezes, diálogos com outros documentos. Valendo-se do produto da entrevista como se fosse mais um outro documento, compatível com a necessidade de busca de esclarecimentos (MEIHY, 2000, p. 67). E, a terceira, de acordo com o autor, “uma das mais complexas e raras expressões da história oral é a tradição oral”, por trabalhar com “a permanência dos mitos e com a visão de mundo de comunidades que tem valores filtrados por estruturas mentais asseguradas em referencias do passado remoto” (MEIHY, 2000, p. 71). Nesta pesquisa, adoto o segundo tipo de História Oral, o da História Oral Temática, que por basear-se em um assunto específico e previamente estabelecido, a história oral temática se compromete com o esclarecimento ou opinião do entrevistado sobre algum evento definido. A objetividade, portanto, é direta. A hipótese de trabalho nesse ramo da história oral é testada com insistência e o recorte do tema deve ficar de tal maneira explícito que conste nas perguntas a serem feitas ao colaborador (MEIHY, 2000, p. 67). Nesse sentido, mesmo imaginando que existam vários pontos de vista sobre um mesmo assunto, a História Oral Temática, mesmo sendo ela “a narrativa de uma versão do fato”, propõe uma busca pela “verdade de quem presenciou um No original: “is based in an oral tradition of transmitting knowledge. In essence, this method presupposes that individual actors have valuable knowledge to share based on their life experiences, including their behaviors, rituals, attitudes, values and beliefs”. 32 40 acontecimento ou que pelo menos dele tenham alguma versão que seja discutível ou contestatória” (MEIHY, 2000, p. 68). Contudo, o material levantado a partir das outras fontes, como fotografias, artigos de revistas e jornais, são importantes para compreensão do ensino/aprendizagem imerso em relações sociais na Banda de música “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo” e não se destinam a contrapor os relatos orais. 2.3 A memória como fundamento da História Oral A memória é um dos fundamentos da História Oral que, para Portelli (1997, p. 16), consiste em “um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados”. Logo, compreender aspectos envolvidos na memória é importante para subsidiar o entendimento de vários aspectos envolvidos na História Oral, como, por exemplo, as entrevistas, cujos relatos passam pelas lembranças que são movidas pela presentificação da memória. Halbwachs (2004) é um autor que estudou a memória do ponto de vista social. Para este autor, a construção da memória depende de diversos fatores que podem auxiliar o indivíduo em sua organização dos fatos no tempo e no espaço. Um dos aspectos salientados por ele é o de que a memória é constituída de diversas passagens, nas quais o “outro” está presente. Halbwachs (2004) entende que “a memória individual existe, mas ela está enraizada dentro dos quadros diversos que a simultaneidade ou a contingência reaproxima momentaneamente” (HALBWACHS, 2004, p.14). A memória, então, seria a lembrança organizada de fatos/situações específicas que se forma também no coletivo. Neste âmbito, a memória, tanto em sua essência coletiva quanto individual, é construída a partir do momento em que as percepções individuais complementam as situações vividas de acordo com a posição ocupada por cada um nesses espaços sociais. Para Halbwachs (2004), nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembranças pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetivos que só nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco e em nós uma 41 quantidade de pessoas que não se confundem (HALBAWACHS, 2004, p. 30). Nesta pesquisa, as lembranças e os acontecimentos que se deram no espaço da Banda e que são contados de diferentes pontos de vista, são o “fio condutor” para a realização deste trabalho. A participação de cada um dos colaboradores fará com que se forme uma “teia de lembranças” que, ao se encontrarem em um corpo de memórias, potencializadas pela entrevista de História Oral, poderá permitir a reconstrução de práticas pedagógico-musicais envolvidas no ensinar/aprender música no espaço social da banda de música “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo de Arcos-MG”, no período de 1985 a 2014. Deve-se ter em mente que, para Halbwachs (2004), a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada (HALBWACHS, 2004, p. 7576). É importante mencionar que a memória pode ser reacessada com mais ou menos facilidade, dependendo de quais as situações em que o participante esteve envolvido. O exercício da memória depende do ato de lembrar dos entrevistados. Isso foi se tornando comum quando, durante as entrevistas, era recorrente escutar os colaboradores dizendo “eu lembro”. Como, por exemplo: Eu lembro do [encontro de bandas] de Arcos! Eu fui em poucos. Eu lembro que o último que eu fui foi em Arcos. Foi bacana, eu lembro das outras cidades e eu lembro de uma cidade que [o encontro] foi pior do que [o encontro da] a gente. Então isso ficou marcado [risos] (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 67). Utilizados com o mesmo sentido, o “eu lembro” pode ser encontrado em diversos trechos do Caderno de entrevistas (p. 3, 7, 10, 47, 50, 61, 131, 142, 179, 187, 203, 220, 230, 237, 243, 251, 266, 273, 280, 303). É possível perceber aspectos da temporalidade da memória à medida que a lembrança é reconstruída. Gonçalves (2007) afirma que: as narrativas de experiências são entrecortadas com idas e vindas no tempo, um certo misturar de fatos que pareciam sobrepor-se um ao outro, a linha do tempo esgarçada por uma narrativa de uma 42 experiência que se abstém da linha temporal. Ao pesquisador cabe ficar atento a essa linha do tempo, já que quando os entrevistados narram suas experiências, passam do passado ao presente de forma, muitas vezes, que demanda do pesquisador conhecer o presente. Ou, muitas vezes, contam o presente fazendo referência ao passado ou vice-versa (GONÇALVES, 2007, p. 54). Auxiliar no lembrar e no reacessar a memória é, talvez, o trabalho mais complexo para o pesquisador, pois demanda que ele conheça as histórias, domine as fontes e use disso para proporcionar ao colaborador um “estopim” que faça com que a lembrança tenha condições de surgir, seja a partir de fatos e situações vividas pelos colaboradores. 2.4 Coleta de dados As fontes de pesquisas utilizadas neste trabalho são as escritas, as iconográficas e as orais. As fontes escritas são caracterizadas por artigos levantados em jornais, revistas e acervos da cidade de Arcos, com o intuito de localizar pessoas que participaram da Banda nesse período, bem como entender questões relacionadas à banda de música “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo” e à cidade. Estas fontes escritas foram levantadas nos arquivos públicos e privados localizados na cidade. Parte do estudo qualitativo é essencialmente a captura de uma história. Não somente a história de uma pessoa ou de um grupo, mas também a história de uma organização ou movimento social. O registro e a publicação de uma história oral é uma realização desse tipo. A história ou o relato parece existir e o trabalho do pesquisador é investigar, interpretar e disponibilizar essas histórias para outras pessoas (STAKE, 2011, p. 187). A busca documental e iconográfica foi o primeiro passo para se chegar aos colaboradores que estiveram envolvidos com a Banda de 1985 a 2014 e que participariam desta pesquisa. Logo em seguida, procurei contatar pessoas que foram citadas nos jornais, revistas e fotos, para que pudessem ser entrevistadas, além daquelas que foram indicadas pelos entrevistados. 43 2.4.1 Visitando o museu da cidade Como a cidade de Arcos foi o lugar onde cresci, tive a oportunidade de conhecer diversas pessoas e locais especiais. Um destes locais é a casa do Sr. Enéias Cunha, músico e seresteiro bastante conhecido na cidade e amigo meu há muito tempo. Em sua casa, ele mantém no terraço um museu dedicado ao arquivamento da história de Arcos, bem como antiguidades. Esse museu surgiu do interesse do pai do Sr. Enéias, o Sr. Deusinho (já falecido), em contar a história do lugar e guardar jornais e artefatos que ele estimava. É um museu particular, porém sem fins lucrativos, e, para ter acesso ao arquivo, é só avisar com uma hora de antecedência. Durante uma das minhas idas à cidade de Arcos, visitei o museu do Sr. Enéias e, em uma de nossas conversas, eu indaguei se ele sabia de artigos de jornais que tratavam sobre a Banda, sobre as suas ligações com a cidade e sobre as pessoas que faziam parte deste grupo. Ele, com muita prontidão, localizou em sua pilha de jornais diversas matérias que falavam sobre a Banda. Estas matérias dão ideia de quem eram os músicos, o que faziam e os lugares em que tocavam. A partir desses periódicos, tive acesso a diversas fotos publicadas na época, mostrando a formação da Banda em vários períodos. Foram coletados nesse arquivo um total de 25 artigos que mencionavam a Banda em 14 periódicos, os quais circularam na cidade entre os anos de 1933 e 2002. São eles: “O Arqueano”, “O Fato”, “Arcos da Velha”, “A Borboleta”33, “Arcos”34, “O Foca”35, “Folha de Arcos”, “O Amador”, “O Arcoense”, “A Voz de Arcos”, “Tribuna de Arcos”, “Cidade de Arcos”, “Jornal Laboratório” da PUC Minas e “Correio Centro Oeste”. É importante dizer que, quando tive acesso a esse material, muitos periódicos possuíam o carimbo da Biblioteca Municipal da cidade de Arcos. Ao perceber que os jornais já tinham sido marcados, perguntei ao Sr. Enéias o porquê daqueles jornais estarem em seu poder. Ele me disse que alguns anos atrás a Única publicação da série. Jornal que, por iniciativa de alguém, tinha distribuição gratuita, limite de edições e exemplares. Era veiculado para expor perante a sociedade opiniões de oposição à administração da época. 35 Jornal que, por iniciativa de alguém, tinha distribuição gratuita, limite de edições e exemplares. Era veiculado para expor perante a sociedade opiniões de oposição à administração da época. 33 34 44 biblioteca se desfez de jornais por falta de espaço, e ele, para que os jornais não fossem para o lixo, recolheu tudo o que podia e colocou-os no seu arquivo particular. Seguindo as orientações do Sr. Eneias, busquei na cidade outra fonte de dados, o “Arquivo do Janer”. O Sr. Janer José de Faria é um professor aposentado, seresteiro que, após parar de lecionar, dedica grande parte de seu tempo livre na catalogação da história de Arcos e há 15 anos ele compra, ganha e “garimpa” jornais. Após este trabalho, ele faz recortes das matérias e as classifica por: nome, título, pessoas citadas, bandas, cantores, engenheiros, pessoas importantes, dentre outros. Durante a visita ao arquivo do Sr. Janer foram coletados outros 55 artigos, em 50 periódicos, que entre os anos de 1915 até 2010 circularam na cidade de Arcos. São eles: “Implicante”, “ O Echo”, “Imparcial”, “Sorriso”, “ O Gury”, “Coração de Arcos”, “Arco da Velha”, “Arauto”, “A Razão”, “Cidade de Arcos”, “Gazeta de Arcos”, “A Voz de Arcos”, “O Trabalhista”, “O Arqueano”, “Jornal de Arcos”, “O Arcos”, “O Comunical”, “Amador”, “Folha de Arcos”, “Correio Centro Oeste”, “Jornal da Cidade”, O Arco-Iris”, “O Portal”, “Opinião”, “Os Pequeninos”, “Cidade de Arcos”, “Folha em tempo”, “Colégio Dom Belchior”, “SEMCELT”, “Espaço Livre”, “Folha Regional”, “Informativo do Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Arcos”, “Jornal Você”, “Leva e Traz”, “Correio de Negócios”, “Conexão Vida”, “Jornal Arcos sem Drogas”, “O Produtor”, “O Diferencial”, O Foca”, “Raízes de Minas”, “Puc Minas Arcos Informa”, “Ação”, “Gazeta Arcoense”, “Jornal Integração ACIA”, “Jornal da Paz”, “Gazeta Centro Oeste”, “Jornal Nossa Tribo”, “Jornal Vanguarda”, “O Noticiário”. Ainda existem alguns artigos que não tive acesso por se tratarem de banco de dados de empresas, como, por exemplo, alguns dos exemplares do Jornal “Correio Centro Oeste”. Os artigos encontrados neste jornal foram conseguidos através dos acervos particulares dos músicos que concederam entrevista para esta pesquisa. Os artigos que foram levantados e que estão fora do período delimitado, nesta pesquisa, poderão ser usados como material empírico para pesquisas futuras. Esses artigos de jornais registram os tipos de apresentações que a Banda realizava, os lugares, bem como a maneira como estava presente no cotidiano da cidade. Isso se justifica ao tentar entender a Banda como uma instituição e, também, como um espaço social que já existia antes do tempo delimitado desta pesquisa. 45 2.4.2 Os colaboradores da pesquisa 2.4.2.1 A escolha dos colaboradores da pesquisa Para ter uma ideia mais ampla sobre a Banda, eu optei por pesquisar em arquivos e conversar com pessoas antes de decidir quem seria entrevistado. Estas conversas não foram gravadas, mas ajudaram a definir qual seria o ponto de partida das entrevistas. Também foi mais uma forma para que eu pudesse encontrar registros nos quais eu localizasse pessoas que estiveram envolvidas com a Banda no período de 1985 até 2014, sem que minha vontade de entrevistar meus amigos tomasse frente e desse um novo rumo a esta pesquisa. Foram selecionados doze participantes para esta pesquisa, o maestro da Banda e outros onze músicos, sendo que a escolha destes colaboradores se deu pelos seguintes critérios: o primeiro foi a partir da entrevista com o maestro João Fernandes Mendes, que funcionou como entrevista “bola de neve”. Este tipo de entrevista consiste em utilizar as falas de colaboradores não aleatórios como “fio condutor”, fazendo “uso da própria rede de amigos e parentes dos informantes na configuração do corpus” (MARGOLIS, 1994, p. 20, grifos do original); o segundo critério se deu a partir de artigos que mencionavam a Banda e seus componentes; e, no terceiro critério, estariam pessoas que poderiam contribuir para a compreensão de como se constituíam os aspectos pedagógico-musicais no espaço social da Banda de música, porque conheciam a Banda ao terem participado dela. É importante mencionar que, dentre esses critérios, não houve um critério principal para a escolha dos colaboradores. Ou seja, os três critérios permeavam todo o tempo da escolha dos colaboradores, mesmo porque, quando se trata da História Oral, o corpo de entrevistados pode ser construído ao longo da pesquisa. Dessa forma, na primeira entrevista, a chamada “bola de neve”, o maestro contou diversas passagens dele com a Banda e citou diversos nomes. Aí, então, eu pude buscar quem seria o próximo a ser entrevistado. Para a continuação das entrevistas, a decisão de quem seria o próximo entrevistado dependeu dos rastros deixados no relato de cada um. As lembranças, as memórias dos colaboradores, os nomes que foram citados foram a base para a escolha de quem seria o próximo entrevistado. 46 2.4.2.2 Apresentando os colaboradores da pesquisa Como mencionado, participaram desta pesquisa doze colaboradores que estiveram, de alguma forma, ligados com a Banda no período estudado. Uns já não fazem parte deste grupo musical, no entanto, outros ainda permanecem tocando na Banda. Como dito, o primeiro colaborador foi o maestro, Sr. João. Este senhor estudou música na cidade de Belo Horizonte e, antes de ser o maestro da Banda, era violonista e exercia como segunda profissão a ourivesaria, que, segundo ele, ajudava a dar manutenção aos instrumentos da Banda, além de render um bom dinheiro extra. Vinícius, o segundo colaborador, nos tempos em que tocava na Banda era estudante, e dedicava as manhãs à escola e as tardes e noites à Banda. Ele tinha muito incentivo de seu pai e dos seus dois irmãos que eram, também, músicos da Banda. Levou outros familiares para a Banda. Quando terminou o ensino médio, conseguiu um emprego e passou a ir cada vez menos à Banda. Logo em seguida, trocou de religião, se casou e decidiu que não iria mais à Banda. A terceira colaboradora, Sinara, desde muito nova se dedicou à música, começou a fazer aulas na mesma turma de violão que eu e, posteriormente, foi para a Banda. Sinara teve um filho, ficou doente algum tempo, casou-se e mudou de cidade, consequentemente, abandonou a Banda. Atualmente, é pedagoga, dá aula na graduação em pedagogia de uma universidade e em escolas da região, sempre trabalhando com música. Cássia, a quarta colaboradora, entrou para tocar na Banda muito nova e dividia seu tempo entre a escola e a Banda. Quando acabou o ensino médio foi estudar direito, se casou e mudou. Voltou para Arcos, porém não toca mais na Banda. Ela ainda trabalha com música, dá aulas particulares, faz shows na cidade, além de compor. Ramsés, o quinto colaborador, conheceu a Banda muito jovem, através de seu padrinho, senhor antenado em questões culturais e presidente da Banda. Ainda jovem, Ramsés começou a tocar em eventos, ganhar dinheiro em apresentações e com aulas, e decidiu abrir uma escola de música. Atualmente, ele é professor da rede municipal, tem sua escola e é o maestro da Banda. 47 O sexto colaborador, Paulo, conheceu a Banda ainda muito jovem e dividia seu tempo entre a escola e a Banda. Segundo ele, ganhou pouco dinheiro com música, pois acreditava que seu instrumento, o bombardino, não era tão conhecido, então, às vezes, tocava trompete em casamentos. Ingressou na universidade, no curso de ciências da computação e conseguiu seu primeiro emprego através de outro participante da Banda. Quando conseguiu um emprego melhor e na sua área de atuação, abandonou a Banda e agora só toca violão por hobby. O sétimo colaborador foi o senhor Geraldo Nunes, o Pixano. Ele ingressou na Banda com 12 anos, pouco depois de abandonar a escola para trabalhar e está na Banda há 65 anos. A Banda sempre foi, para ele, um espaço para o lazer, uma distração que ele tinha. O Sr. Pixano sempre trabalhou, segundo ele, em obras, era pedreiro. Ele levou seus dois filhos para a Banda. O Sr. Pixano ainda frequenta a Banda, seus filhos precisaram trabalhar e, por isso, segundo ele, pararam de ir. Juliano, o oitavo colaborador, mesmo antes de frequentar a Banda, já se dedicava a música, dava aulas de teclado e viu na Banda uma oportunidade de melhorar de vida. Dedicou-se ao instrumento e cursou licenciatura, e, atualmente, ele é professor de música da rede municipal, estadual e particular, ocupa também o cargo de presidente da Banda. O nono colaborador se chama Cleber. Quando ele ainda frequentava a escola, ganhou pontos extras de um professor para frequentar a Banda. Ele gostou e lá ficou. Acompanhou o maestro João em diversos trabalhos, deu aulas em escolas da região, foi auxiliar na Banda e, depois de algum tempo, recebeu um convite para ser maestro da banda de música de uma cidade vizinha. Ele continua tocando com o maestro João em casamentos e em outros eventos, bem como o convidando frequentemente para participar de apresentações da Banda de Paíns 36. Camila, a décima colaboradora, conheceu a Banda através de sua família, e dividia seu tempo entre a escola e a Banda. Ao ingressar no magistério, começou a trabalhar com musicalização nas escolas da região e decidiu que, além de se manter tocando na Banda, iria cursar pedagogia. A penúltima colaboradora, Poliana, dividia seu tempo entre a Banda e a escola. Não tinha familiares que tocavam na Banda, mas tinha amigos que iam 36 Paíns-MG é uma cidade a, aproximadamente, 30km de Arcos. 48 frequentemente até a sede. Não tinha a intenção de ser musicista, formou-se em psicologia, começou a trabalhar e parou de frequentar a Banda. Edwilson, o último colaborador, tinha familiares e amigos na Banda, dividia seu tempo entre a escola e a Banda. Durante um período esteve afastado da Banda, pois não conseguia conciliar seus horários, porém, depois de algum tempo, após ter aberto seu próprio negócio, pôde dedicar seu tempo livre a alguma atividade de lazer, e escolheu a Banda para fazê-lo. Um aspecto importante a mencionar é que os colaboradores estavam em tempos diferentes. Eles estiveram e estão na Banda com idades, em tempos e épocas diferentes (ver Quadro 1). 49 Quadro 1 - Quadro temporal de existência da Banda e da permanência dos músicos no grupo 37. Fonte: Quadro elaborado para esta pesquisa. O tempo de permanência dos colaboradores na Banda é aproximado. As entrevistas foram realizadas em 2015, então, não se sabe se todos os colaboradores ainda permanecem ou pararam de frequentar a Banda. 37 50 Esse quadro mostra tanto a linha temporal de criação da Banda de ArcosMG, quanto o recorte desta pesquisa. Essa linha temporal é importante porque também ajuda visualizar os tempos dos participantes da pesquisa na Banda, além de indicar aspectos relacionados com estes tempos de convivência na Banda, bem como quem estava com quem e quando. 2.4.3 As entrevistas 2.4.3.1 Os tipos de entrevista A entrevista é o principal procedimento de coleta de dados deste trabalho. Para Haguette (1997), a entrevista “pode ser definida como um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado” (HAGUETTE, 1997, p. 86). A relação que o pesquisador estabelece com o entrevistado é importante para o levantamento de dados, sobretudo quando o entrevistado percebe a importância de suas memórias para o entrevistador. Ou quando, principalmente, existem situações em que as memórias se entrelaçam entre os vários componentes, histórias contadas por mais de um entrevistado, com diferentes pontos de vista. Tal fato toma outras dimensões quando todas essas memórias ainda estão imersas em uma teia em que o próprio pesquisador também esteve envolvido. Nas leituras sobre a realização de entrevistas ficou explícito que são necessárias algumas atitudes do pesquisador para que o entrevistado sinta-se à vontade e seguro para compartilhar situações, momentos e lembranças. Assim, o entrevistado deve entender que o entrevistador não escolhe lados e não faz julgamentos, o pesquisador deve “esquecer totalmente suas próprias opiniões e categorias de pensamento” (KAUFMANN, 2013, p. 85). Nesta pesquisa foram adotados dois tipos de entrevistas: a exploratória e a compreensiva. Para Piovesan e Temporini (1995), a entrevista exploratória consiste no “estudo preliminar realizado com a finalidade de melhor adequar o instrumento de medida à realidade que se pretende conhecer” (p. 321). O intuito deste tipo de entrevista não é conseguir esgotar as possibilidades de coleta de dados para a 51 pesquisa, e sim ter um panorama de ideias, histórias, relatos, contos e momentos pessoais e coletivos que têm relação com o tema da pesquisa. Já a entrevista compreensiva busca entender o sujeito sem juízo de valores e, no momento da entrevista, o entrevistador “está ativamente envolvido nas questões, para provocar o envolvimento do entrevistado” (KAUFMANN, 2013, p. 40). A entrevista compreensiva permite, então, “abordar, de um modo privilegiado, o universo subjetivo do actor, ou seja, as representações e os significados que atribui ao mundo que o rodeia e aos acontecimentos que relata como fazendo parte da sua história” (LALANDA, 1998, p. 875). A entrevista compreensiva também é vista como “fonte de informação/recolha, procura, entre outras coisas, entender o modo como os indivíduos vivenciam seu quotidiano, em particular determinados acontecimentos ou mudanças, durante a sua vida” (LALANDA, 1998, p. 877). Ainda é essencial mencionar que outra característica desse tipo de entrevista é “permitir a construção da problemática de estudo durante o seu desenvolvimento e nas suas diferentes etapas” (ZAGO, 2003, p. 295). 2.4.3.2 O roteiro da entrevista Como já destacado, as entrevistas, um dos procedimentos de coleta de dados desta pesquisa, são muito importantes para a realização deste trabalho. Neste tipo de procedimento, as informações são obtidas “através de um roteiro de entrevista constando de uma lista de pontos ou tópicos previamente estabelecidos de acordo com uma problemática central e que deve ser seguida” (HAGUETTE, 1997, p. 86, grifos no original). É importante salientar que o roteiro da entrevista é criado de maneira que o entrevistador não perca o foco. No entanto, as entrevistas podem seguir rumos diferentes daqueles que estão no roteiro, pois, dependendo da interação entre pesquisador e participante, as respostas podem gerar outras perguntas. Neste sentido, o pesquisador deve perguntar o que está no roteiro, porém sem preocupações de segui-lo, deixando que o entrevistado possa falar livremente. Tendo em vista o tipo de entrevista (compreensiva), ela “não tem uma estrutura rígida, isto é, as questões previamente definidas podem sofrer alterações conforme o direcionamento que se quer dar à investigação” (ZAGO, 2003, p. 95). 52 Portanto, na perspectiva deste trabalho, o pesquisador é livre para fazer novas perguntas que não foram pensadas previamente, o que faz com que essas entrevistas tomem um formato “aberto ou semiaberto, ou seja, o direcionamento das perguntas não deve apontar para um determinado tipo de resposta, mas pressupor a abertura para o inesperado” (FREIRE, 2010, p. 35). Por isso, é preciso que o pesquisador tenha muita atenção na forma como as perguntas são feitas, bem como as intenções que os entrevistados colocam em suas respostas. Não foi elaborado um roteiro para a entrevista do tipo exploratória, realizada com o maestro João Fernandes Mendes, que tinha o objetivo de buscar colaboradores para a pesquisa. Foram destacadas apenas algumas perguntas que deram uma orientação à conversa realizada com o referido maestro (ver APÊNDICE A). Eu apenas liguei para o maestro, perguntei se eu poderia ir até sua casa para conversarmos. Esta conversa aconteceu a partir das lembranças deste maestro, passando por momentos que vivemos juntos na Banda, sendo que muitas outras lembranças surgiram. Deste modo, tive a oportunidade de levantar histórias, conhecer mais sobre a Banda e ouvir relatos que, como mencionado, puderam me nortear no início da coleta de dados desta pesquisa. Posteriormente, passei para a elaboração de um roteiro que seria usado nas demais entrevistas a serem realizadas. Porém, logo percebi que somente um roteiro não seria suficiente para subsidiar a coleta de dados. Assim, comecei a elaborar um roteiro que pudesse dar conta das peculiaridades de outra entrevista com o maestro (APÊNDICE B) e com as demais entrevistas que seriam realizadas junto aos músicos (APÊNDICE C), tendo em vista as diferenças de posições ocupadas por eles na Banda. Ambos os roteiros seguem a mesma estrutura e estão divididos da mesma forma, porém com questões diferentes por estarem relacionadas com a posição que os colaboradores ocupavam na Banda. As perguntas direcionadas ao maestro apontam para temas ligados à sua atuação como maestro, coordenador das práticas musicais e de ensino/aprendizagem musical realizadas na Banda. Já as perguntas direcionadas aos músicos da Banda tiveram sua estruturação baseada no ponto de vista de um indivíduo que divide seu espaço com outras pessoas quando pratica e experiencia a música neste grupo. Os roteiros das entrevistas foram estruturados em três partes. Na primeira parte do roteiro estão as perguntas de caráter pessoal. São questões ligadas ao 53 entrevistado, como idade, local de nascimento, onde estudou música, com quem estudou música e etc. Estas questões não demandam, por parte do entrevistado, grandes esforços para relembrar os fatos, e fazem com que o entrevistado “entre no clima” da entrevista, que fique mais à vontade. Para a segunda parte foram elaboradas perguntas que fizessem com que os entrevistados se lembrassem dos caminhos pelos quais eles chegaram até a Banda, quando a conheceram e como eles viam este espaço/grupo antes de fazer parte dele. Com estas questões pretendeu-se entender as formas pelas quais o interesse por este grupo fez com que cada um, à sua forma, buscasse formas de integrá-lo. Assim, as questões estão ligadas a dois objetivos principais: o primeiro é entender como o participante da pesquisa conheceu a Banda, e o segundo é descobrir o porquê ele procurou a Banda. São questões associadas com as lembranças que podiam ser reconstruídas pelos colaboradores da pesquisa. Neste sentido, as lembranças não estão paradas, adormecidas. São perguntas que podem servir de estopim para dar fluência à lembrança. Bosi (1994, p. 55) diz que, “a maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje as experiências do passado”. Na terceira parte estão estruturadas as questões que permitiam ao entrevistado pensar sobre os fatos e situações vividas no espaço da Banda, na convivência com os músicos. Nesta parte está um rol de perguntas que abordam aspectos ligados ao coletivo, mas profundamente associado ao ponto de vista individual sobre as experiências vividas no coletivo. Essa parte do roteiro depende, na maioria das vezes, de reflexões sobre assuntos que os colaboradores passaram e que também dizem respeito à forma como o entrevistado percebeu o ambiente, relacionando, em alguns casos, às ações de outros indivíduos presentes no espaço. Aqui é posto em foco a ligação do músico com o coletivo, com o instrumento, com a Banda e com as questões ligadas às relações construídas com/a partir da Banda, bem como com a cidade. Muitas vezes, as perguntas não são de fácil compreensão, talvez por não estarem bem contextualizadas, ou por não conterem em sua estrutura algum aspecto que fizesse o colaborador remeter ao tema que o entrevistador tinha em mente, naquele momento. Então, na elaboração dos roteiros, percebi que as perguntas deveriam ser feitas tendo o cuidado de contextualizá-las. Elas deveriam ter dicas que fossem acessíveis somente ao entrevistador, para que ele pudesse 54 recorrer às diversas nuances de perguntas que poderiam proporcionar respostas sobre o tema. Mesmo sabendo que muita informação em uma pergunta poderia desviar o foco do assunto principal, optei por estruturar essas questões de maneira que não haveria somente a pergunta, e sim um detalhamento da pergunta, tendo em vista o que eu esperava das respostas. Ou seja, uma “bula” que poderia definir o que o entrevistador deveria buscar em cada questão, ou melhor, que pudesse me orientar a partir das respostas dos entrevistados. Tal estratégia facilitaria por levar em consideração o contexto da entrevista, e eu, como entrevistador, poderia alterar as questões, reformulá-las e adequá-las de acordo com o desenrolar da entrevista. Desta forma, é possível entender o que se quer saber com cada uma das perguntas, além de indicar direções, focando na peculiaridade de cada entrevistado. Se existe a chance de um ou de vários entrevistados fornecerem materiais dignos de citação, então a entrevista deve ser adaptada ao que há de especial naquela pessoa. Embora a entrevista seja estruturada pelos problemas do pesquisador (problemas etcic), em alguns casos é melhor fazer uma pergunta aberta (“Como foi sua experiência no começo?”), permitindo que os entrevistados apenas comentem ou contem histórias (estruturando-as de acordo com seus próprios problemas emic) (STAKE, 2011, p. 108, grifos no original). Foi necessário, então, ficar muito atento a cada resposta durante a entrevista para poder formular outras questões que não faziam parte do meu roteiro, e que, por sua vez, poderiam dar sequência às ideias e/ou pensamentos do entrevistado. Após a transcrição da primeira entrevista, pude perceber quais questões tinham que ser reformuladas, para dar enfoque às situações que outras pessoas tinham vivido. Ou seja, durante as entrevistas foi necessária a reconstrução de algumas perguntas do roteiro, a partir das entrevistas já realizadas anteriormente. É bom mencionar que essas alterações não estão anotadas. Elas foram feitas durante a entrevista, conforme minha percepção no momento. Portanto, a atualização dos roteiros de entrevista se deu mediante o aprimoramento das perguntas e do conhecimento adquirido pelo pesquisador durante as entrevistas, isso porque o pesquisador passa a carregar informações que podem ser relevantes para a reconstrução das memórias de outras pessoas. 55 2.4.3.3 Realizando as entrevistas Esta pesquisa conta com doze colaboradores e, ao todo, foram realizadas treze entrevistas: duas entrevistas com o maestro e, as demais, uma com cada participante da pesquisa. Estas entrevistas foram realizadas de janeiro de 2014 a julho de 2015, em lugar sugerido pelo entrevistado. A duração delas variou de quarenta minutos a cerca de uma hora e cinquenta minutos. A organização da realização das entrevistas, além das informações sobre os colaboradores, está esquematizada no quadro 2, logo abaixo: 56 Quadro 2 - Informações sobre as entrevistas e os colaboradores. Fonte: Quadro elaborado para esta pesquisa. 57 Quando se trata da realização de entrevistas de História Oral é importante lembrar que nas entrevistas não busquei fazer com que os colaboradores se lembrassem de datas, nem de fatos muito minuciosos. Isso porque o importante é que o colaborador conte suas experiências naquele espaço social. Também se sabe que a memória depende de situações para que ela possa “aparecer”. Para Bosi (1994, p. 39), “a memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento. [...] Lembrança puxa lembrança e seria preciso um escutador infinito”. Logo, qualquer relato dos colaboradores foi relevante para a construção de novas perguntas, em outros momentos, e até para outras entrevistas. Isso se tornou um aspecto extremamente importante, tendo em vista que “a melhor pergunta não está posta na grade: ela deve ser encontrada a partir do que acaba de ser dito pelo informante” (KAUFMANN, 2013, p. 81). Nesse método de pesquisa, o da História Oral, a atenção que o pesquisador dá à memória de cada um na entrevista mostra, além de sua unicidade, os pontos que são intercessões no emaranhado de situações que ocorreram em tempos/espaços compartilhados pelos colaboradores da pesquisa. Isto é, cabe ao pesquisador dar atenção às situações, fatos e/ou acontecimentos que, de alguma forma, tangenciam a memória de outros integrantes do grupo. Para que nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam seus depoimentos: é necessário ainda que haja bastante pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos recordam possa ser reconstruída sobre um fundamento comum (HALBWACHS, 2004, p. 38). É importante salientar que as memórias dos colaboradores da pesquisa são partes de um todo, das memórias coletivas. De acordo com Halbwachs (2004), a memória coletiva envolve as memórias individuais, mas não se confunde com elas. Ela evolui segundo suas leis, e se algumas lembranças individuais penetram algumas vezes nela mudam de figura assim que sejam recolocadas num conjunto que não é mais uma consciência pessoal. (HALBWACHS, 2004, p. 58). Durante muitas situações, eu deixei de ser entrevistador e passei a ser o elo nas histórias, ou seja, pude contribuir também com minhas histórias para que os 58 colaboradores também pudessem, assim como eu, ter pontos que possibilitassem o “acesso” às suas memórias. Foi também perceptível durante as entrevistas, muitas vezes, a indução que eu, como entrevistador/amigo, proporcionava por ser uma “testemunha dos fatos”. Por exemplo, em um trecho da entrevista, Vinícius (Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 46) me disse: “Teve até um fato muito interessante, não sei se você estava... eu acho que estava...”; e situações como esta podem ser facilmente encontradas em diversas passagens durante as entrevistas (Caderno de entrevistas, p. 29; 46; 60; 69; 81; 110; 139; 151; 292). Eu me vi esquivando de situações nas quais eu poderia comprometer o relato do colaborador. É claro que eu tentava fazer com que o entrevistado me contasse a sua versão do fato, mas isso não quer dizer que eu concordava ou discordava da situação, pois não era o intuito que a fala do colaborador fizesse um complemento da versão que eu tinha como minha. Minhas contribuições, neste sentido, eram para que o colaborador se lembrasse de momentos que eram “obscuros” em suas lembranças. Como diz Halbwachs (2004), se as duas memórias se penetram frequentemente; em particular se a memória individual pode, para conferir algumas de suas lembranças, para precisá-las, e mesmo para cobrir algumas de suas lacunas, apoiar-se sobre a memória coletiva, deslocar-se nela, confundir-se momentaneamente com ela; nem por isso deixa de seguir seu próprio caminho, e todo esse aporte exterior é assimilado e incorporado progressivamente em sua substância (HALBWACHS, 2004, p. 57-58). Em outros momentos, eles já afirmavam que eu estava presente naquele dia e, de certa forma, esperavam a minha confirmação: Você estava nesse dia! [risos]... Primeira vez que a gente foi lá [em Perdões]. Fomos tocar e, ninguém nunca marchou, a gente só tocava sentado ou em pé parado, ai o Sr. João: “_Vamos marchar! É só começar com o pé esquerdo!” (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 51). Diante dessas encruzilhadas, em diversos momentos, senti vontade de mudar o rumo da entrevista, pois como nossas memórias daquela época foram construídas em situações em que nós estávamos juntos, eu, como pessoa, gostaria 59 de me lembrar do que, provavelmente, não seria importante para o foco e continuidade da pesquisa. Sabe-se que não existe neutralidade na pesquisa, mas, pela minha proximidade com o tema, se fez necessário bastante cautela nos momentos de entrevista, especialmente para que as situações por mim vividas não moldassem as respostas dos colaboradores, muito menos as análises dos dados. Sobre isso, segundo Morin (2002, p. 19), “qualquer que seja o fenômeno estudado é preciso primeiramente que o observador se estude, pois o observador ou perturba o fenômeno observado, ou nele se projeta de algum modo”. Sendo assim, antes de começar a entrevista, eu procurava me lembrar do que conseguia, ouvia trechos das entrevistas que já havia feito, e me preparava para que eu pudesse, com o emaranhado de histórias que eu já tinha ouvido, ter condições de sempre ter novas questões, novos argumentos que oportunizassem levar o colaborador a falar de suas vivências, suas experiências, suas memórias e não do que ele tinha passado comigo, ou vice-versa. Como dito, foram realizadas treze entrevistas, sendo que uma delas, com o maestro, foi de caráter exploratório. Durante as entrevistas, busquei fazer com que os colaboradores desta pesquisa se sentissem à vontade para compartilhar suas lembranças. Ou seja, estas entrevistas foram direcionadas para que fossem tomadas como conversas, com o intuito de que o colaborador se sentisse à vontade com a minha presença, e se esquecesse de mim como pesquisador e me visse como o “amigo de Banda”. Kaufmann (2013) discorre sobre como o pesquisador pode conseguir o envolvimento do entrevistado, tornando-o seguro em seus depoimentos. No meu caso, durante as entrevistas, acredito que a primeira característica nesta relação foi o humor. Nas entrevistas, os fatos que foram mais bem descritos estavam ligados aos acontecimentos alegres, ou às situações engraçadas que o entrevistado gostava de lembrar, sobretudo por se sentir parte de um momento vivido que foi alvo de risos. Já a segunda característica se apoia na descrição dos espaços e das situações vividas pelos participantes da pesquisa. Durante as entrevistas, percebi que a descrição dos lugares nos quais a Banda tocava fazia com que os entrevistados relembrassem de situações, muitas vezes já “escuras” em suas memórias. Esta descrição foi extremamente útil na realização das outras entrevistas 60 e na atualização dos roteiros de entrevista, pois acredito que novas informações sobre um acontecimento, que também foi vivido por outras pessoas, foram importantes para que lembranças fossem construídas. Todas as entrevistas foram realizadas em locais escolhidos pelos colaboradores, justamente para que eles pudessem se sentir mais à vontade. Com a mesma finalidade, todas as entrevistas foram conduzidas de forma que se assemelhassem muito a uma conversa informal, na qual os colaboradores não se sentissem inibidos, e nem que houvesse uma busca exacerbada por fatos, memórias e formas de descrever situações que prejudicassem a fluidez das entrevistas. O material foi organizado em um Caderno de Entrevistas, no qual cada entrevista gerou um item no índice, por data de sua realização. Ter as entrevistas dispostas em um único arquivo facilitou a organização para a análise dos dados. Ainda há que salientar que no Caderno de Entrevistas existem trechos que não estão disponíveis por seguir a orientação do colaborador de “não publicar esse pedaço”. Como combinado, os trechos foram removidos e/ou nem transcritos. 2.4.3.4 Entrevistando os colaboradores38 2.4.3.4.1 Sr. João Fernandes Mendes Como dito, a primeira entrevista realizada foi com o maestro da Banda, o Sr. João Fernandes Mendes39. O Sr. João tinha acabado de se aposentar, após 30 anos de serviços prestados à Banda. Este maestro é figura conhecida na cidade pelos trabalhos realizados frente às muitas atividades musicais na cidade. Essa primeira entrevista começou em uma situação agradável na casa do Sr. João, nós dois sentados na sua calçada. Ele contou-me sobre vários acontecimentos e muitos deles, provavelmente, ele nunca tinha falado para alguém. Eram temas relacionados à sua saída da Banda, sua chateação por não trabalhar mais com música naquele espaço e sobre assumir sua antiga profissão. Em sua entrevista, ele contou várias histórias e como se tornou o maestro da Banda. Deu muitas referências sobre a criação da Banda, bem como falou de 38 A sequência dos colaboradores apresentada nesse item obedece à ordem das datas de realização das entrevistas. 39 Entrevista realizada no dia 08/07/2014. 61 músicos e alunos que, para ele, fizeram a diferença ou que se destacaram no tempo em que ele atuava na Banda. Durante o tempo em que conversamos, percebi que as regras criadas e impostas na Banda pela prefeitura era o que mais o incomodava, principalmente as decisões tomadas por pessoas que, segundo o maestro, “não entendem de música”. Atualmente, o maestro está bastante ressentido com a Banda e, mesmo com os convites para voltar a trabalhar como professor convidado, ele insiste em dizer que não voltará mais “naquele lugar”, a não ser que as pessoas da atual gestão não estejam mais lá. Essa entrevista com o maestro ajudou a definir por quais entrevistados começar, ou seja, direcionou-me para os próximos entrevistados. Durante esta entrevista, percebi quais participantes eram mais presentes na Banda e que existiam alguns com quem ele tinha maior afinidade, seja pelo contato com a família ou pela falta que aquele músico fazia na Banda. A segunda entrevista com o Sr João40 foi, também, a última entrevista realizada, porque, como dito anteriormente, fiz uma primeira entrevista exploratória com ele e uma segunda entrevista semiestruturada e compreensiva, para a complementação de alguns dados. Assim que saí da entrevista com o último músico, passei na casa do maestro, chamei-o e disse: “Sr. João, posso fazer com o senhor mais uma entrevista?”. Ele prontamente me disse que sim e que eu poderia marcar a hora. E eu rapidamente falei: “_Daqui a vinte minutos... aí dá tempo de o senhor tomar um café”. Meia hora depois do combinado cheguei à casa do Sr. João e ele estava me esperando. Eu nem tinha entrado e ele já estava me contando coisas da Banda, perguntando como que estava minha pesquisa. Isso foi ótimo! Nessa última entrevista, utilizei o roteiro elaborado para o maestro e pude me aprofundar em questões que apareceram durante as entrevistas. Por ter referências das entrevistas anteriores, pude interagir com o maestro e a entrevista foi bem esclarecedora. 40 Entrevista realizada no dia 18/07/2015. 62 2.4.3.4.2 Vinícius Eustáquio das Graças Após a conversa com o Sr. João, tentei localizar Vinícius41, grande amigo meu, de diversos momentos dentro da Banda e de muitos encontros na rua, desde o final dos anos 1990, quando começamos a frequentar a Banda. Primeiro liguei para a mãe dele e expliquei quem eu era. Logo, ela me disse: “_Oi, Murilo, lembro sim de você! O Vinícius gosta muito de você e sempre fala em você!”. Fiquei muito feliz ao escutar isso e, a partir daquele momento, tentei ligar para ele durante uns três dias. Quando finalmente consegui falar com ele, prontamente ele disse: “_Minha mãe falou que você tinha ligado! O que eu posso ajudar?”. Fiquei surpreso ao perceber a disponibilidade e, na mesma ligação, ouvi o seguinte: “_E aí? Você está indo na Banda?”. Quando cheguei à casa dele, ficamos alguns minutos conversando na rua, trocando lembranças de quando tocávamos juntos. Entrei na sua residência e sua esposa me recebeu e disse: “_Vou ficar aqui um pouco com vocês e já já vou sair”. Eu comentei que ela poderia ficar e pedi ao Vinícius para que ele falasse o que ele quisesse. Ficamos na sala, conversamos alguns minutos enquanto preenchíamos o termo de cessão de direitos (APÊNDICE D), depois montamos os equipamentos de gravação e começamos a entrevista. Em uma conversa muito à vontade, percebi que ele ficou bem tranquilo e passou por temáticas muito interessantes para o trabalho, algumas eu estava junto e nem me lembrava. Assim que a entrevista terminou, ficamos mais alguns minutos conversando, porém, desta vez, sem o roteiro de entrevista. Falamos de assuntos variados, de amigos em comum, temas que guardarei na memória com carinho. Durante a entrevista, senti-me muitas vezes pressionado a confirmar as histórias quando Vinícius perguntava: “_Murilo, você se lembra?”. Claro que muitas delas eu me lembrava, porém tantas outras eu não me recordava. Mas, ao mesmo tempo, em cada história, eu sentia a importância que eu tinha tido como amigo naqueles momentos vividos. É claro que como personagem daqueles acontecimentos, eu gostei de lembrar, escutar histórias nas quais eu estava presente. Mesmo que eu não soubesse desta importância na época, isso me fez perceber ainda mais que a 41 Entrevista realizada no dia 05/03/2015. 63 memória envolve a coletividade, porém o seu significado envolve o indivíduo, seus propósitos e pontos de vista. As memórias de Vinícius foram formadas a partir das relações que ele mantinha com o todo, mas nem todos os demais músicos da Banda, na época, provavelmente compartilhavam dos mesmos significados que ele atribuía aos momentos e passagens que ele tinha na Banda. Isso porque nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembranças pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem (HALBWACHS, 2004, p. 30). Essa entrevista foi muito interessante, pois, usando “ganchos” a partir das narrações de Vinícius, pude me lembrar de situações nas quais eu estava presente e não me recordava. Mas, como algumas situações também se passaram com outras pessoas, suas memórias me guiaram a outras situações vividas com outras pessoas. 2.4.3.4.3 Sinara Cristina Teixeira Carvalho Quando procurei Sinara42 para fazer a entrevista foi revitalizador. Primeiro falamos ao telefone sobre o que estávamos fazendo, como estavam nossas famílias. Fui recebido na sua casa e foi extremamente bom. Apressei-me para começar a gravar, pois antes de entrar e sentar já estávamos falando de assuntos que eram importantes para a minha pesquisa. Suas respostas iam muito além do que eu pensava para a pesquisa, eram lembranças, também minhas, daquilo que tínhamos saudade, nós fazíamos comparações de como era naquele tempo, como nós estávamos hoje. Essa entrevista ainda foi muito mais difícil pela amizade que nós temos. Era fácil querer falar de tudo, e não somente da Banda. Eu já tinha suspeitas de que, durante as entrevistas, eu poderia me perder entre o roteiro e o que eu queria falar e lembrar. Como eu, pesquisador, entrevistador e amigo conseguiria me desligar de algumas destas facetas e ligar-me somente na entrevista? Era quase impossível. 42 Entrevista realizada no dia 11/03/2015. 64 Novamente, e por mais outras tantas vezes, fui questionado: “_Você se lembra? Você estava lá!”. Como participar das memórias, perguntar sobre as lembranças daquelas pessoas e não seguir outros rumos? Creio que concordar com o entrevistado somente para me omitir nestes momentos não seria o correto, e, como entrevistador, o que eu fiz foi instigar a entrevistada: “_Me lembro sim desse lugar, mas não me lembro desse acontecimento”, ou ainda, “_Me lembro, mas me conta sua versão, que eu te conto a minha”. Pensei que, talvez, se em algumas situações, como entrevistador, eu pudesse também contar a minha história ou a minha parte da “coletividade da memória”, isso poderia ser importante para “trazer à tona”, “evocar” as memórias e a força da evocação pode depender do grau de interação que envolve: eventos de repercussão restrita diferem, em sua memorização, dos que foram revividos por um grupo anos a fio. Mas, uns e outros sofrem de um processo de desfiguração, pois a memória grupal é feita de memórias coletivas (BOSI, 1994, p. 419). Essa entrevistada me disse diversas vezes que gostaria que seu filho tivesse experiências parecidas. Disse que muito do que ela é hoje, como pessoa, deve-se às referências que teve na Banda, durante o tempo em que esteve lá, pois os ensinamentos que aprendeu naquele espaço estavam presentes em sua formação como pessoa e como professora, em sua maneira de ensinar, em seu modo de agir. Percebo que a cada vez que me aprofundo no tema, e me pego escutando as entrevistas, noto o quão importante a Banda foi na vida desses adolescentes na época, quando queriam estar com alguém e fazer alguma coisa que era importante para eles. No final dessa entrevista, ocorreu o mesmo que aconteceu com as outras: ficamos outra hora conversando sobre nossas memórias, sobre passagens que, a nosso ver, não tinha importância. Como pesquisador, reconheço a importância de nossas falas longe do gravador, porém, como pessoa, estas conversas, nossas lembranças, são momentos únicos e exclusivos que não serão parte de nenhum livro, ou desta dissertação. 65 2.4.3.4.4 Cássia Gonçalves Montouto Diversas vezes tentei marcar essa entrevista com Cássia e, por vários motivos, não foi possível. Como eu sempre estava tentando falar com os próximos entrevistados, liguei para Cássia43 e descobri que ela estava doente em sua residência e não estava saindo. Porém, quando ela se lembrou de que o assunto era uma entrevista, na qual ela me contaria sobre a Banda, não pensou duas vezes antes de me receber. Mesmo com a voz um pouco fraca, ela fez questão de contar o que se lembrava sobre o tempo em que esteve naquele grupo musical. Sua entrevista durou cerca de uma hora. Sua mãe, ao saber que o assunto de nossa conversa era a Banda, rapidamente pegou diversas fotos da época. Pude falar com ela sobre assuntos que nunca havíamos conversado e ela me fez lembrar que algumas vezes a levei em casa, quando ainda tocávamos na Banda. Sua mãe não permitia que ela saísse sozinha naquela época, mas ela sabia que sempre um de nós, os meninos da Banda, íamos levá-la em casa. A Banda era tida como um lugar seguro para os adolescentes, tanto que foi através dela que muitos casais se formaram, puderam se conhecer melhor. Foi ainda melhor perceber que muitas pessoas que, hoje em dia, eu falo um “olá” na rua, e não sabia o porquê, acabei descobrindo nessa entrevista. Alguns nomes que já não me lembrava, mas, pelas histórias de Cássia, eu me lembrei. Isso porque: Há fatos que não tiveram ressonância coletiva e se imprimiram apenas em nossa subjetividade. E há fatos que, embora testemunhados por outros, só repercutiram profundamente em nós; e dizemos: “só eu senti, só eu compreendi” (BOSI, 1994, p. 408). Essa entrevista foi importante por me fazer entender como seria estar presente na memória de alguém, ter passado por situações com aquela pessoa e não me lembrar. Porém, com a ajuda de algumas histórias, tudo se tornou mais claro, como se eu ainda estivesse lá. 2.4.3.4.5 Ramsés dos Reis Encontrar esse colaborador talvez tenha sido a tarefa mais fácil, pois ele tornou-se conhecido como músico, primeiramente da Banda e, depois, como dono 43 Entrevista realizada no dia 07/05/2015. 66 de uma escola de música. Ramsés44, como dito, é o atual maestro da Banda e, em sua entrevista, percebi diferenças entre a forma que ele gosta de “dirigir” a Banda e a forma como o maestro que esteve à frente da Banda, no período delimitado para esta pesquisa, o fazia. Este participante era músico na época em que tocávamos na Banda. Durante a entrevista, diversas vezes ele me pediu para que eu não transcrevesse ou publicasse alguma coisa do que estávamos gravando. É claro que isso será respeitado. Nessa entrevista também tive muitas pistas nas quais me apoiei para a realização das entrevistas seguintes. Por esse entrevistado ter feito parte da Banda por muito tempo, ele presenciou uma fase em que a Banda trocou diversos integrantes e citou alguns nomes que nem o maestro, nem os outros músicos tinham mencionado. Creio que um ponto importante nessa entrevista foi perceber que, mesmo com diferentes ideias, o novo maestro começou a entender que manter o grupo não depende do que ele acredita, e sim do que consegue “tocar” mais as pessoas. Manter o grupo junto passa pelas representações que cada um cria de “como deveria ser a Banda”. 2.4.3.4.6 Paulo José Rodrigues Amorim Essa entrevista foi a que eu mais tive empecilhos para realizar, pois esse colaborador não reside mais na cidade de Arcos. Contudo, ao entrar em contato com ele, percebi a importância da Banda na sua vida. Ao telefone, perguntei: “_Paulo45, posso realizar a entrevista com você hoje?”. Ele, prontamente, disse: “_Nossa Murilo, agora! Vamos fazer essa entrevista e falar da Banda”. No domingo, dia 7 de junho de 2015, às 8 da manhã, recebi uma mensagem com o endereço e a hora! Ao chegar à casa dos pais de Paulo, fui recebido por sua mãe, que já foi perguntando como eu estava e se minha mãe estava bem. Perguntou também sobre meus irmãos, dos meninos que tocavam na Banda, mandou abraços para todo mundo e ainda me mostrou muitas fotos. É importante registrar que Paulo deixou de frequentar a Banda, mas ainda tem todos os uniformes que ele usou no tempo em 44 45 Entrevista realizada no dia 08/05/2015. Entrevista realizada no dia 07/06/2015. 67 que esteve lá, desde criança. Todos estão lavados, guardados e dependurados, cada um em um cabide, na primeira porta de seu guarda-roupa. Esse entrevistado fez parte da Banda por, aproximadamente, 16 anos e a relação que ele teve com a Banda foi um pouco diferente, talvez por ele ter começado a fazer parte da Banda muito jovem, com apenas nove anos de idade. Ele pensava no grupo de forma diferente, com um “olhar de criança”, inocente e curioso. Conversar com o Paulo sempre foi divertido. Lembro-me que ele era muito novo quando entrou para a Banda, ele sempre estava perto de nós, conversando, perguntando e olhando. Nesta entrevista, percebi que ele tinha em nós, os mais velhos, referências do que era “ser legal”. Percebi também que a Banda, naquela época, era realmente o ponto de intercessão para todos, pois na falta dos meios digitais de comunicação, ter um ponto de encontro, no qual poderíamos conversar com pessoas que tivessem os mesmos interesses, era tão bom. É interessante dizer que esse colaborador não se lembrava de estar em certos lugares ou o porquê de estar nos lugares, o importante era estar com a Banda, ir à Banda e fazer parte de um grupo. Durante essa entrevista, muitas vezes, fui questionado: “_Você se lembra?”, “_Você estava lá?”, “_Eu acho que você estava!”. Mais uma vez, como pesquisador, não me mantive neutro, usei disso para que o colaborador pudesse deixar suas memórias fluírem. Isso foi de grande auxílio para que novas histórias fossem contadas. 2.4.3.4.7 Geraldo Nunes Pereira (Pixano) O Sr. Geraldo Nunes, conhecido como Pixano46, é um senhor muito sério, daqueles “sistemáticos”. No ano de 2015, ele completou 65 anos de Banda, passou por diversos maestros e diversas gestões. Tocar na Banda, para ele, é uma distração, um hobby. Além disso, ele vê a Banda como um espaço para encontrar pessoas e conversar. Nas entrevistas que eu já tinha realizado o nome de Pixano sempre aparecia, mas, até então, eu não sabia como chegar até ele, principalmente, porque ele não gosta de câmeras, gravadores, “conversar à toa”. Aí, então, tive uma ideia: pensei em ir ao ensaio da Banda e conversar com ele lá. 46 Entrevista realizada no dia 09/07/2015. 68 Quando o encontrei, perguntei como ele estava e se estava tocando muito. Ele me disse: “_Só o de sempre”. Ele me perguntou como eu estava e onde eu estava morando. Eu respondi e comentei sobre o tema da minha dissertação. Logo em seguida, eu disse: “_Nossa Pixano, você podia me dar uma entrevista! Ia ser ótimo”. Ele me disse: “_Não, não gosto de entrevista”. Simples assim. Ele também me disse que muitas pessoas já tentaram entrevistá-lo, pelos mais diversos temas, pela sua idade e por ser uma pessoa que “viveu muito”. Eu insisti e ele continuou a dizer que não gostava disso [entrevista], até que um dos meninos da Banda, com quem eu já tinha realizado a entrevista, entrou no assunto e disse: “_Uai Pixano, você não vai ajudar a Banda?”. O Pixano me olhou e disse “_Então, tá!”. Percebi que se não fosse pela Banda, nada feito, eu não conseguiria a entrevista. Esse senhor entrou na Banda aos 15 anos, carregou as partituras antes de ter a chance de tocar um instrumento, passou por todos os instrumentos de percussão e se arriscou no trombone, porém, segundo ele, “por ter pouco estudo”, acabou ficando em instrumentos que não precisavam ler, e toca os pratos até hoje! Foi possível localizar o Pixano em uma foto tirada a, aproximadamente, 50 anos (ver Figura 1). Figura 1 - Corporação musical Nossa Senhora do Carmo. Fonte: Jornal O Arcos, agosto de 1978 47. [A antiga banda de música]. O Arcos, ano 1, n 8, p. 12. Agosto de 1978. Da esquerda para a direita, entre o Bumbo e a Caixa, pode-se perceber um adolescente fardado. É o Sr. Geraldo Nunes, o Pixano, com, aproximadamente, 18 anos. Deve-se lembrar de que essa foto foi tirada muitos anos antes da data de publicação. 47 69 Pixano levou dois de seus filhos para a Banda. Os dois tocaram por muito tempo, mas, por precisarem de um trabalho remunerado, acabaram não dando sequência aos seus estudos na Banda. Perguntei a ele quando eu poderia realizar a entrevista e ele me disse que estava aposentado e podia qualquer hora. Eu, então, marquei a entrevista para o dia seguinte, e quando eu cheguei à sua casa, ele foi logo me mostrando coisas da Banda. Contou histórias, mostrou fotos, medalhas e tocou para eu ver e ouvir. Foi muito interessante perceber o que a Banda significa para uma pessoa que está lá por quase 65 anos. 2.4.3.4.8 Juliano Ferreira da Silva Encontrar com Juliano48 sempre é interessante. Ele é uma pessoa que busca sempre fazer um paralelo entre suas experiências de vida, filosofia e literatura. É sempre divertido! Tenho tentado encontrar com ele desde que comecei as entrevistas, porém, como ele mora em Lagoa da Prata, uma cidade próxima, e vem a Arcos todos os dias para dar aulas de música na Banda e em duas escolas particulares da cidade, não foi fácil encontrá-lo. Esse colaborador se vê como um profissional, uma pessoa que tem na música sua fonte de renda, e isso o difere um pouco dos outros entrevistados. Nos últimos anos, Juliano assumiu o cargo de presidente da Banda, o cargo deixado pelo Sr. Chaves (padrinho de Ramsés, outro colaborador desta pesquisa). Nessa entrevista, eu conheci uma parte de sua história e o que mais me chamou a atenção foi perceber que ele falava muito disso. Percebi em suas palavras, em certos momentos, como se ele estivesse me confidenciando momentos que ele passou na Banda, os quais, até então, ele não havia comentado com ninguém. Diversas vezes, ele falou sobre sua luta para fazer com que a Banda pudesse ser mais valorizada, e como sua ação dentro daquele espaço pôde colaborar com a reforma da sede, com a aquisição de novos uniformes, etc. Como não é o foco desta pesquisa, questões políticas envolvidas na Banda, seu discurso sobre assuntos administrativos, não foram analisados. 48 Entrevista realizada no dia 10/07/2015. 70 2.4.3.4.9 Cléber Gonçalves Resende Cléber49 é “das antigas” e foi, em Arcos, o primeiro aluno do maestro João. Durante muito tempo, convivi com Cléber na Banda, porém, naquela época, ele já era maestro da banda de uma cidade vizinha. Ele sempre foi, desde que me lembro, um músico respeitado por sua experiência e dedicação. Antes de estudar com o maestro João, ele estudou com o antigo maestro, o Sr. Bené50. Cléber (Caderno de Entrevistas, 11/07/2015, p. 203) contou sobre este maestro, que ele ficava bravo com os meninos, mas que eles não deixavam de ir à Banda. Ainda, segundo Cléber, cada um ia por suas razões: uns porque gostavam de viajar, outros porque ganhavam pontos na escola e alguns porque gostavam de música. Cléber disse que na época era muito difícil, pois os alunos não tinham nenhum incentivo, mas como eles não tinham o que fazer, acabavam indo para a Banda. Quando o maestro João chegou à cidade, Cléber disse que tudo mudou, pois a relação que ele mantinha com os alunos era melhor. Pouco tempo depois, Cléber começou a dar aulas nas escolas da cidade, acompanhando o Sr. João, e, posteriormente, passou a ir sozinho. Tanto o maestro quanto Cléber relataram que as aulas de música na escola não eram obrigatórias, então, às vezes, eram dois professores para um aluno. Como dito, Cléber está à frente da Banda de Paíns, que mantém fortes relações com a Banda de Arcos, fazendo apresentações e viagens juntas, trocando repertórios e arranjos. Segundo ele e o maestro João, eram duas bandas muito pequenas, então, quando se juntavam ficava melhor. Depois da mudança da gestão da Banda de Arcos, a presidência alegou que quando as bandas tocavam juntas elas “perdiam a identidade” e não aceitou mais que as bandas fizessem as apresentações em conjunto. Pouco tempo depois que o maestro João saiu da Banda de Arcos, houve uma proposta da direção da Banda para que elas voltassem a se apresentar juntas. A entrevista com Cléber foi muito divertida, foi em sua casa e foi interessante entrevistar uma pessoa que conseguiu falar sobre sua vida como estudante, como músico da Banda e como maestro de outra banda. Fiquei feliz em perceber a 49 50 Entrevista realizada dia 11/07/2015. Maestro da Banda antes da entrada do Sr. João. 71 consideração que Cléber tem com os músicos da Banda, e mesmo comigo. Fiquei surpreso com sua prontidão para ajudar nesta pesquisa, compartilhando memórias e ideias. 2.4.3.4.10 Camila Aparecida Santos Américo A entrevista com a Camila custou a sair. Ela é uma pessoa muito tímida, porém com uma história bem interessante na Banda. Ela é sobrinha de Reis, pai de Vinícius Eustáquio, também colaborador desta pesquisa. Ela conheceu a Banda através do seu tio e começou a frequentá-la depois dos convites que seus primos faziam. Ela frequentou a Banda durante algum tempo, até quando seu tio faleceu e seu primo parou de participar, aí, por não ter com quem ir, quase desistiu. Porém, sua mãe, por sempre incentivá-la a não deixar a Banda, começou a acompanhá-la. Nos dias em que sua mãe não podia ir, seu pai a levava. Com o tempo, seu pai tomou gosto e acabou por fazer parte da Banda, tocando bateria. Nos dias de ensaios e viagem, ela ia com seu pai, então sua mãe começou a tocar e a fazer parte também da Banda. Ou seja, uma família inteira, que, para acompanhar uns aos outros, tornaram-se músicos da Banda. Camila não queria participar da entrevista, ficava falando: “_E se eu falar besteira?”. Eu disse que não tinha problema e, mesmo assim, ela não quis. Porém, quando eu estava conversando com ela, a sua mãe, D. Florinda, me interrompeu e disse: “_Murilo, ela vai sim. Camila dá a entrevista para ele!”. E assim foi. Acho que talvez por sua timidez, Camila não teria participado desta pesquisa, mas com uma ajudinha da sua mãe tudo saiu bem e a entrevista foi ótima. Eu conheci a Camila muito tempo atrás. Na época em que ela não tocava na Banda, eu a conheci graças ao Vinícius e ao seu pai. Algum tempo depois, eu trabalhei com ela. Uma ótima profissional, que atua como professora de música e usa o que aprendeu na Banda como base para ensinar seus alunos. Ela foi mais uma das pessoas a quem a Banda propiciou uma formação profissional. 72 2.4.3.4.11 Poliana Jordele de Sousa Durante os dias nos quais estive realizando as entrevistas, pensei que não iria conseguir encontrar Poliana51. Descobri que ela estava “meio que mudando” para Uberlândia e sempre que eu estava lá em Arcos, ela estava em Uberlândia, e vice-versa. Mas um dia, conversando com ela por mensagens, ela me disse que estaria em Arcos. Quando eu entrei na sua casa, a mãe dela me olhou e perguntou: “_Uai, o seu cabelo não era azul?”. Eu olhei, pensei, lembrei, sorri e disse: “_É, eu era mais divertido naquela época”. Ela conversou um tempo comigo, perguntou sobre minha família e, logo em seguida, fomos para a sala, Poliana e eu, para eu realizar a entrevista. Poliana não sabia do que se tratava a entrevista, não tinha nem ideia de que eu estava no mestrado. Quando começamos a entrevista, eu falei: “_Vou te perguntar e você pode responder da forma que quiser!”. Dito e feito, demos muitas voltas até que eu consegui seguir o roteiro. Durante nossa conversa, falamos de diversas coisas e Poliana foi a pessoa que conseguiu definir de forma clara o que ela gostava na Banda. Sobre isso, ela me disse “_Eu gostava de viajar, viajar...ah...e de tocar”. Isso foi muito interessante e, de certa forma, levou a conversa para outro rumo, pois tive condições de saber, a partir das lembranças dela, dessas viagens, desses acontecimentos, o que fazia ela aprender música, gostar da Banda e não só de viajar. Logo após a entrevista, ela queria saber de tudo que eu já tinha feito, quem eu já tinha entrevistado e, mais especificamente, o que os outros colaboradores tinham falado dela. Ela leu algumas coisas que eu já tinha escrito e ficou muito feliz em saber que os outros entrevistados, até então, compartilhavam do mesmo sentimento dela. Depois que a entrevista acabou, ficamos conversando um pouco sobre como a Banda estava agora. Perguntei se ela voltaria a tocar na Banda e ela me disse que não, pois o Sr. João tinha saído, e sem ele não era a mesma coisa. 51 Entrevista realizada dia 17/07/2015. 73 2.4.3.4.12 Edwilson de Faria Souza Borges Encontrar o Edwilson foi divertido, ele sempre foi uma pessoa alegre, divertida, um companheiro de “zueira” dentro da Banda. Quando eu liguei para ele e disse que gostaria de entrevistá-lo, ele me perguntou o porquê e eu, prontamente, expliquei o que eu estava pesquisando. Logo em seguida, recebi uma mensagem no celular. Edwilson estava contando histórias do meu pai, lembrando-se do quanto ele me apoiava e dava-me os parabéns por ter - em termos - vencido. Isso foi muito legal! Edwilson entrou na Banda da mesma forma que seu tio e seu pai. Todos os três entraram na Banda tocando clarinete e depois passaram a tocar saxofone. Durante anos, ele frequentou a Banda dia e noite, até que, quando começou a trabalhar, ficou afastado um tempo. Teve filhos e quando percebeu que estava ficando cansado da correria voltou para a Banda. Hoje, ele acompanha a Banda em todas as apresentações e ensaios que pode participar. É importante perceber que para ele a música não era um trabalho, uma obrigação, e sim uma distração. Quando ele está na Banda diz que sempre busca ficar calmo, se livrar do estresse do dia a dia. Durante sua entrevista, conversamos muito sobre a Banda, política, música, negócios, vida e também sobre os caminhos que escolhemos. É interessante lembrar que Edwilson voltou para a Banda após a saída do maestro, e pontuou muitas mudanças que ele pensa serem positivas e outras negativas nas novas formas de abordagem do ensino de música na Banda, atualmente. Após a entrevista, ainda ficamos outra hora conversando, trocando ideias de possibilidades para novas atuações profissionais, expansão da carreira e dos negócios. Foi muito interessante. 2.4.3.5 As transcrições das entrevistas O processo de transcrição das entrevistas é uma etapa importante da pesquisa, pois é neste momento que o pesquisador toma conhecimento se seus objetivos com a entrevista foram alcançados e percebe se as perguntas elaboradas respondem às suas inquietações de pesquisa. 74 Ao começar a fazer as transcrições, percebi que não seria possível passar para o papel a fala dos colaboradores da forma como era dito. Deparei-me com os mais diversos tipos de linguagens e expressões. Então, durante as transcrições, optei por não alterar as falas originais dos entrevistados, ou seja, mantive as gírias, expressões e regionalismos. Apesar de optar também por deixar alguns vícios de linguagem (né, assim), resolvi trocar as palavras que pudessem expor os entrevistados, como, por exemplo, a substituição em diversos casos de “mais” por “mas”, ou “tava” por “estava”, ou adotando concordância verbal de acordo com a gramática da língua portuguesa. No que se refere ainda aos aspectos das transcrições, as palavras ou gírias usadas, especialmente naquelas em que existe qualquer suspeita de ambiguidade ou de regionalismo, adota-se o uso de notas de rodapé como bula para explicar qual seria a intenção ou significado daquela palavra. Além disso, existem muitas palavras que não poderiam ser escritas por, talvez, ofender ou deixar o leitor pouco à vontade. Estas palavras foram, então substituídas por símbolos [****] e, em notas de rodapé, podem ser encontrados pequenos textos nos quais procuro explicar a intenção dos colaboradores. Este procedimento foi usado tanto para palavras como para expressões, sendo que a quantidade de asteriscos segue o número de letras da palavra que eles representam. Em suas entrevistas, entendo que os colaboradores expõem seus modismos e seus jeitos de ser consistem num aspecto da construção da sua identidade. Para alguns autores, como, por exemplo, Portelli (2004), o texto escrito é a representação de um falar cotidiano, corriqueiro, com elementos coloquiais e vernaculares diferentes dos cânones do texto histórico, literário, antropológico.[...] transpor essa oralidade romana e coloquial para a neutralidade de uma escritura profissional seria praticar nada mais nada menos que uma falsificação. Essa história foi vivida, contada, revivida sempre através dessa linguagem: mudar a linguagem significaria recontar uma vivência profundamente diferente (PORTELLI, 2004, p. 14). O cuidado com o texto transcrito é importante porque acredito que na “limpeza do texto” ou na correção do texto como um todo, eu inventaria “outra história” dos colaboradores. Kaufmann (2013) ressalta a importância das transcrições, dizendo que 75 a transcrição integral transforma a natureza do material de base, que se torna texto escrito, mais concentrado na linguagem; o que é ideal para um tratamento simplificado dos dados, mas não para conduzir uma investigação aprofundada, que necessita da disposição do máximo de índices possíveis (KAUFMANN, 2013, p. 123). Outro aspecto relacionado com a transcrição e a apresentação das memórias dos colaboradores foi colocar entre colchetes informações que “preenchem” o discurso dos entrevistados. Isto é comum quando se trata de lembranças, quando elas vêm e vão, pois a lembrança não está pronta para ser resgatada. Como diz Bosi (1994, p. 55), “memória não é sonho, é trabalho”. Também para a transcrição é importante dizer que as entrevistas estão cheias de palavras que não podem ser representadas pela escrita, como os gestos usados durante a entrevista, sejam eles manuais ou faciais. Acredita-se que novas interpretações dos dados podem ser realizadas pela visualidade. As análises de transcrições, nas quais não se têm o vídeo, podem ser prejudicadas por não conter os gestos ou ações que podem gerar outra interpretação em frases de duplo sentido, ou diferentes intenções em cada palavra e que poderiam ser causadas por uma diferença de olhar ou gestos corporais. Para Kaufmann (2013): a ironia e as frases de duplo sentido, as parábolas e máximas, as mímicas (não registradas) fornecem outra chave interpretativa que não o significado aparente, as meias-palavras e os pedaços de frases que deslizam entre as proposições secundárias etc. (KAUFMANN, 2013, p. 110). Assim, como as entrevistas foram gravadas em áudio e vídeo, no momento da transcrição foi possível que essas nuances, tais como o piscar de olhos, mexer das mãos, os gestos como um todo, fossem explicados por notas de rodapé ou apenas descritas entre parênteses, principalmente quando estes aspectos eram mais do que palavras, mudavam o sentido daquilo que os colaboradores queriam dizer. Em muitas entrevistas, o colaborador está falando de si, mas usando o outro como exemplo, ou está querendo dizer alguma coisa com outro sentido, tentando dizer algo, porém sem se “complicar” ou dar nomes de ninguém. Kaufmann (2013) dá a esta forma de falar o nome de “explicação indireta” (p. 112) e, como exemplo, 76 cito uma fala de Vinícius Eustáquio, um dos colaboradores, quando ele está contando que quando carregava o instrumento na rua as pessoas perguntavam: Onde que a gente tocava... ou, às vezes, o interesse de saber como que aprende a tocar... Quem ensinou? Como é que fazia? Muitos chegavam assim: “_Onde é que você aprendeu a tocar”, “_Ah! Foi lá no sr. João!”, “_Ah, no sr. João!” [risos] (Vinícius Eustáquio, entrevista, 05/03/2015, p. 21). Nesse tipo de discurso usei travessões e aspas para indicar um discurso em que esse mesmo entrevistado explica uma discordância que ele tinha com seu pai, a respeito do que se passava na Banda: Meu pai mesmo falava, e ele falava uma coisa que na época eu brigava com ele e hoje eu entendo o que ele falava, que: “_Não gente, tudo que acontece na Banda é porque ele é funcionário”, e Eu: “_Não você está doido, o João gosta [que outros deem pitaco]” (Vinícius Eustáquio, entrevista, 05/03/2015, p. 9). Por conseguinte, acredito que todos os colaboradores puderam, de certa forma, refletir sobre o que eles tinham vivido na Banda e tiveram condições de escolher o que queriam falar. Na transcrição das entrevistas busquei fazer com que as falas e gestos gravados pudessem se transformar em um texto que, além de buscar traduzir, “retratar” a situação da entrevista, pudesse deixar rastros para que se percebesse a personalidade e as intenções do colaborador em seu relato. Nesse sentido, é importante destacar que, para as transcrições e para os destaques que foram usados nesta pesquisa, foram mantidos os nomes reais dos participantes. Como a Banda é formada por poucas pessoas é natural que elas falem umas sobre as outras e que se identifiquem nas histórias usadas como referência para o que se busca neste trabalho. Nos casos em que as pessoas citadas não são colaboradores desta pesquisa, os nomes foram omitidos. Todos os entrevistados tiveram liberdade para decidir sobre a transcrição de sua entrevista, bem como a utilização do seu nome. Cabe ressaltar que todos concordaram com a publicação de seus nomes verdadeiros. 77 2.5 A Análise dos dados Após a transcrição das entrevistas, uma nova etapa no processo de realização desta pesquisa surgiu como forma de continuar a imersão no tema e no objeto, com o intuito de aprofundar cada vez mais nos dados. Para isso, era importante sistematizar os dados levantados. Este processo de sistematização passou por organizar e classificar os dados, buscando, então, esmiuçá-los, descartando o que não era importante para a pesquisa e separando por temáticas as categorias de análise. Para Stake (2011), esta “codificação (classificar, organizar)”, como diz o autor, é uma “característica comum da micropesquisa e de todas as análises e sínteses qualitativas” (p. 166). É claro que essa organização não é um trabalho fácil, demanda tempo e paciência, capacidade de fazer inferências e ilações, pois, como qualquer pesquisa que trabalhe com muitos dados qualitativos, novas temáticas surgem, o que leva à criação de outras subdivisões e/ou subitens. Neste sentido, é preciso codificar os dados. Codificar é organizar todos os conjuntos de dados de acordo com tópicos, temas e problemas importantes para o estudo. A codificação serve mais para a interpretação e o armazenamento do que para a organização do relatório final. Ela pode ser estruturada pela questão da pesquisa, pelo mapa de conceito e pelos grupos de fragmentos que se desenvolvem durante o estudo. Ela pode começar cedo ou pode ser evitada até que a maioria dos dados tenha sido coletada (STAKE, 2011, p. 166). Após essa codificação dos dados foi necessário pensar nas teorias que poderiam ser exploradas para a explicação do que se propõe neste trabalho. Teorizar as relações que acontecem na Banda, formular questões que pudessem ser respondidas, a partir das análises do dia a dia da Banda, não seriam possíveis sem que houvesse a constante “granulação dos dados”. Desenvolver teoria é uma atividade complexa. [...] Teorizar é um trabalho que implica não apenas conceber ou intuir ideias (conceitos), mas também formular essas ideias em um esquema lógico, sistemático e explanatório (STRAUS; CORBIN, 2008, p. 34, grifos no original). 78 Essa “granulação dos dados”, que foi feita em cada entrevista, proporcionou a oportunidade de ordenar e reordenar os dados por temáticas e subtemáticas, fazendo com que a pesquisa tivesse condições de coordenar estas temáticas de forma que as histórias de cada um pudessem ser vistas e passassem umas nas/pelas outras. Aí sim, acredita-se que o pesquisador pode investigar a forma como se dá cada acontecimento no espaço, traçando as histórias, os relatos de maneira que o que foi dito abranja a história da pessoa, da pessoa com o outro e das suas relações com o espaço. Para Stake (2011, p. 187), “parte do estudo qualitativo é, essencialmente, a captura de uma história. Não somente a história de uma pessoa ou de um grupo, mas também a história de uma organização ou movimento social”. Também para Stake (2011, p. 166), “muitas vezes, o pesquisador qualitativo faz muitas de suas intepretações a partir de suas experiências pessoais com as pessoas estudadas”. Cabe ao pesquisador aceitar que seu olhar sobre o objeto não é o único, pois o resultado da análise de dados levantados poderá ser outro quando disponibilizado em sua forma bruta. E isso não é diferente no caso desta pesquisa, já que eu estive envolvido com a Banda, com os colaboradores e presente em muitas situações que foram relatadas por eles. Deve-se dizer que, como pesquisador, fiz desta pesquisa um quebra-cabeça, no qual cada colaborador foi uma peça para entender o que se propôs neste trabalho. Eu, como participante da Banda, fui a última peça que contribuiu para deixar registrada as entrevistas, os dados e as análises. O registro e a publicação de uma história oral é uma realização desse tipo. A história ou o relato parece existir e o trabalho do pesquisador é investigar, interpretar e disponibilizar essas histórias para outras pessoas (STAKE, 2011, p. 187). Ainda é válido dizer que em pesquisas qualitativas, na análise dos dados, a forma de interpretação tende a usar os diálogos e as conversas para que os dados fiquem disponíveis ao leitor de forma clara, cooperando com a leitura e interpretação do leitor. Os dados, a análise e a base da interpretação serão diferentes dos coletados em levantamentos de grande escala. No relatório qualitativo, existem menos tabelas e mais diálogos e narrativas. 79 Muitas vezes as histórias são contadas de uma forma que ajuda o leitor a fazer suas próprias interpretações (STAKE, 2011, p. 166). Analisando os dados com foco no sujeito, acredito que as relações sociais estabelecidas no/com o espaço da Banda, e como elas ocorrem neste espaço social, podem ser a base para compreender como se dá o ensino/aprendizagem constituído neste espaço. Sendo assim, espera-se que este trabalho possa ser útil para outros pesquisadores e que esses dados possam ser novamente tratados e, a partir de outros olhares, sejam novamente reordenados para que muitos estudos ainda possam ser realizados sobre a Banda. Saliento que, diante da minha relação com o tema desta pesquisa, com os colaboradores e com as situações vividas por nós, fiz pequenas incursões no texto, a partir das minhas memórias, e foi quando me tornei também um personagem desta pesquisa. Para terminar, é importante mencionar que este trabalho, por sua natureza, na maioria das vezes, o tempo verbal utilizado está no passado. No entanto, nos momentos de reflexões, que demandam minha aproximação com a discussão, utilizo o tempo verbal no presente. 80 3 OS MÚSICOS E A BANDA COMO GRUPO SOCIAL E DE FORMAÇÃO MUSICAL NA CIDADE DE ARCOS-MG 3.1 A Banda nos tempos/espaços da cidade A banda “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo”, de Arcos-MG, está presente em vários tempos/espaços da cidade. Através dos relatos de seus integrantes e das fontes escritas é possível entender como ela se inseriu no dia a dia da cidade e de seus integrantes. Isso inclui suas aparições, que puderam criar percepções e lembranças, e que fizeram com que as pessoas buscassem saber o que era uma banda, bem como a procurassem para estudar música e até reconhecesse como grupo. Essa corporação vem, há mais de 100 anos, frequentando as ruas, praças e demais espaços da cidade de Arcos, levando a música às mais diversas ocasiões. Nos artigos de jornais consultados para esta pesquisa foram encontradas referências a muitas apresentações da Banda, inclusive sobre a sua primeira apresentação em público, quase um ano após sua fundação, tempo em que os músicos se dedicaram à aprendizagem do instrumento, sendo, aproximadamente, entre os anos de 1908 a 1911. O coreto da praça, que fica a quinhentos metros da sede da Banda, é o lugar no qual, aos domingos, após a missa, a Banda se apresentava. Durante muitos anos, estas apresentações aconteciam na mesma praça, porém no mesmo plano em que estavam os espectadores, pois não existia o coreto. As apresentações já foram semanais, quinzenalmente, no primeiro domingo de cada mês e, atualmente, a Banda não tem se apresentado no coreto. Uma das apresentações da Banda se dá na Semana Santa, que, de forma geral, é uma celebração religiosa que conta com uma missa e uma procissão. A Banda segue a procissão e toca, sempre ao final de cada mistério52, duas músicas, marchas fúnebres, que dão sentido lúgubre ao “ritual”. A Banda percorre, junto com a procissão, as principais ruas da cidade, em um trajeto de quatro quilômetros. Usa-se o Santo Rosário para a meditação dos vinte mistérios da Fé Católica, que são divididos em quatro grupos de cinco mistérios, que são chamados de Terço. A citação dos mistérios do Rosário é feita conforme o dia da semana. 52 81 Nas comemorações do aniversário da cidade, a Banda sempre esteve presente. Encontrou-se, em edições do jornal “O Arcos”, datadas entre 1938 a 2008, a programação das festividades do aniversário da cidade, e sempre, no primeiro dia da semana de comemorações, a Banda fazia uma Alvorada 53. Logo em seguida, a Banda se dirigia à prefeitura municipal para tocar o Hino Nacional Brasileiro, durante o hasteamento da Bandeira. O Hino da Cidade precedia o discurso do prefeito e, por último, geralmente, a Banda tocava um dobrado, enquanto marchava em direção à sede da corporação. Sobre esta experiência, Sinara conta: Era a coisa mais interessante do mundo acordar cedo porque eu tinha a missão de tocar no dia da cidade e a cada freada que o caminhão dava, batia [o instrumento na boca] e machucava [põe a mão nos lábios]. Aquilo era legal, aquele momento ali me marcava muito. Eu esperava a Alvorada, dia dezesseis de julho. Aquilo era bacana (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 76). A Banda tocava nas inaugurações de obras públicas e abertura de eventos, cuja administração municipal era responsável. Neste sentido, a Banda era instrumento da prefeitura pra inaugurar os lugares. Então, tudo que era inauguração, que era coisa pública, a Banda estava presente. E as pessoas sabiam que [se] tinha uma inauguração, se tinha uma festa pública, se tinha alguma coisa pra comemorar, a Banda estaria ali tocando! (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 87). Nos desfiles cívicos, principalmente no Sete de Setembro, a Banda se apresentava todos os anos. Neste evento, ela tocava sozinha e depois acompanhava a fanfarra municipal. Quando o desfile chegava ao palco principal, em que se encontravam as autoridades da cidade, a Banda voltava ao início do desfile e fazia o mesmo percurso, tocando com a fanfarra da escola estadual da cidade. Depois, alguns dos seus integrantes ainda tocavam em fanfarras de escolas particulares. Cássia relata um episódio em que participou: Cássia: a gente desceu tocando na fanfarra do Estadual, subiu, desceu tocando pra fanfarra do Dom Belchior, subiu e desceu tocando pra Gastão Quirino. Esse dia me deu uma febre danada por causa do sol que eu tomei [...] Assim, a Banda inteira desceu pra Alvorada: Participação da banda de música em dias festivos, pouco antes do amanhecer. A Banda saía a pé ou de caminhão, tocando pelas ruas da cidade com o intuito de acordar as pessoas - como se fosse um despertador para as festividades. 53 82 Gastão Quirino, depois subiu, depois desceu a Banda inteira do Estadual, depois subiu e algumas pessoas desceram pra Dom Belchior. Trocava todos os uniformes. Murilo: Mas... todo mundo sabia que vocês eram da Banda? Cássia: Sabiam, porque nossos instrumentos eram diferenciados dos da fanfarra (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 98). A Banda “era chamada pra tudo!” e, ainda, segundo Paulo (Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 137), ela tocava “até em inauguração de restaurante de posto”. Desde 2015, a Banda já não toca mais em piqueniques ou circos, mas ainda se mantém tocando em algumas apresentações, como as da Semana Santa. Porém, há locais em que a Banda não tocava e, atualmente, ela é convidada a fazer participações, como em festas particulares de todos os tipos, em festas religiosas também, além de tocar em uma missa que é celebrada em uma fazenda, perto da cidade54. Vê-se que a Banda era um grupo presente nos tempos/espaços da cidade, tornando-se, assim, um grupo conhecido e envolvido nas festas tradicionais locais. Mesmo não tocando tão frequentemente como em outros tempos, ainda é possível perceber que, em suas apresentações, se mantém a capacidade de, no local que estiver tocando, ainda ter público, e, na sua sede, no seu espaço, continua ensinando música. 3.2 A Banda como grupo social Como dito, teorias exclusivas da área da Educação Musical, por si só, não teriam condições de explicar as relações sociais que se entrelaçam nos momentos em que se ensina/aprende música, um processo amplo e complexo que está envolto não só por conteúdos, procedimentos de ensino/aprendizagem, mas também pelo fato de a educação musical, ao tratar das relações entre indivíduos e músicas, ela divide necessariamente o seu objeto de estudo com outras áreas chamadas “humanas” ou “sociais” entre elas a Filosofia, a Antropologia, a Pedagogia, a Psicologia e Sociologia, Ciências políticas e História (SOUZA, 1996, p. 15). O último ano que se tem notícia dessa apresentação “tradicional” da Banda foi em dezembro de 2014. 54 83 Entender como se ensina/aprende música nas relações sociais das pessoas que estão ligadas à Banda passa também pelo entendimento de como os colaboradores desta pesquisa conheceram este grupo, como os músicos se reconhecem como músicos deste grupo, como percebem o seu lugar neste espaço social e/ou como escolhem ou são levados a preencherem “lugares” na Banda, fazendo destes lugares o seu espaço no grupo. Nesse sentido, acredita-se que o diálogo com a sociologia pode ajudar a compreender as maneiras pelas quais os indivíduos que convivem em sociedade aprendem/ensinam. Isso porque essa disciplina examina as condições sociais e os efeitos da música, assim como relações sociais, que estejam relacionadas com a música. Ela considera o manuseio com música como um processo social e analisa o comportamento do homem relacionado com a música em direção às influencias sociais, instituições e grupos (KRAEMER, 2000, p. 57). Então, a interpretação de como as relações que ocorrem no tempo/espaço da Banda estão envoltas no ensinar/aprender na Banda será realizada a partir de temáticas ligadas aos relacionamentos entre os músicos no tempo/espaço do grupo. São relacionamentos que demandam interação entre pessoas e que, para participar do mesmo grupo, têm que ser capazes de realizar certas ações comuns no/do grupo. No caso da Banda, para ser ou fazer parte dela é necessário que o participante tenha acesso e adquira conhecimentos musicais, como, por exemplo, tocar um instrumento. Neste caso, essa aprendizagem é essencial por ser uma atividade ligada ao tipo de produção musical que caracteriza a Banda e pela qual ela é reconhecida. Sabe-se que um grupo tem (é composto por) pessoas e que pessoas são diferentes. Isso implica na relevância de se conhecer as diferenças “dos porquês” de cada um querer fazer parte da Banda. Independente do que era produzido na Banda ou das regalias que se poderia ter ao fazer parte dela, o músico se satisfazia com diversos acontecimentos/relações que só eram possíveis entre pessoas com objetivos semelhantes. Estar em sociedade, fazer parte de um grupo ou de uma instituição é também ter relação recíproca, com trocas de crenças, saberes e valores que dependem uns dos outros para existirem e/ou coexistirem. 84 A sociedade dá forma a nossos comportamentos e crenças através de instituições sociais, como religião, direito, educação, economia e família. Ao mesmo tempo, nós transformamos a sociedade através de nossas interações com o outro e nossa participação em instituições sociais. Dessa forma, podemos dizer que a sociedade existe como uma entidade objetiva que nos transcende. Mas também é uma construção que é criada, reafirmada e alterada mediante interações e comportamentos cotidianos (NEWMAN; O’BRIEN, 2013, p. 27, Tradução minha)55. Para compreender um grupo, as regras do espaço em que ele se inscreve e a função de cada um, é importante que se discuta sobre este lugar como um espaço em que as pessoas frequentam e que tem normas que devem ser seguidas. Pensando desta forma, a Banda ainda pode ser caracterizada como uma instituição. Para Berger e Luckmann, as instituições pressupõem que: ações do tipo X serão executadas por atores do tipo X [...]. As instituições implicam, além disso, a historicidade e o controle. As tipificações recíprocas das ações são construídas no curso de uma história compartilhada. Não podem ser criadas instantaneamente. As instituições têm sempre uma história, da qual são produtos. É impossível compreender adequadamente uma instituição sem entender o processo histórico em que foi produzida. As instituições, também, pelo simples fato de existirem, controlam a conduta humana estabelecendo padrões previamente definidos de conduta, que a canalizam em uma direção por oposição às muitas outras direções que seriam teoricamente possíveis. É importante acentuar que este caráter controlador é inerente (BERGER; LUCKMANN, 2003, p. 7980). Berger e Berger (1978) discutem as características fundamentais de uma instituição, que são: exterioridade, objetividade, coercitividade, autoridade moral e historicidade. Assim, tendo em vista a Banda, pode-se identificar o que a tornaria uma instituição. Quando se trata da exterioridade, para esses autores, as instituições são experimentadas como algo dotado de realidade exterior; em outras palavras, a instituição é alguma coisa situada fora do indivíduo, alguma coisa que de certa maneira (de uma maneira bastante “árdua”, diríamos) difere da realidade formada pelos pensamentos, sentimentos e fantasia do indivíduo. Por esta característica, uma No original: “Society shapes our behavior and beliefs through social institutions such as religion, law, education, economics and family. At the same time, we shape society through our interaction with one another and our participation in social institutions. In this way, we can say that society exists as an objective entity that transcends us. But it is also a construction that is created, reaffirmed, and altered through everyday interactions and behavior”. 55 85 instituição assemelha-se a outras entidades da realidade exterior guarda certa semelhança até mesmo com objetos reais como árvores, mesas e telefones, que estão lá fora, quer o indivíduo queira, quer não. O indivíduo não seria capaz de eliminar uma árvore com um movimento da mão - e nem uma instituição (BERGER; BERGER, 1978, p. 166). Ou seja, o indivíduo, ao conhecer a Banda, percebe que ela “tem em si” algumas realidades que diferem do que acredita, ou que suas convicções diferem das que existem na Banda. As regras que a pessoa obedece, e que seriam elegíveis como certas, quando pensadas no espaço da Banda, seriam diferentes. Neste sentido, a Banda e o que lhe é próprio já existia antes do momento em que essa pessoa teve seus primeiros contatos com o grupo musical. No que se refere à objetividade como outra característica, pensa-se que a Banda existe porque “está lá”. Pode ser vista por quem reconhece que ela ocupa um espaço em algum lugar, assim ela possuiria a objetividade. Para Berger e Berger (1978, p. 166), “alguma coisa é objetivamente real quando todos (ou quase todos) admitem que de fato a mesma existe, e que existe de uma maneira determinada”. Bastaria, então, sob este ponto de vista, olhar para a Banda e vê-la em seu ambiente, fazendo “o que ela costuma fazer” para perceber a objetividade que ela “carrega”. É um grupo que existe e é reconhecido tanto internamente, quanto externamente. A próxima característica, julgada como fundamental de uma instituição, é a coercitividade, que, para Berger e Berger (1978, p. 166), é uma qualidade que “está implícita nas duas já enumeradas: o poder essencial que a instituição exerce sobre o indivíduo consiste justamente no fato de que a mesma tem existência objetiva e não pode ser agastada por ele”. No caso da Banda, a coercitividade é exercida quando, por exemplo, cogita-se, por parte dos músicos, que a Banda deveria tocar uma música nova, porém, sabe-se que para ser considerada uma banda de música há algumas características instrumentais ou de repertório que a qualificam como banda. Ou seja, para ser considerada o que ela é, uma banda, ela deverá necessariamente fazer “coisas de banda”. Obviamente que ela poderá, durante o tempo de sua existência, acumular outras características, mas estas deverão necessariamente ser resultantes da interação de outras pessoas com a instituição e que, constantemente, recriam os significados do mundo. 86 A instituição também tem uma autoridade moral, pois “não se mantém apenas através da coercitividade” (p. 167). Acredita-se que a autoridade moral é a característica mais complexa a ser explicada, pois invoca “um direito à legitimidade; em outras palavras, reservam-se o direito de não só ferirem o indivíduo que as viola, mas ainda o de repreendê-lo no terreno da moral” (BERGER: BERGER, 1978, p. 167). É possível, no caso da Banda, pensar que a autoridade moral seria também uma ação de reciprocidade, na qual o indivíduo pudesse excluir quem não dominasse as regras, normas e conhecimentos musicais. Como última característica, dentre as mencionadas por Berger e Berger (1978), está a da historicidade, esta sim, uma característica fácil de ser percebida. A partir do que foi discutido neste trabalho, sabe-se que as bandas estão presentes em diversos momentos/tempos da sociedade. No caso da banda de Arcos, ainda é possível traçar parte de sua trajetória em revistas e em artigos, que, por sua vez, destacam sua participação na vida cotidiana da cidade em diferentes épocas, desde sua criação. Logo, pode-se afirmar que as instituições têm a qualidade de historicidade. Não são apenas fatos, mas fatos históricos; tem uma história. Em praticamente todos os casos experimentados pelo indivíduo, a instituição existia antes que ele nascesse e continuará a existir depois de sua morte (BERGER; BERGER, 1978, p. 168) Portanto, compreender a Banda como uma instituição seria entender as diversas formas que os indivíduos que frequentam este espaço se relacionam entre si e com a Banda, as regras estabelecidas e adequadas através dos tempos, as normas e valores atribuídos a ela enquanto grupo musical, do passado ao futuro, além de entender quando seus valores e ações são reconhecidos pela sociedade como sendo parte do grupo. Conclui-se que uma das funções da Banda, como instituição, é também ser um espaço no qual as pessoas compartilham de, pelo menos, um interesse em comum, no caso a música, e, a partir deste interesse, podem estreitar suas relações, formando vínculos e laços que, por sua vez, fortalecem a convivência no espaço da Banda. Desta maneira, pessoas tão diferentes, talvez com tão poucos interesses em comum ou parecidos, unem-se e realizam uma tarefa coletiva: tocar na Banda. 87 3.3 Participantes da Banda 3.3.1 Quem podia fazer parte da Banda O único requisito necessário para poder frequentar a Banda era ir lá, passar na sede e falar que gostaria de tocar na Banda ou aprender música, pois não existiam critérios de idade ou de sexo que limitassem esta participação. É importante dizer que, quando a pessoa passa a frequentar a Banda ou uma banda qualquer, ela aceita o que já se fazia naquele espaço, pois entende que aquele espaço e aquelas normas já existiam. Ou seja, a coerção da instituição banda para com os músicos acontece quando este grupo musical impõe suas regras e/ou convenções que a caracterizam como tal. A partir das entrevistas, viu-se que a idade dos participantes da Banda variava entre 7 e 85 anos de idade, e que o sexo do iniciante na Banda era importante na escolha do instrumento. Diante disso, participava da Banda quem tinha algum interesse. Segundo Sinara (Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 77), “era a música” que levava as pessoas para a Banda. Esta participante considera que “os novos, os velhos, os ricos, os pobres eram iguais” e era a música que os unia. Claro que é uma afirmação que deve ser analisada quando se trata de grupos musicais. Bozon (2000) é um autor que estudou sobre sociedades musicais em uma pequena cidade do sul da França. Ele afirma que a música é um fenômeno transversal, que perpassa todo o espaço de uma sociedade, a prática musical constitui um dos domínios onde as diferenças sociais ordenam-se da maneira mais clássica e marcante, mesmo se os agentes sociais, mais seguido e constantemente que em outros campos, se recusem a admitir que a hierarquia interna da prática é uma hierarquia social (BOZON, 2000, p. 147). A partir desse pensamento, é possível, por um lado, entender como os participantes se sentiam na Banda e, por outro lado, também deixa em questão um aspecto fundamental quando se analisa os grupos musicais, qual seja o da hierarquia das práticas musicais. E, no caso do campo pedagógico-musical, Gonçalves (2007) afirma que, quando se trata dos processos de formação musical, também existem hierarquias nos procedimentos de ensino, no repertório adotado, bem como nos discursos sobre ensino e sobre 88 música. Essa hierarquização pode ser considerada como estratégia para legitimar suas práticas, para estabelecer redes de sociabilidade que dão sustentação a essas práticas e ações pedagógicas no interior de cada campo (GONÇALVES, 2007, p. 309). Já no que se refere à questão etária na Banda, os jornais também salientavam esta característica dos participantes da Banda, quando destacavam a ideia de “experiência e juventude” (ver Figura 2). Figura 2 - Os integrantes da Banda56. Fonte: Jornal Laboratório (2003, p. 3)57. Ao observar a Figura 2 também é possível perceber que existem questões que não foram tratadas neste trabalho, pois não houve dados a partir das entrevistas que pudessem subsidiar algumas discussões. Por exemplo, é perceptível que existiam pessoas negras na Banda, e que estas pessoas tocavam, e tocam, instrumentos de sopro e de percussão. Durante as entrevistas não apareceram ou foram abordadas questões de raça, até porque nenhum dos participantes falou ou deu a entender, qualquer tipo de situação que pudesse ser resultante de questões ligadas à raça. No entanto, aspectos relacionados à faixa etária foram expostos em muitas afirmações dos participantes da pesquisa, os quais, por sua vez, podem ser relativizados quando se trata da diferença de idade dos músicos em relação ao Da direita para a esquerda em pé: Maestro João, Tiago, Jadson, Tarcílio, Érika, Juliano, Poliana, Vinícius (Nick), Paulo, David, Warrisson, Vinícius. Sentados: Pixano, Manoel, Flávio, Yago, Reis. 57 [Banda faz história com arte e ação social]. Jornal Laboratório - PUC Minas – Arcos, ano 2, n. 6, p. 3, mar. 2003. 56 89 repertório, por exemplo. Destaca-se que, para os músicos mais velhos, em idade e em tempo de permanência na Banda, o repertório remete a épocas em que as bandas eram o meio que a cidade dispunha para ouvir música “ao vivo”, quando tocavam no coreto um repertório de dobrados, hinos cívicos, marchinhas, mazurcas, valsas, dentre outras, e que eram as chamadas “músicas de banda”. Porém, quando se pensa nos músicos mais jovens, o repertório para eles poderia ser diferente. Na perspectiva deles seria interessante que a Banda colocasse no seu repertório “músicas novas”, que estivessem mais presentes na mídia ou no seu dia a dia. Nisso é possível perceber um conflito entre o maestro, os músicos mais jovens e os músicos mais velhos. O maestro tenta manter as características que, segundo ele, fazem uma banda ser reconhecida como tal, além de que, sendo uma pessoa mais velha, se sentia certo ao tratar de determinados assuntos com pessoas mais jovens. Ou seja, ele tinha a palavra final quando se tratava das mudanças que poderiam ser propostas por qualquer um para/com a Banda. Já os músicos mais velhos acreditavam que era necessário que a Banda renovasse o seu repertório, mas com músicas de Banda ou clássicos, e, mesmo acreditando nesta renovação necessária, eram contra as músicas consideradas “do momento” pelos integrantes mais novos da Banda. No caso dos músicos mais jovens, percebe-se que eles realmente queriam “renovar”, tocando o repertório que eles ouviam - nas rádios, na televisão e/ou na rua –, mas aceitavam tocar as músicas de banda e da Banda para fazer parte daquele grupo. Mesmo tendo essa diferença na preferência dos músicos em relação ao que era tocado, o que ocorre é que a Banda proporcionava a convivência entre pessoas de diferentes gerações. Provavelmente, isso pode vir a contribuir para a constituição da ideia de que o que se faz/toca na Banda também pode mudar com as novas gerações, com outras ideias, podendo até reconfigurar, quem sabe, a função social deste grupo social. Claro que essas reconfigurações podem trazer à tona muitos conflitos, fazendo com que muitos decidam ficar ou sair da Banda, mas, com isso, fica ainda mais evidente a situação proposta: para tocar na Banda, um componente deveria fazer o que se faz em uma banda, e isso incluía atender as solicitações e imposições do maestro, frequentar os ensaios, conhecer o repertório que seria tocado e, é claro, mesmo não gostando, tocar o que a Banda tocaria. 90 Ao olhar para os mais de cem anos de existência da Banda, há de se perceber o quanto ela mudou graças aos novos e vários integrantes que frequentavam seu espaço, bem como aos maestros que passaram por ela. De acordo com Berger e Berger (1978), conhecer o poder das instituições não é o mesmo que afirmar que elas não podem mudar. Na verdade, elas mudam constantemente - e precisam mudar, pois não passam de resultados necessariamente difusos da ação de inúmeros indivíduos que “atiram” significados para o mundo (BERGER; BERGER, 1978, p. 167). No entanto, aprofundando um pouco sobre a diferença de idade entre os participantes, percebe-se que esta é uma das formas pelas quais a Banda sobrevive através dos anos, principalmente quando é na convivência entre os participantes, entre os mais antigos e os mais novos na Banda, que se estabelecem relações de ensino/aprendizagem, importantes para o futuro do grupo. O processo de ensino/aprendizagem, neste contexto, é recíproco, pois cada frequentador da Banda traz conhecimentos que, por sua vez, são compartilhados com os demais que também frequentam este espaço. É um dos momentos de troca durante o processo de tornar-se músico nesse grupo. É importante mencionar que, apesar de não haver restrições a qualquer pessoa ou a qualquer habilidade (ou não) para participar da Banda, quando se pensa em bandas de música, como aquelas que têm séculos de história e tradições que surgem das heranças militares, de coronelismos e machismos fortalecidos por gerações, não é possível pensar que existiam facilidades para mulheres que queriam fazer parte de uma banda, já que durante muitos anos a presença delas não era permitida. Nem sempre a Banda foi um espaço tido como propício para mulheres, já que uma das questões envolvidas nesta participação se dava na escolha do instrumento. É claro que, com o passar do tempo, com a mulher cada vez mais presente nos espaços tradicionalmente masculinos, aos poucos ela foi começando a participar desse grupo musical. Uma das restrições comumente atribuída a esta participação tem a ver com os instrumentos tocados na Banda. Para Ravet (2006, p. 8), “as formas de profissionalização e de carreiras distinguem-se segundo o universo musical, a origem social e o sexo do músico”. Então, percebe-se a tendência de que havia distinção entre instrumentos para 91 homens, para mulheres e crianças. Comumente, os instrumentos indicados para as crianças eram a requinta e o saxhorn, e os instrumentos destinados aos homens seriam o trombone de vara, o trompete, o bombardino, a tuba e o saxofone tenor. Nota-se que para as mulheres, na maioria das vezes, eram destinados instrumentos de palheta, tais como: clarinete e saxofone alto. Isso porque “a socialização instrumental é feita em classes de homens ou de mulheres, onde se separam as sociabilidades masculinas ou femininas, a aprendizagem de modos de desempenho instrumental (leve/forte, etc.)” (RAVET, 2006, p. 7). No geral, a partir das entrevistas, em nenhum momento houve a indicação de que havia restrição quanto à participação de pessoas na Banda, pelo menos no que se refere à vontade de quem, porventura, desenvolvesse o interesse de estar no grupo. Neste grupo também não houve evidência de que a idade era um fator que restringia alguma atividade musical e/ou pedagógico-musical. 3.3.2 Tipos de participantes da Banda Como dito, era comum as pessoas procurarem a sede da Banda com o intuito de aprender música. A partir dos relatos dos colaboradores, foi possível identificar três categorias de participantes da Banda: a primeira é constituída por pessoas que conheciam a Banda, iam, frequentavam poucas aulas e, logo em seguida, desistiam de participar do grupo. Estas pessoas não foram entrevistadas. Na segunda estão as que participavam da Banda, mas que não almejavam ser profissionais. E, a terceira categoria, abarcam pessoas que frequentavam a Banda e procuravam desenvolver suas habilidades tanto dentro, quanto fora dela, focando no propósito de seguir a carreira como musicistas. Quando se trata da primeira categoria, daqueles que vão para a Banda e ficam lá pouco tempo, o maestro João (Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 288) disse: “lá já foi um monte de cara cheio de talento, mas você fala: “_Nossa, esse vai ser...”. Ele sai, acabou, acabou! Ele vai uma aula, duas, às vezes, até uma semana, um mês, mas tem que ter vocação!”. Esse fato também é destaque no relato de Poliana, que conta: Hoje eu lembro, assim... que você chegava lá [na Banda] e tinha um povo muito diferente e depois você nunca mais via. E esse tanto de gente que já foi na Banda... as pessoas viram e dizem: “_Eu já toquei 92 na Banda”. Aí uma vez um colega meu... [em uma conversa]: “_Você já foi lá algum dia na vida?”; “_Ah sei, na Banda! Sim!”. Muita gente já foi lá um dia, né? Tipo: “_Foi lá? (na Banda)”; “_Ah! Passei lá” (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 254). Cássia, outra colaboradora, também percebia que algumas pessoas iam para a Banda e ficavam pouco tempo. Segundo ela, estas pessoas, muitas vezes, se sentiam pressionadas pelos parentes que gostavam de música ou que gostariam de ter aprendido um instrumento. Neste caso, elas iam para satisfazer o desejo dos familiares. Ela afirma o seguinte: Tinha pessoas que iam [para a Banda] porque o pai queria, mas não duravam um mês! Tanto é que eu nem lembro o nome dessas pessoas, mas eu via que o pai ficava lá insistindo, insistindo, insistindo. Às vezes, o pai mesmo levava pra fazer aula, só que a pessoa não gostava, não estava nem aí pra aquilo, não aprendia (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015 p. 94-95). Na segunda categoria de iniciantes que frequentavam a Banda e participavam das aulas de música, muitas vezes, estas pessoas iam porque gostavam das viagens e das apresentações, mas não tinham o intuito de serem profissionais da música. Essa categoria era reconhecida entre os músicos da Banda e, mais que isso, era assumida por alguns. Poliana, por exemplo, afirma que no tempo em que esteve na Banda nunca almejou ser uma profissional. Frequentava a Banda para estar junto com os outros, para manter as amizades, para se sentir integrada em um grupo e deixa isso bem claro quando pergunto se ela tinha interesse de ser uma profissional da música. Ela disse claramente: Não! Nunca foi! Assim... a minha mãe, talvez, um dia achou que era, né?: “_Nossa, porque você não estuda pra passar num concurso, sei lá, da polícia... de música!”. Sei lá, nunca foi! Nunca foi o que eu queria... ser profissional, não! Eu gostava do contexto mesmo, assim: gostava de tocar, viajar com certeza! Viajar, tocar. [...] Hoje em dia eu penso o seguinte, assim: de ter algo pra fazer... Você encontra uma galerinha todo dia, toca. Eu acho que... um pessoal super do bem, então... (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 252). Já o terceiro tipo de participante da Banda correspondia àqueles que viam na música uma oportunidade de profissionalização. Eles frequentavam a Banda, tocavam seus instrumentos e tinham aulas de música, mas depois de algum tempo começaram a buscar novos caminhos. Eles entendiam que o intuito da Banda não 93 era de profissionalizá-los, ou seja, eles adquiriam a formação musical na Banda e depois buscavam outras formas de se aperfeiçoar musicalmente como instrumentistas. Ao mesmo tempo, eles também viam a possibilidade de se tornarem profissionais e percebiam que o músico profissional era diferente dos músicos que tocavam na Banda. Juliano (Caderno de entrevistas, 10/07/2015, p. 193) disse que sempre separou na Banda o músico que tocava por hobby do que era profissional. Ao narrar um fato que aconteceu com ele, este colaborador ainda comentou que, algumas vezes, ele dizia para as outras pessoas: “_Olha, a bandinha é uma coisa, o profissional Juliano é outra coisa. O Juliano, músico da bandinha, é o músico da bandinha, toca mal, de qualquer jeito, mas o profissional, não” (Juliano, Caderno de entrevistas, 10/07/2015. p. 183). Não se pode dizer que todos os músicos da Banda tinham essa ideia e que pensavam que existiam “duas formas de tocar”, uma forma profissional e outra na Banda. Porém, o que se percebe é que entre os músicos da Banda, sobretudo aqueles que trabalhavam com música fora, não viam a atuação deles neste grupo como algo profissional, talvez por não serem remunerados, já que fora da Banda eram pagos pelas atividades musicais exercidas. Com essa exposição do que seriam os três tipos de participantes da Banda, o que não se pode negar é a importância que todos estes tipos de músicos tinham no processo de continuidade do grupo. A não seleção desses participantes e a gratuidade das aulas eram chamariz para pessoas que queriam experimentar a participação na Banda ou queriam aprender a tocar um instrumento musical. Da parte da Banda, percebe-se que era importante que as pessoas gostassem e quisessem ficar, participassem e frequentassem as atividades do grupo. 3.3.3 Como os participantes passavam a frequentar a Banda Diante das entrevistas, quando se trata desses músicos da Banda e de pessoas que optavam por estar neste espaço, é sabido que eles tinham alguns interesses em comum e formação musical também parecida, pois a grande maioria tocava violão. Como mencionado, havia na cidade um espaço cedido pela prefeitura, no qual muitas pessoas poderiam aprender a tocar este instrumento gratuitamente 94 ou com um preço bem acessível. E, ao ser detectada alguma facilidade ou interesse em se dedicar ao estudo da música, esses alunos eram direcionados à Banda. Por ser uma cidade pequena, na qual a Banda existe há várias gerações, é normal que pessoas tenham tido experiências semelhantes com a Banda, com músicas de banda e com pessoas que conheciam a Banda. Vinícius (Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 26), por exemplo, tinha experiência de tocar um instrumento e de escuta musical. São conhecimentos musicais advindos de sua convivência com músicos da Banda, já que começou a tocar na Banda depois do seu pai e do seu irmão. Depois de algum tempo que tinha ingressado na Banda, Vinícius convidou sua prima Camila para tocar lá também. Quando seu primo não podia lhe fazer companhia, Camila ia acompanhada de sua mãe ou de seu pai, que a levavam para os ensaios. Camila conta: Minha mãe e meu pai começaram a frequentar a Banda por minha causa. Minha mãe porque quando a gente ia pros encontros de banda seu João não deixava a gente ir sem mãe, né? Sem alguém, um responsável. Aí ela entrou na [para a] Banda por causa disso. Meu pai entrou e ele está aí até hoje (Camila, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 230). No geral, quando se trata dos colaboradores desta pesquisa, eles antes de entrarem para a Banda já tinham contato com a música, com alguém que praticava música ou com músicos da Banda. Ao ter contato com a música, seja ela de qualquer estilo ou gênero, a pessoa tinha a oportunidade de estar exposta a diversas formas de ouvir, de se relacionar com a música. Estar em um ambiente que possibilitava a vivência de conhecimentos musicais fazia com que a pessoa tivesse, então, contato com vários tipos de música e, também, podia se manifestar musicalmente fazendo comparações, análises a partir dos seus próprios parâmetros auditivos e ideias musicais aprendidas. Em outras palavras, o contato com a música possibilitava não só as aprendizagens musicais mediadas pela escuta, mas também fazia com que essas pessoas desenvolvessem o interesse por aprender música na Banda. Sabe-se que a aprendizagem musical é também uma aprendizagem social. Quando um sujeito acompanha o outro até a Banda, ou quando alguém tem a chance de ver (e ouvir) a Banda passar, proporciona situações que fazem com que a 95 pessoa possa acumular audições de músicas de variados estilos e gêneros, criando assim um “repertório” de formas de analisar, comparar, entender as músicas, de interagir, enfim, de se relacionar com a música. Sobre isso, Schutz (1964) menciona um estudante que toca uma obra musical que pode ser desconhecida para ele. Este estudante utiliza conhecimentos prévios para tocar essa obra. Mesmo antes de começar a tocar, ou de ler o primeiro acorde, [...] o músico é remetido a um conjunto mais ou menos claramente organizado, mais ou menos coerente, mais ou menos nítido, de suas experiências anteriores que em sua totalidade constituem uma espécie de conhecimento prévio da obra musical que tem adiante (SCHUTZ, 1964, p. 160, tradução minha)58. Com experiências musicais variadas anteriores à sua entrada para a Banda, esses músicos se encontram em um espaço no qual têm a oportunidade de compartilhar, trocar conhecimentos, ensinar/aprender uns com os outros e nas diversas situações que seus conhecimentos musicais se diferem, e se tornam de interesse para o outro. Proporcionam, assim, momentos de reflexão sobre suas ações musicais, suas formas de tocar seus instrumentos e as maneiras como o conhecimento de cada um pode ser importante para o outro. Percebeu-se que as pessoas que iam para a Banda, geralmente, já tinham alguma relação com a música, seja através de uma pessoa da família ou de alguém que conhecia e que fazia parte da Banda. Ir para a Banda, então, poderia preencher a necessidade de querer ficar junto tanto de pessoas que tinham interesses em comum, quanto de pessoas que tinham experiências parecidas. Em seguida, é preciso lembrar que essas experiências parecidas não estavam ligadas somente ao conhecimento que se tinha do grupo banda, mas também ao gosto musical, ao conhecimento sobre algum instrumento e, é claro, o músico deveria estar disposto a estar com/no o grupo. Neste movimento relacional, um músico leva o outro, que leva o outro e assim por diante. No original: “Aun antes de comenzar a tocar o de leer el primer acorde, nuestro músico es remitido a um conjunto más o menos claramente organizado, más o menos coherente, más o menos nítido, de suas experiencias anteriores que em su totalidad constituyen una espécie de conocimiento prévio de la pieza musical que tiene delante”. 58 96 3.3.4 Motivos para os participantes irem à Banda Os colaboradores desta pesquisa apresentaram diversos motivos para fazerem parte da Banda. Pode-se dizer que estes motivos não estavam ligados somente ao tocar, mas também a outras atividades que compunham o dia a dia da Banda, tais como: ter um lugar para ir, fazer parte de um grupo, viajar, conversar. Como dito anteriormente, apesar de alguns interesses comuns, há também os distintos que variavam de músico para músico, ou seja, cada um estava na Banda por algum motivo. Estes diversos motivos levavam a pessoa à procura da Banda e eram estes mesmos motivos que também faziam com que cada um permanecesse na Banda. Esta permanência criava expectativas de futuro, além de modos diversos de se sentirem reconhecidos socialmente. Quando perguntei para um dos participantes da Banda sobre o porquê ele gostava de ser músico da Banda, ele disse: “Era bom estar lá. Era bom estar no conjunto e era bom ser visto também. [...] Era bom estar nas apresentações, nos conjuntos extras era bom o reconhecimento do povo” (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 114). Esses motivos que os levavam para a Banda nem sempre eram claros para os músicos. Ou seja, eles tocavam, ensaiavam, falavam sobre a Banda, mas não sabiam o que despertava neles a vontade de estar lá. A História Oral, enquanto método, permite que no ato da entrevista essa reflexão possa acontecer (LEAVY, 2011; MEIHY, 2000). Percebi que muitas respostas curtas continham justamente isso: a reflexão meio que tardia sobre o porquê de irem naquele lugar. Por exemplo, quando perguntei à Poliana o que a motivava ir para a Banda, ela respondeu: “Eu nunca parei pra pensar... Mas, tinha um pessoal que gostava muito de tocar, mesmo! [...] E um pessoal tipo eu mesma, que ia pra curtir!” (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015 p. 245). Percebe-se que, mais do que motivos, as pessoas tinham interesses variados que os levavam a fazer parte da Banda: alguns gostavam do grupo, outros da música, outros do instrumento. Um dos colaboradores disse: Cara, tocar na Banda é igual... Se você está lá você gosta daquilo, entendeu? Porque se a pessoa não gostar, ela não vai... [...] A gente estava ali porque gostava, gostava da turma, não era a música só, você tem que gostar ali do meio que você está vivendo também, sabe? Era bom! [Era] uma turma bacana (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 283). 97 Portanto, não se pode atribuir um único motivo ao fato dos músicos irem para a Banda. Estes motivos estimulavam os iniciantes da Banda a se concentrarem no objetivo de se tornarem músicos e o se “sentir músico” era importante. 3.4 Tornando-se músico da Banda A partir dos relatos dos colaboradores, quando se trata desse sentimento de pertencer ao grupo e de ser reconhecido como uma das partes deste grupo, pode-se mencionar pelo menos cinco momentos bastante singulares para os músicos, que são: o momento em que ele pegava o instrumento; quando ele era chamado para os ensaios; quando vestia o uniforme; quando participava da sua primeira apresentação com o grupo e quando passava a acompanhar a Banda pela cidade e nas viagens. Portanto, “tornar-se músico” não estava ligado somente ao tocar, mas também às diversas situações nas quais o músico sentia que era visto como parte do grupo. Ou seja, tornar-se músico não dependia só da “qualidade do tocar” ou da técnica dele como instrumentista. Acredita-se que essa percepção está ligada, principalmente, ao momento no qual ele se viu em uma situação dentro da Banda, quando se sentiu, se reconheceu como músico, portanto, parte daquele grupo. Como foi mencionado, o primeiro momento importante do músico na Banda era quando ele recebia o instrumento. Era o instante em que esse iniciante passava a ser um músico da Banda. Edwilson confirma isso quando diz: “Eu me senti parte da Banda no momento em que eu peguei um instrumento. Naquela tensão de pegar o instrumento e ali eu senti: ‘_Eu faço parte da Banda!’ ” (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 268). No caso de alguns colaboradores, “ser músico” da Banda criava uma atribuição única às pessoas que, até então e às vezes, não se sentiam importantes perante os outros, e que através do seu instrumento musical era reconhecido no local em que ele vivia. Paulo disse que: Achava o bombardino lindo [risos], maravilhoso e se você for olhar o bombardino, o bombardino esteticamente é horrível, né? Grande, desengonçado [...]. Agora, assim... Eu me achava importante, velho! Pra mim, eu me sentia importante tocando (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 133). 98 Mesmo que as habilidades no instrumento ainda não tivessem sido desenvolvidas, ele já se sentia importante ao pegar um instrumento. O iniciante já sentia que tinha um papel a cumprir e isso implicava no aprendizado de conhecimentos musicais para tocar esse instrumento na Banda. Em sua maioria, os colaboradores pensam que foi no momento da primeira apresentação com o grupo que se tornaram, ou se sentiram músicos. Por exemplo, quando perguntei ao Paulo, que começou a tocar na Banda aos nove anos de idade, sobre esse momento, obtive a seguinte resposta: Acho que na primeira vez que eu toquei [em uma apresentação] eu já senti isso. Eu cheguei lá, já coloquei esse uniforme aqui [mostra o uniforme], já era um membro da Banda, eu estava de uniforme, já tinha a camisa pequenininha, mas era minha... “Agora eu estou igual a todo mundo!” E bola pra frente! (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 138). Compartilhando da mesma sensação, Ramsés, que entrou para a Banda com sete anos de idade, acha que foi na sua apresentação com a Banda o momento em que se tornou músico. Segue-se a conversa: Murilo: Quando é que você começou a acha que você era um membro da Banda? Ramsés: No mesmo dia que eu toquei. Tocando... É... Nessa primeira apresentação que eu fiz na Semana Santa (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 107). Tornar-se músico da Banda não dependia somente de situações em que o músico era visto em apresentações. Paulo (Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 138), por exemplo, menciona o momento que vestiu o uniforme como sendo muito importante. Inclusive, ele guarda todos os uniformes que usou na Banda. Também isso poderia ocorrer em outras situações, quando, às vésperas de apresentações, o maestro ligava lembrando o músico que a Banda tinha ensaio e que ele faria falta. São momentos em que o músico se sentia lembrado pelos outros e pelo maestro. Era quando ele sentia que fazia falta, que o grupo precisava dele. O maestro tinha nesse aspecto um papel importante, como mencionado: O Sr. João ligava e avisava: “_Oh, vai ter encontro de banda tal dia, então você passa pelo menos umas duas, três vezes, tal música comigo aqui, pra gente ensaiar”. Aí a pessoa ia, ensaiava, a gente 99 reunia uns dias antes, depois ia pra tocar (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 38-39). O João sempre ligava pra gente antes falando: “_Vai ter que tocar tal hora, tal dia, tal coisa. Vamos encontrar todo mundo lá na Banda”. Aí todo mundo aparecia (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 142). Tal como está exposto, pode-se pensar que existiam situações em que a pessoa se percebia músico quando ele era reconhecido ou quando sua habilidade como músico do grupo era reconhecida pelo outro. É o caso de Cléber, que, ao ser questionado se ele se lembrava de quando se sentiu músico, disse: Olha, é até interessante. Uma vez eu estava tocando e eu já tinha passado pra tuba. Aí um dia eu estava tocando e ele [o antigo maestro conversando com o Sr. João] falou assim: “_O Cléber!” [apontou com a cabeça]. “_Olha, o Cléber melhorou demais no baixo”. Então, eu acho que a sua pergunta... Iniciou a partir desse momento (Cléber, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 200). Enquanto alguns colaboradores se sentiam parte da Banda quando vestiam o uniforme ou quando recebiam o instrumento, Camila (Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 224), por exemplo, conta que se sentiu musicista da Banda quando começou a participar dos encontros de banda e quando tocava nos desfiles da cidade. Na Banda, um grupo com poucos participantes e que não tinha condições de formar novos músicos em curto prazo, era comum a integração e o convite para tocar com o grupo do participante, mesmo que ainda fosse iniciante, mas que tivesse condições de tocar ao menos uma música. Talvez para que a Banda pudesse ter mais potência sonora ou para parecer maior, ou até para incentivar o músico. Às vezes, alguns participantes evidenciavam que, para eles, o importante não era a “qualidade do tocar” ou a técnica. Contudo, isso fazia muita diferença para que o músico fosse considerado ou não componente da Banda, ou para que ele pudesse acompanhar o grupo e tocar. Paulo conta: A primeira vez que eu toquei, foi no coreto. Estava eu, a Poliana... E aí, o João falou assim: “_Vocês vão ser promovidos agora, vão virar músicos junto com a gente!”. Aí fomos lá! E nós sabíamos três músicas. Nós sabíamos “Parabéns pra Você”, “Luar do Sertão” e 100 “New York New York!”. Fomos lá, chegamos e tocamos o que nós sabíamos (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 133). Já na fala de Vinícius (Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 28), pode-se também perceber que, para ele, não era necessário ter “tempo de estudo” para ser músico. Saber música pode ter, realmente, várias interpretações, como, por exemplo: é comum notar que alguns músicos, apesar de dominarem a técnica do instrumento, não se julgam músicos, principalmente, por considerarem músicos apenas aqueles que têm conhecimentos sobre conteúdos de teoria da música, de leitura da partitura ou que têm a formação musical escolar. Esta ideia talvez adquira força devido ao princípio de que, para ser músico, é preciso saber ler e escrever música, sobretudo quando se trata do contexto da banda de música. Mas, para os frequentadores da Banda, ser músico demandava não só ler música. Era importante usar um uniforme, ensaiar com o grupo, tocar obras do repertório. Ou seja, somente estudar música não os fazia se tornarem músicos ou se “sentirem músicos”. Nós tínhamos aquela sensação [quando estávamos com a Banda] de “_Nó! Nós viramos... estamos virando músicos!”. Porque uns meninos de nove anos não têm muita atribuição na vida, né? E aí você virar músico da Banda e usar uma camisa dessas daqui [mostra o seu primeiro uniforme] é importante, né véi59! (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 133). Vale lembrar também que, sem entrar em discussões aprofundadas que cercam a temática, as bandas transitam pelos mundos do popular e do erudito, e incorporam aspectos presentes em diversas práticas, tanto musicais quanto pedagógico-musicais. A banda de música, conhecido grupo musical que, através dos séculos, vem formando músicos, os quais são, muitas vezes, tidos como amadores, também se propõe a ensinar teoria da música, leitura musical e percepção musical. É por isso mesmo que, segundo Ravet (2006, p. 8), “as formas de profissionalização distinguem-se segundo o universo musical (erudito/popular), origem social e sexo”. Na Banda, os conteúdos musicais, apesar de terem certa sequência nos seus procedimentos de ensino, aconteciam, muitas vezes, seguindo a demanda do Véi: Uma gíria do interior de Minas Gerais que significa “velho”, mas pode ser substituída por outras gírias, tais como: “cara”, “piá”, “irmão”. 59 101 momento. Eu mesmo, quando estudante e músico da/na Banda, aprendi a clave, os nomes das notas e o que os sustenidos significavam somente quando toquei uma música inteira, sem os acidentes grafados na partitura. Foi aí, então, que o maestro explicou para mim como “aquilo” funcionava, o que seria a tonalidade e o porquê dos sustenidos aparecerem depois da clave. É natural que em uma banda de música as práticas pedagógico-musicais, comumente utilizadas entre os músicos populares e músicos eruditos, se entrelacem de diversas maneiras, pois a multiplicidade de situações do cotidiano, em que os integrantes da Banda estão expostos durante suas vidas, se mistura e cada um contribui para que as formas de aprender/ensinar na Banda sejam diversas. Diante do mencionado, vê-se que para ser músico da Banda é necessário que a pessoa se sinta integrada ao grupo. Geralmente, isso acontecia quando faziam uma apresentação, quando eram vistos tocando com o grupo e/ou tinham uma posição definida nele, fazendo com que ele ganhasse visibilidade, ou seja, reconhecimento pela Banda cumprir uma das suas funções sociais na cidade, que é tocar nos vários eventos. 3.5 Os músicos e os instrumentos musicais na/da Banda 3.5.1 A escolha dos instrumentos musicais Nas bandas de música com características militares, que tocam em coretos, procissões, festividades cívicas e são formadas por civis, a formação instrumental é elemento importante para a constituição dos estilos que são tocados e que caracterizam este grupo musical. A formação musical instrumental, que comumente compõe o grupo musical banda, se difere, em termos gerais, da organização instrumental das orquestras, bandas sinfônicas e outros grupos musicais. Sabe-se que para que uma banda toque é necessária certa quantidade de músicos, distribuídos entre vários instrumentos e em seus respectivos naipes. Dentre as diversas formações possíveis para uma banda de música, a Banda de Arcos pode ser considerada como sendo de uma banda tradicional, que tem em sua formação a ênfase nos instrumentos de sopro da família dos metais e madeiras, geralmente instrumentos de afinação semelhante, o que facilitaria a escrita e o 102 compartilhamento de partituras, além de contar com uma percussão móvel, instrumentos fáceis de carregar e que propiciavam a vantagem de tocar andando. Um aspecto importante nessa formação musical inclui a escolha dos instrumentos. Tal escolha envolve o gosto pessoal, características físicas dos músicos e, muitas vezes, o que pesa mais é a necessidade da Banda. Tais aspectos são potencializados quando a Banda tem poucos instrumentos disponíveis e até poucos músicos que gostariam de tocá-los, como é o caso do bombardino, do saxhorn, dentre outros. Então, a decisão de quem vai tocar qual instrumento, na maioria das vezes, passa a depender do maestro, que seleciona conforme a necessidade da Banda. Na banda de Arcos, para muitos músicos, a escolha do instrumento estava fundada no fato de que não havia outros disponíveis quando eles iniciavam na Banda. Durante a conversa com o Vinícius, é possível deduzir isso quando pergunto por que ele escolheu o clarinete. Vinícius (Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 35) responde que: "o clarinete era o único instrumento que tinha!". Cléber também não teve participação nessa escolha, pois a decisão foi do maestro. Murilo: Como é que foi escolher o instrumento? Cléber: Ah, era o que tinha, né? Murilo: Você não escolheu não? Cléber: Não, era ele [o maestro] que determinava. Aí tinha duas tubas [souzafone] e dois [baixos] hélicos60. Murilo: É aquele menorzinho, né? Cléber: É. Aí eu peguei o helicon (Cléber, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 198). Percebeu-se também que, mesmo quando o maestro não escolhia o instrumento para o músico, ele tinha outros caminhos envolvidos nesta escolha. Algumas vezes, ele até mesmo convencia o músico iniciante de que o instrumento sugerido por ele seria o ideal para ele. Essa maneira de escolher o instrumento aconteceu com Cássia, que diz: Eu fiz um mês, mais ou menos de solfejo. Aí eu fiquei na expectativa de qual instrumento eu ia pegar. Aí, eu queria muito o trompete, por causa do meu primo que tocava trompete na Banda. E o João e o e meu primo insistindo pra eu pegar o clarinete. Aí, contra a minha 60 Hélico é o nome popular do Baixo helicon. É um instrumento parecido com um souzafone, porém com uma campana menor. 103 vontade, eu peguei clarinete, mas eu queria trompete. Eu peguei clarinete contra a minha vontade um mês, dois meses, aí depois eu apaixonei! E continuei! (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 84). Nesse momento, então, acontecia que os músicos iniciantes na Banda já tinham algum conhecimento ou alguma referência a respeito de qual instrumento eles gostariam de tocar, e isso nem sempre era fácil para o músico. No caso de Juliano, ele disse que os instrumentos que ele conhecia de experiências anteriores eram a flauta e o clarinete, mas a Banda precisava de trompetistas. Ele conta que conhecia estes dois instrumentos, porque tinha um professor de artes meu em Iguatama61 e ele virou e... disse: “_Olha, eu tenho um clarinete e tal” e mostrando para os alunos. E aí o que eu fiz: “_Nossa! Legal!”, pensei. Quando eu vi a Banda e todos os instrumentos, eu pensei o seguinte: “_O instrumento que eu vou querer aprender é o clarinete! Não quero aprender outro instrumento não!”. Aí o João, eu acredito que a Banda estava com defasagem de trompete, aí ele falou assim: “_Olha, Juliano, aprende o trompete, instrumento ótimo, maravilhoso, perfeito! Em pouco tempo você já está na orquestra do Palácio das Artes!”. Eu falei: “_Ótimo, é isso que eu quero!” (Juliano, Caderno de entrevistas, 10/07/2015, p. 179). Viu-se que as ideias que os iniciantes tinham do que era um instrumento de sopro e quais instrumentos eles mais gostavam estavam ligadas ao que eles viam na televisão. Estavam nas influências da indústria musical, que faziam com que um instrumento fosse, para eles, mais importante ou conhecido do que o outro. Paulo narrou como foi a escolha do seu instrumento: A escolha do instrumento foi assim: a Poliana [colaboradora dessa pesquisa que ingressou na Banda na mesma época que Paulo] ganhou primeiro que eu o instrumento. Aí eu fiquei triste! Eu falei assim: “_Poxa, Nossa Senhora, nós começamos juntos e ela ganhou primeiro que eu?”. Ela ganhou dois dias primeiro que eu... Aí eu fiquei triste um dia, fiquei triste o segundo. Aí tinha um caminhoneiro que tocava bombardino na Banda, esqueci o nome dele, aí ele saiu da Banda nesse dia. Aí o Seu João veio: “_Paulo, está sem instrumento aí [aqui na Banda] e tudo mais, mas sobrou um bombardino! Você não quer não?” “_Quero!” [risos]. Eu nem sabia o que era o bombardino não! Só tinha visto aquilo lá. E quando a gente não toca ainda, a gente não sabe o que é contracanto, a gente não sabe quando o instrumento sai grave, eu só sabia que todo mundo que entra na Banda, pode ser quem for, quer tocar saxofone [risos]... O resto ninguém quer não! [risos]. Só que, igual... A Poliana ganhou 61 Cidade a, aproximadamente, 25 km de Arcos. 104 uma clarineta, da clarineta para o saxofone está perto! Aí o João foi e me deu um bombardino! [risos]. De primeira vez, eu falei assim: “_Eu não posso ficar pra trás, então, eu vou pegar o bombardino e vou achar bom!”. Só que eu estava longe do meu sonho, que é o sonho de todo mundo que entra na Banda, que era o saxofone. Abracei a causa e fiquei doze anos com ele [risos] (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 138). De fato, durante a análise das entrevistas fica evidente que, na sua maioria, os integrantes mais jovens da Banda queriam tocar saxofone 62, talvez pelo fato do instrumento ser mais popular ou “do momento”, e que, de acordo com Paulo, esteticamente falando, pode ser considerado um “instrumento bonito”. Ao falar do seu instrumento e da preferência dos iniciantes na Banda pelo saxofone, Paulo talvez ajude a compreender um pouco dos porquês sobre o saxofone ser um instrumento desejado pelos músicos. Eu achava o bombardino lindo! [risos] Maravilhoso! E se você for olhar o bombardino, o bombardino esteticamente é horrível, né: grande, desengonçado. Porque se você pegar a estética de um saxofone tem jeito até do cara se dobrar, né? [dobra o corpo, fazendo movimentos como se estivesse no momento de performance solo de saxofone]. Agora quando você toca com um bombardino? [risos]. Não vai não! [risos]. Agora, assim, eu me achava importante, velho! Pra mim, eu me sentia importante tocando [o bombardino] (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 133). Talvez por não ter acesso ou por desconhecer os outros instrumentos que fazem parte da formação instrumental de uma banda, muitos associam este grupo aos instrumentos de sopro, desconhecendo a divisão de famílias dos instrumentos, pensando unicamente no instrumento de sopro (corneta, flauta, saxofone). Assim, alguns colaboradores buscaram a Banda pelo saxofone, porém, ao conhecerem as características de outros instrumentos, eles mudaram de ideia. Camila também disse que sua vontade era de tocar saxofone, mas que quando foi ter aulas na Banda, viu que “não era aquilo ali” e aí ficou “com o clarinete mesmo” (Camila, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 223). Sobre este apego ao saxofone, o maestro fala: Antigamente [...] na Banda todo mundo [que queria um instrumento, queria] era sax, só sax, nem sabia o que era saxofone!“‘Saxofona’? Ensina sax? Sou doido com ‘saxonfona’!”. Isso há muitos anos atrás, O maestro relatou nas entrevistas que a maioria dos alunos que procurava a Banda gostaria de tocar saxofone, o que foi comprovado entre os entrevistados. E, nos últimos anos, a bateria passou a ser o instrumento mais procurado. 62 105 depois acabou, era só bateria! “Ensina bateria?”. Eu falava “_**** *** ****63 vocês viram? Só *******64 na bobajada da televisão! (Sr. João, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 319). Pode-se perceber que o conhecimento sobre instrumentos musicais daqueles que se tornavam músicos da Banda vinha das experiências de cada um: do contato com o instrumento, de assistir televisão, de ouvir rádio, de ver e ouvir alguém tocar. Certamente, a escolha do instrumento tem como base diversos fatores. Cada escolha ou aceitação de um instrumento não estava relacionada à preferência por parte do músico, pois tinha a ver com a necessidade da Banda e com a vontade de se aprender um instrumento para tocar neste grupo. Diante do exposto, pode-se dizer que a escolha do instrumento, então, se dava em um processo mediado pela escuta, apreciação e reconhecimento das características do instrumento. Ou seja, acredita-se que, ao assumir que queria tocar um instrumento específico, a pessoa já tinha algum conhecimento prévio adquirido em suas experiências de vida. Para Bozon (2000), o instrumento exprime o estilo de vida e de contato com o outro que o possui ou que se deseja possuir, em suma a estratégia social (sociável) seguida pelo grupo. A apreensão que os agentes têm do valor simbólico dos instrumentos musicais (resultado de uma história social incorporada) permite-lhes atribuir a estes um nível social, definindo essencialmente pelas formas de sociabilidades das quais o instrumento pode ser o suporte (BOZON, 2000, p. 150). A partir das entrevistas realizadas para esta pesquisa também foi possível perceber que uma “certa aversão” ao instrumento desconhecido é temporária, pois o músico da Banda aprende a gostar ou descobre na Banda a função do seu instrumento. Paulo, quando comenta sobre a escolha do bombardino, o instrumento que sobrou para ele, explica: Eu não sabia o que era o instrumento... “_Eu já vi o bombardino? Já?” Nem sabia onde ficava [na Banda]! Aí tinha um armário velho lá! Abri o armário velho, com aquele tanto de trem65 velho, [o maestro] Nessa frase, os **** *** ***** significam uma expressão, um xingamento que mostra a inconformação do maestro perante a situação. 64 Aqui os ******* substituem a palavra baixaria. 65 Trem: gíria utilizada em Minas Gerais e, neste contexto, tem o mesmo sentido da palavra “coisas”. 63 106 pegou um bombardino velho e me deu! [risos]. Só que pra mim era como se tivesse me dando um [fala rindo] saxofone! [risos] (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 139). Outro aspecto importante a ser mencionado trata da escolha dos instrumentos a partir do gênero. Como disse Bozon (2000), o instrumento tem um “valor simbólico resultado de uma história social incorporada”. Sobre este “valor simbólico”, não tive acesso nesta pesquisa sobre a maneira com que foi se construindo a ideia de instrumentos destinados às mulheres e aos homens. Para Sinara (Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 57-58), por exemplo, a escolha de um instrumento passava pela ideia de que ela “queria ser ousada”. Então, escolheu o trompete, já que “poucas mulheres tocavam trompete”. Apesar de não saber em que se baseava para fazer a afirmação, ela diz: “os instrumentos de palhetas são para mulheres”, porque “tinham uma facilidade maior”. Nessa forma de perceber como o músico via a escolha daquele tipo de instrumento, Cássia também pensa a questão da seleção dos instrumentos entre homens e mulheres da seguinte forma: Ah, um homem tocar clarinete é meio estranho, agora um homem tocando trombone de vara, trompete, já é [faz sinal de força com as mãos]... Por exemplo, eu ver o ****66 tocar clarinete não é estranho, porque eu conheço ele. Agora se eu ver outro homem tocando clarinete, eu vou pensar duas vezes se ele é “homem”. Clarinete parece ser um instrumento feito pra mulher (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 91-92). De uma forma geral, percebe-se que em grupos musicais existem diversas formas dos músicos se relacionarem, e estas podem também definir suas posições dentro do grupo. Ravet (2006) também afirma que há forte sexualização dos instrumentos. De fato, uma forte sexualização dos instrumentos define modos de socialização distintos conforme os sexos: do lado feminino, encontram-se instrumentos como a harpa, a flauta ou o piano; do lado masculino, encontram-se os cobres e os instrumentos de sopro em geral, assim como os “grandes” instrumentos (contrabaixo). Essa sexualização da imagem dos instrumentos, que orienta a escolha de um instrumento por um aprendiz de música, menino ou menina, repousa tradicionalmente na relação com o corpo: do lado do feminino, encontra-se a graça, mas sem visibilidade dos corpos e das 66 Ex-integrante da Banda não entrevistado para esta pesquisa. 107 formas femininas, que envolve pouca ou nenhuma força, pouco sopro, nenhuma saliva, secreção ou transpiração; do lado masculino, a demonstração corporal de força ou de potência (para “grandes” instrumentos como o contrabaixo ou a tuba), o sopro e mesmo a saliva (trompete, trombone). Essas representações e imagens de instrumentos condicionam fortemente a “escolha” do instrumento feita pela criança e pela comunidade educativa (pais e professores) (RAVET, 2006, p. 6-7). Apesar dessas colocações, pode-se pensar que a aceitação do instrumento sugerido pelo maestro também estava ligada com a vontade dos músicos de estarem juntos. Pensa-se que não era necessário, então, tocar somente o instrumento que queria e/ou conhecia, pois o “instrumento não fazia diferença. O importante era ser da Banda” (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 140). Mas, sem deixar de fechar os olhos para esses aspectos, é possível perceber que existem conflitos que se dão, por exemplo, na escolha do instrumento, como pessoas que receberiam primeiro o instrumento, ou que poderiam levar o instrumento para casa, enquanto outros não poderiam. Além disso, existia também, coerção por parte do maestro, que usava de alguns argumentos para convencer alguém que deveria tocar um determinado instrumento, reforçando que seria “mais adequado” pelo porte físico ou pelo sexo. Diante desses apontamentos, percebe-se que o maestro tentava cooptar os iniciantes na Banda quanto à escolha dos instrumentos, diante de alguns argumentos: conforme a disponibilidade, características de cada um e a necessidade da Banda. A necessidade da Banda pode ser considerada, por um lado, argumento coercitivo de convencimento dos músicos. Por outro lado, há a tradição passada nas bandas, relacionadas com as práticas de escolha e de ensino dos instrumentos, principalmente, quando estas práticas tratam das características físicas necessárias para tocar determinados instrumentos. Ao indagar o maestro sobre esta sua atuação junto aos músicos, ele explicou que “o pessoal mais de beiço [lábios] grosso era que tocava trombone, bombardino. Beiço mais fino no trompete, clarinete, saxofone. Beiço grosso também se pegar um desses [trompete, clarinete e saxofone] fica bom” (Sr. João, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 319). Então, pode-se pensar que as características físicas e de gênero, masculino e feminino, na Banda, estão envolvidas na escolha do instrumento, seja como um instrumento “de mulher”. O maestro também utilizava sua posição hierárquica na 108 Banda, como maestro e como professor, para ajudar nesta escolha, pensando nas necessidades da Banda e nas características do músico iniciante. 3.5.2 Relação dos músicos com o instrumento Após a escolha do instrumento, vinha todo o processo posterior de aprendizagem do instrumento, além dos aspectos relacionados aos cuidados com ele. O sentir-se músico na Banda, como foi mencionado anteriormente, passa pela relação que é estabelecida com o instrumento e que, por sua vez, é importante no processo de ser reconhecido e de se reconhecer como músico. É possível ver que existia uma diferença entre ser músico e ser reconhecido como músico por tocar na Banda. Cássia, que tocava clarinete, por exemplo, disse que quando andava com o instrumento pela cidade ela Tinha vergonha. Não gostava da maletinha nos primeiros dias. Quem olhasse ia pensar o que? Eu tinha vergonha. Murilo: Mesmo depois de já estar tocando? Cássia: Até uns tempos atrás eu tinha vergonha! Uma vez eu fui tocar sax no casamento de uma amiga... Não! Meu pai que ficou com vergonha! Eu dei [o instrumento] na mão do meu pai e eu falei: “_Pai, leva pra mim porque eu vou num casamento”. Ele falou “_Eu não!”. Aí eu senti a vergonha dele [a vergonha que ele sentiu]. Aí eu lembrei que eu tinha essa mesma vergonha com o clarinete. Aí eu pensei: “_Gente! Olha só, a gente tem vergonha um do outro porque a gente toca um instrumento” (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 85). Ao carregar a caixa do instrumento, o músico se sentia inibido, talvez pela forma como as pessoas externas ao grupo Banda exibiam sua curiosidade. Este interesse por parte das pessoas da cidade pode ser exemplificado em dois trechos das entrevistas. O primeiro é quando Vinícius menciona a curiosidade das pessoas quando o viam carregando “aquilo”, e perguntavam o que era: Nossa, a clarineta era facinho... [de carregar e esconder]. Era uma maletinha pequenininha, agora o saxofone, misericórdia! Nossa, ficava morrendo de vergonha! [risos]. Porque, principalmente, a gente, que é de cidade pequena, era poucas pessoas que tocavam. Então, geralmente, todo mundo perguntava o que é que era. Aí você tinha que abrir para mostrar e eu ficava morrendo de vergonha (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 36). 109 O segundo trecho aparece na entrevista de Ramsés, que se sentia da mesma maneira que Vinícius. Ele diz: Eu tinha vergonha! Porque o povo falava que eu estava carregando um caixãozinho. Toda vez que eu passava de frente pra farmácia os caras falavam: “_Ah! olha ali um caixãozinho”. E aquilo, como criança, eu ficava meio assim... Inclusive eu pedia até o meu padrinho pra levar o instrumento na frente, pra depois eu ir. Tinha umas lojas que eu passava, que toda manhã os caras já me esperavam lá: “_Lá vem o menino do caixão; _O que é que você está levando aí? _Um gato morto?” Aí aquilo ia custando... e eu ficava com vergonha (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 110). Essa situação, no entanto, se difere do momento em que tocavam o instrumento nas apresentações. Ramsés, por exemplo, diz que quando tocava não tinha vergonha: “_Não, não, isso não!” (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 111). Se alguns tinham vergonha de carregar o instrumento pelas ruas da cidade, outros gostavam. Sinara, por exemplo, gostava desta “tietagem” e se sentia importante por isso. Obviamente que muito do interesse das pessoas se dava por causa do instrumento, porém é importante lembrar que no contexto social, no qual a Banda se inscreve, carregar um instrumento não era comum. Ela diz: Sinara: Eu queria levar ele [o instrumento] pra todo o lugar! Queria levar ele pra escola, levar pra igreja, adorava que alguém me perguntasse o que era aquilo [risos] e quando eu recebi o trompete dourado, a caixa dele era o dobro, aí que eu gostava mesmo, levava pra tudo que é lugar. Murilo: Todo mundo te perguntava? Como é que era isso? Sinara: Na rua, eu me lembro às tantas [horas] na praça, perto da matriz, as pessoas: “_O que é isso aí? É um instrumento? Onde é que você toca?”. Por causa do volume, né? E me fazia de boa musicista porque eu ia pra escola fazer trabalho à tarde, ia pra Casa de Cultura, levava isso também. Então, como se eu tivesse treinando bastante, fazendo a social (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 63). Percebe-se através dessa análise que a vergonha que o músico tinha não estava relacionada ao instrumento em si, mas com a forma em que a curiosidade das pessoas de fora da Banda era exteriorizada. Além disso, acredita-se que isso acontecia muito mais quando estavam sozinhos, já que quando tocavam ou estavam em grupo gostavam de evidenciar os instrumentos que tocavam na Banda. 110 3.6 Ser reconhecido como músico da Banda Discutir o que seria “ser músico da Banda” é importante para entender o que fazia com que essas pessoas continuassem sendo músicos da Banda. Para alguns deles [...] quando você está na Banda, é jovem, você começa a interagir com aquilo ali. Igualzinho... eu tocava saxofone... Quantas pessoas não veem você tocando saxofone, quantas meninas... Aquilo ali pra mim era bom, eu achava uma beleza! (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 52). Para os participantes, ser músico da Banda era ter um diferencial, era o que fazia dele uma referência. Ao pensar a Banda no contexto de uma cidade pequena, ser parte de um grupo que realiza ou participa de atividades tão exclusivas, que depende de pessoas que saibam música e/ou dominam a técnica de um instrumento, poderia, em diversas ocasiões, possibilitar essa “vantagem” aos participantes. Quando se discutiu que uma forma de serem reconhecidos como músicos era quando carregavam seus instrumentos pela cidade, alguns músicos relataram que eles eram parados na rua para falarem mais sobre o instrumento, sobre onde aprendiam na cidade ou sobre o que precisava para participar da Banda. Isso fazia com que se sentissem ainda mais importantes, por dar as informações ou por falar sobre algo que eles sabiam fazer, que era tocar. Neste sentido, Vinícius diz que: bastante pessoas chegavam [até ele]! Até porque... Pelo interesse... assim de saber onde é que a gente tocava, ou, às vezes, o interesse de saber como que aprende a tocar, quem ensinou, como é que fazia... Muitos chegavam assim: “_Onde é que você aprendeu a tocar”, “_Ah! Foi lá no Sr. João!” (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 42). Diversas vezes, esse reconhecimento como músico da Banda abria algumas portas. Como, por exemplo, entrar em casas de show e apresentações artísticas na cidade. Eu me lembro que mesmo quando eram cobrados ingressos, os músicos da Banda não pagavam e entravam como convidados, nem eram parados na portaria por serem conhecidos como integrantes da Banda. E, por isso mesmo, cada vez mais, o músico se sentia valorizado. Ramsés deixa claro que ser músico da Banda tinha algumas vantagens, como, por exemplo: 111 A gente começa a ter influência com a Casa de Cultura, a ter carta branca que as outras pessoas não tinham. Ter privilégios, e aí você começa realmente a ver a importância da música. Assim, não a importância da música no quesito musical, mas no quesito dos benefícios que ela te traz, nos benefícios de fazer parte da Banda. Eu lembro que tinha uma discoteca aqui que nós não pagávamos pra entrar: “_Ah! Os meninos da Banda... então deixa eles passar!”. Ou talvez, você já chegava nas escolas e as diretoras todas já te conhecia por nome... O prefeito, né? Os secretários! (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 116). Diante disso, percebe-se que ser reconhecido como músico da Banda não estava somente no tocar um instrumento, em participar da Banda e em viajar com o grupo. Ser músico da Banda possibilitava novas formas do músico se relacionar na/com a cidade. Nos mais diversos espaços, nos quais as relações sociais acontecem, cada um tem características próprias que os distinguem uns dos outros e que, por sua vez, fazem com que cada um seja reconhecido. E isso não seria diferente em como os músicos da única Banda (de coreto, civil) de uma cidade pequena são vistos. Este reconhecimento, às vezes, se manifestava na rua, nas apresentações, quando chamavam o músico para tocar em alguma festa, algum casamento. Também se viu que alguns músicos, colaboradores desta pesquisa, disseram que não se importavam sobre como eram vistos fora do grupo. O fato deles mesmos se reconhecerem como músicos era motivação para seguirem na Banda. Para eles o que era importante era atuar como músicos, tocar seus instrumentos e estarem juntos. Um dos colaboradores disse que quando carregava o instrumento ou tocava na cidade: era como se eu tivesse uma Ferrari! Porque uma criança ganhar um bombardino, véi? Nossa! Demais! [risos] Eu achava importante porque eu era da Banda, tocava em vários lugares, tocava no coreto domingo, tinha um instrumento grande! Eu já me sentia músico! [...] Muitas pessoas falavam com a minha mãe e com meu pai, assim: “_Ah, aquele menino que toca na Banda é...”, tinha referência era “o menino da Banda” (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 140, grifos meus). Diante dos dados, percebe-se que ser reconhecido como músico passa a ser mais uma das maneiras pelas quais o músico pode ser identificado fora do grupo. Isso acontece mesmo quando ele deixa de fazer parte da Banda, pois, muitas vezes, algumas pessoas ainda o vê como músico do grupo. É o que Poliana diz: 112 Oh, até hoje tem um... um senhorzinho que mora aí... Vezes ele ficava segurando um papelzinho pra mim. Até hoje ele comenta: “_E aí, você toca ainda?”. Eu lembro de pessoas... assim, do interesse que eu vejo na rua. Me ajudar... [faz sinal de ‘por que’ com as mãos] Nossa! (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 256). Essa identificação dos músicos da Banda se dava, principalmente, quando tocavam em eventos na cidade, como Cássia expõe no seguinte diálogo: Murilo: E nessas tocadas o povo conhecia vocês? Cássia: Conhecia. Tanto é que, quando eu fui trabalhar, chegou uma mulher e falou assim: “_Nossa, eu sou apaixonada por você”, e eu nem conhecia a mulher. Eu falei assim: “_Por quê?”; “_Nossa eu vejo você tocar desde criança na Banda e eu achava uma gracinha, sempre te achei linda tocando”, “_Obrigado”, né? E tipo assim... a pessoa te conhece, te acompanha, como se você fosse uma pessoa famosa, como se você fosse uma celebridade e você não tem a mínima noção da pessoa. Você nem conhece a pessoa. Murilo: Isso já aconteceu mais vezes? Cássia: Acho que mais duas ou três vezes, de falar: “_Ah, você que é a menina da Banda?”. Murilo: E você gosta disso? Cássia: De uma forma, porque você sabe que você fez história, que você fez parte daquela comunidade, daquela sociedade (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 88). Comumente, esse reconhecimento se dava por atribuir valor à precocidade da prática musical, pela crença de que, para se tocar bem, é preciso começar a estudar ainda criança, ou que “o dom” seria o mais importante para que a pessoa se torne músico. A partir desses recortes das entrevistas, conclui-se que o músico da Banda poderia ser reconhecido seja pelo instrumento que carregava, seja por tocar o instrumento em algum lugar. Estes aspectos permitiam que as pessoas ligassem o instrumento ao instrumentista e, consequentemente, ao grupo. 3.7 Os tempos de formação e de lazer do músico na Banda 3.7.1 A Banda como um tempo que passa A partir dos dados levantados é possível indicar que os músicos iam para lá porque gostavam, se distraiam, encontravam os amigos (Caderno de entrevistas, p. 101; 112; 148; 202; 244; 270; 297). No entanto, por várias razões, eles deixavam de fazer parte da Banda. É importante relembrar que na Banda de Arcos os músicos 113 não são remunerados, somente o maestro. No relato de alguns deles é possível perceber que não viam a Banda como espaço para se profissionalizar, mas um espaço no qual poderiam desenvolver outras atividades, bem como subsidiar outros projetos pessoais. Assim, muitas vezes, viu-se que a Banda era um “tempo de passagem” na vida de muitos músicos. Uns iam para a Banda e ficavam, outros saíam e voltavam, e outros deixavam o grupo. Este processo mostra um movimento entre entradas e saídas dos músicos. Um diálogo meu com Vinícius exemplifica esta afirmação: Murilo: Por que você acha que entrava gente nova na Banda? Vinícius: Acho que é um ciclo, né? Recomeçar! Porque querendo ou não as pessoas mais velhas vão saindo porque cria responsabilidade e a Banda como não é remunerada, você não vai ter o tempo total. Igual... eu era criança, eu entrei com doze, ou treze anos que eu entrei na Banda mesmo, era na adolescência (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p 48). Muitas saídas dos músicos da Banda se pode creditar à falta de remuneração. Percebe-se que no momento em que o músico da Banda precisava assumir responsabilidades, como ter que se sustentar, ter uma família ou uma profissão, a Banda deixava de ser o foco. Para eles, tocar na Banda não era profissão, mas quem era da Banda e tocava fora dela remuneradamente via a música uma profissão. Para Morato (2009), viver de música implica poder se sustentar, a si e a família, através de atuações musicais que se exerce. Porém, para que isso seja possível, é necessário que o meio social reconheça a atuação musical como profissional, uma atividade com valor de troca, mercadora de remuneração financeira (MORATO, 2009, p. 195). Portanto, permanecer na Banda, de alguma forma, sem dúvida, estava ligado à questão da música como profissão ou não. Quando pergunto a um dos colaboradores sobre o que ele acha que faltava para que as pessoas permanecessem na Banda, ele disse: Só mais incentivo, sabe? Essa questão do dinheiro, motivo financeiro. Eu nunca fui a favor da Banda pagar! Toda vez que o povo vai lá: “_Ah! A Banda deveria pagar!”. “_Não! Esquece isso! Isso aqui não é profissão, entendeu”? Eu enxergo a Banda o seguinte: se a prefeitura desse um incentivo de... quem toca na Banda tem uma bolsa de estudo, ou então: “_Eu estou lá na Banda 114 porque eu estou necessitando de uma bolsa de estudo”. Chega lá, na hora o cara descobre que gosta, entendeu, une o útil ao agradável. Porque, ao mesmo tempo, está ajudando a pagar a faculdade, está gostando do que está fazendo, entendeu? Então, assim, eu não sou a favor, hora nenhuma, de a Banda pagar! Sou a favor de ter incentivo (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 282). Diante do exposto, em muitos casos, o tempo que o músico passava na Banda parece ter relação com uma fase em que ele tem algum tempo disponível e resolve dedicá-lo ao grupo. No entanto, a necessidade financeira era um dos motivos que fazia com que esse músico deixasse a Banda e procurasse ocupar seu tempo com alguma atividade que fosse remunerada. Na busca por uma melhor qualidade de vida, este músico passava, então, a se capacitar profissionalmente. Tal fato se agravava em Arcos-MG, uma cidade do interior, em que as possibilidades são mais escassas, em que muitos se veem obrigados a abandonar a cidade para alcançar novos rumos. Deixar a cidade também significava deixar a Banda. Alguns músicos também saíram da Banda porque se mudaram, alguns casaram, outros tiveram filhos, mudaram de religião. Porém, o que é mais marcante é que todos os que saíram precisavam de mais tempo, seja para resolver assuntos pessoais, seja para trabalhar, seja para se dedicar a outra atividade que pudesse remunerá-los. Ou seja, muitos param [de ir na Banda] porque é muito longe, outros param porque começam a trabalhar, outros vão estudar! É difícil aqui! Você pode ver que quando você veio pra cá... Nunca tinha muita gente, a Banda nunca foi grande! (Sr. João, Caderno de entrevistas, 22/01/2014, p. 5). A situação relatada também era percebida pelos músicos que, ao narrarem suas histórias, reconheciam as dificuldades e empecilhos, e faziam com que eles parassem de frequentar a Banda. Vinícius (Caderno de Entrevistas, 05/03/2015, p. 32) foi um dos que disse que assim que começou a trabalhar “não tinha mais tanto tempo pra Banda. Também chegava o final de semana estava mais cansado, não queria viajar, pois no outro dia tinha que levantar cedo pra trabalhar”. Sabe-se que algum tempo atrás, quando não eram tão acessíveis os meios de comunicação, e nem eram tão disseminadas as formas de ensinar/aprender online, não existiam maneiras mais acessíveis para aprender música e/ou tocar um 115 instrumento. Então, frequentar a Banda era uma das formas disponíveis para se ter acesso ao ensino/aprendizagem de música na cidade. Deve-se levar em consideração que a sociedade está em constante mudança e isso fez com que fossem criadas outras formas de as pessoas estarem juntas e/ou de lazer. Estas são opções, muitas vezes, mais cômodas ou, até mesmo, escolhas prioritárias na busca por melhores perspectivas de preenchimento do tempo livre. Neste sentido, o tempo dedicado à música na Banda diminuiu e isso porque: música não é fácil! Eu te falo, assim: eu não tenho dificuldade pra aprender partitura, uma partitura não é igualzinho, assim: se eu pegar um jogo aqui de carrinho, é só setinha pra lá, setinha pra cá e fico jogando. Agora você estudar música, se dedicar... Eu falo porque questão da Banda, tocar igual toca nessas outras bandas normais67 todo mundo gosta! É bonito! Agora a Banda [banda de música] em si, você aprender um instrumento de sopro, aprender um bombardino, aprender uma tuba é difícil! Se você for comparar jogar videogame com fazer outras coisas, ir pro facebook conversar com o povo. Eu acho mais fácil ir pro facebook. Acho que foi isso, grande parte foi isso (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 144). Esses aspectos passam pelo que, atualmente, se justifica por “vida corrida” e pelas “distrações” que existem em qualquer sociedade. Então, há afirmações, como a de Ramsés, que diz que a música, para muitos, tem assumido hoje um papel secundário. Então, hoje em dia a gente tem muita coisa que desvia o foco das pessoas. Então, música não é primeiro plano na vida de ninguém! “Se sobrar tempo, eu vou lá pra música”, né? Mas, assim, entre eu fazer uma apresentação e ir num aniversário, entre eu fazer uma apresentação e ir namorar, então acaba que isso se torna... (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 126). Nessa perspectiva, pode-se também pensar que o tempo de alguns músicos da Banda tem sido dedicado a um projeto de vida, seja ele pensado só (o músico em relação ao seu futuro) ou coletivamente (o músico e sua família, amigos e etc.). Estar na Banda, ser parte daquele grupo, mesmo sendo um “tempo de passagem” na vida de muitos, possibilitou que a pessoa aprendesse certas técnicas, vivenciasse práticas musicais, conceitos que, no caso deste grupo, eram 67 Bandas normais faz referência a bandas que fazem shows, com instrumentos elétricos, balé e etc. 116 fundamentais para exercerem as atividades musicais da Banda, tocar em eventos promovidos na cidade, participar em festivais de bandas, dentre outros. Assim, pode-se dizer que, em sua maioria, frequentar a Banda tinha um ciclo. No entanto, ciclos diferentes para cada um, mas muito similares no que se refere às atribuições que cada um assumia perante a vida: ter lazer, aprender um instrumento, assumir um emprego, uma casa ou uma família, que é o início de outro ciclo cheio de responsabilidades, com necessidade de remuneração, já que a Banda não oferecia. Percebe-se, portanto, a saída desses músicos que, algumas vezes, voltavam quando resolviam os aspectos relacionados à profissão e passavam a ter “tempo livre”. Neste caso, o tempo livre servia para fazer as atividades na Banda como algo destinado ao seu próprio lazer. 3.7.2 O tempo livre do músico passado na Banda Alguns participantes eram crianças quando começaram aprender música e a tocar na Banda. Isso, muitas vezes, se dava porque em uma cidade do interior, com poucas opções de diversão e de entretenimento para as crianças e adolescentes de famílias de classe média e baixa, a Banda era vista como um lugar de lazer, de ocupação do tempo livre tanto de crianças, como de adultos. Para Paulo (Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 133), “menino de nove anos não tinha muita atribuição na vida” era mais ou menos assim: “a Banda reunia pessoas que se distraiam, divertiam e conversavam”. Logo, estar na Banda adquire outras dimensões na vida. O próprio tempo de lazer tem sido invadido por uma quantidade de obrigações, que surgiram com as novas formas de vivermos em sociedade. É verdade que esse tempo social ipsativo68 escapa apenas parcialmente às determinações dos outros tempos sociais, do trabalho, das obrigações familiares, dos compromissos sociais voluntários, mas ele introduz o que temos chamado de “jogo” nos mecanismos sociais da participação imposta ou voluntária das instituições. Este lazer pode permitir o “ficar na sua”, “dar tempo ao tempo”, “mudar a cabeça”. Ele permite ao homem-da-organização viver um tempo que não é somente do dinheiro (time is Money) (DUMAZEDIER, 1994, p. 49). 68 Derivado do latim: “Do eu”. 117 Então, para alguns, vir para a Banda fazia parte do tempo de lazer, que, para Dumazedier (1994): é um tempo de expressão de si mesmo, individualmente ou em grupo. É o espaço de emergência de um grande número de práticas sociais, cada vez mais estereotipadas e variadas, cada vez mais sedutoras e ambíguas, que, mesmo limitadas e determinadas, exercem crescente influência sobre o conjunto da vida cotidiana (DUMAZEDIER, 1994, p. 30). A Banda, então, se tornava um lugar de lazer, no qual pessoas, crianças, adolescentes e adultos iam para a “reunião da turma”. Como disse Cléber (Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 202), “era todo mundo menino, ninguém tinha compromisso com nada, não tinha nada pra fazer, só via aquilo ali e distraía”. Se alguns músicos iam para a Banda aprender um instrumento ou porque queriam se tornar um instrumentista, outros iam por lazer. Apesar de o lazer, para Dumazedier (1994, p. 43), nascer da “extensão do tempo livre pela redução do tempo de trabalho”, este autor também considera que o lazer é um “tempo social para si próprio”, no qual existe uma liberação do sujeito social para que ele possa agir “fora dos tempos socialmente marcados pela obrigação ou pelo compromisso” (DUMAZEDIER, 1994, p. 48). No caso da Banda, o lazer é permeado de experiências de aprendizagens musicais. Por exemplo, para Brougère (2012, p. 128), “toda atividade pode tornar-se, em tese, lazer; isso depende da relação que se tem com ela, e não da sua natureza”. Isso se dá na Banda porque a atividade que os colaboradores realizam é por vontade própria, sem nenhum tipo de coação. É preciso levar em consideração que muitos músicos dedicam seu tempo à Banda, e este tempo, que é um “tempo livre”, eles usavam para aprender música, se profissionalizar ou melhorar sua técnica instrumental. Cabe mencionar que alguns músicos da Banda deixaram de frequentá-la em certos períodos, porque suas principais necessidades eram o trabalho. Porém, depois de algum tempo, retornaram à Banda e voltaram a frequentar seu espaço como um lugar para descanso e lazer. Assim, o lazer, o estar junto na Banda, ensino/aprendizagem de música. Para Brougère (2012), era mediado pelo 118 muitos lazeres supõem uma aprendizagem. Antes de se entregar a eles, importa dominar certos elementos da prática, ou mesmo dos conhecimentos associados a ela. [...] Na falta de uma aprendizagem em boa e devida forma, é necessário ao menos um momento de decodificação, uma iniciação prévia (BROUGÈRE, 2012, p. 131). No entanto, alguns vivem na Banda entre lazer e trabalho, trabalho e lazer. Cléber, por exemplo, aprendeu música e se profissionalizou na Banda, inclusive trabalhou algum tempo como assistente do maestro João, no final da década de 1980, e tornou-se depois maestro da banda de Paíns. Ele diz que, no seu caso, a Banda é trabalho, porque ele “vive de música”: No seu ponto de vista, a banda de Paíns é trabalho e a banda de Arcos é lugar de lazer. Como ele diz: Uai, a Banda é o tipo de coisa pra você unir, é um negócio pra você distrair, né? É o tipo de coisa pra você ficar bem descontraído. Pro meu caso é trabalho também, né? Pra mim é porque eu vivo de música, igual, eu recebo na banda de Paíns, porque eu sou maestro de lá. Agora pro outro, pro resto do pessoal, ou até mesmo quando eu estou aqui [na banda de Arcos] é prazer (Cléber, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 208). Tal como foi exposto, o espaço da Banda é um espaço para a formação musical, que poderia ser vista pelos músicos como: lazer, formação para o trabalho, tempo de passagem, lugar para formação musical e construção de uma carreira como músico. No entanto, vê-se que, para outros músicos, a Banda se torna uma espécie de clube, ou seja, um lugar para se distrair, conversar, passar o tempo livre. Mas um “tempo livre produtivo” (DUMAZEDIER, 1994), em que as práticas pedagógico-musicais ali exercitadas e exercidas são atividades essenciais para fortalecer a Banda como grupo social. 119 4 O ENSINO/APRENDIZAGEM DE MÚSICA NO ESPAÇO DA BANDA Sabe-se que a pessoa que começa a frequentar a Banda, provavelmente, em algum momento, pensou que poderia aprender música, poderia aprender um instrumento musical ou desenvolver alguma atividade relacionada ao tocar um instrumento. Percebe-se que antes dos participantes desta pesquisa procurarem a Banda, eles já tinham contato com alguma atividade ligada à música, seja através de pessoas da família ou de parentes que já tocaram na Banda, seja a partir de alguém da família que gostava de música; ou de atividades vividas na escola; ou através de músicos da Banda; ou das aulas de violão na Casa de Cultura de Arcos. Entre os anos de 1990 e 2005, as escolas da cidade promoviam gincanas uma vez por ano, e, mesmo sem ser o objetivo, faziam com que pessoas, principalmente os jovens, conhecessem a Banda. Cada escola era dividida em equipes e existia uma prova em que os alunos tinham que conseguir levar um instrumento desconhecido ou exótico. Paulo (Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 151) contou que ele levava o bombardino. Essa prova provocava diversas situações, nas quais os alunos que nunca tiveram contato com um instrumento musical passavam a conhecer, escutar e até querer aprender um instrumento. Diante destes indícios, vê-se que a escola é uma fonte de músicos em potencial, tanto que Cléber, na época em que ele era auxiliar do maestro na Banda, disse: [...] a gente começou a divulgar nas escolas, [...], mas era aquele negócio: enchia de gente no primeiro dia, no segundo a turma sumia. E nós tentamos, nós batalhamos e, sempre o mesmo... Direto! Mas assim, sempre ficava um, dois. É... Era aquele negócio, você chamava vinte, ficavam dois, três (Cléber, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 202). Embora não fossem muitas pessoas que tomavam gosto e continuavam a frequentar a Banda, era importante que pelo menos fosse possível manter a “captação” de músicos. E era na Casa de Cultura que a cidade tem um espaço no qual são oferecidas diversas oficinas de música, de teatro e etc. Acredita-se que 120 este lugar era um espaço que contribuiu bastante para que a Banda fosse conhecida. Também, durante as entrevistas, um nome que foi destacado foi o do Sr. Ronaldo Aparecido, professor de violão popular, conhecido na cidade, engajado em ações ligadas às artes e, principalmente, à música. Sinara é uma das colaboradoras que falou sobre este senhor, que incentivava aqueles alunos interessados a aprenderem música, a participarem da Banda ou a aprenderem violão erudito com o maestro. Eu não tenho noção de quando eu vi a Banda, quando eu descobri a Banda. Eu lembro quando foi proposto o estudo na Banda. Eu procurei a parte de cultura pra fazer aula de violão com o Ronaldo. E quando a gente terminou, ele fez um curso, ele tinha uma formatura simbólica, e quando terminou ele falou que tinha a possibilidade de acrescentar o nosso curso, era uma extensão do nosso curso, que era entrar na Banda. Até então eu nem sabia o que era uma banda, eu achava que era só o curso de violão clássico (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 56). Assim, a Banda era um espaço importante de ensino/aprendizagem de música na cidade, que era visto e reconhecido como tal na cidade. Ela reunia aqueles interessados em tocar “violão erudito” e, muitas vezes, esses alunos também resolviam aprender a tocar um instrumento de sopro para participar da Banda. 4.1 A banda de música como espaço social de educação musical Neste trabalho, a Banda é considerada um espaço de ensinar/aprender música, sendo, portanto, um grupo social composto por pessoas que têm objetivos relacionados com a permanência das suas atividades musicais. Para Campos (2008, p. 106), “os integrantes das bandas e fanfarras assumem o desejo de formar e manter o grupo, e constantemente enfrentam dificuldades para dar continuidade ao trabalho”. Com isso, supõe-se que a banda de música, na representação dos seus integrantes, se organiza e se articula socialmente, com o intuito de alcançar o que se almeja naquele e para aquele ambiente/espaço, formando relações e organizações, hierarquizando e atribuindo papéis a cada um que ali se socializa. Ou seja, as pessoas que frequentam o espaço da banda, por vontade própria, demonstram 121 interesse e/ou aceitam as práticas que lá se estabelecem, pois entendem que elas são indispensáveis para mantê-lo. Como grupo social e como espaço de ensino/aprendizagem de música, Gonçalves (2007) afirma que cada espaço tem suas práticas pedagógico-musicais, que também estão associadas a um determinado tempo. Isso porque, segundo Riedel (1964), “a música não existe, de fato não pode existir no vácuo, ela deve ser reconhecida como existente na sociedade humana, deve ser vista como uma função social feita pelo homem que cria e serve a sociabilidade” (RIEDEL, 1964, p. 157, tradução minha)69. É possível pensar que não somente a Banda, e sim as bandas, enquanto grupo social, têm a capacidade de fazer com que as pessoas estejam juntas, se reúnam nos lugares em que se fazem presentes para aprenderem música, tocarem, se apresentarem. Claro que esta capacidade passa por interesses pelas atividades do grupo. Com suas muitas atividades na cidade, a Banda era reconhecida como um grupo musical de prestígio, sobretudo quando aparece em situações específicas, geralmente em festivais, nos quais existia grande aglomeração de pessoas. São questões ligadas ao se manter como instituição, “fazer funcionar” as características básicas necessárias (exterioridade, objetividade, coercitividade, autoridade moral e historicidade), que fazem com que essa instituição ganhe força e tenha a capacidade de se renovar, e se reinventar, para que durante as próximas gerações possa continuar a ser reconhecida como uma banda de música. Acredita-se que a Banda, enquanto instituição e atuação na cidade, era importante para que as pessoas, crianças, jovens, adultos resolvessem estudar música. Este contato pôde provocar sensações e curiosidades, pôde despertar interesse do público presente. Quando se trata da banda de música enquanto espaço de formação e de práticas musicais, sabe-se que um aspecto importante para sua permanência é que haja a constante formação de músicos. Músicos que queiram estar naquele espaço e que se disponibilizem a compartilhar a vontade de tocar em conjunto. Segundo Simmel (1983), No original: “Music does not, indeed can not, exist in a vacuum. It must be recognized as existing in human society. It must be seen as a man-made social function that creates and serves sociability”. 69 122 quanto mais compacta é a unidade grupal desejada, tanto mais articulada deve ser a especialização de seus membros e tanto mais incondicionalmente essa especialização deve ligar o indivíduo ao todo e o todo a ele (SIMMEL, 1983, p. 91). Tal como está posto, considera-se que as bandas, além de serem tradicionalmente um local em que há interação social e que existe uma organização específica, são um espaço em que práticas pedagógico-musicais, tanto coletivas quanto individuais, são perceptíveis e recorrentes. Diante disso, concebe-se a banda de música, neste trabalho, como espaço social e, para este entendimento, utiliza-se o pensamento de Bourdieu (1997), que é um autor que faz distinção entre lugar e espaço. Para este autor, “lugar” é “o ponto do espaço físico onde um agente ou uma coisa se encontra situado, tem lugar, existe” (BOURDIEU, 1997, p. 160). Já o espaço social “caracteriza-se por sua posição relativa pela relação com os outros lugares e pela distância que o separa deles” (BOURDIEU, 1997, p. 160), e ainda o define pela “exclusão mútua (ou a distinção) das posições que o constituem” (BOURDIEU, 1997, p. 160). Este autor também afirma que o espaço social “encontra-se inscrito ao mesmo tempo nas estruturas espaciais e nas estruturas mentais, que são, por um lado, o produto da incorporação destas estruturas” (BOURDIEU, 1997, p. 163). O local que abriga a Banda foi, durante muito tempo, uma usina70 de tratamento elétrico, que, após ser desativada, foi cedida pela prefeitura, em conjunto com o estado, para se tornar a sede da Banda. O prédio é tombado pelo patrimônio histórico e na sua fachada ainda pode ser lido “Uzina Eléctrica de Arcos” (ver Figura 3, na página seguinte). É um espaço bastante exíguo de, aproximadamente, 50m² e é dividido em duas partes: um banheiro e uma sala, onde ficam os bancos e estantes de partituras; nos armários, dois deles embutidos e três armários de aço, ficam as partituras das obras musicais que estão sendo ensaiadas. Este espaço, como sede, é utilizado pelos integrantes da Banda para as aulas, ensaios e quaisquer outras atividades que possam ocorrer, como reuniões, ensaios individuais - com ou sem o maestro -, e, até mesmo, como ponto de encontro dos integrantes. Percebe-se que o espaço não é propício para outros tipos de atividades, como, por exemplo, festas ou apresentações. 70 Usina de tratamento elétrico era o local onde a eletricidade, após sua geração, era estabilizada para ser distribuída à cidade. 123 Geralmente, a bateria e a percussão ficam montadas em um canto para facilitar os ensaios. Os músicos também têm o hábito de deixar seus instrumentos na Banda, muitas vezes fora da caixa, em cima dos bancos. Lembro-me de que muitas pessoas chegavam à Banda, inclusive eu, e tinham o primeiro contato com um instrumento nesses bancos, ou no chão, como é o caso dos souzafones. Logo, o espaço da Banda, por sua organização e pela forma como os instrumentos eram deixados, possibilitava que os iniciantes e os visitantes tivessem contato com instrumentos, tivessem a oportunidade de explorá-los, pegando-os e/ou soprando-os. Figura 3 - Sede da Banda de Arcos, com detalhe do nome da corporação, ao lado da porta. Fonte: Foto tirada por mim para este trabalho. Acredita-se que nesse espaço da Banda, que é social, existam relações que criam e subsidiam as mais diversas formas de ensino/aprendizagem de música. Quando se trata da banda de música como espaço de ensinar/aprender música, sabe-se que relações sociais e pedagógico-musicais são estabelecidas tanto dentro, quanto fora dela (GONÇALVES, 2007), isto é, a banda mantém relações, por 124 exemplo, com a cidade, com as famílias dos seus integrantes, com as escolas, com a prefeitura, autoridades, dentre outros. Para estudar a constituição dos processos de ensino-aprendizagem na Banda, a partir das relações sociais, acredita-se ser importante pensar como estes processos se dão nas relações estabelecidas nos atos diários, ou nos fenômenos sociais envolvendo os indivíduos. Através destes atos diários eles podem se tornar parte de um sistema formado por ações, que são características de um grupo, que dizem respeito às mais diversas atitudes ou práticas para que uma pessoa aprenda música no espaço da Banda. 4.2 Função do maestro na Banda Ao analisar o material levantado para esta pesquisa, vê-se que o maestro é uma figura fundamental na Banda. Ele tinha diversas funções e, fora a responsabilidade com o ensino e a aprendizagem dos músicos, ele também tinha que manter o grupo junto, funcionando. Portanto, sabe-se que o maestro é figura de destaque em qualquer grupo musical, principalmente em bandas e orquestras. Diante do dia a dia relatado pelos colaboradores, percebe-se ainda a importância do maestro no que se refere às questões musicais, sociais e pedagógicas na Banda. A partir dos relatos, identificou-se que ele tinha várias funções. A primeira função atribuída a ele era acolher os iniciantes que iam para a Banda. No primeiro momento, ensinava princípios teóricos considerados básicos para que eles tocassem na Banda. Em sua segunda função, o maestro era responsável por julgar situações e oferecer opções que direcionassem os iniciantes para um instrumento em que eles tivessem afinidade e/ou por alguma necessidade da Banda. Assim, ele fazia escolhas fundamentadas e funcionais para que o iniciante pudesse desenvolver a técnica do instrumento e para que o estudo pudesse ser prazeroso. A Banda também era beneficiada quando era preenchida a ausência de algum instrumento, necessário para a composição do grupo instrumental. Em sua terceira função, o maestro era responsável por organizar, definir e direcionar a ênfase do ensaio. Deve-se dizer que, na Banda, caso o maestro não estivesse presente, dificilmente o ensaio acontecia, pois as pessoas formavam 125 pequenos grupos e, nestes casos, o gosto de cada um divergia. Em outras palavras, se o maestro não estivesse lá “aí ficava cada um em qualquer canto! [risos]” (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 39). Nestas situações, eles tocavam o que gostavam, pequenos grupos se formavam e dificilmente os presentes naquele ensaio tocariam a mesma música. Como quarta função, o maestro era responsável pela organização do trabalho da Banda, pois ele comandava os ensaios de acordo com a agenda de apresentações da Banda. Estes ensaios abrangiam a escolha do repertório; o arranjo, a orquestração e composição de novas músicas para a formação instrumental disponível na Banda; o treinamento de partes específicas para solucionar problemas individuais e coletivos na execução das obras; e a marcação de novos ensaios. A quinta função era a de gerenciar o grupo. Parece que o maestro fazia a manutenção de uma rede em que as pessoas da Banda eram os fios. Nesta rede, ele era responsável por atar e desatar nós que pudessem prejudicar o andamento das atividades musicais da Banda. Isso inclui a resolução de conflitos, visitas às casas dos músicos da Banda. Nestas visitas, o maestro passava a ser um motivador, que, com palavras, fazia com que o músico também quisesse fazer parte do grupo, ou fazia com ele se sentisse importante para o grupo. Poliana afirma que o maestro “ligava sempre” e quando eles faltavam no ensaio, ele dizia: “_Por que você não está vindo [ao ensaio]? A gente precisa de você lá!” (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 229). Já a sexta função do maestro era manter uma relação de familiaridade com os estudantes, tanto que alguns associam a figura do maestro com a de um pai, irmão e amigo, quase um confidente. Ramsés ainda diz que: O seu João não foi maestro, né? Como eu estou lá desde novo, então você acaba criando um vínculo além do processo musical. Tenho um respeito muito grande pelo maestro, um carinho, assim, não só musical. [...] Toda vez que eu pego uma foto de festa de criança está lá ele [O maestro] (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 122). Essa familiaridade era estreitada quando o maestro frequentava a casa dos integrantes da Banda (Caderno de entrevistas, p. 40, 95, 122, 233), para conversar com o músico ou com a família dele. De forma geral, ele dava conselhos, escutava 126 os músicos e ajudava cada um a solucionar problemas pessoais. Acredita-se que esta função seja muito importante para fazer da Banda um grupo sólido e com proximidade entre seus integrantes no dia a dia das suas atividades. Quando se trata deste aspecto, Cássia diz: Eu conversei com o João sobre relacionamento... afetivo, amoroso, sobre casamentos, sobre empregos, sobre a minha ida pra São Paulo, como foi lá, ele me contou toda a ida dele! Depois, quando eu estava trabalhando no jornal, fiz uma matéria que ele me contou toda a trajetória dele em São Paulo! Sobre música, como ele estudava, qual era a rotina de estudo dele, quem foram os professores dele. Então, nós tivemos um contato muito próximo! Ele tocou no meu casamento (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 95). Enfim, o maestro ensinava música de forma que todos poderiam participar das aulas de música e, posteriormente, tocar na Banda. Ele adaptava as obras musicais para que os iniciantes pudessem tocar, dava aulas individuais de teoria e solfejo. O maestro mantinha estas atividades para, também, suprir as necessidades da Banda em ter músicos novos, que são importantes para a sua manutenção. Na hierarquia da Banda, o maestro é responsável por manter o grupo e suas atividades, resolver os conflitos e definir a forma de trabalho, isso porque o trabalho de uma banda depende de um trabalho coletivo que funcione e que seja gerido de maneira a minimizar os problemas. Para Ravet (2006), “o trabalho de um coletivo dirigido por um maestro põe em jogo questões de autoridade, de negociação, de articulação de microdecisões para elaborar uma interpretação” (RAVET, 2006, p. 25). Portanto, acredita-se que por conhecer os músicos, suas características, desejos e ter experiência com as práticas pedagógico-musicais, as quais são importantes para manter esse espaço como uma banda de música, tendo seus repertórios, normas e tradições, o maestro procurava manter-se perto do grupo para atender às necessidades individuais e gerenciava o grupo de forma que ele pudesse mantê-lo em funcionamento. 4.3 O repertório da Banda Um dos aspectos importantes na Banda diz respeito ao repertório que era tocado. Um repertório que, muitas vezes, era considerado próprio deste tipo de 127 grupo musical e, outras vezes, era questionado em sua temporalidade, sua função. O maestro tinha papel fundamental na organização e mediação do processo de escolha do repertório. A Banda, por se apresentar em diversos lugares, mantinha até certo ponto um repertório variado e que poderia ser adequado aos lugares em que ela, geralmente, tocava, e aos novos lugares nos quais a demanda de uma apresentação pudesse surgir. Por ser um grupo que tinha um repertório variado, as obras tocadas podiam ser escolhidas de acordo com a ocasião, com o momento e com a impressão que se queria passar. Durante as entrevistas foi possível perceber que havia, por parte dos músicos, a vontade de “atualizar” o repertório da Banda, ou seja, tocar músicas da moda, do momento, músicas que os integrantes da Banda pudessem tocar e que fosse considerado por eles como mais atual. Vinícius, por exemplo, conta que: Banda de coreto é sempre um repertório mais... dobrado, mais música antiga. E a gente queria por [no repertório] umas músicas mais atuais, do momento... e o Sr. João nunca... Não é que ele não gostava, [ou] ele não deixava [tocar] porque acho que não entrava na cabeça dele. [Para ele] banda de coreto é uma coisa, banda pra fazer show é outra (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 30). Durante o tempo em que toquei na Banda, e de acordo com os relatos dos colaboradores desta pesquisa, foi possível perceber que no repertório da Banda havia uma quantidade de ritmos considerável, tais como: dobrados, maxixes, polcas, valsas, mazurcas, marchas e marchas fúnebres. Estes ritmos eram considerados pelos integrantes da Banda como “música de banda” e, em algumas situações, eram chamados por eles de “os clássicos do João”. Com algumas exceções, a Banda tocava uma ou outra música que fugia destes “clássicos”. Ramsés conta: Eu lembro de uma vez que saiu a música “Mexe, mexe que é bom” e nós fomos tocar em cima de caminhão pra exposição e eles deixaram a gente participar. Eles escolhiam alguma coisa, mas a autoridade ali do repertório era dele, a maioria do repertório (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 115). Também, neste sentido, é visível que o pessoal da Banda buscava, a partir da escolha do repertório, fazer com que a Banda fosse reconhecida como um grupo 128 mais integrado com o seu tempo, fazendo com que o repertório dialogasse com o momento social e musical em que viviam. Edwilson mencionou: Eu já escutei muito a galera falando: “_Ah, não, a Banda toca só essas músicas de velho”. Assim... eu não via aquilo como música de velho porque eu admiro o clássico, admiro... não sou muito chegado na valsa, né, mas o João gosta demais. Eu não gosto, mas é bonito. Eu não achava feio as coisas que ele colocava. Acho que ficou fora de moda, entende? (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 275). Nota-se que havia nos músicos, apesar de não gostarem muito do repertório, certo entendimento de que as bandas de música tocavam um repertório específico. Camila (Caderno de entrevistas, 11/07/2015 p. 229) diz que eles não se importavam e sabiam que essas músicas eram “coisa de banda”. Este talvez seja um dos pontos em que aparecem conflitos na Banda, pois a imposição do que seria tocado ou do que entraria no repertório da Banda era responsabilidade assumida pelo maestro, reconhecido como a autoridade máxima dentro da Banda. A afirmação da autoridade do maestro ainda era fortalecida pelo papel de destaque que possui em relação ao conhecimento musical detido por ele. Via-se que, muitas vezes, a ideia de tocar um instrumento em/no grupo sobressaía em relação ao repertório tocado, mas os músicos estavam atentos e percebiam que as “músicas de banda” não eram o que atraía pessoas. Cássia, por exemplo, menciona que o maestro fazia questão que a Banda tocasse esse tipo de música e que quando tinham uns encontros que estava massa71, estava tocando pop, rock, coisa mais contemporânea e o João com a cabeça mais antiga de “La Cumparsita”, “La Paloma”, os dobrados! E a galerinha toda jovem, adolescente, querendo tocar coisa nova, tema de filme, coisa assim, e ele sempre não querendo, não querendo, não abria mão de tocar os clássicos dele! (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 87). Embora a Banda tivesse em seu repertório poucas músicas “da moda”, conhecidas pelo grande público graças à mídia, o repertório mantido privilegiava obras musicais comumente tocadas por bandas. Era comum também que os músicos trocassem partituras com membros de outras bandas, pois era uma das 71 Estavam legais, estavam bons. 129 formas que tinham de conseguirem repertório novo. Vinícius fala sobre estas trocas de partituras: Olha, tinha bandas que a gente tinha intimidade, assim, [a banda de] Campina Verde72, tinha gente que conhecíamos. Tinha outras bandas, [a banda de] Itaúna73, tinha muitas pessoas conhecidas... acaba que um puxa o outro, aí a gente começava a conversar com as pessoas. Geralmente, a gente trocava partitura. Vamos supor: eu sou da corporação de Arcos, e essa [outra pessoa] é [da corporação] de Paíns, aí você está com uma partitura e eu estou com outra. Eu gostei da sua música, só que nós nem sabíamos como tirar essa música, ai eu pegava sua partitura, a solo, e dava ela pro Sr. João, e ele ia colocando os instrumentos... segunda voz, terceira voz, baixo, bombardino, tudo... Trocava [partitura] e nem precisava falar com o maestro! (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 50). A troca de partituras entre integrantes de diferentes bandas era fundamental para que um “repertório novo” pudesse ser adquirido. O novo está no sentido de que estas músicas ainda não tinham sido tocadas pela banda de Arcos ou pelos seus músicos. O repertório novo, contudo, não quer dizer que era um repertório atual. É importante salientar que, como dito, existia um conflito em relação à escolha do repertório e do que seria tocado pela Banda. Embora o maestro decidisse quais músicas seriam tocadas, ele não se incomodava que os músicos da Banda trocassem partituras com músicos de outras bandas, pois poderia acontecer de chegar ao maestro alguma música que ele poderia aproveitar. Reputa-se também que uma das facilidades que o repertório característico da Banda proporcionava era a similaridade entre uma música e outra. Para Paulo (Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 137), “se pegar um dobrado e pegar outro dobrado, parece a mesma coisa!”. Ressalta-se, então, que as músicas tradicionais de banda, tais como os dobrados, têm uma estrutura harmônica bem definida e são estruturadas basicamente com “tônica, subtônica e dominante”. É claro que podem existir variações na estrutura harmônica dos dobrados, mas não são comuns. Segundo Rocha (2011), esta estrutura comumente se dá em: 1 - se a exposição estiver em um determinado tom maior, no trio, altera-se a armadura da clave para que seja escrito no tom da subdominante, ou seja, do quarto grau da escala desse tom maior, que será, portanto, uma tonalidade maior. Por exemplo, quando as 72 73 Cidade a, aproximadamente, 135 km de Arcos. Cidade a, aproximadamente, 531 km de Arcos. 130 primeiras partes de um dobrado estiverem em Dó Maior (C), o trio será escrito em Fá Maior (F); 2 - se a exposição estiver em uma determinada tonalidade menor, será mantida a armadura da clave, mas o trio será escrito no tom do seu relativo maior. Por exemplo, se as primeiras partes estiverem escritas em Sol menor (Gm), o trio deverá estar em Si Bemol maior (Bb), ambos, portanto, com dois bemóis na armadura da clave. (ROCHA, 2011, p. 12, grifos no original). Segundo o maestro da Banda, ele selecionava uma sequência de obras do repertório, após a preparação nos ensaios para as apresentações, e estas ficavam com a Banda durante muito tempo. Segundo o maestro, a Banda tocava pouco, então, “não precisava ficar variando. Escolhia as músicas mais bonitas, as melhores!” (Sr. João, Caderno de entrevistas, 18/07/2015. p. 301). Vale ressaltar que existem obras que estão no repertório da Banda desde 1960 e, por este tempo, é bem provável que elas tenham sido tocadas muitas vezes nos lugares em que a Banda se apresentava. Ter obras no repertório durante tanto tempo proporciona aos sujeitos, que ainda não fazem parte da Banda, a familiarização com o repertório. Edwilson, por exemplo, que teve diversos membros de sua família na Banda (pai, dois tios e um irmão) estava familiarizado com o repertório. Ele já havia escutado seus familiares tocando essas músicas e isso, provavelmente, proporcionou-lhe algumas facilidades para tocá-las, pois já conhecidas por ele. Tendo em vista esta familiaridade com o repertório, para Edwilson, aprender o repertório era: muita questão de decorar, entendeu? É mais no ouvido mesmo e eu já sei as notas que eu vou, o ouvido já bate em cima! Agora isso aí já vai do músico, né? Tem músico que não tem essa... Murilo: Isso mais por ter costume de tocar essa música que você fala? Edwilson: Não, cara, eu digo... eu tenho muita facilidade de pegar a música, entendeu? Eu ouço a música ali uma vez e já tenho uma facilidade boa pra acertar ela (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 265). Observa-se que grande parte dos colaboradores desta pesquisa convivia com essas práticas de banda na cidade. Eles tiveram contato com o repertório, os instrumentos e as práticas relacionadas às bandas. Estiveram em contato advindo, muitas vezes, de uma formação familiar desses músicos. 131 Gomes (2009, p. 123), ao tratar das maneiras de ensinar/aprender música em uma família de músicos, fala sobre “aprendizagem difusa ou silenciosa” (GOMES, 2009, p. 123). Explica que este tipo de ensinar/aprender música pode acontecer nos momentos de brincadeira e de lazer, nas práticas dos adultos quando observadas pelas crianças e nas práticas musicais fora de casa. Vê-se, então, que conhecer o repertório que era tocado na Banda, e que o músico já tinha ouvido, facilitava não só a compreensão musical do repertório, mas também seus aspectos sociais. É importante salientar que a participação das pessoas nesses tipos de atividades que envolvem música pode caracterizar essa forma “difusa ou silenciosa” de se aprender, em especial por não se perceber que existe a intenção de que os sujeitos estejam, naqueles momentos, envolvidos em situações que os façam aprender. O procedimento principal de estudo do repertório da Banda se dava através da audição das obras musicais, principalmente quando o iniciante começava a frequentar a Banda, que era quando ele passava a ver/ouvir a Banda tocar mais de perto. Depois, o maestro tocava com o iniciante as músicas até que ele pudesse estar preparado para participar dos ensaios. Também acontecia de os músicos da Banda se encontrarem para passar o repertório fora do ensaio e, segundo Vinícius (Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 30), eles “iam ali [na Banda] passavam uma música, passavam uns exercícios, e à noite iam para o ensaio”. Destaca-se que, atualmente, não se escuta na rádio o repertório tradicional de bandas de música, o que certamente interfere nas formas de se aprender este tipo de música. Deve-se também levar em consideração que não há uma quantidade de público considerável para que se consiga fazer com que essas músicas possam ser veiculadas mais frequentemente, como acontece com outros gêneros musicais tocados atualmente nas rádios. Este repertório parece se distanciar cada vez mais do público por não ser tão ouvido, nem ser de fácil acesso. 4.4 Princípios pedagógicos do maestro O maestro é a figura principal na Banda, sobretudo quando se trata da condução do processo de ensino/aprendizagem musical neste espaço. Em um ensino que ora era individual e ora coletivo, o maestro adotava procedimentos mais 132 ou menos padronizados para a iniciação dos estudantes até quando eles começavam a tocar com/no grupo. Apesar de haver certa padronização nos conteúdos e na forma de ensinar os músicos, o maestro também adaptava suas práticas pedagógicas pensando nas dificuldades e no desenvolvimento de cada um. As estratégias adotadas pelo maestro podem ser percebidas quando Ramsés fala que, por ser criança, quando entrou na Banda, o maestro fez algumas adequações. Ramsés: Na verdade, quando eu comecei a estudar eles criaram uma estratégia, porque eu não tinha leitura direito, né? Criaram uma estratégia pra que eu pudesse, como criança... Adaptar a didática, né? Murilo: Você lembra de alguma coisa? Ramsés: Sim, no lugar no MI era um gatinho, no SOL era um sol e aí... Murilo: Isso era pra você, pra todo mundo, como é que era? Ramsés: Não, não, foi pra mim (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 106). O maestro, nesses casos, adaptava o que estava disponível para que o resultado musical fosse melhor, mais rápido e mais motivador para o iniciante. Às vezes, era necessário adaptar conteúdos, materiais didáticos e criar outras formas de ensinar para que o músico iniciante pudesse entender e desenvolver suas habilidades musicais com mais facilidade. Isso também para que a Banda pudesse sempre contar com iniciantes que, posteriormente, seriam capazes de tocar o repertório da Banda em suas apresentações. Percebe-se que o maestro buscava respeitar o tempo de cada um, pois sabia que a “hora de aprender” nem sempre dependia dele. Ramsés, por exemplo, ao refletir sobre o tempo em que esteve na Banda, disse que: Ramsés: Na verdade eu fui tocar depois de dezoito74 anos pra frente, porque até então eu fiquei só [faz sinal de enrolar com a mão]... Porque eu fiquei um bom tempo na corporação, nem foi tocando. Murilo: O que é que você fazia, lá? Ramsés: Uai, adaptavam a música pra mim, só tocava a nota final, a nota do início, né, aquelas coisas (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 107-108). Embora tenha começado a frequentar a Banda com sete anos de idade, o colaborador julga que só foi aprender música depois dos dezoito anos, isso quando ele foi estudar música em uma escola fora da cidade. 74 133 Uma possível interpretação dessa fala do colaborador Ramsés pode ser o fato de que para ele, como criança, tocar não estava ligado a uma profissão ou ascensão social. A Banda, como qualquer outra coisa para ele, poderia ser considerada uma brincadeira, ter outro significado, assim como outra ação feita por uma criança. O que acontece é que em um determinado momento existe uma “tomada de consciência”, na qual ele percebe que era necessário estudar e dominar determinadas técnicas para se considerar capaz de tocar um instrumento musical. Mesmo sendo necessário que o participante atingisse certo nível para que pudesse acompanhar a Banda nas apresentações, existiam casos em que a preocupação era manter pessoas que podiam vir a ser músicos da Banda. Como ilustração, pode-se pensar no caso de uma criança bem pequena. Ramsés, por exemplo, ainda não tinha condições de tocar o repertório e o maestro buscava alternativas pedagógicas, pensando em não perder este “futuro músico da Banda”. Ele buscava estas adaptações muito mais no repertório do que nos conteúdos de teoria musical, acreditando que tocar o instrumento seria muito mais prazeroso para o iniciante. Pensando em longo prazo, a formação do músico poderia demorar o tempo necessário, pois o maestro sabia que se fosse da vontade da pessoa ela iria aprender. Pode-se também pensar que o maestro não queria “espantar” ninguém da Banda. Sobre estas práticas pedagógicas e a forma como eram tratados os iniciantes que chegavam à Banda, o maestro diz: Eu uso o “jogo de cintura”. Vou de acordo com o aluno, se tem muita facilidade, mas tem que ir devagar. Às vezes o menino é muito novo e se você começar a pegar demais... O que acontece é que, às vezes, tem muita capacidade e pouca vontade. Às vezes, ele é muito entusiasmado, mas desanima. Aí eu não faço isso [pegar no pé], justamente por isso [pra não perder o aluno] (Sr. João, Caderno de entrevistas, 22/01/2014 p. 4). Ao simplificar uma música para que o iniciante pudesse tocar, o maestro fazia muito além de um exercício específico, ele procurava integrá-lo ao grupo, oferecia a ele a oportunidade de conhecer e/ou entrar em contato com o repertório da Banda, mesmo que este músico não conseguisse ainda tocá-lo com desenvoltura. Ele buscava oportunizar à criança o gosto pela Banda, para que ela continuasse a fazer parte do grupo. Percebe-se que esta forma de tratar os alunos iniciantes já fazia com que, ao frequentarem os ensaios e as apresentações, se 134 engajassem no dia a dia das atividades do grupo, tendo contato com os músicos e experienciando auditivamente o repertório da Banda. Mesmo antes de serem capazes de tocar um instrumento, esses iniciantes podiam exercitar a memória musical, o ouvido e era uma forma de conviver e saber o que acontecia nos momentos das apresentações. Era ainda uma forma de entrar em contato com os costumes75 das entradas de cada música e que a Banda tocava para cada ocasião. Por fim, era uma possibilidade de aprenderem as “coisas da Banda” e de bandas de música. Na fala do maestro, percebe-se que ele era consciente das dificuldades de cada músico e considerava a necessidade de adaptar seu modo de ensinar de maneira que pudesse beneficiar não só o músico, mas o grupo. O maestro também escolhia a forma que ele considerava mais clara de reger, pois assim o músico poderia acompanhar o grupo. Isso pode ser percebido na fala de Pixano, quando ele diz: Pixano: Cada maestro tem um jeito de reger a Banda. O João, por exemplo, era tipo com a mão no peito, né? [faz o gesto de tempo forte e tempo fraco com a mão no ar, a frente da barriga e o forte no peito]. Outros maestros já eram na varinha. Outros maestros já eram com a mão assim [faz o gesto com a mão]. Quando era pra “artiá”76 no cheio77 ele fazia assim... né? [levanta a mão]! E quando era piano ele fazia assim! [abaixa a mão]. Cada um tinha um jeito de reger as bandas. Murilo: E qual você achava que era mais fácil? Pixano: O mais fácil era o que fazia assim... né? [gestos de sobe e desce]. Era mais interessante, o piano, por exemplo... o “arto”78 também, o cheio, fazia pra cima (faz gesto pra cima). Murilo: Você seguia mão dele? Pixano: Sim! (Pixano, Caderno de entrevistas, 09/07/2015, p. 170). Diante do exposto, vê-se que o maestro utilizava estratégias para fazer com que os músicos respondessem às necessidades da Banda e, ao mesmo tempo, era importante que esse iniciante não desistisse de aprender música ou tocar um instrumento na Banda. A frequentação destes iniciantes no ambiente da Banda era É comum que o maestro não anuncie a entrada de muitas músicas, pois, principalmente nos dobrados, é costume fazer uma “chamada” na caixa clara para que todos entrem no tempo certo. 76 “Artiá”, passar de fraco para forte, crescente. Ir do baixo (fraco) para o alto [arto] (forte), “altear” [artiar]. 77 Cheio: Na linguagem dos músicos da Banda é a parte B da música. Nesta parte, que está localizada antes do trio (parte C), os instrumentos de calibre grosso (instrumentos graves) assumem a voz principal. 78 “Arto” ou alto, neste caso, o entrevistado faz referência a um trecho forte, ficando mais forte. 75 135 outra estratégia importante para a criação de vínculos afetivos e musicais com o grupo. 4.5 Etapas para ensino/aprendizagem na Banda Ao pensar sobre as práticas e formas de aprender/ensinar música na Banda, percebe-se que existiam alguns itens básicos de teoria e solfejo que, ao ver do maestro, eram necessários para a formação do músico e que deveriam ser ensinados na Banda. Era uma espécie de “lista” que o maestro mantinha e que englobava os itens básicos para que o iniciante pudesse se tornar músico da Banda. O ensino na Banda era dividido em três partes: aulas individuais, que aconteciam entre o maestro e um músico, sendo que esta aula poderia ser de teoria ou de instrumento; aulas em grupo, nas quais o maestro ensaiava o repertório com pequenos grupos para resolver problemas de execução e leitura em trechos específicos; e, por último, os ensaios, nos quais ele combinava com o grupo como cada obra seria tocada, além de resolver problemas que aparecessem naquele momento. Após um tempo, os músicos não tinham mais aulas de instrumento, nem de teoria musical, aí os ensaios se tornavam momentos em que os músicos tocavam, aprendiam, trocavam conhecimentos com os demais músicos sobre seu instrumento e formas de executar as obras musicais. Embora o maestro seguisse os mesmos princípios no que se diz respeito à iniciação do músico, ele também adaptava os procedimentos para que todos pudessem chegar a tocar na Banda. Então, pensando também nos procedimentos mencionados anteriormente, entende-se que a adaptação das formas de ensinar música na Banda tinha o repertório como foco principal. No entanto, é comum aos iniciantes na Banda que queiram tocar um instrumento de sopro, primeiro estudar um livro de solfejo, que era usado para todos e, só depois, passavam para o estudo do instrumento, pois, para ele, o solfejo era fundamental para a leitura melódica e rítmica do iniciante ao instrumento. Contando sobre suas próprias práticas, o maestro deixou claro que, na Banda: 136 Antigamente eu usava o ABC Musical [livro de teoria], usava mesmo para a teoria, escrevia, dava mais esclarecidas em teoria musical se não, na hora de fazer a coisa lá na prática, de decorar as notas, as pausas, os espaços... implicava porque a pauta eram cinco linhas pra cima, pra baixo, tinha continuado o som, mas o que representava o espaço aí, né? Já não era com a pauta com a linha cheia, completa, era só limitado àquelas notinhas ali. E por ali eu ia fazendo solfejo. Solfejo, eu dei muito solfejo, né? Você mesmo amava solfejo, né? [risos] (Sr. João, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 291). Percebe-se na fala do maestro que os músicos que frequentavam a Banda tinham seus estudos divididos em três etapas. Seguem-se, então, as três etapas identificadas como sendo, para ele, necessárias para os músicos tocarem na Banda. No entanto, estas três etapas não eram, muitas vezes, sequenciais. Em alguns casos, o músico já tocava o instrumento (terceira etapa) e ainda fazia solfejo (segunda etapa). O mesmo poderia acontecer com todas as etapas, quando o maestro poderia “ir e voltar” em cada uma delas, conforme a necessidade do iniciante. 4.5.1 Primeira etapa: a de teoria da música Como a leitura era considerada um aspecto importantíssimo para tocar um instrumento na Banda, a primeira etapa constituía na apresentação de uma folha pautada, escrita à mão, na qual o maestro “desenhava” as notas na pauta musical (primeiro nos espaços e, logo em seguida, nas linhas), as fórmulas de compassos simples (binário, ternário e quaternário), bem como algumas definições de música, como timbre, som e silêncio. Paulo conta sobre a entrega desta folha: Você chegava lá [na Banda] e o João te dava uma folhinha [ver Figura 4] com um tanto notas musicais, ele mesmo escrevia à mão naquelas partituras em branco, escrevia o que é que é música “música é o conjunto lá de não sei o que”. Eu acho que eu tenho essa folha aí, se eu procurar... (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 135). 137 Figura 4 - Primeira página da folha escrita à mão pelo maestro. Fonte: Meu arquivo pessoal. O maestro ainda explica que a primeira coisa que fazia era “aplicar os exercícios: o que é música? Música é a arte das combinações e explicar pra eles que música é estudado” e, além disso, menciona que dizia aos músicos iniciantes que música “não é só isso que se escuta por aí e fica por isso só não, sô!” (Sr. João, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 288). A segunda parte dessa folha (ver Figura 5) continha duas linhas com algumas notas escritas, sem marcação de tempo, que o maestro usava como avaliação para saber se o iniciante tinha memorizado a posição das notas na clave de sol e se ele já tinha condições de passar para o livro de solfejo. As notas eram arguidas somente na clave de sol: primeiramente as notas nos espaços (fá, lá, dó, mi), depois somente nas linhas (mi, sol, si, ré, fá) e, posteriormente, todas as notas na pauta. 138 Figura 5 - Segunda página da folha escrita à mão pelo maestro. Fonte: Meu arquivo pessoal. Em um primeiro momento, o maestro pedia para que o iniciante lesse as notas na sequência em que estavam escritas e, logo em seguida, com o auxílio de uma caneta, apontava aleatoriamente as notas para que o iniciante reconhecesse a localização de cada uma delas na pauta. Paulo conta: Aí você fazia essa folhinha, aí tinha meio que um solfejinho nela, duas linhas de notas e depois você iria pro solfejo, marcar compasso com a baquetinha do tarol! [risos] (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 135). Pode-se dizer que nessa folha podem ser encontrados os conteúdos de teoria musical, que eram julgados necessários para que o iniciante passasse ao solfejo: nome das notas na pauta e as linhas suplementares inferiores e superiores; o tempo (duração das figuras); fórmulas de compasso (binário, ternário e quaternário); tonalidades e suas formas de grafia junto à clave. 4.5.2 Segunda etapa: a do solfejo Essa etapa acontecia após o maestro passar com os iniciantes o “solfejinho” escrito à mão, que foi mostrado no item anterior. Ele costumava fazer uma pequena 139 revisão com os nomes das notas, as formas de compasso e os tempos de cada figura musical para, então, passar à segunda etapa: a do solfejo. Essa segunda etapa acontecia logo após o aluno passar pela leitura das notas, ou memorizar a localização delas no pentagrama, em pelo menos uma oitava. Depois disso, o maestro introduzia o solfejo. O solfejo era realizado no livro de solfejo (NASCIMENTO; SILVA, 1978), no qual o iniciante aprendia a cantar as notas, focando na afinação e na divisão rítmica, sendo que o ritmo também era marcado com a mão, fazendo o desenho de cada compasso no ar (ver Figura 6). Figura 6 - Terceira página da folha escrita à mão pelo maestro. Fonte: Meu arquivo pessoal. Após as explicações do maestro na Banda, os solfejos deveriam ser estudados em casa individualmente. Sobre este estudo Vinícius diz: Eu estudava solfejo em casa. Chegava em casa, minha mãe estava na sala, meu pai chegava do serviço, meus irmãos não estavam no quarto, aí eu ia pro quarto, quando era método de leitura, solfejo, aí eu ia treinava. Fica ali... ficava lembrando o que o João ficava falando (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 37). Posteriormente, iam à Banda fora dos horários de ensaio para passarem as lições com o maestro. Nestes momentos, o maestro passava as lições individualmente com os iniciantes e, em alguns casos, com dois alunos de cada vez. Em poucos momentos, os colaboradores disseram que estudavam solfejo na Banda 140 com outros músicos. Estes solfejos, geralmente, eram acompanhados pelo maestro ao violão, enquanto o iniciante cantava as lições. Vinícius conta que: Quando era aula de leitura e de solfejo ele [o maestro] sentava com a gente, pegava o violão, ele ia tocando e a gente ia solfejando, lendo as notas, e marcando o compasso. Quando chegava no instrumento ele dava o método do instrumento para a gente (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 33). Os livros utilizados para o solfejo eram da Banda. Segundo o maestro, quando ele chegou à Banda, estes livros já estavam lá. O livro que o maestro se referiu, como “o Garodê”79, já tinha sido utilizado por ele quando ainda morava em Belo Horizonte e estudava música. Quando chegou à Banda de Arcos, em meados da década de 1980, achou melhor utilizar os dois livros, mesclando o que ele julgava melhor em cada um. O maestro utilizava o mesmo livro com todos os alunos: trabalhava primeiro a leitura das notas, depois os tempos, a duração de cada figura com sílabas 80 ou instrumentos de percussão, depois cantava as escalas correspondentes a cada uma das tonalidades maiores. Nas palavras do maestro: Eu sempre ensinava primeiro a teoria depois ia para o solfejo. Ensinava o valor das notas, cantava com eles a escala afinadinha e depois ia para o método do José Raymundo da Silva. Depois comecei a trabalhar com dois [métodos], eu comecei com o Garodê (Sr. João, Caderno de entrevistas, 22/01/2014, p. 4). Com a experiência adquirida na Banda, o maestro passou a utilizar somente um livro de solfejo (NASCIMENTO; SILVA, 1978) e também a folha manuscrita mencionada anteriormente. Ou seja, através de suas experiências, o maestro foi selecionando o que ele pensava ser indispensável para a formação dos músicos da Banda. Após conversar com outros integrantes da Banda, percebi que tinha um ponto, um exercício específico, que o aluno deveria passar para que, depois, ele pudesse iniciar o estudo do instrumento. Cássia conta que: Esse livro não foi encontrado. Foi um dos livros de solfejo adotado pelo maestro quando ele começou a dar aulas na Banda, no entanto não é usado há muitos anos. 80 Utiliza a quantidade de vogais para marcar o tempo. Um tempo “tá”, dois tempos “tá-a” e assim por diante. 79 141 Eu fiz um mês de aula e parei, falei que não queria e tal, falei que ia parar naquela lição difícil do solfejo. [Canta, decorado a lição] [ver Figura 7]. Aí parei, distanciei um mês. Eu não queria clarinete! Eu queria trompete! Aí depois o João foi e me chamou pra voltar, aí eu refiz todo o solfejo de novo. Pra entrar eu tinha que fazer. Refiz todo o solfejo de novo, aí eu comecei a tocar clarinete (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 80). Quando identifiquei que tinha “um nível” que o aluno deveria atingir para, então, poder tocar um instrumento, fui até a sede da Banda e consegui uma cópia do livro. No exercício extraído do livro “Método de Solfejo” (ver Figura 7) é possível notar que esse solfejo está escrito em dó maior, com notas na extensão de uma oitava, em compasso binário, com notas em ½ (colcheias), 1 (semínimas) e 2 (mínimas) tempos. Ainda vê-se que as notas têm uma numeração acima da sua haste, o número um representa o dó, o dois o ré e assim por diante. Figura 7 - Exercício 11, p. 8. Fonte: NASCIMENTO; SILVA (1978, p. 8). Esse exercício de solfejo funcionava quase que como uma prova que referendava se os iniciantes que o dominavam já teriam condições de ler as músicas do repertório da Banda. A partir daí, o instrumento era entregue aos iniciantes. É importante dizer que o solfejo era praticado da mesma forma com todos. Paulo faz a descrição de como era este momento. se tivesse alguém na frente [alguém que tivesse chegado primeiro], ele [o maestro] dava a aulinha dele [para aquela pessoa]. [...] A gente esperava... e depois a gente tinha que ir pra aquelas mesinhas do... aquelas mesinhas, aqueles banquinhos de pau, aquele trem e ficava lá tocando partitura. Geralmente a maioria dos tons o João acompanhava a gente a fazer o solfejo com o violãozinho, geralmente, era tudo em tom maior, a gente ficava cantando, “catando” mesmo! E era isso (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 135). 142 É importante fazer uma ressalva quando o participante diz que os solfejos eram “todos em tom maior”. Esta afirmação é feita porque os acidentes na pauta poderiam ser recorrentes, ou seja, o solfejo poderia estar escrito com armadura de clave em dó maior, mas a mudança de tonalidade se dava pelos bemóis e sustenidos ocorrentes, que apareciam durante o exercício. Como o maestro acompanhava a entoação do solfejo ao violão, o iniciante, quando lia e via a partitura, percebia como se todo o exercício estivesse em Dó maior. 4.5.3 Terceira etapa: iniciando no instrumento Embora se saiba que o estudo da técnica instrumental seja importantíssimo para desenvolver habilidades nos instrumentos musicais, na Banda este estudo não era o foco. A ênfase estava no solfejo como preparação para leitura musical no instrumento. Como mencionado, depois de estudar teoria da música e solfejo, os músicos poderiam iniciar o estudo do instrumento. Juliano conta: Geralmente os músicos chegavam aqui [na Banda] e tinham que passar pelo solfejo, no mínimo seis meses pra depois pegar o instrumento [...] Com todas as pessoas que entraram depois, o João passou solfejo durante um tempo e aí pegava instrumento depois de seis meses, um ano ou até mais (Juliano, Caderno de entrevistas, 10/07/2015, p. 180). Nessa terceira etapa, os iniciantes eram direcionados para um livro (“um método”) destinado ao ensino da técnica específica de cada instrumento. No entanto, não houve relatos dos colaboradores sobre os exercícios técnicos deste “método específico do instrumento”. Intui-se que o músico estudava somente o necessário do livro de teoria para que ele pudesse passar para o livro de técnica ou começar a tocar o instrumento na Banda. Lembro-me que, em meu caso, não cheguei a estudar um método de instrumento, pois na Banda não tínhamos um livro específico para o trombone de vara. O maestro, então, passava comigo as lições do solfejo que eu já tinha cantado, porém, neste momento, eu já as tocava no trombone. Para outros, depois que o estudo no livro de solfejo diminuía, eles passavam a se dedicar mais ao método específico para os respectivos instrumentos. Edwilson diz que: 143 Edwilson: eu estudava o solfejo, né? Aí o João ficava naquela questão de não querer entregar o instrumento. Porque todo mundo que pegava o instrumento, abandonava a teoria, né? E eu fiz praticamente isso, porque eu peguei o instrumento e fiz ali um mês no máximo de teoria ali, entendeu, logo já [faz gesto de empurrar, largar, a teoria]. Murilo: E você tinha aula de instrumento na Banda? Edwilson: Tinha. A gente chegava lá e passava um método, né? Tinha um método. Cheguei a passar ele até a metade. Foi bom e devia ter concluído também. Aí quando você sente que está com uma percepção boa, você vai e abandona (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 269). Após passar ao método específico para cada instrumento, o maestro acompanhava o estudante com o instrumento que estivesse disponível. Geralmente, o método para instrumentos de pistos (ou válvulas, como o trompete, bombardino) era um só e outro método era utilizado para instrumentos de palheta (requinta, clarinete e saxofone). Nos casos em que a Banda não tinha um livro específico para o instrumento, o maestro simplificava a partitura de algumas obras do repertório que a Banda tocava e estudava com o iniciante, já com o objetivo de engajá-lo como músico no grupo. No caso dos instrumentos de percussão, o maestro combinava com os iniciantes para irem aos ensaios (tanto os ensaios com partes específicas do grupo, quanto os gerais), pois assim eles se familiarizariam com os ritmos. Num primeiro momento, o maestro tocava o instrumento para que o iniciante repetisse; depois de algum tempo, o maestro pedia para que ele acompanhasse quem estivesse tocando percussão, porém “baixinho” (piano), para não atrapalhar; quando ele percebia que o iniciante não iria parar durante a música, ele pedia que ele acompanhasse primeiro nos ensaios de naipe, depois nos ensaios gerais. Vale lembrar que ao iniciante no grupo, após começar a tocar um instrumento, o maestro não impunha o estudo obrigatório da teoria musical. Quando chegávamos à Banda, conversávamos com o maestro e decidíamos o que iríamos fazer. O que se deve lembrar é que como a Banda precisava de mais músicos, geralmente estudávamos as músicas do repertório da Banda e não os conteúdos de teoria musical. Nos casos em que não havia métodos específicos para o instrumento, o maestro dava ao aluno a partitura de uma obra do repertório da Banda e o acompanhava tocando uma “mistura de vozes”, que ele “criava na hora” para que o 144 músico iniciante pudesse seguir sua partitura, tendo a referência da melodia executada pelo maestro. Ou seja, na falta de um método e da “Banda completa” para o iniciante estudar sua parte, sem sentir falta do grupo, o maestro tocava as partes que julgava mais importante e que dariam referência auditiva para que o músico pudesse estudar a parte do seu instrumento, do arranjo geral. Ainda pode-se deduzir que, quando o maestro tocava uma “mistura” de vozes dos outros instrumentos junto com o iniciante, o intuito era fazer com que este iniciante estivesse em contato com o repertório da Banda e, ainda mais importante, com as partes que serviriam de referência sonora no momento em que ele tocasse com o restante da Banda. Nesse momento, percebe-se que o maestro tentava gerenciar o tempo de estudo dos músicos entre o solfejo e a técnica instrumental. Isso era feito de forma que o músico tivesse sempre o que estudar. Sobre esta perspectiva, Cássia fala sobre a expectativa que tinha quando chegava à Banda. Aí o João chegava e a gente já ficava na expectativa de ver se a gente ia passar o solfejo, naquele dia, para o próximo. Aí ele já passava o próximo e passava a música pra tocar no clarinete. Aí eu já começava a treinar o próximo solfejo e a próxima música para o dia seguinte. (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 83). Também, na fala dessa colaboradora, percebe-se que essas etapas descritas até agora não eram “passadas” pelos músicos isoladamente. Elas poderiam se sobrepor e o músico também poderia “ir e vir” entre elas, caso houvesse a necessidade de resolver problemas e dúvidas pertinentes a cada momento da aprendizagem musical vivida pelo iniciante. Conclui-se, então, que a base inicial dos estudos que envolvem a formação do músico na Banda é a teoria musical e o solfejo, embora existam outros procedimentos de se ensinar/aprender música, como o da escrita musical, da imitação, dentre outros. O solfejo era, no entanto, considerado uma prática pedagógica importante para os músicos iniciarem o estudo do instrumento. 145 4.6 Ensinar/aprender a tocar um instrumento na Banda 4.6.1 Pela leitura e escrita musical Dentre os conteúdos mais importantes na formação dos músicos da Banda estão os da leitura e escrita musical. As aulas na Banda eram individuais e não tinham horário fixo, ou seja, era por ordem de chegada. Era possível ir à Banda todos os dias da semana e ter aulas uma vez a cada dia, desde que fosse respeitada a hora de chegada de cada um. Cássia, por exemplo, diz que “ia de segunda à sexta, todos os dias” (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 83). O maestro passava com cada iniciante o livro de solfejo (NASCIMENTO; SILVA, 1978)81 ou o material elaborado por ele para o ensino dos conteúdos de teoria musical, como claves, nomes das notas, figuras musicais, compassos. Era essencial que os iniciantes memorizassem a localização das notas na pauta, nas respectivas claves. Eram conteúdos considerados importantes para leitura musical. Logo em seguida, o maestro, acompanhando com o violão, fazia com que o iniciante cantasse uma escala maior para que ele pudesse aperfeiçoar a afinação. A partir daí, era importante também o solfejar, já que era uma habilidade musical considerada importantíssima para a aprendizagem do instrumento. Sem dúvida, havia a ideia de que o solfejo era importante não só para a leitura musical, mas também para preparar esse iniciante auditivamente. Tais habilidades eram tidas, então, como fundamentais para iniciarem a aprendizagem do instrumento. Quando se trata da escrita musical, dentre tantas práticas de ensinar/aprender música reconhecidas na Banda, as que mais me ajudaram foram, por exemplo, a de copiar à mão partituras e fazer ditado musical. Durante muito tempo, eu tive dificuldades com leitura musical e o maestro me incentivou a fazer cópias e ditados das partituras das músicas que a Banda tocava. Ele acreditava que este procedimento poderia me ajudar a resolver essa situação e acredito que, no meu caso, isso foi muito útil para minhas habilidades como músico. Durante a entrevista com o maestro João, ele se lembrou dessa minha prática: O livro utilizado é o volume 1, no qual percebe-se que os exercícios têm um grau de dificuldade crescente, começando, na primeira parte, com três notas por grau conjunto em mínimas e semínimas até atingir uma oitava, com saltos e semicolcheias. Logo em seguida, pode-se notar a utilização de compassos compostos. 81 146 Você pode ver que os alunos desse povo não têm confiança! Você chega e “_lê isso aqui”. Eles não leem! Não tem confiança! Você vai tocar uma bateria com eles, eles saem do compasso! Não aprendeu compasso! Técnica não se ensina! Eles te passam aí você desenvolve! Você não lembra? Você chegou e tinha dificuldade de ler nota, nós íamos fazer solfejo e você começava a errar! Depois você começou a sumir da aula. Mas você sempre passava aqui, pegava o papel e levava pra casa. E eu [pensava]: “_Será... pra que sô? Eu não vou falar nada não... pra não...”. Você pegava papel, levava e um dia você chegou aqui e disse: “_Pode tomar de mim que eu não vou errar não!” Fui tomar e você não errou! Você levava os papéis e copiava tudo em casa! [risos] (Sr. João, Caderno de entrevistas, 22/01/2014, p. 9). Eu escolhia as músicas que tinham mais notas (ver figura 8) e que dariam mais trabalho para copiar. Embora a Banda fornecesse cópias das partituras, eu achava que era mais interessante copiá-las, praticando a leitura e a escrita musical. Com isso, pude aprender a fazer transposições e, em alguns casos, até pequenos arranjos. Como eu sabia o que eu não era capaz de tocar, eu acabava por mesclar as partituras fáceis com as difíceis, para que eu conseguisse tocar a música inteira. Figura 8 - Trecho da Música “O Cisne Branco”82, copiado por mim. Fonte: Meu arquivo pessoal. Tenho em minha casa a cópia que eu mesmo fiz dessa partitura. A grade, para todos os instrumentos da Banda, em todos os tons necessários e para as primeiras, segundas e terceiras vozes. 82 147 A partir das entrevistas, notou-se que essa prática também era comum para outras pessoas que faziam cópias e/ou ditados de suas próprias partituras. Acreditava-se que ao fazer estas cópias a leitura e a escrita eram exercitadas, pois é inegável que a atenção necessária para fazer cópias de uma folha inteira de “bolinhas tão pequenas” era difícil. Embora eu tenha desenvolvido este hábito por necessidade, percebi nas entrevistas que outras pessoas faziam a mesma coisa, por outros motivos, mas os benefícios podem ser parecidos. Como exemplo, está este trecho em que Poliana conta sobre esta sua prática: Poliana: Tinha uma pasta, nossa eu achava muito bacana transpor, transpor não, escrever a partitura. Achava lindo! Aí mais no final que eu estava, começou a entrar computador, uma coisa mais... mas eu achava bonitinho... à mão]. Murilo: Fazer à mão? Você lembra de quem mais fazia? Poliana: O Paulo! O Paulo fazia muito à mão. Eu fazia só pra mim mesmo. Murilo: Só a sua? Poliana: Só pra guardar (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 246). Ao escarafunchar os armários da Banda, ainda me deparei com outras partituras copiadas, que podem mostrar que essa prática era mantida por todos os músicos iniciantes na Banda. Era comum que alguns de nós copiássemos as partituras para todos os instrumentos e, mesmo que não fosse consciente para o músico, esta cópia das partituras poderia agregar conhecimentos musicais ao iniciante da Banda, como a atenção dedicada à leitura correta de cada nota. Há que se destacar que a leitura e a escrita musical estão sempre presentes na Banda, nos momentos de estudos individuais em casa e nos momentos coletivos, como os ensaios e as apresentações. Tanto a habilidade de leitura quanto a de escrita musical são consideradas importantes para os músicos da Banda, principalmente nos ensaios, quando se dedicava a tocar músicas novas que ainda não eram conhecidas pelos músicos, ou que não haviam sido ouvidas nem tocadas pelos músicos. Eram habilidades que davam dinamicidade e fluência ao ensaio. 148 4.6.2 Pela imitação sonora e visual Ensinar/aprender um instrumento era um dos principais objetivos na Banda, tanto dos músicos, quanto do maestro. Sendo assim, era importante que o iniciante tivesse contato com o instrumento, o qual se dava de diversas formas, tais como: tocando, lendo a partitura, ouvindo o instrumento tocar na Banda, olhando o companheiro tocar alguma música ou lição. Como os instrumentos de banda são de potência sonora, sabe-se que o som torna-se uma referência e que, ao ser tocado em certos volumes, pode facilitar o processo de comparação dos sons. Sabe-se ainda que alguns instrumentos de banda podem ser tocados com digitações semelhantes, como o bombardino, o saxhorns, o trombone de pisto e o trompete, o que facilitaria a visualização e a “cópia das digitações” utilizadas em trechos de músicas do repertório da Banda, e que o músico ainda não tinha memorizado. Através das análises das entrevistas, nessa Banda, o ensino/aprendizagem de um instrumento tinha como base três estratégias principais: a primeira era ouvindo a Banda ou outro músico tocando a música do repertório; a segunda era olhando a mão do outro e vendo o que ele fazia para, a partir daí, tentar fazer igual; e, a terceira, correspondia à comparação: a partir da audição e da imitação, o músico passava a memorizar/ler/tocar sua parte, ouvindo o que outro tocava e fazendo uma comparação entre as duas execuções, com o intuito de identificar erros e/ou diferenças. Essas estratégias de aprendizagem, que passam pela imitação, podem ser percebidas em todos os momentos nos quais os músicos tocavam juntos, como, por exemplo: no ensaio, quando tiravam dúvida em alguma obra nova do repertório, conferindo se a digitação no instrumento ou se o trecho que o músico tocava estava correto; ou nos momentos de apresentação, quando o músico tocava uma obra memorizada e tinha um lapso se memória, apenas conferindo o que tocava. Muitos músicos preferiam primeiro escutar os outros tocarem, para depois verificar se estava correto o que tocavam. Na maioria das vezes, os músicos, quando iniciantes, tinham mais contato com as músicas a partir da audição do que tocando. Sem dúvida, a audição era estratégia importante no direcionamento da aprendizagem dos instrumentos musicais na Banda. 149 É importante mencionar também que os músicos aprendiam alguns conteúdos à medida que eles se tornavam necessários para execução de uma obra musical. Nem sempre os músicos já haviam tido contato ou explicações sobre os símbolos que eles poderiam se deparar durante a leitura de uma partitura, como os sustenidos, as apogiaturas, mordentes, trinados. Eles aprendiam sua função no momento em que, pela primeira vez, se deparavam com eles na execução de uma obra musical. Nesses casos, o músico se sentia inseguro nas leituras que pudessem ter quantidade maior de acidentes (sustenidos e bemóis) ou uma leitura com andamento mais rápido. Vinícius (Caderno de Entrevistas, 05/03/2015, p. 30) diz que, como sua leitura musical nunca foi tão boa, quando o maestro passava uma música muito difícil, ele [o maestro] sempre tinha que tocar uma, duas vezes para ele escutar, e depois “entrar na música e continuar tocando”. O que se percebe é que a imitação poderia ser sonora ou visual. No caso da imitação sonora, o músico fazia comparações para perceber quais trechos soavam diferente do que ele tocava ou vice-versa. Já no caso da imitação visual, seria quando o músico “copiava” a digitação do outro músico, quando olhava a posição dos dedos do companheiro e tentava acompanhar as mudanças. É como se o músico não confiasse em sua leitura. Ele comparava sua execução com a audição da “voz do outro”, para que ele pudesse ter certeza de que tocava corretamente. Cassia fala sobre seu processo: Eu gostava de sentar no último banco. Depois eu gostei de ir lá pra frente. Acho que era pra escutar. Escutar quem está tocando pra ir atrás. Meio que assim: “_Poxa, eu não estou indo bem no solfejo, vou ficar atrás dessa pessoa, o que ela fizer, eu faço lá atrás...” (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 92). Era comum, portanto, que o músico, quando tocava junto com os companheiros de naipe, procurasse sanar suas dificuldades prestando atenção na forma como os outros tocavam. Camila, por exemplo, diz que: Eu sentava perto deles [dos seus colegas que também tocavam clarinete]. Eu ficava ouvindo eles, aí o que eu não conseguia fazer eu ia tentando, mas durante a música eu não tocava. O que eu não conseguia fazer, eu não tocava (Camila, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 223). 150 Na Banda era corriqueiro, então, “copiar a mão” (olhar a digitação, a forma de tocar) do outro. Esta forma de aprender é usual quando se tem diversas pessoas tocando instrumentos iguais. É claro que cada músico tinha sua “hora de copiar”: alguns copiavam no momento da apresentação, outros nos ensaios ou quando estudavam juntos. Então, esta prática “de copiar o que o outro tocava” é uma estratégia do músico que passa pela imitação. Por exemplo, na Banda havia quatro trompetistas. Perguntei a um dos colaboradores que tocava trompete se ele “copiava do colega”. Ele me disse que “copiava mais [nos momentos] de apresentação”, quando, “às vezes, ficava na dúvida, principalmente, das músicas que eram tocadas de cor” (Juliano, Caderno de entrevistas, 10/07/2015, p. 183). O maestro percebia quando o músico “tocava copiando”, tanto que ao contar histórias sobre um dos colaboradores, ele comentou: “ele tem um ouvido muito bom, mas ele toca olhando a mão dos outros. Ele toca copiando! Toca olhando!” (Sr. João, Caderno de entrevistas, 22/01/2014, p. 21). Porém, não fazia diferença se o músico copiava, decorava ou lia a partitura, pois era importante que pudesse acompanhar a Banda tocando seu instrumento. Salienta-se, contudo, que esse “copiar o outro” acontecia, principalmente, quando o músico tocava uma música pelas primeiras vezes. No caso dos instrumentos de percussão, era uma prática muito adotada e pode-se dizer que era um procedimento reconhecido entre músicos da Banda, como uma forma de aprender. Ao conversar com Pixano, que tocava percussão, mais especificamente pratos, sobre os ensaios, tivemos o seguinte diálogo: Murilo: Como que você aprendeu a tocar aquelas marchas? Pixano: A gente ia pegando de orelha mesmo! Murilo: Você se lembra dos meninos pegando elas? Pixano: Ah! Apanhava! [eles tinham dificuldade] Murilo: E você consertava eles? Pixano: Não! Eu falava com eles para prestar atenção, né? Acompanhar o ritmo da música! Eles ficavam olhando o outro tocar pra poder tocar! Murilo: Você fazia isso também? Pixano: Não... no caso... Às vezes ficava espiando o outro bater a bateria pra eu poder pegar de cá também até chegar no lugar e acertar (Pixano, Caderno de entrevistas, 09/07/2015, p. 175). Esse processo dos músicos iniciantes de aprender/ensinar um instrumento na Banda é diverso: cada um no seu tempo, cada um com suas habilidades e dificuldades. Ou seja, podem olhar o outro e assim aprender: seja copiando 151 visualmente a mão, a escala ou a digitação do instrumento do colega ao lado; ou ainda copiando auditivamente nas situações em que escutavam primeiro os outros tocarem, para depois tentar repetir. 4.7 Os ensaios da Banda O ensaiar é uma prática muito importante quando se trata de grupos musicais. Geralmente, os grupos musicais tradicionais, como bandas de música e orquestras, têm um local definido para seus ensaios. No caso da Banda de Arcos este local é a sede. De acordo com Silva, R. (2012), o ensaio é um espaço que se caracteriza, por sua constituição e estrutura, em um lugar de produção musical com práticas que envolvem tanto o aprender quanto o ensinar, de práticas de realização musical em grupo, músicos com conhecimentos e experiências musicais variadas mediadas pela figura de um regente. Entender a dinâmica do ensinar/aprender nesse espaço pode vir a possibilitar o entendimento dos aspectos sociais envolvidos nesse espaço, bem como várias nuances do processo educativo musical (SILVA, R. 2012, p. 24). Os ensaios aconteciam todas as semanas. O maestro definia os dias da semana e esperava que uma quantidade suficiente de músicos chegasse para começar as atividades. Quando não se tinha apresentações agendadas, muitos músicos faltavam ao ensaio, porém o maestro ensaiava o que era possível, o que era mais urgente e com quem estivesse presente. Os ensaios aconteciam às quartas-feiras à noite, por ser um dia na metade da semana, e aos domingos de manhã, por preceder a tradicional apresentação noturna da Banda, após a missa no coreto da praça. Eram marcados ensaios complementares em épocas em que a Banda fazia alguma apresentação extra ou fazia parte de algum encontro de bandas. Fazendo uma reflexão sobre os dados e levando em consideração os suportes teóricos utilizados neste trabalho, pode-se identificar que o ensaio da Banda tinha três funções distintas: a primeira era um momento do grupo de preparação para as apresentações musicais; a segunda era o tempo no qual os músicos poderiam aprender e trocar ideias, participando de um tempo juntos, quando se ensina/aprende direta e indiretamente; e, por último, um tempo/espaço em que os músicos poderiam se dedicar ao encontro e às conversas mantidas por 152 eles no espaço da Banda, as quais eram importantes para manutenção dos interesses comuns e que os uniam à Banda. 4.7.1 Preparação do repertório O ensaio como um momento comum aos grupos musicais não é diferente no caso da Banda. O ensaio é um tempo no qual o grupo se prepara para as apresentações, um tempo dedicado à revisão da produção musical da Banda no sentido de identificar trechos do repertório de obras que não estavam tão bem tocados, testar arranjos e, é claro, permitir que o grupo ganhasse “sintonia” ao tocar junto. [...] o ensaio constitui-se num espaço prévio à performance, onde acontece o exame e o estudo do material musical oferecido (partitura), bem como é realizada a experiência musical prévia com o referido material. Trata-se de uma prática que atravessa os séculos da história da música ocidental, sendo pouco freqüente seu estudo como fenômeno (EBERLE, 2008, p. 45, grifo no original). Ao pesquisar os ensaios de uma orquestra, Silva, R. (2012, p. 23) o define, também, como “um lugar em que várias pessoas constroem um conhecimento associado, principalmente à preparação de um repertório musical. Contudo, cada uma dessas pessoas traz consigo maneiras de fazer e enxergar a música”. Na Banda, cada um ajudava e se deixava ajudar, em cada situação, com suas dificuldades em cada obra musical. Percebe-se que na organização tanto dos ensaios, quanto das apresentações, a formação (ordenação) dos músicos era padrão e nela se pode verificar como a Banda era organizada: “na última fileira, ficavam os saxofones, os trompetes, trombones de vara, o bombardino e os baixos. Sempre assim... as clarinetas na frente” (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2014, p. 39). Cássia (Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 93) confirma que eram “os clarinetes na frente, depois o sax, sax alto, depois os trompetes, depois os trombones, depois a tuba”. Nesse contexto, pode-se perceber que as relações sociais que cada um mantinha com o grupo e com seus instrumentos, se eram instrumentos para solistas ou direcionados para homens ou mulheres, ou que também poderiam ser escolhidos pela classe social ou pelo grau de instrução de cada um, poderiam definir além do 153 lugar de cada um e de cada instrumento, as formas de hierarquização no grupo (BOZON, 2000; SILVA, R. 2012). Ao relatar sobre uma apresentação, Sinara conta sua preocupação para chegar ao ensaio já com o repertório estudado, ainda mais quando havia alguma apresentação que ela julgava mais importante. Ela deixa claro que chegava mais cedo na sede da Banda, pois sabia que lá teriam outros músicos que a ajudariam com o repertório. Ela disse que: quando tinha ensaio eu chegava antes, eu tinha... Eu me lembro do Lindemberg me ajudando, não sei se você lembra do Lindemberg! E eu lembro que ele me ajudava. Eu chegava um pouco mais cedo pra não fazer feio no ensaio geral: “_Você me ajuda? O que eu faço aqui? Como que eu faço aqui?”. Eu lembro dele me ajudando nos ensaios de domingo, antes do ensaio! Chegava um pouquinho mais cedo, né? (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 62). Os ensaios eram direcionados sempre para a próxima apresentação. Sendo assim, se a próxima apresentação fosse no coreto, era preparado um repertório para ser tocado no coreto. Se a próxima apresentação fosse na procissão, o ensaio seria para tocar as músicas que seriam executadas na procissão. Percebe-se também que os ensaios semanais83 da Banda eram dispostos para manter certa proximidade com as datas em que ela poderia se apresentar. Logo, quando se aproximava alguma apresentação, a quantidade de ensaios poderia ser aumentada. No entanto, apesar de haver certa preparação para as apresentações, Paulo conta que, muitas vezes, não tinha muita preparação, né? Nossa preparação mesmo era ensaio domingo e no ensaio quarta feira à noite. [...] A gente reunia [na sede da Banda], ia pra dentro da Kombi, geralmente escolhia o repertório [se refere a escolha da ordem das músicas] lá mesmo, [na hora de tocar] virava a folha [risos] e “_É essa agora!” Virava a outra... (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 142). Esses ensaios próximos das apresentações tinham o intuito principal de preparar melhor o repertório e combinar a ordem das músicas e seleção das obras que seriam tocadas. No ensaio, os músicos tinham a chance de repetir, executar e Na Banda, os ensaios eram realizados às quartas-feiras, de 19h às 21h, e domingos, das 10h às 12h. Estes horários eram definidos para que os integrantes pudessem ensaiar, pelo menos, uma vez com o grupo: um ensaio no meio e outro no final da semana. 83 154 tocar trechos curtos e definidos das obras para conseguir realizar com fluência as partes mais difíceis. Silva, R. (2012) afirma que: Os ensaios se caracterizaram por um estudo minucioso das partituras, envolvendo detalhes relacionados à escrita musical, contidos em cada partitura, como deveriam executar as informações musicais, registradas pelo compositor, [...], em seus instrumentos, a fim de conseguirem, enquanto grupo, o resultado sonoro-musical que buscavam (SILVA, R. 2012, p. 148). Ao pensar na forma como se estruturava o ensaio, percebe-se que o ensinar/aprender música no ensaio envolvia também aprender como a Banda era organizada, o lugar de cada um no grupo, a disposição de cada naipe instrumental usado pela Banda nas suas apresentações. O lugar de cada um na Banda depende do instrumento que cada um toca, das peculiaridades sonoras e tímbristicas de cada instrumento, da separação dos naipes e da orquestração das obras. Vale dizer que, às vezes, a disposição dos músicos mudava para que o maestro tivesse contato visual direto, mais amplo, com algum músico iniciante da Banda. Isso se dava para que ele pudesse dar mais atenção a quem precisasse. 4.7.2 Ensaio como momento de estudo O ensaio é uma prévia do momento de apresentação, é o momento no qual se experimentam formas de execução da obra, com as nuances de timbres, alturas, intensidades e a interpretação no seu todo. A prática de ensaiar na Banda faz com que o músico, talvez, mesmo não tendo contato com conhecimentos musicais aprofundados, tenha a oportunidade de desenvolvê-los e experimentá-los. Considera-se que o ensaio é um dos tempos que se passa na Banda e no qual o músico pode desenvolver suas habilidades, sanar dúvidas, dificuldades e experimentar novas técnicas ou formas de tocar em uma situação mais favorável às repetições, diferente das situações de uma apresentação. Como depois de algum tempo os músicos paravam de ter aulas de instrumento e teoria musical, o ensaio se tornava o momento de estudo para os músicos. Ainda mais tendo em vista que cada um executava uma parte diferente da obra e, muitas vezes, o músico se sentia sozinho e o estudo não rendia. Vê-se, então, que alguns destes músicos necessitavam do ensaio para poder estudar com alguém. Sinara (Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 61) diz que quando passou 155 para o trompete, ela que tocava violão anteriormente, achou muito difícil, porque “o trompete faz uma parte muito solitária” e ela “precisava do contexto para estudar”. Geralmente, músicas escritas para grupos musicais tendem a dividir os naipes dos instrumentos e, por sua vez, os instrumentos em vozes. Quando Sinara se queixa desta “parte solitária”, talvez o faça por não sentir a música completa, por não ter as “frases que respondiam” à parte em que ela tocava no trompete, instrumento melódico, diferente do violão, que é um instrumento harmônico. Ainda é importante dizer que muitos músicos se orientavam não só pela partitura, mas pelas deixas, pelas “frases” que os outros instrumentos tocavam. Neste sentido, existiria maior facilidade para o músico ao contar as pausas, saber o “lugar certo na partitura” ou a “hora certa” da música para que ele voltasse a tocar. Pixano, por exemplo, às vezes, sem o instrumento, prestava atenção no que os outros tocavam para que, quando chegasse sua vez, ele já tivesse domínio do que deveria tocar, conforme ele diz no diálogo abaixo: Murilo: Você estudava as músicas da Banda no instrumento? Pixano: Não, não! Era só mesmo de cabeça mesmo! Murilo: Aí chegava na Banda e vocês combinavam? Pixano: É, combinava! Murilo: Como é que era pra pegar uma música nova? Pixano: Uai, eles iam tocando lá, e a gente ia... cada... ia... [faz com as mãos como se estivesse tocando os pratos] no ritmo da música. Murilo: Ia tentando achar o ritmo experimentando? Pixano: É! Igual... Lá tem uma música que eles estavam custando a dar conta dela, aí as que são mais conhecidas é mais rápido. Murilo: E como você fazia com os meninos para eles aprenderem? Pixano: Não, eles iam pra lá, né? Murilo: Quem tocava instrumento de sopro que ia pra lá? Pixano: É! E eu só acompanhava. Murilo: E você acompanhava os meninos da bateria? Pixano: Combinava. Murilo: Como que eram os combinados de vocês? Pixano: Uai, nós íamos e juntávamos a turma e ficava... [faz gesto como se tocasse os pratos] treinando e ia tocar, já estava treinado pra tocar aquela música. Murilo: Ah, então vocês experimentavam antes de tocar na Banda. Pixano: É, ensaiava primeiro (Pixano, Caderno de entrevistas, 09/07/2015, p. 167). É importante atentar que nessa fala ficam claros alguns pontos associados ao ensino/aprendizagem de música na Banda. Por exemplo, o fato de que esse colaborador não estava com seu instrumento, ele “tocava de cabeça”, imitando os gestos como se estivesse tocando os pratos, localizando a melhor forma de “tocar 156 no instrumento” aquela música. Tal afirmação leva a pensar que esse músico conhecia o seu instrumento e o dominava com destreza suficiente para imaginar como ele soaria em cada momento. Essa capacidade do músico de reconhecer e de ter em sua memória os “tipos de sons” característicos do seu instrumento é muito importante em um processo que não conta mais só com a exploração do instrumento. O músico, com base em combinações com os outros músicos, já sabia os momentos em que deveria ou não tocar, bem como escolhia previamente as nuances para depois testálas em outro momento. São práticas de ensinar/aprender música que primam pela imitação mediada, essencialmente pela audição. Ambas são estratégias importantes de aprendizagem no espaço da Banda. 4.7.3 Ensaios como lugar de encontro de amigos No caso da Banda, o ensaio também era uma “desculpa” para que os músicos pudessem frequentar o espaço, mesmo que não houvesse alguma apresentação iminente. Percebe-se que a Banda, enquanto grupo, também se caracteriza pela familiaridade que os integrantes têm uns com os outros, sendo que, naquela época, é bom salientar que os integrantes não dispunham de meios dinâmicos de comunicação, o que fazia com que eles aproveitassem também os momentos de ensaio para estarem juntos. É o que relata Sinara: Na Banda tudo era motivo pra ensaiar, tudo era motivo pra ir lá mais um pouquinho. Então era... Ensaios de uma música nova, que era raro, né? “_Não, eu acho que eu vou passar lá”, o João estava sempre lá; “Então, eu acho que eu vou passar lá”. Mas, às vezes, eu nem levava o trompete, só conversava lá umas coisas e acabava... rolava umas músicas e acabava lá (Sinara, Caderno de entrevista, 11/03/2015, p. 61). Frequentar a Banda no momento do ensaio significava não somente aprender/ensinar a melhor forma de tocar uma obra musical. O ensaio também era um espaço para se relacionar, encontrar com um companheiro, sentar próximo de quem você tinha afinidade, das pessoas que você admirava. Na Banda, no momento do ensaio, é possível perceber que havia “uma rede fina de relacionamentos sociais, de sistemas de signos e de símbolos com sua estrutura de significado particular, de 157 formas institucionalizadas de organização social de sistemas de status e prestígio etc.” (SCHUTZ, 1970, p. 80). Em alguns casos, ressalta-se que o momento do ensaio era o mais esperado, por ser um momento que havia conversas, principalmente entre uma música e outra. Não havia um roteiro fixo no ensaio, o maestro usava o tempo que tinha para tocar e solucionar os problemas das músicas que ele julgava estarem piores em termos de execução conjunta. O tempo disponível era aproveitado para tocar várias vezes a mesma música e/ou o mesmo trecho, pois, como não existia o público esperando a próxima música, era um momento sem a pressão das apresentações. Além de tocar e de estarem juntos, os músicos tinham a oportunidade de se relacionarem de uma forma um pouco mais livre uns com os outros. Tanto que Pixano, ao ser indagado sobre o que ele mais gostava na Banda, respondeu com a seguinte justificativa: Pixano: Uai84, lá (na Banda) era ir aos ensaios que eu gostava! Não falhava! Eu quase não falhava, eu chegava primeiro que os outros. Toda a vida! Ah! Era... Era bom de mais! Murilo: Por que você gostava mais dos ensaios? Pixano: Ah! tinha a turma... Era tudo joia, né? Amigo e coisa, né? Não tinha briga não tinha nada. Não tinha discussão nem nada. Era uma família! Não tinha esse negócio de um mais que o outro não! Era tudo igual! (Pixano, Caderno de entrevistas, 09/07/2015, p. 164). Não é possível afirmar o porquê de muitos colaboradores atribuírem à Banda a associação de uma família. Talvez isso se dê pela ideia idílica de família, que mesmo assumindo a possibilidade de discussões e de que nem tudo seria perfeito, os atritos se davam e se resolviam na mesma proporção, fazendo com que o pessoal que frequentasse a Banda se sentisse em família. Em outras palavras, frequentava-se um espaço e socializava-se com pessoas que teriam mais coisas em comum do que incomum. Assim, o ensaio é, sem dúvida, um momento importante para que os códigos musicais e as formas de interpretação sejam decifradas/entendidas por todos os músicos da Banda e, neste caso, “não é de forma alguma meu mundo privado, mas é, desde o início, um mundo intersubjetivo compartilhado com meus semelhantes, vivenciado e interpretado por outros; em suma, é um mundo comum a todos nós” (SCHUTZ, 1970, p. 159). 84 Gíria muito comum em Minas Gerais, aqui tem o mesmo significado que “então”. 158 Vê-se, então, que, no caso da Banda, o músico frequentava o ensaio e nele poderia encontrar com um amigo, conversar e se distrair. Além disso, fazia com que os vínculos entre as pessoas ficassem mais sólidos, os quais, por sua vez, também eram importantes para o fortalecimento das pessoas neste grupo. 159 5 A BANDA COMO ESPAÇO DE SOCIABILIDADE E DE RELAÇÕES DE ENSINO/APRENDIZAGEM DE MÚSICA Como dito anteriormente, grande parte dos entrevistados tiveram seus primeiros contatos com a Banda a partir de pessoas do seu convívio, como pais, parentes e amigos. Conhecer a Banda dependia, então, das relações que eles tinham, de laços que possibilitavam diálogos. Ao pensar como os participantes desta pesquisa tiveram contato com a Banda, é importante também entender como foi que passaram a frequentar este espaço e como foi o encontro com esses músicos. Por isso, compreender através das memórias de cada um os acontecimentos que marcaram esse encontro pode contribuir para que se entenda os motivos que fizeram com que essas pessoas frequentassem a Banda. Para Halbwachs (2004), “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações que mantenho com outros meios” (HALBWACHS, p. 55). A partir disso, a construção de memórias individuais está ligada aos instantes nos quais o músico conheceu a Banda, se interessou e depois quis fazer parte dela, sendo que por estas memórias é possível entender as relações de ensino/aprendizagem e de sociabilidade pedagógico-musical. 5.1 A Banda como um espaço de sociabilidade pedagógico-musical A Banda de música, assim como era um espaço de ensino/aprendizagem musical, também era um espaço em que relações se estabeleciam entre os participantes. São relações estabelecidas das mais diversas naturezas quando se ensinava/aprendia música. Pensar sobre estas relações também passa por entender uma sociabilidade pedagógico-musical constituída nesse espaço. A palavra sociabilidade para Donati (2014) refere-se à relacionalidade social, que pode ser interpessoal (face-a-face), mas também impessoal (como em organizações ou movimentos sociais em que se torna sinônimo de um sentimento de pertença) na 160 condição de que este último está ativo e é composto por ações recíprocas (mesmo à distância) que geram efeitos emergentes de uma natureza pró-social (DONATI, 2014, p. 92, tradução minha)85. Para Gurvitch (1941), a sociabilidade designa o princípio das relações entre pessoas e a capacidade de estabelecer laços sociais, abrangendo a formação dos grupos. Neste sentido, as formas de sociabilidade para Gurvitch (1941) são “as múltiplas maneiras de estar ligado pelo todo e no todo, ou formas de sociabilidade que, em diferentes graus de atualidade e virtualidade se combatem e se equilibram em cada grupo real” (GURVITCH, 1941, p. 13, tradução minha)86. Já para Simmel (1983), a sociabilidade é uma das formas de relação social nos pequenos grupos sociais, onde os indivíduos convivem sem que a posição social externa ao grupo de cada um interfira na convivência, ou seja, os atributos de cada um, externos ao grupo, devem ser excluídos, fazendo com que os “indivíduos na mesma extensão” possam se sentir “somente um elemento do grupo” (SIMMEL, 1983, p. 171). Para Simmel, a sociabilidade surge como uma estrutura sociológica muito peculiar. O fato é que, sejam quais forem os atributos objetivos que os participantes de uma reunião possam ter – atributos esses centralizados fora da reunião particular em questão-, eles são proibidos de participar dela. Riqueza, posição social, cultura, fama, méritos e capacidades excepcionais não podem representar qualquer papel na sociabilidade. Quando muito podem desempenhar o papel de meras nuances daquele caráter imaterial, com o qual apenas à realidade é permitido, em geral, penetrar no trabalho social de arte chamado sociabilidade (SIMMEL, 1983, p.170). Simmel (1983) afirma que a sociabilidade é uma forma “autônoma ou lúdica de socialização”, na qual o indivíduo convive em sociedade em um grupo menor, e “por conseguinte, as condições e resultados do processo de sociabilidade são exclusivamente das pessoas que se encontram em uma reunião” (SIMMEL, 1950, p. 45, tradução minha)87. No original: “social relationality, which can be interpersonal (face-to-face) but also more impersonal (as in organizations or social movements in which it becomes synonymous with a sense of belonging) on condition that the latter is active and consists of reciprocal actions (even if at a distance) that generate emergent effects of a prosocial nature”. 86 No original: “las múltiples maneras de estar ligado por el todo y en el todo o formas de sociabilidad que, en diferentes grados de actualidad y de virtualidad, se combaten y se equilibran en cada grupo real. 87 No original: “Hence the conditions and results of the process of sociability are exclusively the persons who find themselves at a social gathering”. 85 161 Ainda tendo como referência o pensamento de Simmel (1983; 1950), esses indivíduos se socializam nos diversos grupos, com o intuito de saciar suas necessidades pessoais, criando laços entre pessoas que compartilham as mesmas ideias e vontades, procurando conquistar seus objetivos, mesmo que eles não sejam concretos por partilharem de “um sentimento, entre seus membros, de estarem sociados, e pela satisfação derivada disso” (SIMMEL, 1983, p.168). O “fazer parte” da Banda remete a teorias que podem levar a crer que a convivência dos indivíduos neste espaço tem relação com a ideia de busca de um objetivo comum, que faz com que o sujeito esteja presente nas práticas que acontecem naquele ambiente específico. É certo que a produção e a reprodução das rotinas conduzem ao estabelecimento de uma quotidianeidade sujeita a processos de socialização. Cada indivíduo <<aprende>> a manipular os objetos que lhe são imprescindíveis para a sua vida quotidiana: aprende a beber por um copo, a utilizar garfo e faca, etc. Esta assimilação da manipulação dos objetos acaba por constituir uma assimilação de relações sociais, inserindo-se, portanto, num processo de socialização e de ritualização. Todo o ritual implica necessariamente uma linguagem que convém ser aprendida (PAIS, 2002, p. 83). Pensa-se que essas práticas foram construídas no tempo, tendo como referência as ideias, práticas e valores tidos como importantes para que a Banda (ou qualquer outro espaço) possa funcionar. A banda de música é um grupo menor de pessoas que se organiza para realizar tarefas de interesse comum e é parte de uma sociedade bem mais complexa. Neste caso, para que a música aconteça é necessário que cada membro se especialize, aprendendo, por exemplo, um instrumento. Uma aprendizagem que permite aos músicos a aquisição de conhecimentos e práticas musicais próprias daquele lugar. Para o entendimento da sociabilidade em música é interessante citar que Riedel (1964) a classifica em três categorias. A primeira categoria apresentada é aquela que “compreende o sentimento de pertencimento a algum grupo, família, comunidade ou nação” (RIEDEL, 1964, p. 149, tradução minha)88. Nesta primeira categoria de sociabilidade, as características do grupo são, geralmente, básicas e 88 No original: “embraces the feeling of belonging to a group - a family, a community, or a nation”. 162 comuns aos seus fundadores89. Com esta ideia do autor, pensa-se que, a partir do momento da primeira associação, as próximas pessoas que, por vontade própria, virão a pertencer a esta associação, devem reconhecer algumas de suas características como comuns ao grupo para que possam, então, fazer parte do mesmo. Riedel (1964) menciona que os indivíduos podem desenvolver um sentimento de “pertencimento ao grupo” através do que ele chama de “mass audience”, isto é, um pertencimento que passa pela audição de músicas comuns a um determinado grupo. Este termo é definido pelos significados contidos no discurso musical, ou seja, as nuances que são reconhecidas pelo grande público através do que é transmitido pela mídia. Nesta perspectiva, é isso que fará o indivíduo gostar ou não do que se ouve. É como em uma “roda de música”, mesmo sem tocar, o sujeito canta as músicas, entende o que está se passando e se sente parte daquele grupo. Assim, mesmo que o indivíduo não faça parte do grupo diretamente, ele se reconhece nas características do grupo. O pertencimento ao grupo, neste caso, está ligado à audição, ao reconhecimento auditivo de melodias ou a qualquer nuance musical em que o sujeito possa se identificar com o grupo. Riedel (1964) propõe que “é a sociabilidade despertada pela música entre esse grupo de ouvintes que encontram conforto e satisfação em ouvir, na presença ou na presença imaginária da outra pessoa” (RIEDEL, 1964, p. 150, tradução minha)90. Portanto, existem sentimentos e experiências que podem ser comuns aos seres humanos, criando um sentimento de pertencimento. Neste grupo se inscrevem os hinos nacionais, a música folk, os tipos de canto e os instrumentos típicos. A segunda categoria compreende o “sentimento de pertencimento através da performance” (RIEDEL, 1964, p. 149, tradução minha)91. Para isso, Riedel destaca as características do que ele chama de “sentimento de comunidade de união”92, que poderia ser melhor interpretado como “pertencimento”. O autor acredita que, provavelmente, isso acontece em todos os lugares em que se faça música, com todos os tipos de música e por qualquer que seja a ocasião, pois, em cada grupo Entende-se como fundadores a primeira associação entre, pelo menos, dois indivíduos. No original: “is the sociability aroused by music among that group of listeners who find confort and satisfaction in listening in the real or imaginary presence of other people”. 91 No original: “the feeling of belonging of a community of togetherness through the performance”. 92 No original: “the felling of community of togetherness”. 89 90 163 social, seja ele pequeno ou grande, a música tem algum tipo de representação. Como exemplo, Riedel (1964, p. 151) cita as músicas cantadas em congregações, em grupos de cantores em que uma pessoa é responsável por cantar a frase principal e uma subdivisão por cantar a repetição da frase. Para Riedel (1964), isso não está associado ao simples fato de um cantar e o outro repetir, e sim à ideia de cantarem juntos. É o sentimento de pertencer ao grupo desenvolvido a partir da prática de se cantar junto. Na terceira categoria está o que, segundo Riedel (1964), engloba a formação de grupos por interesse, de organizações e sociedades, nas quais se inscrevem grupos corais formados, por exemplo, em igrejas, associações de amigos, idosos, bairros e etc. Riedel afirma que, especificamente em música, nota-se a formação de corporações musicais através da “associação de indivíduos”, que têm como interesse comum cantar e/ou tocar músicas de determinados autores, ritmos, estilos e épocas. Estas associações podem ser formadas por profissionais e amadores, bem como serem formadas em escolas, clubes, universidades e etc. Essas três categorias abrangem “todas as pessoas que possam estar engrenadas de qualquer forma com a música” (RIEDEL, 1964, p. 149, tradução minha)93. Por isso, ele também explica que estes grupos de pessoas não são fixos, pois eles podem ter características únicas que, em cada contexto, irão separá-los uns dos outros. Além disso, estes grupos também podem ser formados por poucas pessoas que tenham os mesmos interesses, bem como características comuns em diversos níveis, como, por exemplo: “Local, regional, nacional, internacional, religioso, étnico” (RIEDEL, 1964, p. 149, tradução minha)94. Estas são algumas das diversas características que podem proporcionar o reconhecimento do grupo pelo indivíduo externo a ele. Por conseguinte, tendo como referência os autores acima citados, entendese que a Banda abarca diversos aspectos que podem favorecer o seu espaço como um local onde as relações de ensino/aprendizagem de música acontecem, tendo como uma das bases para sua constituição as relações sociais entre pessoas que compartilham de afinidades, objetivos e ideais ligados à música. 93 94 No original: “all persons engaged in any way with music”. No original: “local, regional, national, international, religious, ethnic”. 164 5.2 O que mantém a Banda como grupo Sabe-se que a Banda se mantinha não só por suas funções na cidade, mas também porque ela tinha função de formação musical de músicos. A vontade das pessoas de aprenderem música e tocar um instrumento é permeada pela força dos laços estabelecidos entre os músicos na constituição deste grupo. A vontade de “estarem juntos” permitiu entender que, para os músicos ou pelo menos para grande parte deles, o que mantinha a Banda funcionando eram as pessoas que frequentavam o espaço e o que se propunham a fazer neste espaço. Em grande parte, os músicos queriam estar lá, ficar perto das pessoas que eles gostavam e/ou que tinham o mesmo interesse. Nota-se que o fazer musical nesse espaço, com pessoas que têm interesses comuns e que estabelecem laços ao longo do tempo de permanência, faz com que elas incorporem normas, regras e valores. No caso dos músicos da Banda, estes laços também permitem que se reconheçam como grupo, pois um se vê no outro. A afinidade com o grupo faz com que o participante tome atitudes, mesmo que nem sempre todas sejam realizadas de bom grado, ou seja, muitos deles aceitam agir na Banda de acordo com o que se espera dele, mas, algumas vezes, contra sua vontade. Todos esses aspectos não excluem os conflitos que existiam na Banda e que estavam relacionados com a escolha do repertório, as hierarquias, o uso do uniforme e etc. O que se percebe é que, em sua maioria, a pessoa queria estar junto com o grupo, e se existisse algo que incomodasse uma pessoa em específico, isso não seria forte o suficiente para que ela saísse do grupo. No entanto, um exemplo sobre como, muitas vezes, os participantes podem colocar seus interesses acima dos seus diz respeito à escolha do instrumento. Como dito, a Banda tem poucos participantes e nem sempre os naipes de instrumentos estão completos, então, isso fazia com que alguns deles trocassem de instrumentos para que a Banda pudesse continuar em atividade. Juliano, ao me contar sua história, diz que: Fiquei, se não me engano três, quatro anos no trompete, e a Banda estava carente de trombonista. Eu vendo aquela carência da Banda, eu falei: “_A Banda não vai morrer por falta de um instrumentista”. Aí eu procurei o maestro e falei: “_Eu vou assumir o trombone de vara” e eu supri a carência da Banda! [...] Aprendi o trombone de vara e 165 fiquei dois anos tocando. Aí depois chegou uma hora que tinha que virar trompetista de novo, tinham vários trombonistas e poucos trompetistas, aí voltei para o trompete. Aí depois trocou, aí eu voltei pro trombone de novo (Juliano, Caderno de entrevistas, 10/07/2015, p. 180). O interesse pela continuidade da Banda, enquanto grupo, era maior do que usar um uniforme “feio” ou um quepe “esquisito”, ou até tocar um instrumento que talvez não fosse o que o músico mais gostasse. Isso implicava na mudança da rotina de estudos, da sua técnica instrumental, dos seus gostos. Outras vezes, assumia práticas que não eram tão prazerosas, como no caso de Poliana, que: Poliana: Se tinha uma coisa que eu detestava era tocar no coreto dia de domingo. Murilo: Por quê? Poliana: Eu lembro da época que eu não gostava. Tocar no coreto... [fala balançando a cabeça com expressão de reprovação]. Não gostava de tocar no coreto, não sei por quê. Murilo: Interessante, e mesmo assim você ia em todas? Poliana: Ia (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 243). Poliana (Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 247), apesar de não gostar de tocar em público, mesmo que a apresentação fosse no coreto, na praça ou na escola, ela sabia que fazia falta para o grupo e, por isso, ela disse que tocava, mas que “não gostava de aparecer com nada”. Apesar das diferenças de interesses, dos conflitos entre as pessoas, das hierarquias estabelecidas, os dados levantados mostraram que a Banda é um espaço que depende da reunião de pessoas que se juntam para fazer música e criam laços entre si, alguns fortes e outros nem tanto. Estes laços são estreitados pelo respeito e pela vontade de estarem juntos, coexistindo em um grupo social no qual se produz música. É claro que tocar, fazer música e aprender um instrumento são ações importantes para que a Banda se constitua como banda de música. O que se destaca é o fato de que esta “música de banda” não existiria sem que as pessoas estivessem juntas no espaço da Banda, se relacionando. Os laços e a coexistência entre os músicos são permeados por práticas de ensino/aprendizagem de música. Mesmo que a pessoa não queira ser músico profissional, para frequentar o grupo ela deve conhecer os conteúdos musicais básicos, estar em contato com a música. Ela deve ainda reconhecer e acessar o 166 mínimo da linguagem utilizada na Banda como argumento que possa validar ou dar um motivo para que ela possa permanecer no grupo. Assim, estar junto na Banda implica em aprender o que se faz na Banda, ou seja, como se toca na Banda. Demonstrar interesse por aquele espaço e aceitar/compreender as normas da Banda também fazem com que o sujeito tenha acesso a um conhecimento musical específico, um conhecimento que é social, que é compartilhado tanto dentro quanto fora da Banda. Logo, este movimento interno e externo permite que a Banda, enquanto grupo musical, seja reconhecida não somente pela música que produz, mas pelas relações mantidas entre as pessoas que lá frequentam, tanto entre si quanto com o externo ao grupo. Destaca-se ainda que não seria cabível uma pessoa fazer parte da Banda e não aceitar as normas que a mantém. Inclusive, estas normas que se formam no decorrer da história da Banda são um dos aspectos que a caracterizam como instituição. Por isso, cabe ao futuro músico da Banda a aceitação destas regras. As instituições, também, pelo simples fato de existirem, controlam a conduta humana estabelecendo padrões previamente definidos de conduta, que a canalizam em uma direção por oposição às muitas direções que seriam teoricamente possíveis (BERGER; LUCKMANN, 2003, p. 80). Isso poderia ser percebido, por exemplo, nos encontros de banda, nos quais existiam diversas bandas de outras cidades e estados que compartilhavam maneiras semelhantes de se vestir e de se organizar, além de um padrão de ritmos em seu repertório que fazia com que os integrantes da Banda pudessem perceber que, mesmo se opondo a determinadas situações, aquilo era uma característica das instituições banda. Tocar e estar junto na Banda ainda levava a outras questões que faziam com que o músico quisesse o “bem do grupo”. Não seria possível, por um lado, que o grupo se mantivesse se não houvesse cooperação, dedicação e consideração um com o outro. Por outro lado, um aspecto a ser destacado é o da Banda como instituição, que só existe porque seus frequentadores querem estar lá e fazem o que for necessário para manter o grupo, ou seja, a coerção da instituição para com seus integrantes faz com que se busquem os interesses em comum. Paulo deixa isso claro quando diz: 167 Exemplo: Ninguém acorda cedo e fala assim: “_Não, hoje eu vou acabar com a Banda! Vou tocar “feio pra burro”95!”. Ninguém fala isso! [risos]. Se você for falar isso, que vai lá pra tocar ruim, seria melhor você não ir! Ninguém faz isso! Então, era uma das poucas coisas que... Serviço: Em serviço tem cara que, com certeza, você sabe o que quer fazer! Quer prejudicar alguém! Agora na Banda [com ênfase] vou prejudicar quem? “_Ah, eu vou começar a tocar essa nota errada aqui e todo mundo vai rir”. Não tem jeito [risos]. Quem está lá, está lá com o mesmo objetivo! É que nem família, e é difícil você achar isso! É um dos poucos lugares, eu acho que se a pessoa que está ali [é porque] quer estar ali, quer tocar bem... Que fazer parte do esquema (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 154 -155). No mesmo sentido Cléber (Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 208), diz que para a Banda se manter era necessário “primeiro a amizade, para conseguir fechar o grupo”. Portanto, acredita-se que a produção musical do grupo, as formas pelas quais ele se sustenta também se efetiva pela afinidade, pela amizade e pelo que existe de comum entre os integrantes. Deve-se lembrar que a banda, por si só, enquanto instituição e grupo, se mantém, porque ela tem uma atuação marcante dentro da cidade. Acredita-se que por estar inscrita em uma cidade pequena, a Banda e suas histórias têm passado por algumas gerações, fazendo parte da vida de tantas pessoas. Por isso, a forma como estas histórias são vividas e contadas também são importantes para essa concepção da Banda como um grupo tradicional que representa uma época. A partir das entrevistas, conclui-se que fazer o que não se gostava na Banda era comum, pois fazer pelo/para o grupo era uma das formas do músico assumir que queria participar da Banda. Os participantes expressavam suas vontades e seus gostos, mas eles eram conscientes de que o gosto de um membro do grupo não era maior que a “obrigação” dele como parte do grupo, o que abarca tocar as “músicas de banda”, vestir o uniforme, tocar um instrumento que nem sempre gostava ou se apresentar em público para que o grupo se mantivesse na cidade. 95 “Feio pra burro” é expressão que, nesse contexto, significa “muito mal” ou “o pior possível”. 168 5.3 Sociabilidade pedagógico-musical interna na Banda 5.3.1 A Banda como espaço de frequentação A partir dos relatos, percebe-se que as pessoas começavam a frequentar a Banda a partir de laços familiares, pelas relações entre os membros de uma família que veem a música e/ou a Banda como algo importante, ou pelas relações de amizade. Vinícius, por exemplo, diz que conheceu a Banda da seguinte forma: foi através do meu pai, do meu irmão, quando eles tocavam. Eu sempre tinha vontade de tocar na Banda, porque meu irmão tocava saxofone, aí meu pai me levava pra lá! Fui na Banda umas dez vezes antes de eu entrar, através do meu pai e do meu irmão (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 26). Quem frequenta a Banda a considera como um lugar que pode proporcionar algo diferente, como um tempo agradável, boas companhias, o aprendizado de um instrumento musical. Os músicos que passaram a frequentar a Banda, muitas vezes, queriam mostrar às pessoas mais próximas que a Banda era um lugar interessante para se frequentar. O pai de Vinícius, o Sr. Reis, além de levar seus filhos para Banda, ainda levou sua sobrinha Camila. Sobre este contato, Camila disse: Estava eu e meu tio... meu tio me chamou e eu fui. Aí eu vinha aos ensaios de domingo que ficava lotado, né? A gente tinha que ficar até ali de fora. Ah, foi bonito demais. Eu me lembro que estava tocando aquele dobrado... “de Lima” [provavelmente Olímpio de Lima], daí eu achei bonito. Eu fiquei pensando: “_Meu Deus, será que eu dou conta”? Tanto que no primeiro encontro de banda que eu fui, a gente não tocou, mas o seu João pediu pra gente dar uma... [enganada, fingir que estava tocando], né? (Camila, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 220). Camila, durante algum tempo, não podia ir sozinha à Banda, porque morava um pouco distante e, por ser muito jovem, sua família não achava seguro que ela andasse sozinha pela cidade em determinadas horas. Com isso, passou a contar com seu pai e sua mãe, que a acompanhavam até a sede, e, a partir desta rotina, seus pais também começaram a frequentar a Banda e são músicos do grupo até hoje. No que se refere à frequentação da Banda, os vínculos familiares assumem papel importante no fornecimento de músicos para este espaço. Cássia (Caderno de 169 entrevistas, 07/05/2015, p. 79) também conheceu a Banda na família, através do seu primo e do seu tio. Ela disse que, como eles já tocavam na Banda e que seu tio queria que ela fosse junto, seu primo um dia a levou, ela gostou e aí começou a fazer as aulas. Outro colaborador que também começou a participar da Banda muito jovem foi Ramsés. Ele começou a frequentar o espaço da Banda por intermédio do seu padrinho, que, na época, era o presidente da Banda. Sobre isso, ele diz: Eu conheci [a Banda] quando eu estava com sete anos de idade, através do presidente da Banda [que é seu padrinho de batismo], né? Primeiro eu assisti uma das apresentações da Banda. Ficava atrás da Banda, aí depois ele me levou pra estudar com sete anos de idade (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p.105). Outros colaboradores foram para a Banda após frequentarem os locais em que ela se apresentava, como é o caso de Pixano. Ele me conta a primeira vez em que viu a Banda: Pixano: Foi, foi na rua. Na praça mesmo, na Igreja. Murilo: E como que você fez pra entrar na Banda? Pixano: Eu segurava papel pra turma, né? As partituras pra eles, né? Comecei carregando tudo pra eles antes de entrar na Banda. Eles disseram que depois eu ia praticando [imita tocar um instrumento com as mãos]... E eu fui e peguei... Fiquei no tarol, na caixa surda, bumbo, os pratos (Pixano, Caderno de entrevistas, 09/07/2015, p. 162). Pixano viu a Banda através das inserções que ela fazia na cidade, mas começou a frequentá-la por causa de um “tio torto”. Quando eu perguntei a ele quem o apresentou à Banda (o levou lá a primeira vez), ele prontamente diz: “foi pelo maestro mesmo... Aquele da Santa Cecília [nome da banda da cidade de Formiga], o José Arcanjo96, que era casado com uma tia da minha mãe. Ele era meu tio também. Aí, ele foi o maestro” (Pixano, Caderno de entrevistas, 09/07/2015, p. 162). Pixano também levou seus dois filhos, o mais velho e o mais novo para a Banda. Durante um trecho da entrevista, no qual ele me mostrava algumas fotos, surgiu o seguinte diálogo: Murilo: Seu filho mais novo tocou quanto tempo na Banda? Pixano: Uai, ele tocou mais ou menos uns 10 anos. 96 Segundo os jornais, o relato do Sr. Pixano e do Sr. João, foi o segundo maestro da Banda. 170 Murilo: E foi você que levou ele pra Banda? Pixano: Foi! Levei ele e o meu filho mais velho. Murilo: E a moçada já te conhecia né? A moçada te via e já... [Apontar com o dedo]. “_Olha lá, ó!” Pixano: Já... Olha! Um neto meu batendo tarol na fanfarra! (Pixano, Caderno de entrevistas, 09/07/2015, p. 167). Assim como Pixano, Paulo também conheceu a Banda em um evento que ela se apresentou. Ele conta que: Foi assim que conheci a Banda: estava eu e meu pai na procissão, na procissão de 1998, a gente estava... estava tranquilo lá. A gente estava descendo, aí a procissão estava vindo do bar do Vivi97 para o Poliesportivo. Aí chegando lá eu vi aquela turma lá... tanto de gente tocando aqueles instrumentos esquisitos! Aí eu chego lá, mó98 tranquilão! [...] Meu pai falou: “_Vou conversar pra você entrar nessa Banda, você quer?”. Aí eu só tocava violão! “_Ué! bom demais!”. Aí ele foi e conversou... aí o João [o maestro] falou: “_Você pode aparecer lá segunda feira”. Aí segunda feira eu fui e fiquei (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 134). Os colaboradores desta pesquisa também começaram a frequentar a Banda a partir do contato com os músicos em alguma apresentação ou em conversas. Poliana (Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 237), por exemplo, conheceu a Banda através de um colega que tinha aulas de música na Banda e diz que foi a partir dele que ouviu falar do grupo a primeira vez. Edwilson, no entanto, apesar de conhecer a Banda pelo seu pai, foi através de um amigo que ele tomou gosto e começou a frequentar a Banda. Ele contou: Conheci [a Banda] através de um amigo99 meu. Ele era um amigo meu, já conhecido há algum tempo, aí ele me convidou! Meu pai já tocou na Banda também, aí estava naquela época ali de adolescente ali, já doze anos pra treze. Muita coisa pra fazer, soltar pipa, estudar, isso e aquilo! Esse meu amigo entrou na Banda nesse tempo, virou e: “_Vamos lá e tal, pra você conhecer”. Aí um dia eu resolvi ir lá e gostei, apaixonei e segui em frente com a música (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 264). Como visto, pode ser que, em algumas situações, a afinidade ou o gosto dos pais não “encante” o jovem, porém, quando um amigo gosta, com idades mais O Bar do Vivi era um estabelecimento comercial no centro da cidade, em frente ao local onde era montado o palanque para as celebrações da Semana Santa. Era o ponto de partida da procissão, na qual a Banda tocava. 98 “Mó”: maior, mais do que todos. “Mó tranquilão” seria equivalente a “Na maior tranquilidade”. 99 Ex-integrante da Banda não entrevistado para esta pesquisa. 97 171 próximas, pode ser que ele se motive a pensar que isso não seria uma imposição ou uma ordem, ou mesmo algum tipo de manipulação ou proteção paterna. É de senso comum que jovens tendem a se entrosar com mais facilidade quando encontram grupos que tenham interesses parecidos, até mesmo porque se reconhecem uns nos/com os outros, por conta da mesma faixa etária, por compartilharem de anseios e, até mesmo, pelo processo de construção da identidade de cada um. Neste sentido, os jovens compartem muitas coisas em comum, além de pertencer a uma faixa etária. Muitos compartem culturas juvenis (danças, músicas, gostos, por exemplo), formas de se expressar, impulso por mudanças, ‘adrenalina ou impulso por correr riscos, e, em são mais inclinados a aspirações formatadas por estímulos que exaltam o “único” de ser jovem. Outras características partilhadas são as experiências da condição juvenil por meio da inconstância, buscas de formas de ser, bem como a vontade de ativar transformações e questionamentos em relação a outras gerações, o que contribui para que se sintam tanto parte de um grupo com algumas vontades e características comuns e de um tempo seu, uma geração (CASTRO; ABRAMORAY, 2015, p. 9). Se analisarmos esse aspecto a partir do pensamento de Castro e Abramoray (2015), pode-se considerar que algumas pessoas que passam a frequentar a Banda não o fazem para aprender música, mas para estar na companhia de pessoas, com quem gostam de estar próximas. Esta “condição juvenil” que as autoras se referem e que diz respeito à busca por formas de se sentirem integrados, bem como de construir sua identidade, faz com que o jovem busque, dentro de suas possibilidades, um grupo no qual se sinta bem. É claro que as opções de grupos que têm para se integrar, inclusive a Banda, podem se efetivar por motivos diversos: pelas mídias, pelas participações do grupo junto à sociedade, pelos laços e interesses que eles mantêm. Para mostrar como alguns jovens encontram a Banda, o maestro diz: Duas musicistas100 da Banda que foram num casamento lá na porta da sede, mas elas já queriam fazer parte do mundo da música. Elas chegaram num casamento ali no fórum e elas viram o Vinícius lá [na Banda] tocando, aí elas foram lá e chamaram! Eles tocaram lá [no fórum] no casamento pra elas, depois elas voltaram e perguntaram se poderiam estudar [na Banda] também e eu disse: “_Pode, uai!”. Aí 100 Ex-integrantes da Banda e não entrevistadas para esta pesquisa. 172 quando foi segunda-feira, elas começaram, as duas! (Sr. João, Caderno de entrevistas, 22/01/2014, p. 17). Esses apontamentos mostram que existem diversas maneiras de se ter contato com a Banda e que muitas delas se dão através de laços, elos construídos por consanguinidade ou por afinidade, e que, de uma forma ou de outra, levam a diferentes formas de se conhecer a Banda e também de permanecer nela. 5.3.2 Porque gostam de estar na Banda Compreender as práticas musicais e o ensino/aprendizagem no dia a dia dos músicos da Banda passa pelo entendimento de como as relações estabelecidas entre eles possibilitam, a partir das situações que eles vivem e no local em que vivem, um ambiente onde as experiências são importantes para aquisição e compartilhamento de conhecimentos musicais. Para gostar de estar na Banda é também preciso que o indivíduo se reconheça como parte daquele grupo, que também aceite que é necessário o compartilhamento de atributos, fator essencial para a formação da identidade musical da Banda. Para Green (2011), as identidades musicais são formadas “a partir de uma combinação de gostos musicais, valores, habilidades e conhecimentos; e das práticas musicais em que um indivíduo ou grupo se envolve, incluindo não só as práticas de produção, tais como tocar um instrumento” (GREEN, 2011, p. 12, tradução minha)101. Entender o porquê de essas pessoas quererem ficar juntas e como elas se relacionam entre si pode ser uma das formas de compreender como se dá o processo de ensino/aprendizagem nos grupos sociais. Como afirma Souza (2004), a compreensão das práticas sociais dos alunos [nesse caso, músicos da Banda] e suas interações com a cidade, o lugar como espaço do viver, habitar, do uso, do consumo e do lazer, enquanto situações vividas, são importantes referências para analisar como vivenciam, experimentam e assimilam a música e a compreendem de algum modo. Pois é no lugar, em sua simultaneidade e multiplicidade de espaços sociais e culturais, que estabelecem práticas sociais e elaboram suas representações, tecem sua identidade como sujeitos socioculturais nas diferentes condições de ser social, para a qual a música em muito contribui (SOUZA, 2004, p. 10). No original: “are forged from a combination of musical tastes, values, skills and knowledge; and from the musical practices in which an individual or group engages, including not only production practices such as playing an instrument”. 101 173 Conforme dito anteriormente, percebe-se que existem diversos objetivos entre os participantes da Banda e, independentemente do que buscam neste grupo, é comum eles gostarem de estar juntos. Se o iniciante na Banda quer ser profissional ou quer tocar um instrumento porque gosta de música, ou mesmo porque elegeu a Banda como uma opção para passar o seu tempo de lazer, quaisquer que sejam os objetivos que ele tem para participar da Banda, estar neste espaço é o ponto de intercessão para essas pessoas. Então, independentemente do motivo pelo qual o músico vai à Banda, o que não se pode negar é a vontade que eles têm de ficar juntos. Como disse um dos colaboradores, “o instrumento não fazia diferença. O importante era ser da Banda” (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 141). Pode-se dizer que a partir de afirmações desse tipo, o encontro de pessoas que têm afinidades é um dos acontecimentos mais significativos para manter a instituição Banda. Por exemplo, os músicos iam para a Banda a princípio para tocar, mas ao se envolverem com o que acontecia neste espaço, com o dia a dia dos músicos, os interesses voltavam-se também para outros aspectos relacionados ao grupo. Vinícius diz que: No começo mesmo era tipo assim... Que eu via meu irmão tocando sax [...] eu ficava admirado de ver ele tocando, e eu queria tocar igualzinho ele, só que daí, depois daquele tempo que eu via, que eu já estava assim naquele estágio que ele estava, aí o que mais me interessava já era a comunhão que eu tinha com os meninos na época, que estava ali todos os dias. A gente estava em todos os ensaios, marcava a tarde pra gente ir lá ensaiar, a gente ia! Aí a gente foi tomando mais gosto pelas coisas, também tinha as viagens, que a gente viajava muito na época...! (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 28-29). Vê-se que é comum entre os músicos/amigos a perspectiva de irem à Banda para estarem juntos. Consideravam que não fazia diferença se alguém tocava bem ou se tocava mal, o importante era “o grupo, as pessoas [...] isso era muito gostoso na Banda” (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 81). A opção dos integrantes da Banda de estarem juntos deixava também em evidência a busca deles por distrações, momentos de lazer, por um viver melhor. Para Juliano, estar junto na Banda era como fazer parte de “um clube”, de um espaço em que somente certas “pessoas seletas” podiam ocupar. 174 Pra mim era uma coisa gostosa, um encontro de colegas, de amigos, era um momento de entretenimento mesmo. Ou seja, ao invés de eu ir pra um campo jogar futebol, eu vinha pra Banda. Ao invés de eu ir pro clube nadar, ir pra uma sauna, eu vinha pra Banda. Eu tinha tudo aqui (Juliano, Caderno de entrevistas, 10/07/2015, p. 186). No entanto, notou-se que, para alguns entrevistados, “tocar na Banda” não era só uma das formas de fazer parte de um grupo ou de tocar um instrumento, mas uma opção de lugar para onde ir. Quando conversei com Poliana sobre suas razões para ir à Banda, ela disse: Poliana: [Como foi ir na] Banda? Sem a menor aptidão! Assim... eu fazia porque meus colegas faziam. [...] Murilo: Porque você gostava de fazer parte da Banda? Poliana: Eu gostava de viajar! Viajar... [pensa um pouco com a mão no queixo] Ah! De tocar... (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 239). Essas menções indicam que, para alguns, tocar na Banda não era só “fazer música” e que existiam outras motivações para o músico frequentar aquele grupo. Ou seja, o grupo poderia ser pensado como um espaço de interação e compartilhamento, no qual o sujeito poderia se relacionar com pessoas que tivessem interesses semelhantes. Na entrevista de Edwilson, quando pergunto sobre “o que mais faz o pessoal da Banda estar junto”, ele responde: Cara, eu acho que amizade é o que mais faz hoje... a Banda [entrelaça os dedos da mão]... e também gostar das músicas, mas amizade é uma coisa bem forte, tem uma turma ali que... [faz, com as mãos, gesto de segurar] (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 277). Percebe-se que existiam relações fortes de amizade dentro da Banda, tanto que, como dito, alguns consideravam estar em família, e é exatamente o que se confirma, pois, mesmo quanto existe algum conflito em relação ao que seria tocado ou à escolha de uma música, é notório que mesmo que algum músico não gostasse da música, ele a tocaria, pois sabia que algum de seus amigos gostava. O gostar das “músicas de banda” e as explicações sobre este gosto fazem com que a música seja, entre esses músicos, uma das formas de se ligarem, de se reconhecerem uns nos outros. Na Banda, aprender uma obra musical significava também é tocar com o outro, interagir com a pessoa que faz a segunda voz, tocar e ser parte do grupo. 175 É importante dizer que a associação a essa Banda, que não remunera seus músicos, é feita de forma voluntária. Para Honczyk (2012), que discute o associativismo, o engajamento de forma voluntária, essas pessoas necessitam de outras motivações para estarem lá, que podem ser: o desejo de ser útil aos outros e à sociedade; necessidade de fazer junto e de fazer para si; necessidade de encontros e trocas, de ser ou de permanecer ativo, de aprender para si e eventualmente ensinar a outros. Caracterizam-se assim pela busca de um engajamento, de responsabilidades cidadãs, de projetos coletivos, de uma solidariedade, de um envolvimento na vida local e de uma prática de ações solidárias (HONCZYK, 2012, p. 271). Essas motivações, muitas vezes, estão fora da linguagem musical em si, porque a música para esse músico da Banda não é “somente música”. Souza (2004) ressalta que a música deve ser considerada “uma comunicação sensorial, simbólica e afetiva, e, portanto social, geralmente desencadeia a convicção de que nossos alunos podem expor, assumir suas experiências musicais e que nós podemos dialogar sobre elas” (SOUZA, 2004, p. 9). A partir dessas reflexões, reitera-se a afirmação de que alguns dos participantes tocavam na Banda para estarem juntos. Mesmo que outras pessoas externas ao grupo atribuíssem aos integrantes da Banda um papel de destaque, alguns dos integrantes tocavam sem pensar, necessariamente, no seu reconhecimento. Vinícius diz que “não tocava pra aparecer, e sim para estar junto das pessoas” (Vinícius, Caderno de Entrevistas, 05/03/2015, p. 45). E ainda, na mesma perspectiva, Paulo (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 137) “gostava de tocar no meio do povo por causa dos amigos”, da mãe, do pai e da avó que iam vê-lo ver tocar. Ele diz que gostava e que “sentia orgulho disso”. Portanto, estar na Banda não era apenas tocar um instrumento, mas também estar junto de pessoas das quais se gostava, que tinham gostos parecidos e que aceitavam se unir em prol de um bem maior, a Banda. 5.3.3 A Banda: um espaço de reunião para praticar e aprender música Os músicos que tocavam na Banda se encontravam tanto no espaço da Banda, quanto fora dele para tocar. Então, há de se levar em consideração que a prática de tocar um instrumento não dependia só do maestro e nem só do espaço da 176 Banda para que elas existissem. Os integrantes deste grupo se encontravam fora dos espaços da Banda para fazerem serenatas, apresentações, tocar em casamentos, nas escolas e etc. Este encontro de ensino/aprendizagem musical permitia a formação de outros grupos que ultrapassavam os limites da Banda, seja tocando em diferentes espaços e eventos, seja criando relações de amizade como base para outros tipos de atividades realizadas fora da banda. Era comum na Banda que os integrantes, sem o maestro, ajudassem uns aos outros, procurando formas de ensinar ou de facilitar o entendimento do colega sobre algum conhecimento musical. Nestas situações, o músico era levado, de muitas formas, a pensar em suas práticas, refletir e propor uma melhor forma de explicá-la para o outro músico. Este é o caso de Cássia, que diz: Quando a gente começava a fazer o solfejo, meu primo [que também fazia parte da Banda] me ajudava, assim: “_Fazia um, dois, três e depois bate na testa, assim [faz o gesto do compasso e bate na testa], pra você lembrar que é quatro”. Então, tem várias coisas que aconteciam, assim, que... ah, coisa de criança, de adolescente (Cássia, Caderno de entrevista, 07/05/2015, p. 82). Associadas com a prática musical de tocar um instrumento estavam as práticas de ler e ouvir música. Elas aconteciam nos momentos em que os integrantes da Banda estavam no mesmo espaço e isso poderia se dá antes dos ensaios, depois dos ensaios, no trajeto para as apresentações, na preparação e no trajeto das viagens e, muitas vezes, nos momentos em que os integrantes da Banda se encontravam com “a desculpa” de que iriam ensaiar. O pessoal da Banda se encontrava em diversas situações nas quais eles produziam música e, consequentemente, ensinavam/aprendiam também. Um dos encontros mais importantes era o dos ensaios, pois os músicos, além de prepararem o repertório, também se divertiam, conversavam, interagiam uns com os outros. Algumas vezes, os integrantes da Banda usavam estes momentos para descontração, tocando outros instrumentos ou outros estilos musicais, principalmente na ausência do maestro. Quando se fala em tocar na Banda, a primeira ação que vem à cabeça é tocar “músicas de banda” com o maestro regendo, mas não era sempre assim. Diversas vezes era possível chegar à Banda e encontrar um amigo, e, após conversar um pouco, pegávamos o instrumento para tocar. Embora soubéssemos as 177 músicas do repertório da Banda com mais detalhes, nós também tocávamos o que queríamos. A turma tocava e cantava. Sobre isso, Paulo relembra que: Nós íamos pra Banda tocar Amado Batista, véio! Sério! [risos]! Nós ficávamos lá tocando, aí, geralmente, meia hora de Amado Batista no violão, né! Eu... Acho que você lembra disso! Eu, você, o ******102... Depois o João [o maestro] vinha e dava uma colada103, né? Dava um torra104! Aí depois do torra nós subíamos [iam para a praça ou para o coreto] [risos]! (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 131). Portanto, percebe-se que havia, por parte do maestro, uma restrição com o repertório que era tocado no espaço da Banda. Apesar da Banda tocar algumas obras que não eram consideradas “músicas de banda”, como alguns temas de filmes, canções de Frank Sinatra, Amado Batista ele não concebia. Porém, os músicos se encontravam fora da Banda, faziam serenatas e estudavam com músicas do repertório da banda e com outras músicas que eram reproduzidas pela mídia. Ao tocar no espaço da Banda, principalmente sem a presença do maestro, os músicos exploravam alguns dos seus conhecimentos musicais, desenvolviam técnicas para tirar músicas, aprendiam diversas formas de acompanhamento na música popular. Com a presença do maestro, as práticas musicais eram mais direcionadas para a aprendizagem das obras que seriam tocadas nas várias ocasiões em que a Banda se apresentaria. 5.3.4 Laços estabelecidos na Banda É sabido que através dos tempos o homem tem se relacionado uns com os outros, nas diversas situações do dia a dia, em eventos que se repetem, se reestruturam e continuam a acontecer durante o tempo de vida em que ele convive socialmente. Discutiu-se em outros trechos desta dissertação que o homem se associa e permanece junto de determinadas pessoas por infinitos motivos, e estas associações podem ser o início de uma relação entre dois ou mais indivíduos. Seja qual for a forma em que essas pessoas se relacionam, é inegável que existem Ex-integrante da Banda não entrevistado para esta pesquisa. “Dar uma colada”: expressão que significa repreender, neste caso, também significa levar uma “chamada de atenção”. 104 “Dar um torra”: expressão que significa repreender, neste caso, levar uma “chamada de atenção”. 102 103 178 sentimentos de confiança, reciprocidade, amizade, familiaridade. A estas relações repletas de sentimentos e ações de um para com o outro é que se dá o nome de laços. Gonçalves (2007) afirma que: Nos espaços de convivências e ensino/aprendizagem musicais são estabelecidos laços e conexões afetivas ou não, de proximidade e/ou distanciamento (intimidade ou não). Entender uma sociabilidade pedagógico-musical é olhar para essas várias formas de integração, ou para a ação de ensinar/aprender música entre os componentes do grupo, e compreender não só seus conteúdos, mas também a forma dessas interações materializadas nos laços e, consequentemente, nas redes de sociabilidade definidas nesses e a partir desses espaços de ensinar/aprender música (GONÇALVES, 2007, p. 47). No que se refere à familiaridade, no espaço da Banda não há dependência de laços consanguíneos para que os frequentadores da Banda se sintam em família. Não era aquele negócio de... “Eu ia para a Banda, vou aprender música!”. Não era só música. Era amizade, era companheiro de sair... Entendeu? [...] Era tipo uma família, né? Era muito próximo de ser uma família, né? Porque todo mundo ali estava junto, no mesmo objetivo (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 154). O “estar em família” por parte dos integrantes da Banda surge dos laços que se estabelecem e ganham força nas situações vividas por eles, dentro e fora da Banda. Assim, pensa-se na família também como sendo o “entrelaçamento de cursos de vida individuais” (DONATI, 2008, p. 63). Acredita-se que o sentimento de familiaridade uns para/com os outros se fortalece ainda mais quando estas pessoas, que passam muito tempo juntas, compartilham de uma rotina muito semelhante, além de seguirem as mesmas regras e terem no maestro um superior para direcioná-los. Essa ideia de familiaridade e de aproximação acontecia bastante entre os músicos e o maestro. Pode-se notar que ele era como um conselheiro para os músicos mais novos. Eles o viam como uma figura na qual poderiam confiar. Então, apesar de, provavelmente, não ser consciente, eles também iam para a Banda não só com o intuito de aprender um instrumento, mas também de aprender “sobre a vida”. Sinara comenta que: Ah, o seu João [o maestro] era muito... ele gostava de deixar algumas lições. Ele era muito moralista, então, ele batia papo. Assim... ele gostava muito de contar do tempo dele, das coisas que 179 ele fazia, e que eu achava legal! Assim que ele falava de coisas que, eu, hoje, vejo... que não tinha importância pra mim na época, mas que hoje vejo que tem importância, né? Relação com os pais, relação com... Ele falava de maneira muito sutil, não falava abertamente e isso, às vezes, naquele momento, não fazia efeito, mas depois a gente ia pensar. Ele falava dos estudos, né, da escola, que tinha que levar muito a sério. Ele falava tudo de uma maneira muito sutil, mas que era bacana (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 6162). É como se na Banda o laço formado entre os músicos e o maestro completasse os assuntos que eles não falavam em casa, com os pais. Por exemplo, quando eu perguntei à Cássia o que ela conversava com o maestro, ela disse: Tudo, nossa! Eu conversei com o João sobre relacionamento, afetivo, amoroso, sobre casamentos, sobre empregos, sobre a minha ida pra São Paulo, como foi lá, ele me contou toda a ida dele. Depois, quando eu estava trabalhando no jornal, fiz uma matéria que ele me contou toda a trajetória dele em São Paulo, sobre música, como ele estudava, qual era a rotina de estudo dele, quem foram os professores dele... Então, nós tivemos um contato muito próximo, e ele tocou no meu casamento. Coisas pessoais a gente sempre conversava (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015 p. 95). É claro que essa relação, esses laços não se davam somente entre o maestro e os músicos, mas também de músico para músico. E ainda deve-se ressaltar que são laços que perduram para além do tempo e do espaço da Banda. Vinícius disse que: A gente tem, assim, amizades que ficam. Foi o que a Banda trouxe pra mim, amigos e irmãos, pois eu sei que a hora que eu precisar eu posso contar com você e você sabe que pode contar comigo. Igual, quanto tempo a gente conversou? Depois de quantos anos [risos]. Tá vendo como é que é? (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 53-54). Esses laços de amizade fazem com que os músicos que ali convivem e se relacionam na Banda, estreitem suas relações e seus laços se alastram para além daquele espaço, isto é, formam redes quando levam pessoas até a Banda e/ou quando se encontram fora da Banda, movidos por outros interesses. Segundo o maestro, as pessoas “iam [para a Banda] pra fazer amizade... ali era a mesma coisa que uma família” (Sr. João, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 299). É possível também localizar nas falas dos colaboradores que muitos iam lá 180 pra conversar, encontrar os amigos. Paulo, por exemplo, sentia falta de estar na Banda e de se relacionar com o pessoal de lá. Muitas vezes, [...] a gente não estudava e ia... [na Banda] [risos]. Ia em busca do milagre! Ia lá só pra conversar, bater papo, conversar com o João, às vezes a gente chegava lá: “_Ah, João, hoje eu não vim cá [aqui] fazer nada não! Eu só vim cá [aqui] mesmo!”. Aí tocava um violão, fazia alguma coisa! (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 141). Algumas vezes, esses laços se fortaleciam mais, pois tinham pessoas que frequentavam a Banda juntos, como casais. Isso aconteceu com uma das colaboradoras. Eu passei um período muito... um período grande namorando, entendeu? Pra ir pra Banda se resumia a ele, por isso que eu não tenho muitas recordações. Então, quando eu namorava, ficava ao lado dele, então não tinha muita brincadeira, nem nada. Quando a gente não estava mais junto? Ah! Participava das farras! A gente brincava muito, fazia muita piada, tudo era piada. (Sinara, Caderno de entrevista, dia11/03/2015, p. 68 Vê-se que os músicos se relacionavam tanto dentro, quanto fora da Banda, e, quando se adentra ainda mais nas sutilezas destas relações e laços na Banda, um aspecto que aparece e que é comentado apenas pelas mulheres, refere-se às questões de gênero, ou melhor, ao “ser mulher na Banda”. Tais questões vão além do tratamento entre homens e mulheres, vão para além do tempo das bandas de música, como um lugar pouco “acolhedor” para as mulheres, já que durante anos as mulheres não tocavam nas bandas. Poliana, por exemplo, não se sentia diferente em termos de gênero dos seus colegas: Teve uma época que teve muito pouca menina na Banda, teve uma época que parecia que tinha só eu, assim... Aí o pessoal me achava homem, sabe? [...] Você desconfigura as coisas, parte sexual... Aí, por ser muito nova, por ter muito menino, hoje eu tenho muito mais amizade com menino do que com menina. Assim, eu subia pra praça só com menino! Assim, de boa! Mas eu não era uma menina, eu era integrante da Banda. [...] Acho que a parte legal da Banda era isso, você conversava de boa! Porque o pessoal me tratava normal, igual todo mundo... (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 259260). 181 A partir da fala de Poliana é possível enxergar que as relações estabelecidas nesse espaço parecem não ter restrições por ser mulher. No entanto, são aspectos que não foram aprofundados e que seria importante ser refletido quando se trata das questões de gêneros nos espaços das bandas de música. Já as relações que proporcionavam afastamento podiam ser percebidas nas relações que se davam através de atritos e conflitos, nas quais as diferenças de cada um se sobressaíam em detrimento das similaridades. As relações e esses laços, a partir da literatura mencionada nesta dissertação, são categorias importantes para se pensar uma sociabilidade pedagógico-musical. Alguns autores como Gonçalves (2007), Bozon (2000), Santiago (1997-1998), Costa, Machado e Almeida (1990) têm buscado entender em suas pesquisas a música nos espaços sociais, dando ênfase às suas peculiaridades, enfatizando que as relações sociais estabelecidas estão ligadas ao tempo, espaço e lugar. É natural que as pessoas que frequentam o espaço da Banda formem laços uns com outros, tenham relações dentro da Banda como músicos, companheiros de naipe ou estudantes, ou fora da banda, na rua, em viagens, na escola ou no local onde moram. Trata-se de uma sociabilidade interna, que se estrutura dentro de um grupo específico, no qual as pessoas que assumem o desejo de frequentar aquele grupo tendem a se relacionar de forma que ensinam/aprendem uns com os outros. É preciso entender que as características que o grupo adquire devem ser pensadas considerando os contextos sociais em que estes grupos estão inseridos, tais como sua estrutura, objetivo, tamanho, participantes, dentre outros aspectos. Estas caraterísticas também dependerão dos laços que são formados lá dentro, do estabelecimento de relações recíprocas entre as pessoas que o frequentam. Essas são as circunstâncias que podem levar ao reconhecimento do grupo. O espaço da Banda, nessa perspectiva, é pensado como um lugar em que as relações sociais que lá se estabelecem são aspectos importantes para se pensar o ensino/aprendizagem de música e que os laços criados entre os frequentadores da Banda também foram um fator importante para que a Banda se mantivesse como instituição, como um espaço no qual as pessoas vão não só para tocar ensinar/aprender música, mas para fazer amigos, criar laços. 182 5.4 Sociabilidade pedagógico-musical externa a Banda 5.4.1 Redes de sociabilidade pedagógico-musicais Para Heller (1997), “o grupo representa o grau mais baixo, mais primitivo da integração social. Quanto mais se cobra a importância, nele mesmo, mais se clarifica a peculiaridade, o conteúdo, o grau de dissolução, etc. de outras formas de integração” (HELLER, 1997, p. 74, tradução minha) 105. Diante do exposto, é perceptível que os interesses em comum fazem com que os integrantes da Banda mantenham relações dentro e fora dela. Sendo assim, esta pesquisa também esteve ligada à ideia de que as redes de sociabilidade podem ser entendidas como as relações que os indivíduos criam com outros, tendo como ponto inicial a “vontade de pertencer a um grupo”106 (RIEDEL, 1964, p. 149, tradução minha), de ser parte integrante e importante de um projeto em que os indivíduos tenham os mesmos ou interesses parecidos. Para Lance (2005), “uma rede de sociabilidade é um grupo de pessoas que compartilham normas e valores, interagem uns com os outros em situações formais e informais” (LANCE, 2005, p. 109, tradução minha)107. Neste sentido, estas redes são formadas por pessoas que, ao dividirem um mesmo espaço social, trocam, compartilham e aprendem novos valores, e o que se constrói neste grupo pode ser usado “fora dele”. No caso da Banda, essas redes eram formadas em todos os momentos de sociabilidade interna e externa. Interna nas situações permeadas por ações pedagógico-musicais, como nos momentos do ensaio, nos encontros casuais, nas aulas de teoria e solfejo ou quando os iniciantes esperavam o colega terminar de passar as lições, quando compartilham conversas, ideias, anseios e questionamentos. Externa quando os músicos da Banda se relacionavam com pessoas da cidade, quando se apresentavam em eventos da cidade, nos encontros de bandas ou quando se encontravam para tocar em casamentos e festas. No original: “El grupo representa el grado más bajo, más primitivo de la integración social. Cuanto más cobra éste importancia de por si, tanto más se clarifican la peculiaridad el contenido, el grado de disolución, etc. De otras formas de integración”. 106 No original: “the feeling to belonging to a group”. 107 No original: “A sociability network is a group of people who share norms and value interact with each other in formal and informal situations”. 105 183 Cabe ainda lembrar que essas sociabilidades externas/internas à Banda não aconteciam de forma independente, separadas umas das outras. Isso se dá pelo fato de que o que acontecia dentro da Banda, como as aulas, as práticas musicais e o ensino/aprendizagem musical, subsidiava o que acontecia fora dela. Da mesma forma, o conhecimento que vinha de fora da Banda também era capaz de transformar, por exemplo, o gosto dos músicos, tanto o que eles queriam tocar, quanto a forma de tocar o instrumento. Igualmente, estas redes de sociabilidade internas/externas à Banda são coexistentes e recíprocas, pois uma não existe sem a outra. Quando se pensa nas relações estabelecidas que podem ir para fora da Banda, elas são consolidadas entre os músicos no espaço da Banda e entre pessoas que não fazem parte do grupo. Acredita-se que, mesmo não tendo contato direto com a Banda e com o que se aprendia lá, estas pessoas poderiam ser respingadas pela produção musical da Banda na cidade, principalmente através das apresentações musicais realizadas e do ensino/aprendizagem musical que era realizado no espaço da Banda. O estabelecimento de redes para além do espaço da Banda possibilitava que as mais diversas pessoas da cidade tivessem contato com a música e com os músicos: o contato sobre instrumentos musicais, sobre o que tocava, como tocava e a função deles na Banda. Estas redes que se formavam entre músicos e não músicos eram redes mediadas pelas práticas musicais desenvolvidas na Banda ou por músicos da Banda. A prática musical de tocar um instrumento fazia com que existisse um movimento de mobilização entre conhecidos, amigos e colegas que não eram da Banda. Isso pode ser notado quando Vinícius conta que alguns amigos gostavam que a gente tocava e tinha alguma garota que eles queriam impressionar... fazia serenata... Aí chamava a gente, pra nós irmos lá fazer serenata, tinha que fazer pra eles, tocar porque eles não tocavam! (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 42). Essas eram relações que se estendiam para além da Banda, se fortaleciam e faziam com que mais pessoas passassem a ter interesses ligados com a música e/ou com a Banda. Percebe-se que o espaço Banda e os locais nos quais ela frequentava eram parte importante do processo de ensino de música. Um processo de aprendizagem ligado à formação do público, ou seja, de ouvintes. Com isso, vê- 184 se que, direta ou indiretamente, as pessoas que se envolviam com a Banda, mesmo sem querer, tinham a oportunidade de aprender música ou de, pelo menos, despertar a curiosidade sobre o que se fazia na Banda. Os integrantes da Banda usavam de suas redes, das pessoas que conheciam, dos lugares que frequentavam e das atividades que desenvolviam na e fora da Banda como forma de trazer novos interessados para aprenderem a tocar. Sinara disse que: A gente tinha um grupo de amigos que acabou indo pra Banda por causa da gente. Acabou fazendo amizade porque tinha a mesma idade ou não. E tocar era legal, era bacana, estar na música era muito interessante e era uma ocupação, né? (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 58). Convidar e/ou apresentar a Banda para alguém não era uma tarefa obrigatória do músico. Eles gostavam da Banda e se sentiam bem em compartilhar aquele espaço em seu círculo de convivência. Cássia, ao se lembrar de um colega de Banda, disse que: Ele108 tocava violão e eu chamei ele pra tocar violão clássico. Ele começou a tocar violão clássico, começou a tocar as músicas de violão clássico, aí ele começou a tocar clarinete. [...] A gente começou a estudar [violão clássico] e estudando que eu chamei ele pra ir pra Banda (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 97). Portanto, nos encontros rotineiros entre amigos, alguns se interessavam pelas atividades da Banda e perguntavam o que era necessário para participar. Ramsés conta que os convites aconteciam da seguinte forma: Uai, [isso acontecia] a gente tocando e a gente na amizade: “_Como é que eu faço”: “_Ah, vamos lá?”. Aí eles estudando começam a ingressar [na Banda]. Levei muita gente pra Banda, na época! Na ocasião perguntavam onde eu tocava pra eles aprenderem também (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 122). Nessas relações de amizade mantidas fora da Banda, havia músicos que quase nunca iam sozinhos à sede. No exemplo que se segue, Paulo relata que ele sempre ia à Banda em companhia de um colega, que passava na sua casa. 108 Ex-integrante da Banda não entrevistado para esta pesquisa. 185 Murilo: Quem te levou pra Banda? Paulo: Meu pai. Murilo: Depois quem te levava? Paulo: Eu ia sozinho com a Poliana. Porque eu e a Poliana começamos juntos. Murilo: E se a Poliana não passasse aqui? Paulo: Não [acontecia]... Mas [ela] sempre passava! [risos]. Sempre passava! Nunca falhou não! Engraçado, a gente não ficava doente, nós sempre íamos! E ia mesmo! Murilo: Mas e se tivesse doente? Paulo: Ia assim mesmo! [risos] (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 147). Era recorrente convidar e tentar “aliciar” pessoas para fazerem parte da Banda. Obviamente, nem todas que eram convidadas entravam, iam ou permaneciam no grupo, como menciona Vinícius: Eu tentei levar muita gente, mas era muito difícil. A única que eu iniciei na Banda foi minha prima, a Camila, o resto... Teve o *****109 também, ele estudava com a gente [na escola] só que ele começou a querer ir na Banda, e desanimou, e comecei a fazer um incentivo pra ele, e ele continuou, ficou na Banda (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 43). Em suma, as redes que se estabelecem entre músicos, amigos e/ou conhecidos, que têm como principal elo a música, são relações que apresentam situações em que o “não músico”, ao ter contato com um músico ou com um instrumento, abre-se ainda para a possibilidade de explorar, dentro das possibilidades desta convivência, os conhecimentos musicais. Vinícius conta que: Teve até um fato muito engraçado que um amigo do pessoal da Banda namorava, na época, uma menina, e ele falou pra ela que tocava violão! Nesse dia eu nem sabia que ele tinha falado nada disso! Eu chequei lá, peguei o saxofone e estou tocando saxofone... aí de repente ele chega lá com um violão [risos] e toca assim: “Tuim, tuon” [imita o som de glissandos ascendentes e descendentes] [risos] ou... Não… Parei de tocar e fiquei pensando: “_Não, se eu parar de tocar vai ser uma vergonha pra ele” [risos], mas a hora que eu parei de tocar eu não aguentei, eu caí no chão de dar risada! Eu rolei no chão de tão... tipo assim: “_Não sô, eu falei pra ela que eu tocava violão!”. Ainda mais que ela apareceu lá na sacada da casa (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 42). Existiam situações nas quais a música que as pessoas haviam aprendido na Banda servia como ponto de intercessão ou fio que conduzia as relações com 109 Ex-integrante da Banda não entrevistado para esta pesquisa. 186 pessoas que não tinham aquele conhecimento musical, mas que, em diversas situações, poderiam, através dos músicos da Banda, ter contato e explorar um instrumento musical. Certamente, isso pode ser considerado um processo no qual as pessoas se relacionam e aprendem/ensinam música. Depois de analisar os dados coletados e perceber a construção de uma teia em que os relatos dos colaboradores permeiam uns nos/pelos outros, é de se notar que os participantes estabeleceram laços e redes que os ligavam uns aos outros, e que estas redes se estendiam para fora da sede, como se a Banda fosse o apoio (primeiro nó) para a trança de cada fio. O estabelecimento dessas redes que eram mantidas dependia da vontade dos músicos em mostrar o que faziam na/com a Banda. Eles falavam sobre o quanto era bom estar na Banda, tocar um instrumento e convidavam as pessoas para fazerem parte dela, porém nem sempre o “convite” era aceito. E, neste sentido, conclui-se que, para que o grupo se mantivesse unido, era necessário que um motivasse o outro, resultando no fortalecimento destes laços, o que, em parte, tem possibilitado a continuidade da Banda. Assim, essas relações de sociabilidade externas e internas também eram importantes para manter a Banda unida e na ativa, não só por trazer novos integrantes, mas por fazer com que os participantes não perdessem seus interesses pelo que o grupo fazia. Estes interesses poderiam ser renovados e reativados, dependendo das situações pelas quais o sujeito passava. De acordo com as ideias de Riedel (1964, p. 152), um amigo que acompanha o outro, um amador que se junta a um profissional, um músico que quer impressionar alguém, ou uma pessoa que busca um “lugar” na sociedade, são importantes para manter este tipo de organização. 5.4.2 As apresentações musicais da Banda A produção musical da Banda, geralmente, acontecia no encontro de pessoas, em diversos espaços nos quais ela se fazia presente, tanto dentro, quanto fora do lugar onde os ensaios aconteciam. Fora da Banda, estes encontros aconteciam em vários lugares, como praças, festas, ruas e escolas. De certa forma, nestes espaços tinha-se a oportunidade de encontrar pontos que despertassem o interesse de outras pessoas pela Banda. 187 Analisando os dados levantados, percebe-se que as apresentações eram um momento de aprendizagem não só para os músicos, mas também para as pessoas que estavam presentes nos desfiles e nas procissões. Como existia um repertório, geralmente associado para cada tipo de evento, as pessoas tinham em suas memórias trechos, partes e situações que remetiam à música que era tocada na Banda. Inclusive, isso é percebido por um dos colaboradores, que diz: Inclusive eu estava até reparando: quase todo mundo que estreou na Banda, foi na Semana Santa, e de fato, a Banda, ela já tinha a tradição de tocar na Semana Santa. A gente sempre tocava duas músicas, acho que é por isso, então, que a pessoas já chegavam tocando na Semana Santa. Todo ano eram as mesmas músicas, então, julgo eu que se ensinava o aluno com aquilo ali, já ficava pros outros anos, né? (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p.117). Mais do que tocar todo ano na cidade em uma festa, acredita-se que a apresentação musical permitia que se desenvolvesse no público uma expectativa musical, o que certamente abria caminho para potencializar diálogos e/ou interesses pela Banda. Quando a Banda participava de eventos na cidade, muitas pessoas procuravam informações na prefeitura, na Casa de Cultura ou diretamente com o maestro ou músicos. A partir daí, se inscreviam nas aulas de música que a corporação oferecia. Sem dúvida, as apresentações musicais eram momentos essenciais para a presença e fortalecimento da Banda na cidade. Momentos que foram contados de diversas formas pelos entrevistados. Pixano, por exemplo, fala de tempos, de outros tempos, pois ele conheceu a Banda ainda menino e a frequentou desde setembro de 1950, quando tinha 15 anos de idade. Há de se considerar que a forma como a Banda era vista e se relacionava com a cidade era diferente, pois, em cada época, cada tempo, as relações, as regras, os anseios de cada grupo e daqueles que o frequentavam são diferentes. Durante as entrevistas foi possível notar que, obviamente, a Banda que Pixano conheceu não é vista da mesma maneira. Da sua fundação até o final da década de 1970, ela tinha a função de entretenimento e era vista com papel importante na cidade e em suas festividades, tanto que, ao fazer parte da Banda, os músicos se destacavam por serem músicos da Banda, talvez pela dependência que 188 a cidade tinha deste grupo, fazendo apresentações nos vários eventos, como festas, desfiles, casamentos, missas, dentre outros. Após a década de 1980 até o atual momento da Banda, ela se inscreve na cidade muito mais como um patrimônio que não pode acabar e as pessoas que a frequentam são vistas como aqueles que querem salvar este patrimônio, impedindoo de acabar. No entanto, as pessoas que fazem parte dela não parecem ter este mesmo objetivo, pois elas continuam querendo aprender música e/ou tocar um instrumento. Apesar de ser uma reflexão que deve ser aprofundada em outros trabalhos, cabe mencionar que diante dos modernos meios de comunicação de massa (desde o altofalante na praça pública até a televisão, passando pelo rádio, pelo disco, pelo cinema e pelos instrumentos musicais eletrônicos) não teria a banda de música perdido sua função social. Neste caso, nossa atuação seria uma agressão aos novos valores da comunidade ou, quando muito, uma atitude romântica e nostálgica. Vários índices mostravam, no entanto, que a banda ainda possuía um espaço que era só seu e que nenhum meio de comunicação mais recente conseguiria tomar (GRANJA; TACUCHIAN, 1984/85, p. 28). Essa função social da Banda era fortalecida, sem dúvidas, pelas apresentações na cidade. As apresentações tinham o papel de entreter o público, mas também de reforçar o caráter coletivo que ela tinha quando se apresentava na Semana Santa, quanto tocava nas alvoradas, nos desfiles de Sete de Setembro ou no aniversário da cidade. As apresentações também eram um momento importantíssimo no processo de ensino/aprendizagem musical na Banda. Elas permitiam que maestros e músicos mostrassem para as pessoas da cidade o que eles aprenderam no espaço da Banda. Todos esses aspectos salientados permitem pensar no papel das apresentações da Banda, reforçando sua manutenção enquanto um espaço de ensino/aprendizagem e um espaço que tem uma função social de presentificação da música na cidade. Todos estes momentos podem fazer com que a Banda seja conhecida não só como um grupo que toca, mas também como um espaço no qual se ensina música. 189 5.4.3 As viagens da Banda As viagens também faziam parte de um movimento importante na Banda no que se refere à sua sociabilidade externa. Era um momento de “abrir o grupo” para mostrar o que era produzido musicalmente dentro dele. Era o momento de mostrar o repertório estudado durante os ensaios e também o uniforme novo. Dentre as viagens da Banda, as mais comuns eram aquelas para participar dos encontros de bandas de música, nos quais uma cidade anfitriã convidava as bandas das cidades vizinhas para se apresentarem em diferentes pontos da cidade. Nestes encontros, em algum momento, os músicos de todas as bandas presentes no evento se reuniam e o maestro da banda anfitriã regia o Hino Nacional, além de mais um dobrado que era comum ao repertório das bandas presentes. Os encontros de bandas eram muito esperados pelos integrantes da Banda de Arcos, já que tinham a oportunidade de conhecer outros músicos, outra cidade, trocar partituras e conhecer pessoas. Eram momentos nos quais os integrantes da Banda também estabeleciam novas redes com músicos de outras cidades e, com o passar do tempo, se transformava em uma reunião de amigos, companheiros de música. Edwilson fala um pouco sobre esta experiência: Cara, eu conheci uma menina em Nazareno uma época e tal, nós trocamos até umas cartas porque na época tinha internet bem fraquinha, então trocamos umas cartas. Foi bacana, tipo assim... tem pessoas que você vê às vezes no encontro de banda e vê até hoje depois de muito tempo. Teve um encontro de bandas em Paíns, você vê a turma ali de Perdões110, você vê alguns que estão lá até hoje. Você vê muita cara nova, mas você vê também pessoas que desde aquele momento antigo ali está presente até hoje. Não abandonou (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 267). Além do que foi mencionado, acredita-se que essas viagens permitiam uma aproximação, um fortalecimento dos laços internos que mantinham as pessoas juntas, mas também fortalecia a imagem que a Banda tinha externamente a ela. Estas viagens também evidenciavam que os objetivos dos músicos de fazerem parte da Banda, realmente, não eram os mesmos, porque, ao se reconhecerem, ao encontrarem pessoas com ideias semelhantes, estes músicos passavam a pensar 110 Cidade a, aproximadamente, 100km de Arcos, com tradição em sediar encontros de bandas. 190 que essas atividades eram mais importantes do que tocar seus instrumentos no grupo. Ramsés disse que: os encontros de banda também eram motivantes. A galera gostava de ir, alguns pra namorar, outros pra beber, outros pra distrair, mas era uma coisa que motivava a turma a estar presente. Porque eu me lembro que tinha momentos que a Banda esvaziava e no encontro de banda todo mundo voltava de novo (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 114). Nessas viagens acontecia também que muitas pessoas que não participavam da Banda viajavam com os músicos, pois um amigo levava um, que levava outro. Com o depoimento de Vinícius, pode-se perceber como isso acontecia. Encontro de bandas! Principalmente Encontro de bandas... Encontro de bandas tinha muita gente de fora, sabe? “_Vamos pra Perdões!”. Aí no ônibus... Nós éramos 20 músicos, um ônibus com... [supõe] 60 espaços. Na hora que eu ia entrar no ônibus ele estava cheio de gente, que você nunca ouviu falar quem que era: “_Ah, esse cara é amigo do fulano, esse é amigo do ciclano que eu trouxe” “_Tem problema, Sr. João?” “_ Não [não tem]! Pode! Vamos embora!” [risos]. E ia! E as pessoas iam pra conhecer a cidade. Às vezes nem gostava de banda de coreto, mas ia pra conhecer a cidade. [risos] Era engraçado... (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 44). Esses encontros eram permeados de interesses pela música, mas também pela vontade de conhecer novas pessoas, novos rapazes e moças, como Cássia conta: Aí sempre ficava os grupinhos, tipo... ficava assim: eu, a Sinara, a Poliana. Aí tinha os grupinhos de homens de outras cidades e aí a gente sempre... ficava meio que paquerando, né, assim: “_Quem é aquele bonitinho?”; “_Nossa, aquele menino ali é gato”; “Ele toca qual instrumento?” (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 91). Sobre as paqueras nessas viagens, Paulo também fala que: Havia as menininhas... a gente ia atrás, normal e arrumava de vez em quando, né? Mu[uuu]ito de vez em quando! Mas era... [gargalhadas] Dez anos, duas vezes, né? Duas menininhas. Nossa Senhora! Mas era bom, era muito engraçado! (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 153). 191 É importante dizer que durante as saídas da Banda do seu espaço, tanto para apresentações, quanto para as viagens, as famílias dos músicos sempre estavam presentes. Sobre esta participação, Camila diz: É mãe, é pai. Minha mãe e meu pai começaram a frequentar a Banda por minha causa. Minha mãe, porque quando a gente ia pros encontros de banda, seu João não deixava a gente ir sem mãe, né? Sem alguém, um responsável. Aí ela entrou na Banda por causa disso. Meu pai entrou e ele está aí até hoje (Camila, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 230). O trajeto dessas viagens eram momentos que também estão presentes nas lembranças dos colaboradores desta pesquisa. Vinícius, ao contar sobre uma viagem que fez com a Banda, disse que, na volta, depois de eles terem tocado “o dia inteiro” as “músicas da Banda”, se viu dentro de um ônibus, tocando marchinhas de carnaval. Ele conta: Vinícius: Entrou todo mundo [no ônibus] moendo111! Tocando de novo [risos] e viemos de lá aqui tocando! Murilo: E o maestro? Vinícius: Ah! Entrava no meio da farra de vez em quando [risos]... Era bom de mais! Murilo: O que vocês tocavam? Vinícius: Nessa época, assim, às vezes, tocava alguma música que estava mais famosa e alguém tentava tirar e “_Ah, tá [está] em “tal” tom”; “Vamos todo mundo!”. Tentava todo mundo, engatava... ou pegava marchinha de carnaval e ia tocando marchinha de carnaval daqui lá! Aí, quando acabava de tocar as marchinhas que a gente já não sabia, a gente chamava o Sr. João: “_Vem pra cá!” [gesto de chamar]. Aí ele pegava o trompete e ia tocar também! E assim foi muito tempo (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 47). Essa cena mostra que, em diversos momentos nos quais os integrantes da Banda se reuniam, seja para ensaiar, para viajar, por qualquer que fosse o motivo, havia interação e, nesta interação, havia algum tipo de prática musical. Dentro ou fora do espaço da Banda, o intuito destas pessoas era praticar música, tocar, cantar e passear. Vinícius lembra que: A gente fazia mais o gosto da gente, né? Às vezes tipo... uma música... Igualzinho, a gente pegava muita música pra fazer serenata, porque na Banda não tinha como tocar. Na Banda não tinha como, aí eu pegava e ia fazer essas músicas de serenata... 111 “Entrar todo mundo moendo” quer dizer “todos começaram a tocar rapidamente”. 192 Chamava os meninos e a gente ia pegar... A gente pegava e saía pra fazer serenata ou até mesmo, sentava e: “_Vamos tocar a música tal?” E começava a tocar, pra interagir... (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 51). É importante afirmar que a proximidade das pessoas com a Banda, este estar junto entre músicos e não músicos, pessoas da cidade e de outras cidades, fazia com que, de alguma forma, houvesse o despertar do interesse pela música. As viagens são, sem dúvida, momentos em que o sentimento de identidade dos músicos e da Banda se exacerbava. A presença das pessoas em um espaço no qual existiam diversas formas de práticas pedagógico-musicais, como o contato com instrumentos, preparação dos músicos, pode sim proporcionar momentos favoráveis ao ensino/aprendizagem de música, mesmo que este não tenha sido o foco intencional naquele momento. 5.5 O uniforme como forma de ser visto dentro e fora da Banda Se há um aspecto que evidenciava a Banda ou que permitia o reconhecimento visual dos músicos, este era o uniforme. Ou seja, o uniforme é um dos meios pelos quais as pessoas externas ao grupo reconhecem que aquela pessoa faz parte de um grupo distinto. É uma possibilidade imediata de uma pessoa se diferir ou de se diferenciar uma da outra, sendo reconhecida como parte de um grupo maior. Segundo Schemes, Araújo e Thön (2013, p. 5), “o uniforme pode ser considerado um meio de coesão de um grupo, ao nível das aparências, pois caracteriza uma categoria, profissão ou função dentro de um contexto prédeterminado”. O uniforme é uma das formas de indicar pertencimento a um grupo, bem como associar a imagem individual a um determinado grupo. Ao estudar as bandas de música, Granja e Tacuchian (1984/85) destacam: o uniforme, com urna função gramaticalmente coerente com os gestos e o comportamento em geral. A farda iguala todos os componentes, com a função de esconder seu portador (o "indivíduo", anônimo, humilde e sem regalias) e incorporá-lo numa outra realidade (a banda, como "individualidade coletiva", respeitada por um público que a aplaude), separando ainda o papel que define sua posição no ritual dos outros papéis que desempenha na vida diária (GRANJA; TACUCHIAN, 1984/85, p. 34). 193 Na banda de Arcos, o uniforme representava, também, uma parte da identidade da Banda. Era uma das formas deste grupo ser reconhecido fora do seu espaço, além de reconhecer o músico que tocava na Banda. Um exemplo é quando Ramsés disse que as pessoas o “reconheciam pelo uniforme” e que elas, quando viam os músicos, falavam: “ ‘_Olha, a galera da bandinha está aí, ó!’ ” (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 117). O uso dos uniformes pode ser notado nos mais diversos tipos de grupos musicais, como orquestras, bandas escolares, fanfarras, associações, dentre outros. Em se tratando da banda de Arcos, isso não era diferente. Pode-se notar que a Banda, desde a sua primeira formação, tinha um uniforme que diferenciava seus integrantes das demais pessoas. Estes uniformes, naquele momento, tinham traços militares e depois, com o passar do tempo, foram se reestruturando conforme o que se pensava em cada época. Visualmente, os uniformes tinham traços que remetiam às primeiras corporações mantidas pelos regimentos militares (ver Figura 9). Figura 9 - Banda Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo112. Fonte: Acervo pessoal do maestro João Fernandes. Para Costa (2011), a partir do início do século XIX, agremiações civis começaram a se organizar em diversos centros urbanos, matizadas nas bandas Descobri, posteriormente, que essa foto foi tirada na frente da casa do tubista (1° músico em pé da esquerda para a direita). Este músico está vivo e ainda mora na mesma casa. Foi ele quem me deu estas informações. 112 194 militares. As bandas militares intensificaram rapidamente a sua ocupação nas ruas, praças, festas e em outras ocasiões. Foi através dessa atuação constante e diversificada que se vinculou a banda de música civil a traços militares, como no repertório, uniforme e instrumentação (COSTA, 2011, p. 248). Durante algum tempo, o uniforme da Banda tinha como acessório um quepe, um chapéu estilo “capitão do exército” (ver Figura 10). Figura 10 - Paulo e o quepe utilizado entre os anos de 1990 e 2005. Fonte: Paulo (Entrevista, imagem captada da gravação em vídeo, 07/06/2015). Pode-se dizer que é o mesmo tipo de quepe utilizado nas primeiras décadas da Banda, como parte indispensável do seu uniforme. Contudo, com o passar do tempo, ele ficou “fora de moda”. Sobre o quepe, Camila disse que ele foi muito polêmico porque tinha gente que queria usar, tinha gente que não queria e tinha vergonha. Eu usava, mas assim, né... porque tinha que usar. Nossa, mas dava vergonha mesmo. Usar o quepe, assim... era muito complicado. A gente ria uns dos outros! (Camila, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 224-225). Alguns músicos relatam que tinham um pouco de vergonha de usarem os uniformes, porque achavam que eles estavam “fora de moda”. Edwilson disse: Edwilson: Eu fui um que impôs resistência àquele quepe, né? Porque sei lá cara! A coisa mudou hoje, ninguém usa quepe mais! Tipo assim... Não é preconceito nem nada demais, mas eu acho que está muito fora de moda, eu me sentia fora de moda ali. Murilo: Mas você vestia? 195 Edwilson: Vestia, uai, tinha que vestir! Você chegava lá sem uniforme, só você de fora da turma, ficava ruim assim (Edwilson, Caderno de entrevistas, 18/07/2015, p. 276). Nas palavras de Cássia é perceptível que o uniforme não seguia um padrão único, além do que seu design era reavaliado e readaptado às situações do dia a dia. As roupas e/ou acessórios característicos de homens, como, por exemplo, as gravatas, causavam incômodo a ela. Cássia comenta que: Chapéu pra mulher, gravata pra mulher. Aí eu já não me sentia muito confortável porque todo mundo já olhava meio de canto: “_Olha ali, a menina está com chapéu, está com gravata”. “_O que é que eles vão pensar de mim?” (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 96). No entanto, na Banda de Arcos houve iniciativas de mudanças dos uniformes. Sobre isso, Cássia diz que: Engraçado! Cada vez eles criavam uma coisa nova. Então, às vezes, parecia um uniforme de escola, outras vezes parecia um uniforme de exército! Igual aquele que a gente tem, marrom com vinho! Uma coisa muito formal (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 96). Por mais que houvesse mudanças nos uniformes, os músicos se sentiam “fora de moda”, destoantes do que eles viam, pois eles eram parte de um grupo maior, que associava o uso do quepe aos militares. Na entrevista de Paulo, fica claro que ele se sentia destoado com o uniforme e que não gostava do sentimento de diferença experienciado por ele e perante as pessoas externas à Banda. Para ele, o uniforme da Banda influenciava no que as pessoas pensavam sobre eles: Aí, naquela época, né... de rapazinho querendo arrumar uma namoradinha, ficar de olho nas menininhas... Não rolava! Sempre não rolava nada! [risos] [Por] que nós estávamos com aquelas roupas esquisitas... O uniforme, né? Os quepes... Tivemos muitas roupas feias, né? (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 132). Paulo, no entanto, foi o colaborador que guardou todos os seus uniformes, desde quando entrou na Banda, aos nove anos de idade. Estes uniformes estavam guardados e foi muito interessante revê-lo com eles (ver Figuras 11 e 12). 196 Figura 11 e 12 - Paulo e os uniformes da Banda. Fonte: Paulo (Entrevista, imagem captada da gravação em vídeo, 07/06/2015). Tais uniformes dão ideia, então, da vestimenta utilizada pelos músicos durante as participações da Banda nas festividades. No entanto, gostando ou não, os músicos assumiam que o uniforme era para ser usado. Em um trecho de uma das entrevistas, percebe-se que Poliana (Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 248) usava o uniforme para cumprir as regras da Banda. Quando perguntei do que ela não gostava, ela disse: “_Os uniformes eram algo que eu não gostava.”. Logo em seguida, eu perguntei: “_Mas se você não gostava, por que você usava?”. Tive, então, a seguinte resposta: “_Pra manter o negócio, pra poder está lá, e era só! E era só exclusivamente na hora de tocar!”. Ou seja, gostando ou não do uniforme, para fazer parte e ser reconhecida como sendo do grupo, ela precisava vesti-lo. No mesmo sentido, Ramsés (Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 118) disse: “Vestia porque era uniforme. Uniforme é uniforme, você é obrigado a vestir”. Nota-se que vestir o uniforme para alguns era uma regra: “igual você ir pra escola sem uniforme, você está descumprindo uma regra” (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 93). Outros já reconheciam que a obrigatoriedade do uniforme seria o que “visualmente, te ligava a uma instituição” (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 118). Os sentimentos despertados pelo uso do uniforme são um pouco dúbios, porque, ao mesmo tempo em que o uniforme possibilitava o reconhecimento dos participantes como músicos e como músicos de um grupo musical, ele ainda os 197 diferenciava das pessoas com as quais tinham contato. Na visão de Sinara, o uniforme era bacana, mas era... Assim... ridículo, né? [risos]. Ridículo! Mas era bacana por causa do povo da Banda. Eu mandei fazer! Na época eu paguei pra fazer e era uma coisa difícil, então eu sentia aquele orgulho, né? Era “o uniforme da Banda” [ênfase na fala]. Minha mãe falava “_Eu não acredito, esse negócio é feio demais!”. Mas eu me sentia! [importante, orgulhosa] (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 60, grifos meus). Outros músicos não tinham restrições claras sobre o uso do uniforme. Alguns usavam o uniforme porque os demais usavam. Paulo, que guardou os uniformes, apesar de achar os “uniformes feios”, também via no uniforme uma das maneiras de se sentir no grupo. Eu via os meninos tipo... o Ramsés vestindo uniforme e eu falava assim: “_Nossa Senhora, se esses caras que “é véio” está vestindo uniforme e ele é fera pra *******113, eu também! Se eu usar um uniforme eu vou ser fera pra *******114!” [risos]. Fazia parte do esquema! (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 133-134). Sem dúvida, mesmo não gostando do uniforme em si, os músicos sabiam que o uniforme estava associado à imagem e ao reconhecimento do grupo. Neste aspecto, percebe-se a importância desta imagem que o músico buscava expressar socialmente. Green (2010) afirma que: a manipulação da imagem do performer não é uma mera estratégia de marketing, para roupas, estilos de cabelo ou posturas nas capas dos discos são todos detalhes de um contexto mais amplo de qualquer música: sua mediação como um artefato cultural dentro de um contexto social e histórico. Não só o contexto em que a música é produzida e distribuída, mas também o contexto da sua recepção afeta nossa compreensão dela (GREEN, 2010, p. 25, tradução minha)115. A partir dessas colocações, conclui-se que, apesar dos músicos não gostarem do uniforme da Banda, ele assume papel importante no e fora do grupo, Ele é fera pra ******* - O trecho pode ser substituído por “Ele é muito bom”. Eu vou ser fera pra ******* - O trecho pode ser substituído por “Eu vou ser muito bom”. 115 No original: “the manipulation of performers' images is not a mere marketing strategy, for clothes, hair-styles or posturing on the sleeves of recordings are all details of a broader aspect of any music: its mediation as a cultural artefact within a social and historical context. Not only the context in which the music is produced and distributed, but also the context of its reception affects our understanding of it”. 113 114 198 fazendo com que os integrantes pudessem ser identificados e/ou reconhecidos. Também o uso do uniforme da Banda e o seu estilo em cada época representa não só a imagem do músico, mas o contexto histórico, social e cultural ao qual a Banda se inscreveu e se inscreve. 5.6 Uma formação musical para além da Banda 5.6.1 A Banda como espaço para a profissionalização dos músicos Como mencionado, na Banda pode-se aprender música, tornar-se profissional ou mesmo considerar o tempo dedicado a ela como sendo tempo de lazer. No entanto, sabe-se que existem fases da vida, momentos em que a pessoa precisa tomar outras decisões, principalmente os profissionais, e a Banda não tem condições de proporcionar ao músico a subsistência financeira almejada. O objetivo comum dos músicos era aprender um instrumento, os demais objetivos eram individuais e muitos foram construídos durante o curso de vida de cada um na Banda. Se para alguns a Banda era lugar de fazer amizades, um lugar de lazer, para outros as atividades nela realizadas passaram a fazer parte de suas prospecções futuras. No caso desta pesquisa é fato que alguns entrevistados já saíram da Banda, mas todos os que foram músicos neste grupo participaram de ensaios e de apresentações, fizeram e foram parte daquele espaço pelo tempo que puderam e/ou quiseram. A Banda teve, portanto, importância na vida de muitos que, assim como eu, se tornaram profissionais que trabalham com música. No caso dos onze colaboradores desta pesquisa que foram músicos na Banda, com exceção do maestro, seis deles (Sinara, Cássia, Ramsés, Juliano, Cléber, Camila) seguiram carreiras nas quais a Banda teve participação direta na escolha, tendo a música como foco de atuação profissional. Outros dois (Pixano, Edwilson) seguem carreiras distintas e têm a participação na Banda como hobby, e três (Vinícius, Paulo, Poliana) não participam mais da Banda, porém tocam algum instrumento por diversão ou lazer. A Banda foi, para algumas pessoas, uma “escola técnica”, um local no qual elas puderam fazer da música uma profissão, adquirir as habilidades musicais e 199 atuar no mercado de trabalho. É claro que a formação profissional não foi o que levou o músico, às vezes ainda criança, a frequentar o espaço da Banda. Ao contrário, este projeto foi construído a partir das experiências sociais, culturais e musicais vividas por eles neste espaço. Isso pode ser visto na fala de alguns colaboradores que hoje são profissionais e reconhecem a importância que a Banda teve na sua formação. Sinara afirma que: Hoje é importante pra mim ter vivido isso [estar na Banda]. Eu tenho a história que eu tenho porque eu tive esse começo lá atrás. Hoje eu tenho a minha formação até mesmo... não só profissional, mas moral, social, pelas experiências que eu vivi ali. E eu acho que, às vezes, a gente não deu importância naquele momento pela imaturidade, pela idade, mas a gente sabia que aquilo ia ser importante pra gente. A gente tinha noção de que era um momento bacana pra se viver (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 76-77). Já Cássia ressalta que aprender um instrumento na Banda abriu portas para que ela pudesse começar a dar aulas. Ela, ao perceber que isso poderia abrir outros caminhos, dedicou-se a aprender outros instrumentos para que pudesse também ensiná-los. Cássia desenvolveu a vontade de ser professora de música e começou a “dar aulas de gaita, clarinete, violão, sax”, depois começou a tocar piano. Foi aí que ela diz que teve “mais ou menos uns cinquenta alunos” (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 96). Como dito, muitos músicos que fizeram parte da Banda passaram a trabalhar profissionalmente com a música, tornando-a sua fonte de renda. Para estas pessoas, a Banda, o seu espaço, funcionou como uma escola técnica, que formou o músico para atuar em diversas situações profissionais. No entanto, quando se trata dessa formação profissional, percebe-se que no dia a dia alguns integrantes da Banda iam “tornando-se professores”. Eles desenvolviam seus próprios meios de ensinar/aprender, compartilhavam técnicas, formas de se fazer música e, mesmo não tendo preparação pedagógica específica, passavam a dar aulas de música, muitas vezes vivenciadas, inicialmente, com os colegas no espaço da Banda, quando ensinavam/aprendiam uns com os outros. Vale também ressaltar a importância da Banda na formação de músicos performers, instrumentistas, que possibilita momentos de contato com o público. 200 Estes momentos servem de estímulo, quando pode ser desenvolvido neles o gosto de tocar em público, de se apresentar. Muitas vezes, esse projeto de fazer da música sua profissão veio a partir das oportunidades de trabalho que os músicos tiveram em suas atividades na Banda. Mesmo sabendo que não é permitido o trabalho de crianças e adolescentes, com exceção das ressalvas na forma das leis brasileiras, no caso dos músicos da Banda, apareciam estes convites, oportunidades de tocar em casamentos, recepções, dar aulas e diversos tipos de apresentações/situações nas quais estas crianças e jovens eram levadas pelas circunstâncias a realizarem estes tipos de trabalho. Morato (2009, p. 42) menciona que trabalhar sem ter um diploma, no caso da música, é válido, pois se trata de uma profissão que tem um “modo social de reconhecimento da profissão musical, baseado na precocidade da formação e da profissionalização, bem como na multiplicidade de atuações profissionais”. Essas situações levavam esses colaboradores a tornarem-se músicos e profissionais da música. Ramsés fala deste “ser levado” a essa atuação como músico fora da Banda e diz que isso foi importante para perceber a importância da Banda na sua formação e profissionalização musical. [...] o João me deu saxofone, aí que eu comecei a gostar, aí que eu comecei a gostar do instrumento, tocar umas coisas que a gente queria umas coisas mais pop! Comecei a me interessar aí comecei a estudar. [...] Depois vieram os carnavais, aí vieram os casamentos... (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 108). Essas atuações dentro e fora da Banda foram fundamentais para Ramsés se tornar profissional. Segundo ele, de fato [tocar na Banda] me deu uma profissão. Dentro da informalidade ou não, hoje eu vivo dessa história. Então, eu tenho que... eu devo muito a tudo isso. [...] Hoje eu vivo disso, é a minha profissão, tenho escola de música... (Ramsés, Caderno de entrevistas, 08/05/2015, p. 128). Vê-se, então, que a formação musical na Banda não tem como objetivo formar músicos para uma atuação profissional fora da Banda. Contudo, a formação empreendida neste espaço desenvolve habilidades que podem fazer deles profissionais. Camila fala sobre esta relação da Banda com sua profissão e diz: 201 Olha, uma coisa que eu carrego muito: foi o meu aprendizado mesmo, que me ajudou na minha profissão. Mas eu tenho muita coisa pra aprender ainda, né, Murilo? Igual eu estou falando: eu quero começar as lições todinhas do início, começar de novo porque eu tenho muita dificuldade em teoria. [...] Consegui me profissionalizar através da Banda, consegui expandir meus conhecimentos, né, porque a pedagogia ajudou muito nisso aí, o mundo da criança com a música, né? Isso aí me ajudou muito (Camila, Caderno de entrevistas, 11/07/2015, p. 235). Diante disso, a Banda como um grupo social, com suas práticas musicais e pedagógico-musicais, pode oportunizar a formação de profissionais músicos e oferecer experiências que, certamente, poderão ter papel importante na escolha da carreira profissional das pessoas que por lá passam. Mesmo que de forma não consciente, em um primeiro momento, a Banda se torna para muitos o ponto de partida para a sua formação profissional. 5.6.2 Uma aprendizagem para a vida Ao encontrar meus “amigos de Banda”, o que mais me intrigava era saber o que eles faziam naquele momento. No processo de entrevista, quando também relembrei aquele tempo, percebi que o que tínhamos aprendido na Banda ainda nos acompanhava. Diante disso, então, perguntei: “_O que você acha que aprendeu na Banda?”. Paulo respondeu: Tudo, né, cara! Porque, por exemplo, eu aprendia comportamento, trabalhar em grupo, conviver com a diferença, porque lá tinha menino de nove anos, que era eu, e tinha cara de sessenta anos que era o Pixano, tinha cara de setenta anos que era o João, então você aprende a conviver com as diferenças. Aprendi que é importante ter pontualidade, porque me matava de raiva ter que buscar algum colega em casa! [risos] Aprendi isso! Aprendi muita coisa lá! Aprendizado pra vida! (Paulo, Caderno de entrevistas, 07/06/2015, p. 149). Sabe-se que o indivíduo se modifica a partir das relações sociais que ele está exposto, ou seja, o contexto social no qual ele faz parte também é importante para a sua formação como ser social, e, no espaço da Banda, isso não era diferente. Os participantes consideravam, pelas suas experiências, que a Banda pôde ensinálos ou proporcionou a eles momentos importantes, que fizeram a diferença na sua vida. Sinara diz que: 202 tinha gente ali que não tinha nem o que comer, tinha gente ali que era muito pobre e eu via que ali era um momento magnífico pra ele. [...] Ter um instrumento foi muito bacana, poder fazer a diferença com aquele instrumento, né? (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 76). Nesse sentido, o contato e a experiência com a música no ambiente da Banda, bem como com o ensino/aprendizagem de música uns com os outros, são ações de compartilhamento importantes. Mesmo que, muitas vezes, eles não consigam verbalizar, em um primeiro momento, as pessoas que convivem no espaço da Banda aprendem/ensinam para “além de música”. Logo, a música é importante, a linguagem musical aprendida é importante, mas tudo o que envolve o fazer musical coletivo, o estar com o outro, o interagir com outro, a ideia de lazer que permeia esta formação coletiva também é importante. Todas são essenciais e não estão separadas da música. Refletindo sobre sua vida, fazendo um paralelo sobre o que era antes e depois da Banda, Cássia disse que: Ah, eu acho que depois que eu entrei na Banda, assim... tudo mudou, a sua personalidade muda, você passa a se ver com outro olhar, você passa a ver as pessoas com outro olhar. Então, existia uma pessoa, uma Cássia antes e depois da Banda. [...] A Banda... ela trouxe alegria, trouxe amigos, trouxe a vontade de aprender a música. Depois do clarinete eu aprendi vários outros instrumentos. Então, assim... não existe uma situação isolada, existe um contexto em que a música me transformou de uma situação pré para pós. Dentro da Banda! (Cássia, Caderno de entrevistas, 07/05/2015, p. 103). Conclui-se, então, que estar e permanecer na Banda não estavam relacionados somente com o ensinar/aprender música, mas também se associavam às diversas formas em que a pessoa aprende a viver em sociedade, em grupos mediados pela música, o que leva a pensar que, em diversos casos, “a gente [o pessoal da Banda] gostava mais era de ficar junto, não só da música... mais é de ficar junto!” (Vinícius, Caderno de entrevistas, 05/03/2015, p. 51). O que se aprendia na Banda não era “só profissional, mas moral, social”, era tudo através das “experiências que se vivia ali” (Sinara, Caderno de entrevistas, 11/03/2015, p. 76). Estar na Banda foi aprender a escolher, a decidir entre fazer e não fazer, entre ser ou não ser um profissional da música. Foi carregar para a vida “pós-Banda” o que foi aprendido lá. 203 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 6.1 Sobre a pesquisa O principal intuito desta pesquisa foi compreender, a partir das relações sociais, como se efetiva, se organiza ou se constitui o ensino/aprendizagem musical na banda de música da cidade de Arcos-MG, a “Corporação Musical Nossa Senhora do Carmo”. Para a realização desta pesquisa, optei por usar a História Oral (CRUIKSHANK, 2006; HESSE-BIBER e LEAVY, 2006) como método e a entrevista compreensiva (KAUFMANN, 2013; ZAGO, 2003; LALANDA, 1998) como um dos procedimentos de coleta de dados. Foram 13 entrevistas com músicos que fizeram parte da Banda entre os anos de 1985 a 2014, sendo que alguns ainda permanecem no grupo e outros não. Além das entrevistas, também foi feito um levantamento de documentos escritos (artigos de jornais) e iconográficos (imagens, uniformes) para entender a Banda na cidade de Arcos-MG. Os relatos orais, a partir das memórias (HALBWACHS, 2004; BOSI, 1994) dos colaboradores, foram essenciais para entender o dia a dia dos músicos da/na Banda e compreender de que forma as relações que eles mantinham subsidiaram o ensino/aprendizagem de música neste espaço social. É importante dizer que, quando se trata dos relatos das pessoas que estiveram envolvidas nesta pesquisa, não houve uma atenção específica para as histórias individuais de cada colaborador. Ou seja, estes relatos não foram tratados isoladamente, mas foram evidenciados quando o foco estava em como as pessoas se relacionaram no espaço da Banda, umas com as outras, e, de que forma, através das relações sociais, elas aprenderam/ensinaram música. Suas memórias são chamadas para o texto deste trabalho à medida que eles iluminam a discussão ou trazem à tona aspectos que estão relacionados com a temática da pesquisa. A música e a educação musical foram pensadas como uma prática social (GONÇALVES, 2007; SOUZA, 2004, 2000, 1996), de forma que a música e o seu ensino/aprendizagem acontecem a partir das relações sociais nas quais os 204 indivíduos estão imersos no seu dia a dia, quando lidam com a música nos mais diversos espaços/tempos da vida. Também é possível dizer que essas relações em um grupo social, como a Banda, dependem dos laços (SIMMEL, 1950, 1983; RIEDEL, 1964; GURVITCH, 1941) criados entre os integrantes, que se manifestam tanto internamente, quanto externamente ao grupo. Esta mobilidade dos laços abrange os interesses em comum ou parecidos destes integrantes, como, por exemplo, o desejo deles de aprenderem música ou um instrumento musical, o gosto de cada um pela música e as amizades entre eles. Estes interesses implicam em aprender a linguagem do grupo, suas regras, suas formas de se comunicar e de se reconhecer, de saber tocar um instrumento, de falar e de fazer música. São habilidades musicais que o indivíduo deve ter e que são primordiais para se sentir, ser integrado e/ou fazer parte de um grupo social, que, no caso desta pesquisa, é a Banda de música de ArcosMG. Todos estes aspectos são importantes para que interesses comuns de experienciar a música no espaço social da Banda fossem mobilizados. A Banda, por ser um grupo que tem uma história, é vista e reconhecida como grupo musical, pois faz com que as formas pelas quais se ensina/aprende música em seu espaço estejam voltadas para a finalidade dela própria: um grupo que precisa manter sua função social (BINDER, 2006; GRANJA; TACUCHIAN, 1984/85). Ou seja, para que a Banda continue a existir, é necessário que suas práticas musicais e pedagógico-musicais sejam mantidas para que o grupo não desconstrua sua identidade. Assim, ao discutir o ensino/aprendizagem de música no espaço da Banda, é preciso compreender que ela é uma instituição que tem convenções que são próprias deste grupo, justamente pelo trabalho ao qual se propõe a fazer e que é reconhecida. Desta maneira, percebe-se que existem algumas práticas que foram estruturadas através dos tempos e que são importantes para manter o propósito do grupo. Para estar junto e fazer parte da Banda, é necessário que um iniciante, por exemplo, se disponha a aprender as normas e as convenções típicas deste grupo. São normas que envolvem situações pedagógico-musicais em tempos/espaços, nos quais os integrantes da Banda, quando em busca dos seus objetivos, vivenciam processos, estratégias e procedimentos de ensino/aprendizagem musical, 205 compartilhados entre maestro e músicos, entre músicos e músicos, entre a Banda e a cidade. No que diz respeito às formas de ensinar/aprender música na Banda de Arcos, é possível dizer que o solfejo é a prática pedagógico-musical em que o maestro se fundamenta para a formação dos músicos e é uma condição para aprenderem um instrumento musical. Há a crença de que a leitura musical fluente é uma habilidade essencial para que o músico toque um instrumento musical com maior fluência. Partindo deste pressuposto, aprender um instrumento na Banda demandava o domínio de certas competências musicais, que têm como base o solfejo, a leitura e a escrita musical. Por isso, pode-se dizer que o solfejo é considerado a estratégia mais importante no processo de formação do músico na Banda. Um processo que nem sempre contava com sequências pré-definidas, mas que dependia de circunstâncias ou de demandas, ou seja, de conteúdos que eram ensinados à medida que os conhecimentos tornavam-se necessários. Os músicos aprendiam música não só para estar ou ser da Banda, mas eles também viam este espaço como um lugar para passar o seu tempo livre. Um tempo livre que passava a ser envolto também pelas práticas pedagógico-musicais vividas por todos eles e que mantinham o grupo. Porém, verificou-se que os músicos que tinham estes interesses também tomavam gosto por serem músicos da Banda, passando a viver, assim como os demais, experiências de identificação e de reconhecimento social. Experienciando a música individual e coletivamente nas aulas, nos ensaios, nas apresentações, nas viagens, esses músicos, independente dos motivos que os levaram para a Banda, estabeleceram relações de proximidade, de familiaridade, de cumplicidade, as quais vão ser importantes tanto para a efetivação do processo de ensino/aprendizagem musical, quanto para o da permanência da Banda como um grupo, pois a formação musical e a presentificação da música na cidade são condições para sua permanência. Embora os músicos da Banda se encontrem em diversos tempos/espaços nos quais se produz música, é na Banda ou na convivência do dia a dia, neste espaço, que as pessoas têm a oportunidade de estreitar suas relações umas com as outras. Na Banda, todos vivem uma situação em que os interesses individuais não se sobrepõem aos interesses coletivos no/do grupo. Nesta convivência, as relações vão ser importantes para o fortalecimento dos laços, que, por sua vez, são forças 206 que moverão o processo pedagógico-musical empreendido neste espaço, considerado musical e também social. 6.2 Sobre a Banda na cidade hoje Após ter analisado as entrevistas, fotos e dados levantados nos jornais, foi possível imaginar/reconstruir aspectos da trajetória da Banda e ver que este grupo vem perdendo sua força quando o assunto é “se renovar”. Percebe-se que menos pessoas têm procurado a Banda e, cada vez mais, nota-se a falta dela nas festividades da cidade. Por isso, torna-se importante fazer algumas suposições que podem ajudar a compreender o porquê da Banda não ter mais a rotatividade/reposição de pessoas que são necessárias para que ela permaneça com suas atividades na cidade. A Banda também tem tocado cada vez menos nos locais em que ela comumente estava presente. Por exemplo, dentre os locais e tempos em que as apresentações aconteciam, a Banda não tem se apresentado mais no coreto, nas praças, nem feito as alvoradas e nem sido convidada para os encontros de bandas. Ela ainda é “instrumento da Prefeitura” para inaugurar obras e fazer abertura de eventos, porém, com certa limitação, sobretudo por não contar com a quantidade de músicos necessária para completar os naipes de instrumentos. Atualmente, a Banda não conta com músicos para tocar trombone de vara, bombardino e tuba, mas alguns músicos da banda da cidade vizinha são convidados para participar com estes instrumentos, quando necessário. O maestro João aposentou-se e continuou trabalhando na Banda, porém, algum tempo depois, com a mudança da diretoria da Banda, foi decidido, juntamente com a prefeitura, que era hora de mudar e outro maestro assumiu em seu lugar. Que as bandas de música “guardem a sua função social” (GRANJA; TACUCHIAN, 1984/85, p. 39) já se sabe que é uma necessidade para permanência delas nas cidades. No entanto, tem sido difícil a sua sobrevivência, tanto pelas dificuldades financeiras, quanto pela falta de pessoas dispostas a aprender música e a dedicar seu tempo ao grupo. Ao que tudo indica, existem duas possíveis hipóteses que podem contribuir para o “fim da Banda”. Uma delas é a mudança nos aspectos do lazer, como, por exemplo, quando as pessoas já não têm o hábito de saírem de casa para ouvirem as bandas nas praças das cidades: pela “segurança” que se tem 207 em casa, elas deixaram de sair para ouvir a Banda. Outra hipótese é que existem cada vez menos interessados em ser músico da Banda e estar lá para aprender música. Há, sem dúvida, um aumento das formas de entretenimento e muitas delas, possivelmente, podem ser consideradas “mais fáceis” que aprender música ou aprender um instrumento musical na Banda. Ainda é preciso investigar porque os motivos que levavam os músicos à Banda já não parecem ser mais suficientes para mantê-los no grupo. Por que, então, esta tradição na cidade parece cada vez mais agonizante? É um olhar para o passado e para o futuro, de incerteza, tal como pode ser visto na fala de Poliana: Olha, eu não sei! Eu acho que era do contexto do momento, talvez... Eu por exemplo, não enxergo o que aconteceu, por exemplo, “a fórmula foi essa” do sucesso da Banda, não vejo mesmo não. Eu acho que era muito de cada aluno, do entrosamento geral, assim... do momento que todo mundo vivia, porque é uma cidade pequena, querendo ou não você tocava no coreto, depois ficava na praça... Não existiam tantas coisas assim como hoje pra... era outro momento (Poliana, Caderno de entrevistas, 17/07/2015, p. 250). Reitera-se que, embora a Banda seja considerada um ambiente que pode proporcionar uma profissão a quem frequenta, ela não pode ser considerada fonte de renda, pois não remunera seus integrantes. Como a Banda de Arcos não recebe recursos, ela depende de uma infinidade de combinações de possibilidades para que ela sobreviva, desde pessoas que queiram tocar nela, até investimento financeiro em instrumentos, viagens, dentre outros. Sabe-se que existem acontecimentos e escolhas que podem levar as pessoas para diferentes caminhos e, como é de se esperar, também existem diversos fatores que podem fazer com que, em cada época, a Banda seja importante para a sociedade, o que também pode fazer, de acordo com o momento, ela ser menos importante. A Banda passaria, então, em cada época, por acontecimentos que poderiam fazer com que ela fosse mais visível na sociedade, fazendo referência ao papel que ela tem como instituição e como grupo. Sendo assim, a falta de ações que façam com que a Banda seja reconhecida e prestigiada na cidade, como um grupo que ensina e aprende música, pode fazer com que não se tenha condições de mantê-la como uma instituição social e, consequentemente, acabe por desaparecer. Apesar de uma visão um pouco 208 pessimista, há que se encontrar caminhos para sua sobrevivência. Uma ideia, quem sabe, pode ser através da convivência entre diferentes gerações dentro da Banda. Talvez fosse possível reconfigurar e reinventar a função da Banda na cidade, concentrando-se naquilo que é o papel da Banda, e o que e como ela deveria tocar na cidade. Um ponto importante a ser discutido são as políticas públicas que poderiam fazer com que a Banda mantenha sua atuação, seu status perante a cidade, sua forma bastante peculiar de fomentar práticas musicais e pedagógico-musicais de ensinar e formar músicos, bem como um projeto educativo-cultural da cidade com a Banda. Porém, como o foco deste trabalho não é discutir aspectos políticos do grupo e, muito menos eleger culpados ou identificar erros no que se diz respeito à atuação da Banda, o importante é registrar a preocupação com um grupo tão importante para a formação musical dos arcoenses. 6.3 Um trabalho para a educação musical Este trabalho se propõe a mostrar aspectos de ensino/aprendizagem, mas busca mostrá-los imersos no mundo vivido da experiência musical, ou seja, das relações no chamado “contexto”. Ele busca não desvincular conteúdos, procedimentos e estratégias de ensino/aprendizagem musical dos desejos dos músicos de estarem juntos em um grupo, da vontade de aprender um instrumento e das práticas sociais e culturais da Banda. Este trabalho se propôs ainda a discutir educação musical a partir de uma linha tênue estabelecida entre música, educação musical e sociologia, tentando compreender as formas pelas quais as pessoas ensinam/aprendem música, permeadas por variados interesses individuais e coletivos. As relações são consideradas importantes no estabelecimento dos conteúdos e das formas de interagirem, relacionarem-se com a música, a partir das práticas musicais e pedagógico-musicais. O movimento de ensinar/aprender música na Banda não está despido de interesses que parecem tangenciar a música, mas, ao colocar uma lupa no microssocial, possibilita-nos enxergar que o processo educativo-musical não acontece movido somente pela música, com seus conteúdos, conceitos, abordagens 209 sonoras, mas também por relações estabelecidas entre pessoas que organizam/frequentam um espaço social no qual se produz música. Este trabalho também pode ser aprofundado no que se diz respeito às relações sociais que podem favorecer momentos de ensino/aprendizagem de música. Seria importante entender a Banda na cidade de Arcos, como ela é vista, como as pessoas lidam com a ideia de banda e de que maneira as relações estabelecidas neste binômio, Banda e Cidade, possibilitam enxergar demandas educativo-musicais. Outro tema importante, quando se pensa em uma educação musical no mundo da vida, seria entender as relações de gênero nos espaços das bandas de música, os aspectos de ensino/aprendizagem musical movidos pelas relações associadas com a condição feminina nestes espaços. Estas possibilidades apontam que o fazer musical e as práticas pedagógico-musicais são complexas e difíceis de serem separadas da vida vivida por pessoas, nos mais diversos grupos e espaços sociais de ensino/aprendizagem musical. 210 REFERÊNCIAS ALBERNAZ, Pablo de Castro. A música, o conviver e o lembrar: um estudo etnográfico entre os músicos da centenária Banda Rossini da cidade de Rio Grande, RS. Porto Alegre. 154 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008. BARRETO, Lázaro. História de Arcos. Arcos: Prefeitura de Arcos, 1992. BERGER, L. Peter, BERGER, Brigitte. O que é uma instituição social?. In: FORACCHI, Marialice Mencarini. MARTINS, José de Souza. Sociologia e Sociedade: leituras de introdução à sociologia, 1978. p. 164-168. BERGER, Peter L. LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: Tratado de sociologia do conhecimento. 23. ed. Tradução de: Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Editora Vozes, 2003. 248 p (original 1985). BINDER, Fernando Pereira. Bandas militares no Brasil: difusão e organização entre 1808-1889. São Paulo. 135 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista - UNESP. São Paulo, 2006. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. BOURDIEU, Pierre. Efeitos de Lugar. In: BOURDIEU, Pierre (coord.). Miséria do mundo. 7. ed. Tradução de: Mateus S. Soares de Azevedo et al. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. BOURDIEU, Pierre. O poder do simbólico. 7. ed. Tradução de: Fernando Tomaz (português de Portugal). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. BOZON, Michel. Práticas musicais e classes sociais: estrutura de um campo local. Em Pauta, v. 11, n. 16/17, p. 145-173. 2000. BROUGERE, Gilles. Lazer e aprendizagem. In: BROUGÈRE, Gilles; ULMANN, Anne-Lise (orgs.). Aprender pela vida cotidiana. Tradução de: Antônio de Paulo Danesi. Campinas-SP: Autores Associados, 2012. p. 127-140. (Coleção formação de professores). CAMPOS, Nilceia Protásio. O aspecto pedagógico das bandas e fanfarras escolares: o aprendizado musical e outros aprendizados. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 19, 103-111, mar. 2008. CARVALHO, Vinícius Mariano de. As bandas de música nas Minas Gerais. In: SIMPÓSIO LATINO-AMERICANO DE MUSICOLOGIA, 1., Rio de Janeiro. Anais... Curitiba: Memorial de Curitiba. Curitiba, 1998. Rio de Janeiro de 10 a 12 de Janeiro de 1997. p. 237-249. 211 CASTRO, Mary Garcia; ABRAMORAY, Miriam. Ser jovem hoje, no Brasil: desafios e possibilidades. Programa de prevenção à violência nas escolas. FLACSO BRASIL - Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. Ago. 2015. Disponível em: <http://flacso.org.br/files/2015/08/Ser-Jovem-Hoje-no-Brasil.pdf >. Acesso em: 12 fev. 2015. CISLAGHI, Mauro César. Concepções e ações de educação musical no projeto de bandas e fanfarras de São José-SC: três estudos de caso. Florianópolis. 178 f. Dissertação (Mestrado em Música) - Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Florianópolis, 2009. COLOMBO, Enzo. Descrever o social – a arte de escrever e pesquisa empírica. In: MELUCCI, Alberto. Por uma sociologia reflexiva: pesquisa qualitativa e cultura. Tradução de: Maria do Carmo Alves do Bonfim. Petrópolis (RJ): Vozes, 2005. p. 265288. COSTA, Antônio Firmino da; MACHADO, Fernando Luís; ALMEIDA, João Ferreira de. Estudantes e amigos: trajetórias de classe e redes de sociabilidade. Análise Social, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, v. 25, p. 193-221. 1990. COSTA, Manuela Areias. Música e história: um estudo sobre as brandas de música civis e suas apropriações militares. Tempos Históricos, v. 15, p. 240-260, 1° sem. 2011. CRUIKSHANK, Julie. Tradição oral e história oral: revendo algumas questões. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (Org.). Usos e abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2006. p. 149-164. DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna S. e colaboradores. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Tradução de: Sandra Regina Netz. Porto Alegre: Artmed, 2006. DESLAURIERS, Jean-Pierre; KÉRISIT, Michèle. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. DONATI, Pierpaolo. Família no século XXI: abordagem relacional. Tradução de: João Carlos Petrini. São Paulo: Paulinas, 2008. (Coleção Família na sociedade contemporânea). DONATI, Pierpaolo. Transcending modernity: the quest for a relational society. 2014. Disponível em: <http://www.relationalstudies.net/uploads/2/3/1/5/2315313/p._donati_transcending_m odernity_ebook.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2015. DUMAZEDIER, Joffre. A revolução cultural do tempo livre. São Paulo: Sesc/Nobel, 1994. 197 p. EBERLE, Soraya Heinrich. “Ensaio pra quê”? – reflexões iniciais sobre a partilha de saberes: o grupo de Louvor e Adoração como agente e espaço formador teológico- 212 musical. São Leopoldo. 110 f. Dissertação (Mestrado em Teologia) - Escola Superior de Teologia, Instituto Ecumênico de Pós-Graduação, Religião e Educação. São Leopoldo, 2008. FREIRE, Vanda Bellard. (org.). Horizontes da pesquisa em música. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010. GONÇALVES, Aline Moreira. et. al. O papel social das bandas de música no Campo das Vertentes. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO: Psicologia Social e Políticas de Existência Fronteiras e Conflitos, 15., Maceió. Anais... Maceió: UFALAL, 2009. GONÇALVES, Lilia Neves. Educação musical e sociabilidade: um estudo em espaços de ensinar/aprender música em Uberlândia-MG nas décadas de 1940 a 1960. Porto Alegre, 2007. 345 f. Tese (Doutorado em Música) - Curso de PósGraduação em Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007. GOMES, Celson Henrique Sousa. Educação musical na Família: as lógicas do invisível. 2009, 214f. Tese (Doutorado em música) - Curso de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2009. GOMES, Karina Barra. E hoje, quem é que vê a banda passar?: um estudo de práticas e políticas culturais a partir do caso das bandas civis centenárias em Campos dos Goytacazes. Goytacazes. 162 f. Dissertação (Mestrado em políticas sociais) - Curso de Políticas Sociais, Centro de Ciências do Homem, Universidade Estadual do Norte Fluminense, UENF. Goytacazes, 2008. GRANJA, Maria de Fátima Duarte, TACUCHIAN, Ricardo. Organização, significado e funções da banda de música civil. Pesquisa e Música, Rio de Janeiro. ano 1, n. 1. 1984-1985. GREEN, Lucy. Musical identities, learning and education: Some cross-cultural issues. In: Clausen, Bernd [Hrsg.]: Vergleich in der musikpädagogischen Forschung. Essen: Die Blaue Eule, 2011. p. 11-34. (Musikpädagogische Forschung, 32). GREEN, Lucy. Research in the sociology of music education: some introductory concepts. In: WRITE, Ruth (ed.). Sociology and music education. Burlington, VA: Ashgate Publishing Company, 2010. p. 21-34. GURVITCH, Georges. Las formas de la sociabilidad: ensayos de sociología. Buenos Aires: Losada, 1941. HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de: Laís Teles Benoir. São Paulo: Centauro, 2004. 213 HELLER, Ágnes, Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Ediciones Península,1977. HESSE-BIBER, Sharlene Nagy; LEAVY, Patricia. The practice of qualitative Research. London: Sage Publications, 2006. 270 p. HONCZYK, Stéphane. A experiência associativa. In: BROUGÈRE, Gilles; ULMANN, Anne-Lise (orgs.). Aprender pela vida cotidiana. Tradução de: Antônio de Paulo Danesi. Campinas-SP: Autores Associados, 2012. (Coleção formação de professores). Cap. 18, p. 263-276. KAUFMANN, Jean-Claude. A entrevista compreensiva: um guia para pesquisa de campo. Tradução de: Thiago de Abreu Lima Florêncio. Petrópolis, RJ: Vozes/Maceió, AL: Edufal, 2013. KRAEMER, Rudolf – Dieter. Dimensões e funções do conhecimento pedagógicomusical. Em Pauta, v. 11, n. 16/17, p. 49-73, abr-nov. 2000. LALANDA, Piedade. Sobre a metodologia qualitativa na pesquisa sociológica, Análise Social, v. 33, n. 4, p. 871-883. 1998. LANCE, W. Roberts et al. Recent social trends in Canada: 1960–2000. Montreal and Kingston: McGill: Queen's University Press. 2005. 668 p. LEAVY, Patricia. Oral History: understanding qualitative research. New York: Oxford University Press, 2011. 197 p. LIMA, Marcos Aurélio de. A banda estudantil em um toque além da música. Campinas, 233 f. Tese (Doutorado em educação) - Faculdade de educação, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Campinas, SP, 2005. MARGOLIS, Maxine L. Little Brazil: imigrantes brasileiros em Nova York. Tradução de: Luzia A. de Araujo e Talita Bugel. Campinas: Papirus, 1994, 452 p. MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola. 2000. 111 p. MORATO, Cintia T. Estudar e trabalhar durante a graduação em música: Construindo sentidos sobre a formação profissional do músico e do professor de música. Tese (Doutorado em Música) - Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2009. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. 9. ed./ 2. reimp. Tradução de: Maura Ribeiro Sardinha. Rio de Janeiro: Forenze Universitária, 2002. 208 p. NASCIMENTO, Frederico do; SILVA, José Raymundo da. Método de Solfejo 1°ano. São Paulo: Ricordi brasileira, 1978. NEWMAN, David M. O’BRIEN, Jodi. Sociology: exploring the architecture of everyday life: readings/editors. 9. ed. Los Angeles: Sage Publications, 2013. 214 PAIS, José Machado. Sociologia da vida quotidiana: teorias, métodos e estudos de caso. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2002. PIOVESAN, Armando; TEMPORINI, Edméa Rita. Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Rev. Saúde Pública, v. 29, n. 4, p. 318-325. 1995. PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na História Oral. (conferencia). Projeto História, São Paulo, v. 15, p. 13-33, abr. 1997. PORTELLI, Alessandro (Coord.). Republica dos sciuscià: a Roma do pós-guerra na memória dos meninos de Dom Bosco. Tradução de: Luciano Vieira Machado. São Paulo; Editora Salesiana, 2004. RAVET, Hyacinthe. Carrières de musicien-nes: les résultats. Palestra apresentada no Seminário Internacional “Trabalho docente e artístico: força e fragilidade das profissões”. Unicamp, Campinas, 18 a 20 de abril, 2016. Disponível em: <http://www.fe.unicamp.br/profarte>. Acesso em: 12 jan. 2016. REINATO, José Campos. A música ao seu alcance / José Campos Reinato. Campinas, SP: Ed. Do Autor, 2014. RIEDEL, Johannes. The function of sociability in the sociology of music and music education. Journal of Research in Music Education, v. 12, n. 2, p. 149-158, sum. 1964. ROCHA, José Roberto Franco da. O dobrado: breve estudo de um gênero musical brasileiro. Abr. 2011. Disponível em: <http://bandasinfonicaufmg.blogspot.com.br/2011/04/o-dobrado-breve-estudo-deum-genero.html> Acesso em: 18 nov. 2015. SALLES, Vicente. Banda de música: tradição e atualidade. In: ENCONTRO DE MUSICOLOGIA HISTÓRICA, 6., Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora, julho de 2004. p. 222 -230. SANTIAGO, José Jorge Pinto. Das práticas musicais aos arquivos vivos: bandas brasileiras, literatura local e a cidade. Revista Redial, n. 8/9, p. 189-200. 1997/1998. SCHEMES, Claudia; ARAUJO, Denise Castilhos de; THÖN, Ida Helena. “Nem tão distantes": relações entre o uniforme escolar e a moda europeia – um estudo de caso. Revista de História e Estudos Culturais, v. 10, n. 2, p.1-17, jul./dez. 2013. SCHUTZ, Alfred. La ejecución musical conjunta: estúdio sobre las relaciones sociales. In: SCHUTZ, Alfred. Estudios sobre teoria social. Buenos Aires: Amorrortu editores,1964. p. 153-170. SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia das relações sociais: textos escolhidos de Alfred Schutz, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970. (Biblioteca de Ciências Sociais). 215 SILVA, Ruth de Sousa Ferreira. Ensino/aprendizagem musical no ensaio: um estudo de caso na orquestra Camargo Guarnieri. Uberlândia, 190 f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012. SILVA, Thallyana Barbosa da. Banda Marcial Augusto dos Anjos: processos de ensino-aprendizagem musical. João Pessoa, 152 f. Dissertação (Mestrado em Música) - Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2012. SIMMEL, George. The sociology of Georgy Simmel. Translated, edited and with an introduction by Kurt. New York: H. Wilff, The free press, 1950. SIMMEL, George. Sociologia. In: MORAES FILHO, Evaristo de [Org.]. Sociologia de Georg Simmel. Tradução de: Carlos Alberto Pavanelli et al. São Paulo: Ática, 1983. SOUZA, Jusamara. Contribuições teóricas e metodológicas da Sociologia para a pesquisa em Educação Musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 5.,1996, Londrina. Anais... Londrina: ABEM, 1996. p. 11-40. SOUZA, Jusamara (org.). Música, cotidiano e educação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. 188 p. SOUZA, Jusamara. Educação musical e práticas sociais. Revista da ABEM, n. 10, p. 7-11. 2004. SOUZA, Jusamara. Música em projetos sociais: a perspectiva da sociologia da educação musical. In: SOUZA, Jusamara. (Org.). Música, educação e projetos sociais. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2014. STAKE, Robert E. Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam. Tradução: Karla Reis. Porto Alegre: Penso, 2011. 263 p. STRAUSS, Anselm. CORBIN, Juliet. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2. ed. Tradução de: Luciane de Oliveira da Rocha. Porto Alegre: Artmed. 2008. 288 p. TACUCHIAN, Ricardo. Bandas: anacrônicas ou atuais. Art: Revista da Escola de Música e Artes Cênicas da UFBA, Salvador, n. 3, p. 59-77. 1982. ZAGO, Nadir. A entrevista e seu processo de construção: reflexões com base na experiência prática de pesquisa. ZAGO, Nadir; CARVALHO, Marília, Pinto de; VILELA, Rita Amélia Teixeira (orgs.) In: Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: DP & A, 2003. 216 Artigos de jornais consultados O Arcos, ano 1, n. 8, ago. 1978. Jornal Laboratório - PUC Minas - Arcos, ano 2, n. 6, mar. 2003. 217 APÊNDICES APÊNDICE A Roteiro da entrevista exploratória Dia da entrevista: Nascimento: Local: Endereço: Contato: Horário: Duração: Meio de gravação: Qualidade da gravação: Data da transcrição: 1 - Onde estudou música? Quando você começou a estudar música? Como se estudava música? Fale sobre sua “vida de músico”. Com quem você estudou música? Por que parou de estudar música? 2 - Onde você estudava música (fora do ambiente banda)? Com quem você estudava? Como você estudava? Existiam pessoas que estudavam com você (em ambos os locais)? 3 - Como você conheceu a Banda? Quem te levou a estudar música lá? Existiu alguma pessoa que te levou a conhecer a Banda? Qual era seu principal interesse em fazer parte deste grupo? Qual era o processo para fazer parte do grupo (o que fazer para entrar)? Quem fazia as regras? Qual era a participação do grupo na criação das regras? (definições de repertórios, roupas, etc.). 4 - Como eram os horários de estudos neste local (Banda)? Como vocês estudavam (técnica, repertório)? Como vocês se subdividiam? 5 - Onde a banda tocava? Como era o feedback do público? 6 - Você se lembra de ter ensinado alguma coisa a alguém na Banda? Você levou alguém para a Banda? Você teve amigos que, para te acompanhar em determinadas situações, se tornaram “parte da Banda”? Quem são estas pessoas? 218 APÊNDICE B Roteiro das entrevistas Maestro Dia da entrevista: Nascimento: Local: Endereço: Contato: Horário: Duração: Meio de gravação: Qualidade da gravação: Data da transcrição: Espaço de ensinar/aprender música (lugar, participantes, normas/regras, o que se ensina/aprende, os objetivos, a quem se submetia; documentos, regimentos e estatutos). 1. Quem pode participar da Banda? 2. O que uma pessoa deve fazer para poder participar da Banda? Queremos saber se isso sempre foi assim, se sempre foi do mesmo jeito ou tiveram mudanças/adequações ao longo do tempo (a partir da memória). 3. QUAIS HABILIDADES SÃO NECESSÁRIAS PARA ENTRAR NA BANDA? O que precisava saber? 4. De que maneira as pessoas tomam conhecimento sobre a Banda? - Como as pessoas ficavam sabendo da Banda na cidade? 5. COMO SÃO/ERAM AS AULAS/ENSAIOS? Espera-se que nestas perguntas o maestro conte qual era a rotina dos ensaios/aulas da Banda. A partir do momento que ele chegava, como organizava os alunos, a distribuição dos materiais/repertórios até o momento em que se atingisse o objetivo do dia, quando ficava satisfeito com a aula, com o ensaio? O que era um ensaio bom? 6. AULA - que tipo de aluno que ele gostava? Qual era o bom/ruim (segundo ele). Por quê? 7. Como eram definidas as apresentações/repertórios? Esta questão deve ser organizada para que o maestro conte de que forma a Banda escolhia/era escolhida para se apresentar, e de que maneira o maestro preparava a banda para as apresentações, tanto na escolha do repertório quanto na preparação dos músicos. 8. Como a banda era organizada? Queremos entender a distribuição de tarefas dentro da Banda, e quais músicos eram responsáveis por quais tarefas, se existia um “grau de importância” ou talvez uma hierarquia (ascensão de posições). 219 9. Como era o contato entre o maestro e os alunos? Somente na Banda ou fora dela? O intuito desta pergunta é saber se as relações se estendiam para além do espaço da Banda. 10. Quais eram as ligações da Banda com outras pessoas/bandas/lugares/cidade? Queremos saber quais eram as parcerias que a banda tinha (com pessoas, outras cidades). Quem definia isso ou quem tratava disso na Banda? Como ela recebia/fazia favores, e por quais motivos? Se isso era comum, de que forma isso auxiliava a Banda? Pessoas da cidade, prefeitura, etc. 11. Como era tocar com a Banda? Quero saber se o maestro gostava de reger a Banda, e quais motivos o levaram a gostar da Banda, as atividades que ele mais gostava de fazer com a Banda. Por quê? 12. Existe alguma apresentação ou momento marcante que você passou com este grupo que gostaria de compartilhar? 220 APÊNDICE C Roteiro das entrevistas Músicos Dia da entrevista: Nascimento: Local: Endereço: Contato: Horário: Duração: Meio de gravação: Qualidade da gravação: Data da transcrição: 1. Como você conheceu a Banda? Sobre a existência da banda – como ficou sabendo, o “ver” pela primeira vez? 2. Quando você começou a frequentar o espaço da Banda? Como se aproximou deste grupo até fazer parte dele? Você teve que conversar com alguém? Foi para algum lugar? Alguém te levou? 3. O que você fez para fazer parte da Banda? Quais os passos que você seguiu para ingressar na Banda? 4. Qual era seu interesse em fazer parte da Banda? Sobre os objetivos da pessoa, o que era importante ou o que se buscava ao fazer parte da Banda. Por que você quis tocar na Banda? 5. Como/quando você começou a se sentir fazendo parte da Banda? Na opinião do entrevistado, quando ele se sentiu parte da Banda, quando você se percebeu como parte do grupo, que podia dar opinião, que começou a ter voz na Banda? 6. Como era sua rotina de estudos? Em casa, na Banda? Sobre as formas de estudo nos espaços individuais e coletivos. Quando você percebia que tinha que estudar? 7. INSTRUMENTO - Se ele tinha instrumento, se levava para casa, como foi levar pra casa o instrumento. Que instrumento ele tocava? Por que escolheu esse instrumento? Você se lembra desse dia? Como era carregar o instrumento pela cidade? 8. Como eram as aulas na banda? Individuais/coletivas? Descrição de como eram as aulas de música; ao você chegar, o que o maestro fazia? Se possível nos contar sobre alguma aula marcante, o que aconteceu e como foi o desenvolvimento desta aula? Você ia pra aula com quem? Quem te levava para aula? 9. Como eram as apresentações e a escolha dos repertórios? Aqui penso que devemos questionar a história das apresentações, o que era contado aos estudantes, o “como seria” a apresentação. E saber qual das opiniões dos músicos eram válidas, além, é claro, do por que eram aceitas ou não. Questionar 221 sobre os Encontros de Banda, o que eles lembram sobre a preparação para a viagem, a ida/volta, o que acontecia e o que eles faziam lá. 10. Como vocês se organizavam na banda? Se existia uma forma que eles se organizavam que era ou não aprovada pelo maestro. Forma de estudar, se sentar, ensaiar e como isso era feito, tinha coisas que vocês faziam que o maestro não sabia ou não precisava saber. 11. Como era sua relação com o maestro? Era somente na Banda? Se vocês se encontravam fora da banda, o que conversavam? Quais eram os motivos? 12. Você tocava só nessa Banda? Você tocava fora da Banda? Por quê? Com quem? Onde? Nesta pergunta tentaremos entender as redes formadas para além do espaço da Banda, como elas se estendiam e por quais motivos. 13. Outras pessoas também faziam isso? Aqui tentaremos entender o paralelismo das redes, os grupos que eram conhecidos entre si, que possuíam integrantes em comum, bem como as ligações mantidas uns com os outros, tanto dentro quanto fora da banda. . 14. Como era tocar com a Banda? Sentimentos e porquês, o que te fazia seguir o grupo. Mesmo sendo uma pergunta complexa, gostaríamos de entender quais eram os momentos, fatos ou ideias que faziam com que a pessoa se sentisse parte integrante daquele grupo, seja com a vestimenta do uniforme ou nos comentários que eram feitos no ensaio. Se ele tinha uma função, que o fazia se sentir parte daquele grupo? 15. Você levou alguém pra Banda? Se a pessoa convidou algum amigo/conhecido/desconhecido a ir pra Banda e quais os argumentos foram usados pra isso. Por que ele convidou? Por que ele achou que essa pessoa gostaria, ou estaria bem, ou se daria bem na Banda? 16. Alguém te “seguiu” pra Banda? Se existiram pessoas que te “pararam na rua”, ou perguntaram o que você fazia, e, a partir daí, tiveram interesse em te seguir e, desta forma, chegaram até à Banda. 17. Existe alguma apresentação ou momento marcante que você passou com este grupo que gostaria de compartilhar? Aqui é um relato, de alguma história pessoal e marcante, que, por algum motivo, faz com que o entrevistado se lembre de estar presente na banda, como músico, com seus amigos, em lugar onde ele queria e gostava de estar. 222 APÊNDICE D TERMO DE CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL, VOZ, IMAGEM E FOTOGRAFIA PARA PESQUISA CEDENTE:___________________________________ (nome), ______________________ (nacionalidade), _____________________________ (profissão), ______________________ (estado civil), portador(a) do RG n.º _______________________, inscrito(a) no CPF sob o n.º ______________________________________, residente e domiciliado a rua ___________________________________________________________________ ______. CESSIONÁRIO, Murilo Silva Rezende, brasileiro, músico/pesquisador, solteiro, portador do RG n° MG - 12 665 244, inscrito no CPF sob o n° 060.991.846-00, residente e domiciliado na Rua 25 de Dezembro, n°149, no Bairro de Lourdes na Cidade de Arcos – MG. 1 - Pelo presente instrumento, o cedente cede gratuitamente ao cessionário, a totalidade dos seus direitos patrimoniais de autor sobre o depoimento oral prestado no(s) dia (s) _________________________________________, bem como o uso da imagem correspondente à mesma, fotografia e material cedido para fins de pesquisa. 2 - O cessionário compromete-se a utilizar a imagem do cedente apenas para fins de pesquisa, a não efetuar nenhuma modificação na fisionomia do cedente e a não utilizar a imagem de forma depreciativa ou que possa representar, sob qualquer forma, algum tipo de violação de dano moral, de sorte que sempre terá seu nome citado por ocasião de qualquer utilização. 3 - O cedente autoriza ao cessionário a utilizar o material a que este termo se refere, sendo este material no todo ou em parte, editado ou integral, permitindo o acesso ao cessionário incluindo: Ensino, estudo e pesquisa; publicação e divulgação; utilização audiovisual em geral, incluído todas as tecnologias digitais existentes ou que venham a ser desenvolvidas. 4 - Para que o presente instrumento produza todos os efeitos de direito, as partes o assinam em duas vias na presença de duas testemunhas. ________________(Cidade), _____ de __________________ de ________. ____________________________ Cedente ____________________________ Cessionário Testemunhas: ______________________; _________________________ 223 ANEXO Mapa de localização da cidade de Arcos. Arcos - MG Fonte: IBGE - http://cod.ibge.gov.br/2GL. A cidade de Arcos no centro-oeste de Minas Gerais. Arcos - MG Fonte: by Raphael Lorenzeto de Abreu - (Image:MinasGerais MesoMicroMunicip.svg).