ARTIGOS
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MARIA DO ROSÁRIO E FERNANDA
MELCHIONNA: O DISCURSO JORNALÍSTICO DE
DEPUTADAS BRASILEIRAS E OS ACIONAMENTOS
DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA PANDEMIA
MARIA DO ROSÁRIO AND FERNANDA MELCHIONNA: THE JOURNALISTIC
SPEECH OF DEPUTIES AND THE OPERATIONS OF GENDER VIOLENCE
IN THE PANDEMIC
MARIA DO ROSÁRIO Y FERNANDA MELCHIONNA: EL DISCURSO
PERIODISTICO DEL DIPUTADOS BRASILEÑOS Y LA VIOLENCIA DE GÉNERO
EN LA PANDEMIA
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Francielle Esmitiz1
Letícia Rossa2
Resumo
Com a intenção de entender a construção do discurso jornalístico das deputadas
brasileiras Maria do Rosário (PT) e Fernanda Melchionna (PSOL), este artigo propõe
a discussão de questões de gênero, por meio de relações de poder; da mulher na
política, através de índices de ocupação em cargos de liderança; e do jornalismo, a
partir da produção do acontecimento. Deste modo, segundo uma metodologia
inspirada na Análise de Conteúdo e na Análise do Discurso francesa, é possível
averiguar que a atuação das duas deputadas contra a violência de gênero evidencia
que seus discursos e práticas estão alinhados com as propostas de trabalho e atuação
política a que se dedicam.
Palavras-Chave: Gênero; Política; Jornalismo.
Abstract
With the intention of understanding the construction of the journalistic discourse of
Brazilian deputies Maria do Rosário (PT) and Fernanda Melchionna (PSOL), this
article proposes the discussion of gender issues, through power relations; of women
in politics, through occupation rates in leadership positions; and journalism, from the
production of the event. Thus, according to a methodology inspired by French Content
Analysis and Discourse Analysis, it is possible to verify that the actions of the two
1
Doutoranda em Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos. E-mail:
fran.esmitiz@gmail.com.
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Doutoranda em Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos. E-mail:
leticiaf.rossa@gmail.com.
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deputies against gender violence show that their discourses and practices are aligned
with the work proposals and political actions to which they are dedicated.
Keywords: Gender; Policy; Journalism.
Resumen
Con la intención de comprender la construcción del discurso periodístico de las
diputadas brasileñas Maria do Rosário (PT) y Fernanda Melchionna (PSOL), este
artículo propone la discusión de las cuestiones de género, a través de las relaciones
de poder; de las mujeres en la política, a través de las tasas de ocupación en puestos
de liderazgo; y periodismo, desde la producción del evento. Así, de acuerdo con una
metodología inspirada en el Análisis de Contenidos y Análisis del Discurso francés, es
posible constatar que la actuación de las dos diputadas contra la violencia de género
muestra que sus discursos y prácticas están alineados con las propuestas de trabajo
y acción política a las que se dedican.
Palabras clave: Género; Política; Periodismo.
INTRODUÇÃO: CAMINHOS PARA PENSAR A PESQUISA
Entre os meses de março e abril de 2020, os casos de feminicídio cresceram em
22% em 12 Estados do Brasil, conforme assinala o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública (Letycia BOND, 2020a).3 Apenas em São Paulo, a violência contra a mulher
apresentou um índice de crescimento de 44,9% diante da pandemia (BOND, 2020b).
No Rio Grande do Sul, de janeiro a maio, registrou-se um acréscimo de 34,4% na taxa
de mulheres mortas por questões de gênero (ILHA, 2020).
Em 2020, com a pandemia de Coronavírus, os casos de violência contra mulheres
dispararam. As medidas de segurança contra a Covid-19 se tornaram mais um
elemento para controle e violência (Mariana MENEGATTI et al., 2020), dificultando
inclusive o acesso a serviços básicos de saúde e justiça, contribuindo para a
diminuição das denúncias. Segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública de 2021, os registros policiais por lesão corporal contra mulheres diminuíram
7,5% em relação a 2019, totalizando mais de 230 mil. No entanto, os pedidos por
medidas protetivas de urgência cresceram 4,4%, assim como os chamados à Polícia
Militar por violência doméstica tiveram aumento de 16,3%. Os dados indicam que
694.131 ligações de violência doméstica foram feitas por terceiros, representando 1,3
chamada por minuto no país. O problema da violência de gênero, que já era grave, se
aprofunda na pandemia, sem mencionar outras violências e violações às quais as
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Por se tratar de uma pesquisa feminista, as autoras mulheres, quando citadas pela primeira vez,
terão seus prenomes incluídos com o objetivo de evidenciar a autoria feminina.
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mulheres estão sujeitas devido à pandemia e à consequente crise econômica, social
e política que o país vive.
A pandemia também evidenciou e intensificou outras desigualdades enfrentadas
pelas mulheres, segundo pesquisa da Gênero e Número com a Sempreviva
Organização Feminista: 35,7% das entrevistas revelaram ser as únicas responsáveis
pelo trabalho doméstico e 50% delas passaram a cuidar de alguém durante a
pandemia. A mesma pesquisa revela a percepção do aumento do trabalho doméstico
para 57%. Num contexto de crise econômica, desemprego e trabalho informal, há um
acúmulo maior de tarefas para mulheres que geram ainda mais sobrecarga física e
mental, o que sujeita mais mulheres a violações de direitos e violências (MENEGATTI
et. al, 2020).
Estas amostras revelam traços violentos de um Brasil diante das recomendações
de isolamento social motivadas pela pandemia de Coronavírus. São fatos. A partir
deste cenário que se desenha desde o primeiro semestre do ano passado – e que se
intensifica desde então – a pesquisa se propõe a entender a construção do discurso
jornalístico de duas deputadas brasileiras segundo estes acionamentos de violência
de gênero. Ou seja: como se dá o comportamento destas lideranças políticas, quando
estas se apropriam do discurso jornalístico referente aos tópicos relacionados à
violência de gênero. As selecionadas são as deputadas federais Maria do Rosário
(PT) e Fernanda Melchionna (PSOL) – as duas mulheres gaúchas mais bem votadas
para a Câmara dos Deputados em Brasília na eleição nacional de 2018.
Para certificação da pesquisa, serão validadas as problematizações de gênero
(com relações de poder), mulher na política (com índices de ocupação em cargos de
liderança) e jornalismo (com produção do acontecimento). A viabilização do estudo se
dará por meio de uma metodologia inspirada na Análise do Conteúdo e também na
Análise do Discurso francesa. A proposta é avaliar o discurso jornalístico destas
deputadas mulheres no mês de julho de 2020, a partir do perfil oficial no Facebook de
cada uma das gestoras públicas.
Com este percurso, é possível inferir sobre as práticas comunicacionais destas
mulheres deputadas a fim de compreender a construção de seus discursos
jornalísticos a partir da incorporação do jornalismo sobre a violência de gênero.
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GÊNERO E RELAÇÕES DE PODER: UMA BINARIEDADE HIERÁRQUICA
A construção social de gênero aparece como resultado de relações de poder. É a
partir deste arranjo conceitual que se colocará o avanço da pesquisa. A proposta é
tomar o gênero enquanto um articulador dos atributos específicos direcionados
historicamente (Guacira Lopes LOURO, 1997) àquilo que se convencionou como
correto para homens e aquilo que se atribuiu como mais adequado para mulheres.
Isto é, os padrões de comportamento e as expectativas direcionadas a cada um
destes gêneros (LOURO, 1997).
Enquanto que, socialmente, espera-se que homens atuem segundo uma lógica
dura, fria, forte e decisiva, também há uma naturalização em idealizar mulheres a
partir de uma conduta gentil, doce, frágil e dependente. Deste modo, ao ocupar um
espaço de protagonismo em um ambiente como a política (que é historicamente
vinculado a homens), mulheres inauguram uma série de sentidos e de novos moldes
gerando a concepção de que “[...] gênero é um campo primário no interior do qual, ou
por meio do qual, o poder é articulado” (Joan SCOTT, 1995, p. 88).
À vista deste entendimento percebe-se o gênero não apenas em corpos, mas
atravessando contextos sociais e impalpáveis – estas marcas construídas e
reproduzidas geracionalmente (e, por vezes, sem intenção) também agem no
jornalismo, na ciência, no trânsito, na sala de aula, na academia de dança, no estúdio
de música, na política. Ou seja: em todos os espaços, vivências e/ou trocas em que
podem ser concebidas relações de poder. Esta organização de pensamento
dicotômica (LOURO, 1997) indica que, portanto, há supostas hierarquias a serem
cumpridas e desempenhadas em sociedade. Deste modo, alguém está acima – para
que alguém esteja abaixo.
Ao tomar este movimento, o gênero opera padrões de referência. No entanto,
fissuras apresentadas na performance de homens e mulheres (que não cumprem com
o socialmente estabelecido) podem, por vezes, romper imaginários e gerar
acontecimentos jornalísticos – como será descrito mais adiante. Estas normas de
poder reproduzidas até a atualidade têm sido tecidas desde o processo colonizador
(GROSFOGUEL, 2016), que constituiu a epistemologia do que é ser uma sociedade;
e definiu o gênero, a raça e a sexualidade legítimos para o mundo.
Assim sendo, a problematização se complexifica. Mas, simultaneamente, também
dá luz à percepção de que o poder (FOUCAULT, 1988) consiste em um exercício
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concretizado em variadas direções, por e para toda a sociedade. Por conseguinte,
esta ideia se afastaria da lógica unilateral (e naturalizada até então) de que, em um
sistema hierárquico de gênero, homens ordenam e mulheres cumprem.
A partir desta perspectiva, para Dagmar Meyer (2012) o conceito de gênero rejeita
a ideia de que o gênero estava relacionado com o sexo anatômico ou biológico e que
as desigualdades entre homens e mulheres são construídas social e culturalmente.
Gênero não é algo dado, mas construído ao longo da vida, a partir de diversas
instituições e práticas, em um processo não linear tampouco harmônico ou completo
(MEYER, 2012).
Nessa perspectiva, compreendendo gênero como uma construção, Louro (1997;
2000) propõe pensar de forma plural, observando as diversas representações de
homens e mulheres, considerando que as noções de gênero diferem entre as
sociedades e seus momentos históricos. Gênero é uma parte constituinte da
identidade do sujeito, sendo essa identidade plural, passível de transformações,
instável e até contraditória, fabricada a partir da reiteração de práticas e discursos da
igreja, da mídia e da escola (LOURO, 1997). Importante destacar que “[...] a inscrição
dos gêneros — feminino ou masculino — nos corpos é feita, sempre, no contexto de
uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura.” (LOURO, 2000,
p. 6).
A ideia de que homens e mulheres são diferentes biologicamente e que a relação
entre eles se constrói com base nessa diferença é apenas uma forma de justificar a
desigualdade de gênero (LOURO, 1997). Socialmente se construiu e se definiram por
meio de práticas, normas e discursos as características compreendidas como
femininas ou masculinas, e essas características são representadas e valorizadas de
formas diferentes no interior das sociedades (LOURO, 1997). Essa diferença é uma
forma de produção de desigualdade, porque historicamente ela é construída para
nomear aqueles que diferem de um “eu” normativo e predominante. Na sociedade
ocidental, esse “eu” é o homem branco, cisgênero, heterossexual, cristão. Atributos
como força, virilidade, autoridade e coragem são lidos como masculinos e, portanto,
mais valorizados. Atributos considerados femininos como fragilidade, delicadeza,
submissão são menos valorizados na ótica social porque se distanciam da matriz
referencial.
Gênero é, assim, uma forma de compreender e produzir conhecimento sobre o
mundo, não se limitando a características biológicas. É um organizador do sistema
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social que produz significados e é marcado por lógicas de poder. Concordamos com
Alinne Bonetti (2011), quando esta diz que gênero é marcado pelo contexto histórico
e por um sistema de prestígio. Nesse sentido, aqueles que se afastam das
concepções hegemônicas de gênero, sexualidade, raça, são marcados como
diferentes e assim, sujeitos a discriminação e/ou subordinação (LOURO, 1997).
Dessa forma, estruturam-se práticas que delegam posições de
subalternidade aos sujeitos, tornando-os marginais e abjetos. Nos termos de
Butler (2017), vidas que não são reconhecíveis como vidas e, portanto, não
consideradas como potencialmente lamentáveis (HENN; DIAS, 2019, p. 9).
As diferentes formas de violência a que estão submetidas mulheres e LGBTQIA+ 4
se dão em função dessa compreensão, de que por se distanciarem da norma
hegemônica, suas vidas não fossem tão importantes ou valiosas.
A violência de gênero se dá através de crimes de ódio que têm origem nos valores
sociais e culturais construídos socialmente que concedem aos homens a dominação
masculina (Aline BRILHANTE et al. 2016). A violência de gênero é como “[...] uma
força social com capacidade de estruturar as relações sociais” em que o controle e o
poder embasam as práticas de relacionamento entre homens e mulheres (Lourdes
BANDEIRA, 2017, p. 23). Francisca Oliveira et al. (2016) acrescenta que a violência
é um fenômeno social que tem como ambiente principal o espaço doméstico e que é
resultado de um sistema moralizador que quer reduzir a mulher à condição inferior.
Nesse sentido, desconstruir a noção binária das concepções de gênero para que
diferenças não sejam motores de desigualdades é um desafio a ser encarado pela
sociedade atual. O jornalismo tem papel importante nesse processo enquanto um
lugar de produção e circulação de conhecimento e instigador de debates que podem
promover transformações sociais.
MULHERES NA POLÍTICA: QUAIS ESPAÇOS SÃO OCUPADOS
O Brasil tem 147,9 milhões de cidadãs e cidadãos aptos ao voto, conforme
estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral. (TRIBUNAL..., [2021?]). Mulheres
4
A sigla diz respeito a pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e travestis, queers,
intersexo, assexuais, o mais representa e inclui outras identidades de gênero e sexualidade.
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correspondem a 52,6% do eleitorado, mas em espaços de poder a porcentagem é
minimizada. Há apenas 15% de deputadas federais e de senadoras e apenas um
estado é governado por uma mulher. Existe, ainda, uma média nacional (Marieta
CAZARRÉ, 2016) de 14% de vereadoras e de 12% de prefeitas. Como consequência
deste panorama, em um ranking de 189 países, o Brasil ocupa a 131ª posição de
acordo com o percentual de mulheres nos parlamentos. A classificação é da União
Inter-Parlamentar. (PROCURADORIA..., [2021?]). Uma avaliação elaborada pela
Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal aponta que 65% dos
entrevistados acreditam que a eleição de uma mulher presidenta influencia os
eleitores a votarem em mais mulheres – desde vereadoras até novas presidentas.
Ainda, a maior parte do público consultado (39%, entre homens e mulheres) acredita
que a falta de apoio de partidos políticos é o principal motivo que leva uma mulher a
não se candidatar ou a ter receio de confirmar a sua candidatura. (PROCURADORIA...
[2021?]). Estes índices manifestam, portanto, que o espaço ocupado por mulheres na
política ainda é inferior (em grande escala) à proporção de homens em cargos de
poder e de liderança. E é esta problemática que se percebe necessária para o atual
contexto democrático nacional – ou seja, se entende que é preciso visualizar as
diferenças destes dois gêneros na política e averiguar o porquê de estas distinções
ainda se mostrarem de forma tão expressiva (conforme os números apontados
acima).
Deste modo, a proposta é analisar, por meio do discurso jornalístico apropriado por
Maria do Rosário e Fernanda Melchionna, como se dá a ocupação de mulheres em
posições de liderança na política e a narrativa produzidas por elas segundo este
contexto. No caso desta pesquisa, o direcionamento se constitui a partir da violência
de gênero na pandemia de Coronavírus – contudo, as problemáticas e inferências
podem (e devem) ser atribuídas a outras socializações possíveis.
A inserção de mulheres em uma ambiência como a política rompe uma série de
normas até então naturalizadas desde a colonização da sociedade tal qual a
reconhecemos na pós-modernidade: neste sistema patriarcal em que se organiza o
comportamento humano, mulheres estão condicionadas a espaços secundários ou
coadjuvantes. Daí a resistência do feminino em assegurar sua permanência nestes
campos rígidos, duros e frios (atributos típicos do masculino).
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A reação da maioria dos/as historiadores/as não feministas foi o
reconhecimento da história das mulheres e, em seguida, seu confinamento
ou relegação a um domínio separado ("as mulheres tiveram uma história
separada da dos homens, em conseqüência deixemos as feministas fazer a
história das mulheres que não nos diz respeito"; ou "a história das mulheres
diz respeito ao sexo e à família e deve ser feita separadamente da história
política e econômica"). No que se refere à participação das mulheres na
história, a reação foi, na melhor das hipóteses, um interesse mínimo ("minha
compreensão da Revolução Francesa não muda por saber que as mulheres
dela participaram") (SCOTT, 1995, p. 74).
É necessário que se compreenda, ainda, quem são as mulheres eleitas em termos
de raça: nas eleições municipais de 2020, o Brasil registrou 84.418 mulheres negras
como candidatas à vereança. Contudo, apenas 3.634 acabaram eleitas - o que
representa 6%. Como resultado deste cenário, em 2.952 municípios do país, nenhuma
mulher negra foi eleita à Câmara Municipal. No Poder Executivo, de 856 candidaturas
negras, apenas 209 foram escolhidas para representar a população como prefeitas
ou vices. Deste modo, mulheres negras são o menor grupo representado em
prefeituras do Brasil, chegando a 4%. Na contramão deste contexto, homens brancos
correspondem a 59% dos prefeitos eleitos. (CONHEÇA…, [2021?]).
É possível visualizar, ainda, que das 295 candidatas trans e travestis que
disputaram as eleições municipais em 2020, 26 foram eleitas. O índice da Associação
Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) corresponde a mais que o dobro das
eleitas no pleito de 2016 (GUZZO, 2020).
A partir desta conjuntura, é legítimo analisar a ocorrência da violência de gênero
no Brasil – e a semelhança de mulheres violentadas (que, via de regra, aparecem em
situação de vulnerabilidade) com aquelas eleitas ou não-eleitas para cargos de
liderança na política (e que, portanto, são colocadas em uma posição de poder). No
ano de 2016, o Mapa da Violência de Gênero aponta que negras foram 64% das
vítimas de assassinato entre as mulheres. O Paraná aparece como o Estado com
números mais expressivos: foram 297 homicídios de mulheres negras e 448 de não
negras a cada 100 mil habitantes (MAPA…, [2021?]).
O principal instrumento utilizado, no Brasil, para assassinato de mulheres, é a arma
de fogo. A informação da Agência Patrícia Galvão mostra, ainda, que em 2019 70,5%
das vítimas fatais dos crimes de gênero foram mulheres negras - o que significa que
a taxa de mortalidade desta parcela da população é duas vezes maior do que a de
não negras. A pesquisa confirma, também, que em 2020 há o registro de no mínimo
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175 travestis e mulheres transexuais assassinadas. Desde 2008, a média destas
ocorrências aumentou em 43,5% (70% DAS VÍTIMAS…, [2021?]).
É a partir destas pontuações que se pode pensar, a seguir, na construção de um
discurso jornalístico que inaugura sentidos, produz acontecimento e gera
conhecimento sobre violência de gênero.
JORNALISMO E A PRODUÇÃO DO ACONTECIMENTO
O jornalismo é uma prática social que produz informação, conhecimento e cria
realidades por meio de discursos que são lidos como verdade. Como um dos
principais organizadores da produção de saberes cotidianos, o jornalismo é conduzido
pela cultura e utiliza recursos técnicos e humanos que possibilitam ensinar esse
conhecimento, produzindo sentidos e significados (Márcia VEIGA DA SILVA; Virgínia
FONSECA, 2011).
O jornalismo é uma forma de conhecimento da realidade, diferenciando-se do
conhecimento produzido pelo campo científico. O jornalismo produz conhecimento
com base na função de comunicar, informar. E mais do que produzir e reproduzir seu
próprio conhecimento, o jornalismo reproduz conhecimento de outras instituições
sociais (MEDITSCH, 1998), produz e circula valores, concepções e representações
relativas a um conhecimento do cotidiano sobre os vários modos de ser, estar e ver o
mundo, enxergar as pessoas e dar sentido às coisas. Parte da cultura e dos processos
sociais, e o jornalismo produz e reproduz os valores circulantes na sociedade, se
retroalimentando (VEIGA DA SILVA, 2010), em sentidos sobre gênero, raça,
sexualidade, classe, na maioria das vezes, valores dominantes que marginalizam
mulheres e LGBTs. Assim, conforme proposição de Rosa Fischer (2002), entendemos
que o jornalismo exerce um papel formativo e educativo junto à escola, a família, a
religião e outras instituições sociais.
O jornalista é parte importante na produção das notícias, pois é quem seleciona e
define quais acontecimentos serão ou não noticiados. Nesse sentido, o jornalista,
enquanto sujeito, tem valores, visões de mundo e padrões de normalidade e
anormalidade, que são compartilhados com a sociedade em que vive, e esses são
pontos de partida que ajudam a selecionar o que é ou não notícia (VEIGA DA SILVA,
2014). O acontecimento só existe quando nomeado e este só tem significado
enquanto discurso, ou seja, a violência de gênero só se torna acontecimento quando
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narrada, quando, por exemplo, torna-se pauta do jornalismo. A narrativa torna os
acontecimentos possíveis, viabilizando-os. O acontecimento, dessa forma, se dá na e
pela narrativa; e ao ser narrado ele é construído. O modo de conhecimento do
jornalismo tem sua força na singularidade do acontecimento (MEDITSCH, 1998).
Dessa forma, entendemos o acontecimento, a partir da perspectiva de Queré
(2005), como algo que se dá no campo da experiência, isto é, o acontecimento deve
acontecer a alguém, afetar o sujeito, gerando efeitos da ordem do sentido. Para Queré
(2005), o acontecimento é uma descontinuidade que só é percebida no fundo de uma
continuidade e nesse processo e inaugura sentidos, marcando não apenas o fim de
uma era, mas o começo de outra. Quando acontece, as coisas mudam e não são mais
como antes. Há novas significações.
Será através do jornalismo que o acontecimento na condição de signo
ganhará textura definitiva. Tendo como epicentro a notícia, a narrativa
jornalística, com seus códigos específicos, lógicas e processos de produção,
trará pra si a competência de discernir para a sociedade a própria relevância
do acontecimento (HENN, 2010, p. 87).
A racionalidade do jornalismo, segundo Veiga da Silva e Beatriz Marocco (2018),
é marcada por lógicas de poder positivistas-masculinistas. Os sentidos de gênero e
poder ficam evidentes na sistematização das notícias, nos discursos produzidos e nas
hierarquias das redações. As autoras, numa analogia às relações de gênero,
sinalizam que as hardnews são as notícias que ocupam o topo da hierarquia do
jornalismo porque são as notícias duras e fortes.
A objetividade, a competitividade e o furo fazem parte da dinâmica do jornalismo
masculinista (VEIGA DA SILVA, 2010), assim como tudo aquilo que é entendido como
feminino socialmente: a subjetividade, a colaboração, compreendidas como atributos
femininos, não têm valor para o jornalismo hegemônico, ficando na base da sua
hierarquia. Donna Haraway (1995) propõe ressignificar objetividade a partir de uma
objetividade corporificada, que coloca as pessoas como responsáveis por aquilo que
aprendem a ver, por suas visões parciais e limitadas carregadas de subjetividade.
Nesse caso, o jornalismo precisaria se conscientizar e se responsabilizar pela forma
como narra os acontecimentos, deixando claro para o leitor a partir de que valores e
posicionamentos está construindo aquele discurso. Nessa perspectiva, Oliveira,
Osório e Henn (2019) sustentam que é necessária uma autorreflexão por parte do
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jornalismo com o objetivo de rever práticas que simplificam os acontecimentos e seus
sentidos, se colocando como mediador qualificado.
Atualmente, o jornalismo vive uma crise sistêmica (HENN; OLIVEIRA, 2016)
provocada pelas lógicas atuais do jornalismo em rede que modificaram, até certo
ponto, as rotinas de produção e circulação das notícias. A crise sistêmica proposta
por Henn e Oliveira (2016) é entendida numa perspectiva de possibilidade de
transformação no jornalismo. Nesse processo, a participação de outros atores sociais
intervindo nas dinâmicas do jornalismo coloca sentidos em disputa. A forma como o
jornalismo narra e dá sentidos a um acontecimento, hoje, são mais facilmente
questionados e muitas vezes contestadas (OLIVEIRA; OSÓRIO; HENN, 2019).
O movimento feminista e LGBT, através de coletivos midiáticos e também da
atuação de pessoas públicas como caso das deputadas, entra em constantes disputas
de sentidos em função de acontecimentos que narram violências de gênero, por
considerarem que as narrativas produzidas pelo jornalismo tradicional não dão a
devida importância pra essa questão, quando não normalizam estes crimes.
Corroborando com a discussão, o estudo que analisa notícias com a temática da
violência de gênero de Dalila Coelho, Isabelle Chagas, Patrícia Prates e Carlos
Carvalho (2019) percebe a partir da leitura dos dados coletados que as mortes e
violências físicas e simbólicas contra mulheres não são discutidas pelo jornalismo a
partir das lógicas sociais que produzem as violências de gênero, e muitas vezes
reproduzem discursos do senso comum, que naturalizam os crimes, exploram a
imagem e vida da vítima e até as culpabilizam. Há, por parte do jornalismo, um
apagamento das condições de produção da desigualdade de gênero, e conforme os
autores a violência de gênero ganha destaque no jornalismo quando há feminicídio.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE
Para alcançar o objetivo proposto nos dedicamos a coletar, por meio de aplicativos
de extensão do Google, as publicações de duas deputadas federais gaúchas nos seus
respectivos perfis no Facebook no mês de julho. As escolhidas foram Maria do
Rosário, deputada filiada ao Partidos dos Trabalhadores, e Fernanda Melchionna,
deputada do Partido Socialismo e Liberdade. A escolha pelas duas deputadas se deu
de forma intencional por serem deputadas em mandato atual, e que abordam em suas
pautas a defesa pelos direitos das mulheres e LGBTQIA+. A intenção foi selecionar
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as duas deputadas federais eleitas pelo Rio Grande do Sul que foram mais bem
votadas nas eleições de 2018: Fernanda Melchionna (PSOL) somou 114.302 votos e
Maria do Rosário (PT) chegou a 97.303 votos. Em terceiro lugar (portanto, não será
incluída nesta análise) está Liziane Bayer (PSB), com 52.977 votos. Estas foram as
três deputadas federais eleitas pelo RS no último pleito nacional.
Deste modo, para apreender os discursos e sentidos produzidos pelas deputadas
sobre violência de gênero a partir do jornalismo, procedemos com uma apropriação
da Análise de Conteúdo e da Análise de Discurso francesa (Márcia BENETTI, 2011).
Rocha e Deusdará (2005) pontuam que a Análise de Discurso (AD) busca uma
sistematização de diferentes elementos textuais na tentativa de dar maior objetividade
à análise. Os autores, ao diferenciarem Análise de Conteúdo e de Discurso, sinalizam
que a de discurso procura compreender o plano discursivo, articulando contexto
ideológico, sociedade e linguagem. Para Márcia Benetti (2016) o discurso se dá entre
os sujeitos, ele é produto de sentido entre os interlocutores e é a partir da
materialidade textual que os sentidos são produzidos por quem enuncia e por quem
interpreta - não há sentidos literais. Dessa forma a AD é um ato interpretativo, mas
em conformidade com Benetti (2010) entendemos que é preciso exercitar a
interpretação a partir de um dispositivo teórico para entender como um discurso
funciona. No caso deste texto, estamos orientadas pelos estudos de gênero e de
jornalismo.
Foram coletadas todas as publicações feitas pelas deputadas em seus perfis no
Facebook. A partir da análise do formato e do conteúdo publicado selecionamos as
publicações que abordavam a temática de gênero para análise do discurso. Nas
seções seguintes é descrito como cada deputada acionou a temática em seus
discursos.
Após as especificações teóricas e metodológicas assinaladas nas etapas iniciais
deste estudo, a análise será validada a partir das deputadas federais Maria do Rosário
(PT) e Fernanda Melchionna (PSOL). A averiguação do discurso se dá no mês de
julho, a partir do Facebook oficial de cada uma das gestoras públicas. Esse recorte se
dá pela percepção de que a cobertura jornalística sobre violência de gênero havia se
intensificado no período em consequência do aumento dos casos de violência e pela
temática atravessar nossas pesquisas.
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Fernanda Melchionna, em defesa de uma igualdade livre
A deputada federal Fernanda Melchionna é natural de Alegrete, no Rio Grande do
Sul. Tem 36 anos, com ensino superior completo. Sua graduação é em
Biblioteconomia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2006.
Também é especialista em História do Brasil Contemporâneo, pela UniRitter, em
2010. Atuou, ainda, como coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes da
UFRGS, em 2005. Na atividade político-partidária, Fernanda foi vereadora em Porto
Alegre em três ocasiões: de 2009 a 2012, de 2013 a 2016 e de 2017 a 2018. Toda
sua atuação é vinculada ao PSOL. Na Câmara dos Deputados, a deputada integra a
Comissão de Seguridade Social e Família e o Parlamento do Mercosul, além de
presidir a subcomissão de seguridade social da mulher (CÂMARA..., [2021?]). Dentre
suas principais defesas estão o feminismo, o ativismo social, a luta por um transporte
público de qualidade, a moradia digna e popular, a educação pública e o combate aos
privilégios de classe. (QUEM É..., [2021?]). Nas eleições nacionais de 2018, Fernanda
Melchionna foi eleita com o PSOL para deputada federal pelo Rio Grande do Sul. Ela
recebeu 114.302 dos votos nominais, na coligação PSOL/PCB. Foi a mulher mais bem
votada do estado (TRIBUNAL..., [2021?]).
A análise da deputada se dará por meio de sua página oficial no Facebook5, que
soma 147,6 mil curtidas/seguidores. A coleta de material para análise se estende entre
os dias 1º e 31 de julho de 2020. Neste período, foram contabilizadas 156 publicações
– deste total, 21 tratam especificamente de abordagens de violência de gênero. São
estes conteúdos que servirão como análise para a pesquisa.
A maior parte das postagens se refere às temáticas de racismo, educação,
combate a notícias falsas, enriquecimento de uma fatia da população, transporte
público e igualdade de gênero. Há, ainda, em expressiva ênfase, um movimento de
contrariedade e questionamento às decisões e propostas da Presidência da
República, liderada por Jair Bolsonaro. Entre as 21 publicações de Fernanda que
abordam questões de violência de gênero na pandemia, figuram problemáticas como:
projeto de auxílio emergencial para mulheres mães, negado por Bolsonaro; a morte
de Marielle Franco; e a igualdade para mulheres negras.
5
Disponível em: facebook.com/fernandapsol.
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Há dois discursos reforçados pela deputada, no entanto, que emergiram mais
sentidos diante do contexto desta pesquisa: o número de feminicídios na pandemia e
a morte materna por Covid-19. Os dois serão detalhados a seguir.
Em uma publicação no dia 9 de julho de 2020, o perfil da parlamentar do PSOL
reproduz uma notícia veiculada em Gaúcha ZH que aborda o crescimento em 24%
de feminicídios no Estado. A narrativa tecida pela deputada é de inconformidade,
ao passo que reitera o quanto ainda há para avançar na luta contra o machismo e no
combate à violência de gênero.
O segundo apontamento se refere a uma postagem efetuada em 30 de julho de
2020 (Figura 1), quando a deputada federal replicou uma notícia da Folha de São
Paulo sobre o Brasil ser o país com mais casos de mortes maternas por Covid19. A sentença de Fernanda é a de que, diante da pandemia, quem mais é atingido
pelos malefícios da doença são mulheres pobres e negras.
Figura 1 – Fernanda Melchionna
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Facebook.
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Isto posto, parece possível assinalar que a performance de Fernanda Melchionna
vai ao encontro do que a deputada propõe, de início: atuar coletivamente com
mulheres brasileiras (em especial, as mais vulneráveis). O discurso jornalístico
endossado no perfil oficial em análise apresenta-se mais potente diante da escassez
de mulheres na política. Explicamos: apesar de haver um índice reduzido de
lideranças políticas femininas na Câmara dos Deputados (tanto é que a nomenclatura
do órgão aparece no masculino), a narrativa de Fernanda circula e ganha densidade
na medida em que reforça noções de gênero e de representatividade. A deputada
utiliza a sua voz, o seu espaço e a sua visibilidade para evidenciar problemáticas
complexas da construção social brasileira.
Ou seja: Fernanda Melchionna faz uso das relações de poder das quais têm
domínio para reverberar argumentos que considera pertinentes à evolução do país. A
deputada não dá continuidade ao discurso já naturalizado de que há um
comportamento adequado para homens e outra conduta mais propícia a mulheres.
Ora, a gaúcha nega a marca biológica enquanto determinante do nível de
merecimento para cada um dos gêneros (partindo do princípio de binariedade, de que
só existem dois gêneros). A narrativa entrelaçada por Fernanda Melchionna, a partir
de notícias em seu Facebook, refere que na hierarquia imposta para as relações de
poder dos gêneros alguém é a norma – e, portanto, o que foge a esta regra se torna
o desvio. Mas a deputada contraria esta determinação ao garantir a busca por uma
igualdade destes padrões de referência.
Em vista disso, é possível conceber uma defesa de liberdade no discurso da
gestora pública. As falas de Fernanda sublinham o exercício do poder (FOUCAULT,
1988) que consiste em um movimento com manobras sugeridas, mas também
questionadas e resistidas. Esta inferência decorre da legitimidade do poder (LOURO,
19997) que só é verificado como coerente quando há espaço para resistência e
contestação dos sujeitos envolvidos. Caso contrário, trata-se de violência – e aqui
cabe considerar todas as agressões e invasões físicas, psicológicas e morais
possíveis.
A igualdade de gênero articulada à liberdade de existir dignamente aparece,
portanto, como direito daqueles e daquelas que não se conformam com dada
negociação de poder.
Maria do Rosário, a luta contra a violência doméstica
Maria do Rosário, nascida em 22 de novembro de 1966, é natural de Veranópolis,
no Rio Grande do Sul. Pedagoga, mestre em Educação e Violência Infantil e doutora
em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Iniciou sua
trajetória política em 1992, quando foi eleita pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB)
vereadora de Porto Alegre, reeleita pelo Partido dos Trabalhadores em 1996. Em 1998
foi eleita deputada estadual e em 2002 foi eleita para o primeiro mandato como
deputada federal, sendo reeleita nas quatro eleições seguintes, em 2006, 2010, 2014
e 2018. Em 2011, assumiu o cargo de Ministra Chefe da Secretaria dos Direitos
Humanos.
Desde o início da vida pública atua em favor da educação e dos direitos humanos,
presidindo comissões e coordenando frentes parlamentares ligadas a essas
temáticas. Atualmente é titular das Comissões de Constituição e Justiça e da Cultura
e suplente nas comissões de Educação e de Legislação Participativa.
Os sites de redes sociais são o ambiente de relacionamento e contato entre as
pessoas, e com políticos não é diferente. As redes são utilizadas como espaço de
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troca de informação, relato sobre atividades parlamentares e mobilização social. Nos
diferentes sites de redes sociais, a deputada conta com quase 940 mil seguidores até
a data de fechamento deste texto. No Facebook, espaço escolhido para análise, são
420 mil seguidores6.
A coleta aconteceu por meio de printscreen das publicações feitas na página do
Facebook entre os dias 1 de julho e 31 de julho de 2020. Nesse período foram 209
publicações em formatos diversos, com temas diversos. Observamos o uso de
imagens, links, vídeos, transmissões ao vivo e compartilhamento de publicações, o
que dá indícios de aproveitamento das ferramentas disponibilizadas pela plataforma.
As publicações em sua maioria eram acompanhadas de textos médios, que foram
separados por categorias: texto crítico, texto opinativo, texto reflexivo.
Os itens analisados foram: quantidade de publicações, formato de publicação,
conteúdo/temática e legenda. Como dito anteriormente, foram coletadas 209
publicações ao longo de 31 dias, uma média de 6,6 publicações por dia. No período
da coleta observamos que foram feitas publicações todos os dias, sem exceção, e o
dia com mais publicações foi dia 21 de julho, com 15. Os dias com menos publicações
foram 4, 11, 12 e 19 de julho, com 3 publicações cada.
O formato mais acionado pela deputada foi o uso do link de portais de notícias,
foram 83 publicações. A maioria das publicações acompanhadas de links de notícias
era de portais de notícias do jornalismo tradicional: Folha de São Paulo e G1 são os
portais mais referidos. Importante dizer que o jornalismo tradicional ocupa espaço de
saber e de poder legitimado na sociedade, especialmente porque se coloca como
discurso de verdade.
Imagens foram o destaque de 61 publicações, a maioria delas produzidas em
softwares de edição. Destaque para as charges: no período da coleta, foram 5
publicações utilizando-as, especialmente para criticar o governo. A transmissão ao
vivo foi o terceiro tipo de publicação mais utilizado, 34 vezes. Na maioria das vezes
foi utilizada para promover debates sobre temas específicos. Os vídeos foram o quarto
formato mais utilizado, 25 vezes. A maioria dos vídeos era uma fala da deputada Maria
do Rosário sobre algum tema específico, como projetos de lei e votações em
andamento na câmara.
As temáticas mais presentes no discurso publicado no Facebook são a crítica ao
governo como um dos temas principais das publicações feitas pela deputada, críticas
à gestão da economia, da saúde, da educação e dos direitos humanos. As discussões
sobre gênero e violência, foco dessa análise, foram a segunda temática mais acionada
com 25 publicações. Na sequência, aparecem educação, saúde/covid-19 e direitos
humanos. Outras temáticas também aparecem, como economia, racismo, meio
ambiente, cultura e discursos sobre acontecimentos específicos.
As discussões com a temática de gênero no perfil de Maria do Rosário são, na
grande maioria, sobre direitos das mulheres e LGBTs, violência de gênero e
desigualdade de gênero. Especificamente sobre violência de gênero, foram 11
publicações, a maioria delas tratando sobre a violência doméstica na pandemia. A
deputada, junto com a bancada feminina, protocolou e colocou em votação projeto
específico para diminuir a violência doméstica durante o período de isolamento.
Dessas publicações, 5 estavam acompanhadas de links de portais de notícias. Na
Figura 2, destacamos a notícia do Uol: Registro de violência doméstica cai na
quarentena, mais mulheres morrem, publicada no dia 27 de julho.
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Disponível em: facebook.com/DeputadaMariaDoRosario.
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Figura 2 – Maria do Rosário
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Facebook.
No texto da legenda, Maria do Rosário cita a lei recém aprovada em que é autora
e coloca a partir da informação da notícia que com o distanciamento as mulheres se
tornam vítimas sem chance de denúncia. Percebe-se o acionamento do jornalismo
para informar também sobre sua atividade parlamentar em favor dos direitos das
mulheres, especialmente contra a violência. As notícias utilizadas pela deputada
abordam a violência doméstica e de gênero e a desigualdade de gênero. É importante
destacar que a atuação em favor dos direitos humanos, das mulheres e LGBTs e da
educação fica evidente na análise, são temas que ganham maior atenção da
deputada, o que demonstra a consonância entre a prática e o discurso empregado. A
luta contra a violência doméstica aparece com mais destaque em função do projeto
de lei proposto e aprovado na Câmara que tem como objetivo central diminuir a
violência doméstica no período do isolamento. Além disso, é importante destacar que
a deputada é uma das poucas representantes femininas no Congresso que trabalha
em favor dos direitos humanos das mulheres e dos LGBTs, o que denota que ser
mulher não significa efetivamente atuar na luta pelos direitos das mulheres.
Maria do Rosário, ao acionar o jornalismo para debater sobre a temática da
violência de gênero, visibiliza as informações ao colocá-las em circulação,
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acrescentando sua interpretação, produzindo sentidos sobre a notícia e abrindo
espaço para o debate sobre a temática no seu perfil. Entretanto, percebe-se que a
deputada legitima o discurso jornalístico como verdade. Como coloca Charadeau
(2007), o acontecimento só se dá por meio da narrativa, portanto, quando a deputada
carrega o discurso jornalístico para o seu perfil, evidencia a importância do papel de
mediador que ele contém.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O jornalismo enquanto uma forma de conhecimento produz e reproduz sentidos
que circulam na sociedade, muitas vezes reproduzindo discursos dominantes sobre
violência de gênero. A partir de estudo sobre violência contra a mulher nas narrativas
jornalísticas, os autores constataram que o jornalismo não discute as desigualdades
de gênero de forma aprofundada, muitas vezes produzem sentidos que corroboram
para a naturalização das violências. Além disso, produzem apagamento das
dinâmicas sociais que produzem as violências de gênero.
O jornalismo é uma prática social que tem nos seus discursos um senso de
verdade, no entanto, está atravessado por dinâmicas da sociedade e da cultura,
tomando como noção a ideia de que o jornalismo não é neutro, pois enquadra e
organiza os acontecimentos conforme critérios e dinâmicas próprias que muitas vezes
passam pelos valores dos jornalistas que produzem as notícias.
A partir das análises é possível perceber que a atuação das duas deputadas contra
a violência de gênero evidencia que seus discursos e práticas estão alinhados com
as propostas de trabalho e atuação política a que se dedicam. A violência de gênero
é temática destaque nos perfis do Facebook das deputadas, que recirculam o discurso
jornalístico para propor discussões e marcar sua atuação política.
A violência de gênero é entendida por nós como um acontecimento que muitas
vezes só ganha o status de acontecimento quando há feminicídio ou quando há uma
celebridade ou pessoa pública afetada. O jornalismo enquanto lugar de conhecimento
e que se postula como mediador da sociedade precisa fazer uma reflexão sobre suas
práticas, se conscientizar da sua parcialidade e subjetividade na condução dos
processos de produção e circulação das notícias e se responsabilizar pelos discursos
que produz, discursos estes que muitas vezes contribuem para a manutenção da
desigualdade de gênero.
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