Viso: Cadernos de estética aplicada
Revista eletrônica de estética
ISSN 1981-4062
http://www.revistaviso.com.br/
CADERNOS DE ESTÉTICA APLICADA
N°29
Nº 29, jul-dez/2021
Vladimir Jankélévitch:
o melos contraposto ao logos
Ricardo Nachmanowicz
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Ouro Preto (MG)
RESUMO
Vladimir Jankélévitch: o melos contraposto ao logos
O artigo busca uma exegese e classificação da ontologia musical presente no livro A música e o
inefável de autoria de Vladimir Jankélévitch. Para tanto, é examinado o par conceitual melos e
logos considerando-os o eixo fundamental da argumentação presente na referida obra.
Concluímos ser a ontologia musical de Jankélévitch de tipo antirealista.
Palavras-chave
Vladimir Jankélévitch; Konrad Fiedler; música moderna; melos; antirrealismo; ontologia musical
ABSTRACT
Vladimir Jankélévitch: The Melos opposed to the Logos
This paper aim an exegesis and classification of musical ontology present in the book La
musique et l’ineffable by Vladimir Jankélévitch. For this purpose, the conceptual pair of Melos
and Logos is examined, considering them as the fundamental axis of argumentation present in
that work. We conclude that Jankélévitch's musical ontology is of an anti-realism type.
Keywords
Vladimir Jankélévitch; Konrad Fiedler; modern music; melos; anti-realism; music ontology
NACHMANOWICZ, Ricardo. “Vladimir Jankélévitch: o
melos contraposto ao logos”. Viso: Cadernos de
estética aplicada, v. 15, n° 29 (jul-dez/2021), p. 328362.
DOI: 10.22409/1981-4062/v29i/402
Aprovado: 07.11.2021. Publicado: 30.01.2022.
© 2021 Ricardo Nachmanowicz. Esse documento é distribuído nos termos da licença
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Accepted: 07.01.2021. Published: 30.01.2022.
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Vladimir Jankélévitch (1903-1985) foi autor de diversas obras
em estética musical, incluindo Gabriel Fauré, ses mélodies, son
esthétique (1938), Ravel (1939), Le Nocturne (1942), Debussy et
le mystère de l’instant (1950), entre outras. O interesse de
Jankélévitch nessa área concentrou-se nos compositores
franceses e russos do modernismo musical, cobrindo
movimentos que vão desde o “Grupo dos 5” (1867)1 e o Petit
Bayreuth (1869) até o período imediatamente posterior ao
impressionismo, classificado pelo próprio autor como
“inexpressivo”2, incluindo Serguei Prokofiev, Maurice Ravel e
Darius Milhaud.
É inegável a importância da obra de Jankélévitch para a
caracterização da cultura musical da França e Rússia, e para a
compreensão mesma da gênese e estética da música
moderna. A essas duas nações corresponderam duas escolas
musicais que se influenciaram mutuamente e engendraram as
duas características mais destacadas do estilo moderno: a
primeira, a indiferença e por vezes rejeição ao estilo romântico
(e à cultura musical alemã)3; e a segunda, a assimilação de
elementos estranhos à institucionalidade da música erudita
(e.g. a música popular, a música “excêntrica”, a rítmica, o
modalismo e o interesse pela sonoridade).4
Para Jankélévitch, a oposição ao romântico é sem dúvida uma
importante premissa dessa nova cultura musical, mas ela não
deve ser interpretada unicamente como uma construção de
índole teórica, simbólica e valorativa. Primariamente, o estilo e
a estética moderna foram um produto positivo e por vezes
afirmativo de uma técnica composicional e instrumental.
Exemplos desse trabalho são as soluções composicionais
espontâneas de Mussorgsky e as reflexões seminais de
Debussy sobre a harmonia, que viriam a suplantar a pretendida
ubiquidade da harmonia estritamente funcional. Jankélévitch
destacou o protagonismo de Debussy e viu no compositor o
caráter afiado de um legítimo e completo crítico cultural,
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1. INTRODUÇÃO
Croche:
Não é Monsieur Croche o censor amargo
deste aborrecimento pontificatório e doutrinal
em quatro movimentos a que chamamos
sinfonia? Quando se trata de gramáticas,
Debussy conhece somente a ‘inocente
gramática da arte’ sobre o qual ele nos fala de
La Chambre d’enfant5: essa não é a gramática
dos doutores em Letras mas ao invés a
gramática de Nikolka, o inocente de Boris
Godunov... quando se trata da ‘arte poética’
ele prefere professar a de Verlaine, que
prescreveu ao poeta torcer o pescoço da
eloquência.6
O cenário que opôs a música russa e francesa à música alemã,
a partir da segunda metade do século XIX, é certamente mais
amplo do que o escopo a que nos dedicaremos. Ele envolve
sentimentos nacionalistas e conflitos geopolíticos que
resultaram inclusive na aliança Franco-Russa.7 Sentimentos
anti-germânicos foram especificamente amplificados pelo Tsar
Alexandre III, mesmo durante a vigência do Dreikaiserbund.8
Acenos e posicionamentos políticos são encontrados em A
música e o inefável (1961), porém eles estão voltados ao
contexto da segunda guerra mundial e não ao histórico da
música moderna. De todo modo, nos concentramos nas
considerações de Jankélévitch sobre o campo estéticomusical, especificamente em seu aspecto ontológico.
A ontologia de Jankélévitch foi elaborada junto ao repertório
das escolas francesa e russa sem faltar referências a
compositores frequentes ao estilo e/ou à vida parisiense, como
é o caso de Villa-Lobos e De Falla. Para os casos que fogem a
essa regra, como os de Liszt e Chopin, encontrados em títulos
como Liszt et la rhapsodie: essai sur la virtuosité (1979) e
Chopin et la nuit, le nocturne9 (1988), Jankélévitch não deixa de
os conectar com a modernidade, ao apontar nesses
compositores criações que fogem à formalização (forma
sonata) e que optam pelo improviso, pelos temas populares,
pelas ambiguidades tonais e pelas atmosferas sonoras.
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utilizando-se no mais das vezes de seu alter ego, Monsieur
Jankélévitch constitui a mais ampla interpretação e defesa do
modernismo musical sob a base da tradição musical francorussa. Fato que não deixa de contrastar com o conjunto das
publicações de Theodor Adorno em defesa do moderno ou da
vanguarda musical sob a base da tradição musical austrohúngaro-alemã. Embora divirjam quanto ao repertório
primariamente analisado, ambos os autores possuem diversos
pontos de interseção, cada qual a partir de uma perspectiva
cultural, política e nacional. Essas diferenças estão
condensadas nos conceitos chave da intepretação estética que
cada qual confere a seu repertório, em Jankélévitch a música
inefável e em Adorno a música radical.10
Em Jankélévitch, a sugestão oferecida por esse artigo é a de
que os conceitos de logos e melos desempenham um papel
nuclear na caracterização do problema ontológico musical11 —
em nossa interpretação, sua ontologia funciona tanto como
uma resposta para a questão filosófica “o que é a música?”12,
quanto para a caracterização da estética do moderno musical.
2. O MELOS E O LOGOS
Melos é um termo originário da língua grega cujo significado
variou sensivelmente ao longo da história antiga, até entrar em
desuso. Inicialmente, e assim indica o Etymological Dictionary
of Greek (2010), o termo designava a canção, a melodia
instrumental, uma música reconhecível, um motivo musical, o
tom, a parte de um poema, uma toada, o ato de analisar, a lírica,
e mais raramente a ideia de uma melodia desvinculada da
poesia.13 Em outra referência, no Greek-English Lexicon, lêem-se
sentidos mais técnicos: a frase musical, o gênero musical ou a
melodia de um instrumento.14
Ao atravessar o período romano, o melos passou a indicar
sobretudo o sentido analítico do termo, significando parte ou
ramo – em geral a parte de um corpo vivo, como órgãos e
membros – ou ainda indivíduos de um conjunto ou subclasse.
Na continuidade histórica, o termo é acolhido pela comunidade
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Observada em seu conjunto, a obra estético-musical de
assim, o termo figura como o radical da moderna melodia cujo
significado é invariavelmente musical: melody, melodie,
mélodie, melodía.
O melos é ainda assim o conceito que Jankélévitch escolhe
para definir a música em sua ipseidade. A opção pelo arcaísmo
chama atenção, uma vez que o liame histórico do termo não foi
contínuo. Dentro da obra o termo desempenha dois papéis: (a)
indica o vínculo duradouro guardado entre a antiga cultura
grega e a cultura ocidental moderna e (b) expõe a mais pura
idiossincrasia musical, seu aspecto ontológico nuclear. Resta
demostrar o que liga (a) a (b), ou seja, o que liga a concepção
originalmente mitológica do melos à formulação conceitual
criada por Jankélévitch.
A análise de Jankélévitch revelou haver, entre os antigos
gregos, uma atitude ambígua para com a arte musical. A arte
musical, apesar de discursivamente rejeitada, era ao mesmo
tempo amplamente praticada no mundo antigo. O que se
conclui é que esse aceite aconteceu sob condições restritivas,
pois que para os gregos a música, por si só, era algo de
“desarrazoada e malsã”.16 Para os antigos, os efeitos causados
pela música justificariam um controle permanente da música
por parte da cultura.
A noção contemporânea que concebe a música como capaz de
promover a irrupção do irracional através de estados corporais
pode de fato derivar dessas concepções antigas; contudo, o
valor atribuído a essa força desarrazoada já não é o mesmo na
atualidade. Essa diferença não é deixada de lado por
Jankélévitch. Segundo o autor, a história da música ocidental
foi marcada pelo conflito político e moral que instrumentalizou
a música a fim de evitar os efeitos considerados indesejados.
Segundo o autor, o primeiro abalo nessa relação aconteceu na
modernidade musical.
No capítulo “A ética e a metafísica da música”, Jankélévitch
ilustrou o percurso histórico desse conflito com seis marcos
culturais: [1] o mito das Sereias; [2] o mito de Orfeu: “aquilo que
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cristã, significando parte ou membro da comunidade.15 Ainda
o mito de Marsias; [4] a institucionalização da arte musical
defendida por Platão: “regulamentar [...] a utilização do influxo
musical”18; [5] o canto de Tamara, personagem do poema de
Mikhail Lérmontov; e [6] o enredo do romance A sonata a
Kreutzer de Liev Tolstói.
Em todos esses exemplos fica destacada a oposição entre os
fenômenos de “fascínio”, “encanto”, “sedução” e “magia” e os
fenômenos de “pensamento”, “argumento” e “seriedade”.19 Os
primeiros seriam intrinsecamente musicais, embora tratados
com bastante reserva pela Antiguidade, enquanto que os
segundos, extrínsecos à música, regulariam os primeiros.
Jankélévitch chega à conclusão de que a lição civilizatória
presente nos mitos de Apolo e de Orfeu20 indicariam, naquela
época, a existência de uma norma amparada em aspectos
discursivos e normativos do logos. Estaria ali o marco da
prerrogativa do principium individuationis21 aplicado à música,
válida de Palestrina a Stravinsky, de Fauré a Albert Roussel. Os
recursos oriundos do logos — o logos dialético, retórico,
filosófico, moral ou matemático22 — refreariam, apaziguariam e
docilizariam o aspecto rebelde e irracional da música.23
O melos, por outro lado, representa a ipseidade musical,
aspecto comunicado somente através de mitos repressivos
que alertavam para a necessidade de regulação da música no
ocidente. O logos, segundo Jankélévitch,
[...] impõe ao tumulto selvagem da avidez a lei
matemática do número [...]. Stravinsky, Alexis
Roland-Manuel não estavam de acordo ao
reconhecer na música uma espécie de
metrética do tempo?24
As diretrizes do logos seriam observadas ao longo de toda a
cultura musical, englobando a prática da composição,
execução e os mais variados hábitos da escuta musical,
profissional e leiga. O aspecto hegemônico dessa cultura,
como descrito por Jankélévitch, nos faz perguntar se existiria
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é musical não é a voz das Sereias, mas o canto de Orfeu”17; [3]
influenciado pelo logos.
Figuras mitológicas como a da sereia e do sátiro Mársias
ilustrariam o princípio da recusa à ipseidade musical, portanto
ao melos. Para Jankélévitch, não por acaso, o mito reservou a
esses personagens os piores destinos e ímpetos, consagrandoos como os maiores símbolos do que deve ser evitado
enquanto música (e enquanto caráter). Mársias e seu aulo
representariam a potência de um melos dionisíaco, sem
regulação, motivado e motivador da “embriaguez”, em analogia
com a atmosfera de indistinção do “noturno” e da
“possessão”.25 O canto das sereias representaria a sedução, o
aspecto anti-discursivo, o que em termos éticos se equipararia
à retórica de Górgias, sob a ótica da filosofia socrática,
comparável à “charlatanice”.26
Jankélévitch não nos oferece um exemplo concreto do que
seria uma música livre do logos, na verdade, reforça ser o
melos dificilmente exemplificável, pelo fato de o melos não ter
sido positivamente valorizado no ocidente. Esse fato, por si só,
caracterizaria a reatividade e caráter censório da cultura do
ocidente. Essas mesmas características da cultura ocidental
seriam responsáveis por duas reações típicas e contrárias à
música, a primeira advinda do logos moral e a segunda advinda
do logos dialético.
A reação moralista considera a simples existência da música
[melos] uma afronta ao seu sistema de controle
comportamental. A expressão da agressividade, do
ressentimento e da recusa à música27 seriam portanto
respostas esperáveis por parte da cultura ocidental:
Infelizmente, a animosidade contra a tentação
não é menos suspeita que a tentação... O
rancor puritano contra a música, a
perseguição do prazer, o ódio ao deleite e à
sedução, a obsessão anti-hedonista, enfim,
são complexos, assim como a própria
misoginia é uma espécie de complexo.28
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ao menos um contraexemplo de um puro melos que não
característica que por si só opõe-se ao ethos moralista, que não
admite diferença para tudo aquilo que subsista em seu
sistema.
A reação dialética, exemplificada pela filosofia metafísica,
buscou absorver o melos ao invés de o confrontar. Plotino,
Clemente de Alexandria e Santo Agostinho seriam os
representantes dessa reação no mundo antigo, enquanto que
Schopenhauer seria o principal representante no mundo
moderno. A assimilação da música por parte da metafísica se
daria através da idealização do conteúdo musical que, a
exemplo da “música das esferas”, transfere a realidade material
da música para um plano de compreensão que estaria além da
audição. Esse movimento acaba por transformar a música
audível em uma cópia ou forma imperfeita do que
supostamente seria verdadeiramente a música; uma forma
abstrata e puramente racional.29 Embora aparentemente
extravagante, essa concepção foi bastante duradoura ao longo
da tradição filosófica. Uma hipótese para essa continuidade,
segundo Jankélévitch, estaria no fato de que
[...] a música, ao não exprimir nenhum sentido
comunicável, presta-se, com docilidade, às
interpretações mais complexas e dialéticas;
faz com que o homem seja especialmente
tentado a atribuir ao discurso musical uma
significação metafísica.30
Jankélévitch utiliza a expressão metamúsica para designar o
conjunto das filosofias metafísicas da música, e dirige a
Schopenhauer as suas críticas mais contundentes.31 Para
Jankélévitch, essas construções, além de nada explicar, nada
descrevem sobre o melos, constituindo uma artificialidade
filosófica. Jankélévitch rejeita em bloco a metamúsica e com
isso o realismo e essencialismo filosófico expresso por essa
concepção.
De todo modo, podemos afirmar que a interpretação históricocultural da música no ocidente e o papel dos princípios
racionais diretores [logos] nessa cultura foram determinantes
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O melos em sua ipseidade é radicalmente distinto do logos,
ipseidade musical. O inefável, nesse contexto, é o conceito que
destaca e opõe o melos à palavra escrita, falada e pensada do
logos.
O debate histórico, presente nos primeiros tópicos, serve de
preâmbulo para a parte predominante do livro, que retrata,
descreve e analisa a música moderna. A escolha não é fortuita.
Jankélévitch encontra na música moderna exemplares de um
importante momento histórico no qual a subversão dos valores
musicais mais arraigados na cultura musical seriam pela
primeira vez substituídos pela experiência da musical inefável.
3. A ONTOLOGIA
Assumindo a tese de que o logos tenha influído continuamente
no melos, é de se supor que encontremos os traços dessa
relação nas mais variadas dimensões da cultura musical.
Jankélévitch busca extrair do cenário tradicional de descrições
e explicações sobre a música as camadas mais originais do
melos, através de uma empresa crítica e negativa. A parte
positiva consiste na definição dos objetos, práticas e
experiências musicais, enquanto que a parte negativa consiste
na investigação cultural e conceitual daquilo que se evitou dizer
e fazer em música, ou que não foi própria e expressamente dito
pela tradição. O método empregado por Jankélévitch foi o de
isolar os elementos do logos a fim de encontrar os parâmetros
próprios ao melos. Para os elementos intervenientes do logos,
Jankélévitch dá o nome de miragem.
Em seu livro são apontadas três influentes miragens musicais:
a miragem do desenvolvimento, a miragem da expressão e a
miragem espacial. Resumidamente, são descritos nesses
tópicos falsas noções, falsas descrições e falsas vivências que
se incluíam como explicativas e definidoras para a música.
Podemos destacar dentre as concepções miraginais para a
música: [1] as relações matemáticas; [2] as dimensões
espaciais e as simetrias; [3] as associações simbólicas e
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para Jankélévitch postular o conceito de melos enquanto
primeira miragem.
O tópico miragem do desenvolvimento é dedicado a analisar a
premissa musical que diz ser a escuta “estruturada
formalmente”. O tópico busca averiguar se é verdadeiramente
audível a divisão das seções e o desenvolvimento temáticoharmônico da forma sonata. O argumento de Jankélévitch é o
de que a escuta da “forma musical” foi derivada de premissas
da arte retórica e não de critérios pertinentes à audição.
Segundo Jankélévitch, a escuta estrutural seria um princípio
discursivo, transferido para a música através de uma analogia:
Assim como há um “trajeto” do pensamento,
um raciocínio que progride ao desenrolar
todas as implicações do sentido, igualmente
deve haver, como defende Ernest Ansermet,
um caminho musical [...].32
É fato que no período barroco as técnicas retóricas tiveram
muita influência para a formação do discurso musical; contudo,
quando tratamos da forma sonata, diretamente ligada à música
instrumental clássica, a relação com a retórica não é tão
evidente e a demonstração dessa relação requer um debate
musicológico mais aprofundado.33
Cogitar a possibilidade de resquícios retóricos mesmo na
composição clássica é um ponto de partida interessante e, em
certa medida, demonstrado por James Webster. Contudo, as
observações de Webster sobre a obra de Haydn34 não são
estatisticamente relevantes a ponto de colocar em dúvida a
característica formal mais acentuada da escola de Viena.35 Em
função disso, de uma perspectiva musicológica, a tese de
resquícios retóricos na “escuta formal” não pareceu ser
plenamente demonstrada. De todo modo, Jankélévitch explora
ainda outras estratégias. Uma delas, a atestação fenomênica
da impossibilidade da “escuta formal”.
Jankélévitch entende por “escuta formal” não apenas a
percepção de formas musicais complexas, mas a mera
percepção de: simetrias; funções harmônicas; seções musicais;
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semânticas e [4] as relações causais. Passemos ao exame da
temas musicais); desenvolvimento (e.g. harmônico e/ou
temático). Todas elas seriam o resultado de um empréstimo
cognitivo, uma artificialidade ou normatividade que não se
prende intuitivamente à escuta, que não resistiria à prova da
pura fenomenalidade auditiva.
A estratégia ainda assim não é definitiva, ela não demonstra de
que modo poderíamos nos certificar da presença de uma
artificialidade para a escuta. Ao invés de demonstrar, reivindica
uma inversão do ônus da prova, transferindo o ônus para as
tradições musicais historicamente constituídas.
Uma outra estratégia é motivada pela interpretação histórica e
cultural da música no ocidente. O diagnóstico anteriormente
feito de uma hegemonia do logos na cultura ocidental suscita
em Jankélévitch a necessidade de um método negativo, cujo
objetivo é recolher, de tudo o que foi dito sobre a música, a
contraforma do que não foi dito sobre o melos. O método
guarda semelhanças com a dúvida metódica.36
A fim de evitar assumir como verdadeiro tudo aquilo que
advém da cultura musical historicamente estabelecida, e
buscando reconhecer apoditicamente a ipseidade musical do
melos, Jankélévitch acha por bem suspender o juízo sobre a
cultura herdada, excluindo tudo aquilo que poderia ser matéria
de dúvida. Resistem a essa operação somente duas
características irrefutavelmente musicais: a percepção do som
enquanto som e a sucessão temporal do som.
Ao reconstruir analiticamente os conceitos de som e de
sucessão temporal, Jankélévitch não reconhece em ambos um
significado inerente de forma, seja forma sonora ou forma
temporal. Consequentemente, a presença de uma forma em
uma música seria necessariamente o resultado de união
sintética entre o som, a sucessão e um terceiro elemento que
doaria a forma. Esse elemento de outra ordem é, segundo
Jankélévitch, da ordem do logos. Desse modo, o método
elaborado consiste em subtrair da explicação mais conhecida
dos fenômenos musicais aquilo que é da ordem da forma.
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identidade (e.g. do tema musical); concatenação (e.g. entre
considerada um princípio estritamente musical, cuja função é
concatenar coerentemente os sons. Contudo, para
Jankélévitch, a concórdia dos sons não pode, por princípio, ter
origem na intuição sonora ou temporal; o melos “ignora essas
preocupações por não possuir ideias que devam concordar”.37
A harmonia, do ponto de vista do melos, livre de qualquer
forma, não equivaleria a outra coisa senão a uma “simbiose
irracional do heterogêneo”38, nada mais do que um
agrupamento de sons em uma sucessão sonora sem qualquer
propriedade formal ou ligação causal.
O conceito de simetria também testemunharia uma relação
sintética com o logos. A simetria, segundo Jankélévitch, é
obtida através do recurso da memória e não diretamente da
percepção do som no tempo. Jankélévitch a descreve como
uma “visão retrospectiva”39 possibilitada pela retenção e pela
espacialização dessa memória. A percepção sonora, ela
mesma, seria uma sequência evanescente que não inclui a
simetria como um dos parâmetros da escuta. Segundo
Jankélévitch, a memória puramente sonora não seria suficiente
sequer para avaliar a equidistância em uma determinada série
sonora.
Jankélévitch admite ser possível escutar um tema reexposto, é
possível que “relacionemos” esse tema com o tema
anteriormente exposto, contudo, esse fato não nos faria entrar
em contato com uma estrutura como a “forma musical”, ou
com um mapa das posições e simetrias das ocorrências
musicais.
Tornamo-nos sensíveis à forma graças à
divisão regular das seções, que concede a
ilusão de simetria, do sistema fechado e do
“circuito”. Reexpor um tema é, portanto,
conceder a ele um novo brilho e sentido, ainda
que isso se deva apenas ao momento ulterior
em que essa reaparição se produz.40
A relação entre identidade e simetria não seria destacada em
uma experiência puramente auditiva, essa última dando lugar
somente a efeitos de intensidade, como da intensidade afetiva
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Exemplificando: a harmonia, do ponto de vista do logos, é
etc. Em resumo, o melos encontra-se fora de toda categoria
cognitiva. A clássica divisão entre o logos cognitivo, judicativo
e ordenador oposto ao melos irracional, emocional e intensivo é
mantida por Jankélévitch. Essa divisão clássica havia sido
contestada pela concepção da estética musical cognitivistaformalista41, e é curioso que nesse ponto a ótica sustentada
por Jankélévitch e a posição formalista sejam tão divergentes.
Esse não é sempre o caso.
Em comum com o formalismo, as reflexões sobre a miragem
do desenvolvimento são conduzidas por Jankélévitch até o
conceito de “pura audição”42, que corresponde à percepção
auditiva puramente fenomênica identificada com o melos.43
Diferente do formalismo, Jankélévitch dissocia a forma musical
e a escuta do som. Essa é uma posição pouco frequente na
filosofia da música que não conta, em princípio, com um
paralelo incontroverso entre o realismo e o antirrealismo
musical, ou mesmo entre o cognitivismo ou anticognitivismo44
musical. A mera diferença para com o formalismo musical já
não é simples de ser estabelecida, como veremos em seguida.
3.1 O FORMALISMO
O conceito de “pura audição” é uma reivindicação
fenomenalista proposta por Jankélévitch para a análise da
audição musical. O conceito busca isolar a percepção e o
órgão auditivo para o estabelecimento de uma condição
autônoma para a arte em questão. O procedimento é
equivalente ao empreendido pelo formalista Konrad Fiedler
para as artes visuais em sua teoria da “visibilidade pura”
(1887).
Para ambos os autores, tudo aquilo que pode valer como
essencial a uma arte, considerada em sua autonomia ou
idiossincrasia, requer, advém, e se limita a utilizar propriedades
inerentes a um único órgão sensível. Esse é o caso da “pura
audição” enquanto condição epistemológica para o melos em
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vista na citação acima: “novo brilho”, novo “sentido”, surpresa,
condição para a arte visual em Fiedler.
A arte autônoma em Fiedler liga-se exclusivamente às
propriedades de um órgão sensível, método e princípio que
impede “extrair conclusões” de uma arte para outra arte.45 Essa
mesma particularidade encontramos em Jankélévitch — não
reconhecendo em nenhum outro órgão sensível a capacidade
de produzir música, sobretudo porque o ouvido seria um órgão
exclusivamente “temporal”. O princípio da “pura audição”,
desse modo, se traduz facilmente pela audibilidade pura nos
moldes formalistas.
Fiedler considera as seguintes características da visibilidade
pura: a relação diretamente proporcional entre o aumento da
intensidade da qualidade sensorial e o foco de atenção46; a
constituição de uma totalidade perceptiva através de gestos
oculares; a percepção de simultaneidade e da sucessão47; o
caráter lacunar das imagens visuais.48 Jankélévitch considera
as seguintes características da audibilidade pura: a pura
duração e a pura sucessão49; a pura qualidade sonora; a não
discursividade50; a sua qualidade inefável.51
Para Fiedler, a arte que explora a visualidade pura supera a
natureza e a materialidade da qual é feita a arte, a arte
autônoma é uma produção livre52, e em virtude de sua liberdade
constitui um terceiro elemento advindo da visualidade, mas não
reduzido a ela, como também não reduzido a nenhum
“sentimento e pensamento”.53 A arte constitui um “mundo
visual” próprio.54 A audibilidade pura defendida por Jankélévitch
também considera a música como um “terceiro elemento”
equivalente a um “mundo musical” próprio.55 Esse terceiro
elemento que é depreendido da audibilidade pura é de difícil
descrição. Esse tema é especialmente abordado na seção A
divina inconsistência. Kitej, a Invisível:
Assim como a alma recusa ser localizada em
qualquer região do cérebro e Deus, em
qualquer região da Terra, também a Kitej
celeste, a Kitej ausente e onipresente, próxima
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Jankélévitch, e esse é o caso da pura visualidade enquanto
Fiedler, além de um destacado pensador do formalismo,
também advogou a favor do relativismo e do
antiessencialismo.57 A posição de Fiedler demonstra um elo
entre a posição formalista para a estética e a posição
antiessencialista para a metafísica, por considerar a forma um
componente cognitivo essencial à arte sem a necessidade de
reivindicar para esse componente uma existência metafísica.
A filosofia da música de Jankélévitch adota o conceito de durée
da filosofia de Bergson, e dessa forma o conceito de melos
acaba herdando o lastro metafísico da durée, abrindo a
possibilidade de um vínculo essencialista entre melos e tempo.
De todo modo, do ponto de vista da forma, e mais
especificamente da objetualidade da forma, as posições de
Fiedler e Jankélévitch são contrastantes.
A concepção de obra de arte em Fiedler é patentemente
objetal. A concepção de obra musical em Jankélévitch não é
objetal, e tende a considerar todo o caráter objetal como
extrínseco ao melos. Essa consideração já é suficiente para
compreendermos a relação paradoxal que a filosofia de
Jankélévitch guarda com o formalismo. Afinal, embora o
procedimento de investigação das condições de possibilidade
da audibilidade e visualidade coincidam, a premissa da
impossibilidade da percepção da forma é patentemente
antiformalista.
O método empregado por Jankélévitch identifica a ipseidade do
melos com a pura audibilidade, contudo, o resultado obtido é o
da impossibilidade fenomênica da percepção da forma
musical:
[...] a pura audição não identificaria o
esquema da sonata. Isto porque o esquema é
coisa mental, não algo audível, nem tampouco
tempo vivido.58
O conceito de “pura audição” de Jankélévitch antagoniza com
as concepções mais próximas à música clássica instrumental,
344
Viso: Cadernos de estética aplicada n. 29
jul-dez/2021
e distante – imagem da pura música em si
mesma – não consta em nenhum mapa [...].56
formalista em seu procedimento investigativo, a reflexão de
Jankélévitch concluiu não ser a música uma arte “formal”. O
limite fenomenal da arte musical não ultrapassa o caráter
intensivo da sucessão sonora, sendo sem-forma.
Há, portanto, dois níveis de considerações sobre o formalismo
que podem ser feitos para uma melhor avaliação da posição de
Jankélévitch: (a) o formalismo enquanto procedimento
metodológico; e (b) o formalismo enquanto concepção atinente
à percepção da forma. Para a primeira consideração, diremos
que Jankélévitch se adequa à metodologia geral do
formalismo. Para a segunda consideração, diremos que
Jankélévitch nega a percepção auditiva da forma e nega a
percepção de uma forma objetal para a música. Ao inviabilizar
a percepção auditiva da forma Jankélévitch desautoriza o
argumento cognitivista.59 Fica em aberto a questão de se o
formalismo necessariamente deve se opor a uma concepção
não-objetal, desde que ela represente a autonomia de um órgão
dos sentidos em relação a uma obra de arte, embora deva
sempre se opor a uma concepção não-formal.
É importante frisar que a posição assumida por Jankélévitch
não desconsidera a existência da cognição e da forma, mesmo
objetal, na música. As diversas propriedades formais descritas
pela tradição são reais para a cognição, elas apenas não
corresponderiam à ipseidade do melos, são inessenciais do
ponto de vista de uma ontologia musical centrada na audição.
A definição negativa do melos (não-logos) e a definição positiva
do melos (pura audição) enquanto som no tempo, seriam
suficientes para uma definição ontológica, excluindo os demais
conteúdos como inessenciais ou secundários. Algumas
descrições de Jankélévitch podem dar a entender uma posição
diferente:
Em Debussy, a interrupção da serenata
funciona mais como um efeito do pudor e
uma lítotes do humor, enquanto, em
Mussórgski, responde a uma exigência de
descontinuidade: Il vechio castello, serenata
345
Viso: Cadernos de estética aplicada n. 29
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modelo bastante afim às concepções formalistas. Embora
Segundo Jankélévitch, a emoção de fato não pertence “à parte
lógica e reta do espírito, mas à existência psicossomática”.61 E
embora emoções e melos não guardem relação com o logos,
nem por isso ambas compartilham uma e mesma
fenomenalidade. O campo irracional das emoções não é
tomado por Jankélévitch como pertencente ao mesmo plano
da não-racionalidade do melos. É verdade que há o uso de
analogias e metáforas entre o estado emotivo e o melos ao
longo do texto de Jankélévitch, porém, essa mesma relação é
encontrada entre o melos e o estado místico.62 O foco recai
sobretudo naquilo que Jankélévitch quer representar com a
analogia e com a metáfora e não na tentativa de sinonímia e
tradução direta do conteúdo musical em palavras. Jankélévitch
busca justamente o contrário, qualificar a música enquanto
conteúdo inefável.
Justamente por serem metáforas e analogias, a pretensão de
reduzir o melos ao campo do sentimento e da mística é
anulada. Desse modo, Jankélévitch mostra um empenho em
diferenciar o registo fenomênico do inefável de demais
experiências como a experiência instintiva e a não consciente,
embora a própria semântica do inefável tenda a vinculá-la a
uma poética mística. Se não especificamente místico, o
conceito de inefável conota ao menos, assim como a filosofia
de Bergson, um sentido indiferenciado entre os níveis
metafísico, transcendental e psicológico.63
É provável que Jankélévitch possa ter herdado de Bergson essa
forma de caracterização do conceito de inefável; afinal, como
reconhecido por Worms64 Jankélévitch não foi um dos autores
que avaliaram com desconfiança o fato de a filosofia de
Bergson não adentrar nas categorias canônicas da filosofia.
Muito pelo contrário, em seu livro intitulado Henri Bergson
(1931), Jankélévitch confirma ser um defensor do
bergsonismo. Em uma entrevista concedida a Françoise Reiss
no ano de 1959, assim se expressou:
346
Viso: Cadernos de estética aplicada n. 29
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interrompida, é abortado e se desfia no fundo
da noite sem ter desenvolvido nem
amplificado sua romança [...].60
V.
JANKÉLÉVITCH:
Sobretudo
a
temporalidade; uma ideia eminentemente
contemporânea, ela mantém-se como a
grande descoberta de Bergson. E não apenas
a ideia do tempo: o tempo em Bergson é um
tempo que é idêntico à própria essência do
ser porque ele é a própria pessoa, a inteira
pessoa, é quem é tempo. O ser humano é o
tempo sobre duas pernas que vem e vai, um
vir-a-ser ambulante. O tempo não é a
característica secundária ou pelicular de um
ser que que deva primariamente ser e
secundariamente mudar. Ao invés disso, o
tempo afeta a própria essência do ser. Não é
modal mas essencial.65
Para Bergson, e portanto para Jankélévitch, o tempo é:
unidimensional; contínuo; irreversível; irrepetível; duração.66
Excetuada a memória67, o estado consciente da percepção
musical equivaleria a um puro presente como descrito por
Bergson:
Se a consciência percepciona outra coisa
além de posições é porque se lembra das
posições sucessivas e as sintetiza [...] Não há
outro remédio senão admitir que se dá aqui
uma síntese, por assim dizer qualitativa, uma
organização gradual das nossas sensações
sucessivas umas com as outras, uma unidade
análoga à de uma frase melódica.68
Na citação acima, Bergson não deixa de apontar para o papel
da memória na configuração do tempo enquanto dimensão
imanente. Contudo, em Jankélévitch, a memória é muitas vezes
referida criticamente como recurso do logos. Na seção
intitulada “A temporalidade e o noturno”, a noção de memória é
recuperada por Jankélévitch e incluída na audição musical,
desde que restrita à unidimensionalidade do tempo. Em
resumo, diríamos que, apesar dos paralelos com o formalismo,
prevalece na filosofia da música de Jankélévitch a orientação
ao bergsonismo diante da investigação da pura audibilidade, e,
através desse, a crítica radical à cultura musical do ocidente. A
investigação da pura audibilidade não é preponderante, como
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Viso: Cadernos de estética aplicada n. 29
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F. REISS: O que permanece das ideias de
Bergson?
pressuposto (e não pesquisa) de que a audição é um órgão
sumamente temporal.69
3.2 AS TRÊS MIRAGENS
Retomando a discussão sobre as miragens e de volta ao tópico
da
miragem
do
desenvolvimento,
abordaremos
as
considerações sobre a distinção entre o qualitativo e o
quantitativo. A “escuta qualitativa” equivaleria à percepção
musical que é contígua ao tempo, sem a intervenção
cinemática da memória e sem os ajuizamos que estruturam a
percepção da forma. A “escuta quantitativa” por sua vez é
estruturante, reconhece o tema enquanto elemento idêntico e o
enquadra em um todo ordenado, segundo Jankélévitch, em
descontinuidade com o tempo.
A segunda miragem é a miragem da expressão, e ela é
dedicada à crítica das concepções musicais idealistas e
metafísicas (metamúsica):
Antes do fenômeno físico, haveria então a
música metafísica [...], música perfeitamente
silenciosa e indiferente a toda expressão
determinada. Finalmente, a música expressa
seria, para essa música-em-si, mais um
incômodo e um empobrecimento que um
verdadeiro meio de expressão.70
O argumento é simples e efetivo: uma concepção idealista e
metafísica seria sobretudo antimusical porque parcialmente ou
totalmente antissonora e anti-auditiva.
A terceira miragem é a miragem espacial, cuja crítica é dirigida
aos empréstimos espaciais. Resumidamente, e em referência a
Francis Bacon, Jankélévitch nomeia de ídolos da retórica toda a
concepção que aproxima a música à linguagem, bem como
nomeia de ídolos ópticos toda noção que aproxima a música às
percepções viso-espaciais, satisfazendo a expectativa visual
sem corresponder à experiência puramente auditiva.
348
Viso: Cadernos de estética aplicada n. 29
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seria no formalismo, pois que essa havia sido motivada pelo
musicais tradicionais, responsável pela noção de simetria em
música. Jankélévitch não concebe a percepção da simetria
como inerente à escuta sonora no tempo, pois considera ser a
propriedade mais essencial do tempo o seu puro fluir,
característica incompatível com a reversibilidade.71
A argumentação que visa a exemplificar a irreversibilidade
temporal aplicada à música não é simples. De modo geral,
simetria e irreversibilidade seriam contraditórios em música,
pelo fato de a simetria ser uma organização proporcional e fixa
(radial, bilateral, etc.) enquanto que a dimensão do tempo não
seria fixa e por isso não proporcional.
Segundo Jankélévitch uma música não teria proporções, e isso
poderia ser certificado, por exemplo, ao retrogradarmos a
ordem sonora de uma música. Ao retrogradarmos uma música
a alteração percebida seria tal que aquilo que escutamos
inicialmente não seria mais reconhecido na versão
retrogradada. Isso é verdadeiro para a quase totalidade das
músicas, porém, é igualmente verdadeiro para a quase
totalidade dos objetos não simétricos. Contudo, o argumento
de Jankélévitch busca um exemplo que seja verdadeiro para a
música e para o tempo e não seja verdadeiro para objetos e
para o espaço.
O melhor exemplo para ser colocado à prova, um que caia sob
os rigorosos critérios do tempo descritos por Jankélévitch, é o
de uma música cuja notação detenha uma perfeita simetria
bilateral, criada com a engenhosidade de um cânone mas cuja
execução é monofônica, de forma que, sendo tocada
normalmente ou retrogradada, a sequência
permaneça a mesma, de acordo com a notação.
de
notas
Para Jankélévitch, ao retrogradarmos esse exemplo hipotético,
não teríamos a impressão de haver uma simetria entre as duas
execuções, pois os conteúdos temporais não seriam
apreendidos por relações fixas. As relações fixas
encontraríamos na dimensão espacial, na notação, mas não
encontraríamos na audição. Em uma experiência puramente
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Viso: Cadernos de estética aplicada n. 29
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O ídolo óptico seria o aspecto mais influente nas concepções
constituição do fenômeno.
Na prática, o que Jankélévitch busca demonstrar é que uma
monodia retrogradada, caso escrita de um maneira
perfeitamente espelhada, não permitiria que reconhecêssemos
como idênticas a execução normal e a retrogradada. Sendo
ainda mais específico: se passados vinte segundos
transcorridos do início de uma música nesses moldes
descritos, ocorre o evento musical (A), e em seguida, depois de
quarenta segundos transcorridos do início da música, ocorre o
evento [idêntico quantitativamente e simétrico espacialmente]
(A’), teríamos nessa sequência um evento único e irrepetível e
já aqui a impossibilidade da identidade entre A e A’.
Quando venho a retrogradar a música não poderei afirmar que
escuto primeiro (A’) e em seguida (A). Mesmo sendo as
mesmas qualidades sonoras a se repetirem em ordem inversa.
O que antecede e sucede a nota (A) no transcorrer normal
determinaria o conteúdo de (A) e a mesma regra se aplicaria a
(A’) no transcorrer normal. Para Jankélévitch, no transcorrer
retrogradado perderíamos a identidade entre antecedente e
sucedente em todos os níveis possíveis. Ela seria globalmente
perdida pois que (A) não viria antes de (A’) e a tendência seria a
de passarmos a compreender (A’) como (A), e vice-versa. Mas
não somente isso. A tendência dessa inversão vice-versa
também seria perdida, pois que a existência no tempo
determina a unicidade de todos os eventos. Desse modo, no
sentido retrogradado, (A) seria ainda outra coisa, quem sabe
um [(A)], enquanto que (A’) seria ainda outra coisa, quem sabe
um [(A’)].72 Desse modo, a identidade estabelecida entre o que
antecede e sucede, (A) ou (A’), valeria somente para uma única
execução, em uma única direção. A dimensão do tempo
corroeria toda a possibilidade de uma repetição literal e da
conservação de um e o mesmo conteúdo sonoro em contextos
temporais diferentes.
A concepção de Jankélévitch atende desse modo ao princípio
radical de uma decorrência temporal unidimensional, como
350
Viso: Cadernos de estética aplicada n. 29
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temporal, a ordem dos fatores seria determinante para a
melos. Porém, que um tal princípio radical corresponda à
efetiva experiência sonora auditiva, sabidamente e
inexpugnavelmente espacial, não é claro. De todo modo, e
esgotado o conteúdo das miragens, finalizamos as principais
considerações ontológicas de Jankélévitch a respeito da
música constantes no livro A música e o inefável.
4. ANTIRREALISMO
Diferentemente dos objetivos expressos por Quine (1953) para
a disciplina ontológica, Jankélévitch não buscou definir uma
constelação absoluta de existentes, não buscou incluir ou
comparar o melos entre todos os outros existentes, como
também não instruiu um compromisso ontológico. O trabalho
de Jankélévitch a esse respeito esteve voltado para as
possibilidades mais gerais da predicação e da justificação de
uma predicação sobre a música, voltado a problemas tais
como: se podemos dizer que existam notas “altas” e “baixas”;
se a música se presta a ser uma linguagem; se a forma sonata
é audível; se existe uma escuta puramente musical, etc.
O melos, o termo que unifica as considerações ontológicas de
Jankélévitch, possui diversas conotações, dentre elas, algumas
de caráter substancialista. O melos enquanto processo da
durée, pode, em tese, ser caracterizado como uma substância e
se amoldar a uma ontologia essencialista. Contudo, essa não
foi uma perspectiva ensejada pelo próprio Jankélévitch.
O que a análise da “pura audição” revelou foi uma posição
diversa das mais conhecidas do debate ontológico
fundamentalista73 pois critica frontalmente a existência objetal
da música, seja material, suprassensível ou mental. O
significado dessa posição para a ontologia da música, creio, se
torna mais claro na medida em que Jankélévitch descreve a
prática musical. O aspecto prático é aquele que mais vezes é o
conteúdo subentendido na argumentação de Jankélévitch, e é
ele quem geralmente é referenciado nas passagens mais
irônicas:
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Viso: Cadernos de estética aplicada n. 29
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exigido pelo conceito de durée e adequado à concepção do
O pano de fundo de sua filosofia certamente não é a ontologia,
a sua ontologia é enxuta e despretensiosa e faz transparecer o
seu desdém pela tradição logo-centrada, a sua ontologia
expressa a indiferença para com a discursividade enquanto
efeito causado pelo melos.
A maior parte do texto de A música e o inefável ocupa-se,
sobretudo, com as minúcias da experiência imersiva
provocadas pelo melos, e aí residem contribuições
significativas, como a qualificação do inefável fora do campo
irracional. Não podemos nos esquecer de que mesmo a
modernidade ainda operou com a noção do irracional para a
música75, definindo a aconceitualidade dessa arte como uma
qualidade obtusa e não desejável. Foi sobretudo a partir de
Hanslick que o caráter aconceitual da música passou a
corresponder a uma habilidade cognitiva.76 Jankélévitch propôs
considerarmos a música, em sua aconceitualidade, como algo
diverso do irracional e diverso do cognitivo. A filosofia da
música ficaria desencarregada da tarefa de tradução discursiva
da música, e o pano de fundo da reflexão de Jankélévitch, à
qual aludimos anteriormente, dá mostras dessa desobrigação.
E já que até nós pretendemos falar sobre o
indizível, falemos sobre ele pelo menos para
dizer que não precisamos falar sobre ele e
para desejar que esta seja a última vez...77
Ser inefável é ser aconceitual sem estar sob o efeito da
irracionalidade, do instinto ou de uma opacidade cognitiva. O
inefável que diz respeito ao melos é um estado não-cognitivo
que se alinha às publicações de Dretske [Seeing and Knowing] e
de Evans [The Varieties of Reference], respectivamente de 1969
e 1982, e que são marcos para a questão filosófica da
existência de estados mentais não conceituais. A obra de
Jankélévitch de 1961, no campo da estética, não deixa de
352
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A ironia não quer ser acreditada, quer ser
compreendida. Isso quer dizer “interpretado”.
A ironia nos faz acreditar não no que ela diz,
mas no que ela pensa [...] ela faz o que é
necessário para que possamos adivinhar seus
criptogramas transparentes.74
um estado mental não orientado discursivamente.
Mas como afinal responder à pergunta o que é a música?
A partitura, os sulcos dos discos de vinil, a frequência vibrante
do ar, uma ideia, nenhum desses objetos corresponde ao que é
o melos, e o melos, ele mesmo, não corresponde a um objeto. O
que concluímos das informações contidas em A música e o
inefável é que a música é um processo auditivo exclusivamente
focado na dimensão do tempo e na qualidade do som, cuja
objetividade se limita ao estado perceptivo evanescente do
próprio devir; um quase-nada [presque-rien].
Não podendo existir antes, nem depois de sua execução, “a
música não existe em si mesma, mas somente durante a
perigosa meia hora em que, tocando-a, fazemo-la ser [...]”.78
Não sendo instanciada por uma pré-existência ideal ou
material, a música deve sua causalidade tão somente à ação
de um músico sobre um instrumento:
Deve-se ressaltar, sobretudo, que representar
o compositor no afã de expressão em
analogia com um instrumentista, soberano no
controle de seus registros, teclados e pedal, é
desconhecer a reação do utensílio sobre o
artesão, ou seja, aquilo que poderíamos
chamar de choque do retorno.79
A matéria sonora, não sendo “dócil”80, obriga o músico a um
contato “experimental” que, segundo Jankélévitch, a
improvisação musical demonstra exemplarmente, e cuja
maestria é exercida pelo instrumentista e não pelo
compositor.81
Concluindo, diremos que a inexistência objetal e a existência
hic et nunc da execução musical são suficientes para que
reconheçamos na filosofia de Jankélévitch uma posição
antirrealista, no sentido de rejeitar o estatuto objetal, idêntico,
universal, ideal, a priori, abstrato, esquemático ou
transcendental da obra musical.
353
Viso: Cadernos de estética aplicada n. 29
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incluir-se nesse escopo ao caracterizar a escuta musical como
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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de
Financiamento 001, através do programa de pós-doutorado PNPD.
1
Os compositores do Grupo dos 5, muito influentes na música de Debussy,
Stravinsky, Prokofiev, etc., junto aos compositores franceses do fin de siècle,
notadamente Paul Dukas e Vincent D’Indy (Cf. ABRAHAM, 1974, p. 20-21),
são muitas vezes categorizados como compositores de transição.
2
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 79.
Segundo Gerald Abraham “o romantismo nunca penetrou muito
profundamente na música francesa” (Cf. ABRAHAM, 1974, p. 19), do que se
conclui que as expressões de rejeição ao romantismo por parte de D’Indy e
Debussy seriam exemplos de uma dispersão do acúmulo de longos anos de
uma tensão de autoafirmação. Na Rússia o distanciamento ao estilo
romântico foi também geográfico, a ópera de Wagner viria a ser encenada
somente no ano de 1889 (Cf. ABRAHAM, 1974, p. 32), e mesmo assim,
àquela altura, exerceu pouca influência.
3
4
ABRAHAM, 1974, p. 88-91.
5
O título se refere ao ciclo de canções compostas por Modest Mussorgsky
entre os anos de 1868 e 1872 sob o título de Detskaya (também conhecido
como Les enfantines) sobre o qual Debussy escreveu um ensaio intitulado
“Mussorgsky”. DEBUSSY, 1962, p. 19.
6
JANKÉLEVITCH, 1950, p. 395.
7
Um tratado entre as duas nações foi assinado secretamente no dia 3 de
março de 1859 (Cf. SUMNER, 1933, p. 65), o que indica uma proximidade
entre essas nações décadas antes do acordo firmado oficialmente no ano
de 1894, conhecido como Aliança Franco-Russa (Cf. TAYLOR, 1954, p. 345).
8
KENNAN, 1984, p. 21.
9
Capítulo integrante da obra La musique et les heures.
10
A ideia de que exista uma variedade de escolas do modernismo musical
não é estranha a Adorno, como demonstram os textos Filosofia da nova
música e Classicismo, romantismo e Nova música. Contudo, como também
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In: WUNENBURGER, Jean-Jacques; WORMS, Frédéric. Bachelard
11
É importante ter em conta que somente nas últimas três décadas a
estética musical de Jankélévitch veio ganhando a atenção dos trabalhos
acadêmicos (Cf. KANE, 2012). Destaco algumas dessas leituras: [1] as
referências à mística cristã feitas por Jankélévitch (Cf. GONTIJO, 2018); [2]
as consequências lógicas, musicológicas e linguísticas das proposições de
Jankélévitch sobre a música (Cf. RINGS, 2012) bem como os conflitos que
engendra com a racionalidade do século XX (Cf. HEPOKOSKI, 2012;
LOCHHEAD, 2012); e [3] a relação da filosofia da música de Jankélévitch
com a filosofia de Bergson (Cf. TEIXEIRA, 2010). Longe de sintetizar todas
as perspectivas, assumimos nesse trabalho, a partir de uma leitura
estrutural da obra A música e o inefável, que os recursos poéticos,
simbólicos e místicos desempenham um papel secundário, se analisados
com a frieza filosófica. A questão ontológica, por sua vez, desempenha um
papel central do ponto de vista teórico-explicativo, indicado pelas formas
assertivas presentes no texto, cerne da definição da ipseidade musical.
12
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 47.
13
BEEKES, 2010, p. 927-928.
14
LIDDELL; SCOTT, 1996, p. 1099.
15
STRONG, 1997, p. 299.
16
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 57.
17
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 51.
18
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 51.
19
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 50-1.
“Orfeu, o antibárbaro, encarna a civilização da lira”. JANKÉLEVITCH, 2018,
p. 53.
20
21
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 53.
22
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 53.
23
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 52.
24
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 53-54.
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 52. “Pode-se chegar a afirmar que a música é
uma arte servil, e que para desempenhá-la é necessário estar ébrio ou
querer divertir-se. Aliás, talvez tenhamos oportunidade de retornar, depois, a
este tema”. ARISTÓTELES, 1966, p. 163-164.
25
26
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 53.
27
Jankélévitch chega a listar autores que expressaram aversão pela música:
Platão, Nietzsche, Tolstói e Proudhon. Cf. JANKÉLEVITCH, 2018, p. 56-57.
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demonstrado nesses textos, a intenção de Adorno com o conceito de Nova
música foi a de caracterizar uma etapa mais avançada da produção musical,
exemplificada pelas obras de Schönberg e Stravinsky e pela produção
subsequente. Contudo, a interpretação da origem estética e genealógica da
Nova música em Adorno concilia o período romântico e o moderno,
retomando as contribuições dos compositores alemães.
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 57-58.
“[...] deprecia a harmonia física em prol dos paradigmas transcendentes
[...]”. JANKÉLEVITCH, 2018, p. 58.
29
30
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 59.
31
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 60; 62
32
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 63.
33
A música instrumental identificada com a primeira Escola de Viena foi
definida enquanto arte autônoma justamente pela oposição que a teoria
tonal mantinha com a teoria barroca dos afetos. Cf. ROSEN, 1997,
WEBSTER, 1991; ZASLAW, 1989.
34
WEBSTER, 1991, p. 127.
35
WEBSTER, 1991, p. 355.
“[...] não se sabe o que é a música, nem mesmo se ela é algo!”.
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 47.
36
37
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 65.
38
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 65.
39
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 64.
40
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 71.
41
Entendemos por concepção cognitivista-formalista da música a
abordagem ensejada sobretudo por E. Hanslick, 2002, p. 16, ao advogar um
princípio do entendimento e da lógica para a escuta musical, calcada na
identificação de formas. Sobre o modo como essa concepção epistêmica
de Hanslick se relaciona com a expressão artística. Cf. GIANI, 2001; HALL,
1967.
42
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 64.
“a música, presença sonora, repousa [...] na fenomenalidade de sua
aparência sensível”. JANKÉLEVITCH, 2018, p. 117.
43
44
O modo como o formalismo de Fiedler e aquele atribuído a E. Hanslick
expressam um cognitivismo não coincide com parte significativa das teorias
estéticas e valorativas da filosofia de mesmo nome. Por exemplo, Beardsley
(1958, p. 178) toma como pressuposto de suas reflexões a escuta de
formas musicais, contudo considera que o valor artístico da música seria
anticognitivista. Consideramos cognitivismo a mera concepção que admite a
percepção de formas musicais como intrinsecamente aderida à escuta.
Naturalmente, o que se considera como cognição para a escuta de formas
musicais pode conter diferentes soluções para diferentes pesquisadores.
45
FIEDLER, 1887, p. 169.
46
FIEDLER, 1887, p. 205.
47
FIEDLER, 1887, p. 206.
48
FIEDLER, 1887, p. 206.
49
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 64.
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28
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 87.
51
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 120.
52
FIEDLER, 1887, p. 259.
53
FIEDLER, 1887, p. 266.
54
FIEDLER, 1887, p. 268.
55
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 151.
56
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 151.
57
FIEDLER, 1876, p.71.
58
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 64.
59
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 63-4; 66-7.
60
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 65.
61
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 50.
62
GONTIJO, 2018, p. 984; 987.
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50
63
Bachelard dirigiu críticas à filosofia de Bergson nas obras A intuição do
instante (1931) e A dialética da duração (1950), que se tornaram críticas
paradigmáticas. Contudo, para o problema posto, seria interessante abordar
a exegese que Franklin L. e Silva (1983, p. 23) faz do projeto de Bergson. No
caso, rever a durée enquanto resposta bergsoniana à filosofia kantiana,
expondo justamente o tênue trajeto que Bergson percorreu entre a crítica ao
transcendental e a restituição da intuição do tempo, enquanto forma
metafísica de conhecimento.
64
WORMS, 1936, p. 65.
65
REISS, 1959. In: JANKÉLÉVITCH, 2015 [1931], p. 251.
66
BERGSON, 1889, p. 64; 72-75.
67
BERGSON, 1972, p.101, In: COELHO, 2004, p. 240.
68
BERGSON, 1889, p. 79.
69
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 118. Esse tema em particular será objeto em
nosso próximo trabalho.
70
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 73.
71
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 140.
“[...] na ordem-inteiramente-distinta da temporalidade musical, o mesmo
sempre aparece, por sua vez, outro que ele mesmo!”. JANKÉLEVITCH, 2018,
p. 141.
72
73
KANIA, 2017.
74
JANKÉLEVITCH, 1950b, p. 51.
“Não é o ajuizamento da harmonia de sons ou ocorrências espirituosas,
que com sua beleza serve somente de veículo necessário, mas é a função
vital promovida no corpo, o afeto, que move as vísceras e o diafragma, em
uma palavra, o sentimento de saúde [...] Na música esse jogo vai da
75
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76
HANSLICK, 2002, p. 44; 98.
77
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 128.
78
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 126.
79
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 74.
80
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 75.
81
JANKÉLEVITCH, 2018, p. 76.
82
JANKÉLEVITCH, 2018, p.142.
362
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sensação do corpo a ideias estéticas...”. KANT, 2005, p. 224-225; “[...] a
música possui uma conexão mais imediata com a sensação pura, mais do
que qualquer outra bela arte”. HELMHOLTZ, 1954, p. 3.