A Concorrência Fiscal como Opção na Indução ao
Desenvolvimento Econômico
The Tax Competition as Option in Induction to Economic Development
Marcia Carla Pereira Ribeiro
Thiago Custódio Pereira
Resumo: A decisão interventiva do Estado pode ser desastrosa. Por outro lado, a completa ausência de
regulamentação estatal na economia pode conduzir a resultados indesejados. Encontrar o equilíbrio
entre a liberdade econômica e a intervenção estatal é o melhor caminho na busca pela inovação e pelo
desenvolvimento. Entretanto, esta intervenção por vezes pode resultar em distorções no mercado. Em
um país de proporções continentais e de inegável diversidade econômica e social entre os estados,
conseguir ajustar o ponto de equilíbrio na interferência é um desafio imposto ao gestor público. Na busca
por atrair mais investimentos privados, os estados-membros podem utilizar de instrumentos indutores,
a exemplo da concessão de benefícios fiscais. No Brasil a Constituição Federal atribuiu aos governos
estaduais a competência tributária para legislar e arrecadar seus próprios tributos, porém essa liberdade
por vezes esbarra no chamado pacto federativo, ao argumento de se proteger o desenvolvimento
harmônico do país. O presente artigo busca demonstrar se a concorrência também é possível no setor
público pela adoção de algumas premissas de mercado.
Palavras-chave: Concorrência; Tributação; Desenvolvimento.
Abstract: The state option about economic interference could be a very bad choice. On the other hand,
no regulation by the state in the economy would lead to undesirable results. Finding the balance between
economic freedom and state intervention is the best way for innovation and development. However, this
intervention can sometimes result in market distortions. In a country of continental proportions and
undeniable economic and social diversity among the states be able to adjust the balance in interference
is a need for public manager. Looking for to attract more private investment, the states should use
inducers instruments, such as the granting of tax benefits. In Brazil, the Constitution assigned to state
governments the tax authority to legislate and raise their own taxes, but this freedom sometimes comes
up against the so-called federal pact, the argument to protect the harmonious development of the whole
country. This paper seeks to demonstrate that the competition is also possible in the public sector,
carrying the premises of the market model.
Keywords: Competition; Tax Law; Development.
JEL: K34.
Introdução
A atuação do Estado na condição de agente normativo tem se mostrado
excessivamente comum perante os atores do mercado. É observada a atuação estatal
tanto no domínio social quanto na economia. No sistema vigente no Brasil, ao Estado
compete a promoção e o incentivo a um ambiente de livre concorrência, missão que,
conforme se observa pela dicção do artigo 146-A da Constituição Federal, pode ser
cumprida por meio da tributação. Seja por meio da imposição de tributos ou
utilizando-se de medidas indutoras tributárias, é imprescindível que se considere a
implicação econômica resultante que irá, obviamente, muito além da simples
arrecadação.
Ainda que por um lado a completa ausência de regulamentação pareça ser
inviável, o excesso de interferência regulatória pode produzir resultados indesejáveis,
uma vez que as imposições - a exemplo do que ocorre no sistema tributário, de acordo
com a proposta do artigo – podem resultar em distorções indesejáveis ou ao mercado
ou à federação. Em um país de proporções continentais e de inegável diversidade
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econômica e social entre os estados, conseguir ajustar o ponto de equilíbrio na
interferência é uma tarefa certamente desafiadora.
Com o propósito de atrair mais investimentos privados, aos estados é permitida
a utilização de instrumentos indutores, a exemplo da concessão de benefícios fiscais.
No Brasil, a Constituição Federal atribuiu aos governos estaduais competência
tributária para legislar e arrecadar seus próprios tributos. Porém, sob o pretexto de se
proteger o desenvolvimento harmônico do país, a liberdade dos estados por vezes
esbarra no chamado pacto federativo.
No caso brasileiro, a concessão de incentivos fiscais se condiciona à aprovação
pelo Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, órgão composto pelos
Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação de cada estado e do Distrito Federal,
além do Ministro da Fazenda. Consoante com as regras legislativas em vigor, o Poder
Judiciário tem se posicionado no sentido de declarar inconstitucionais as leis estaduais
que tenham concedido incentivos fiscais sem a prévia aprovação do conselho.
A submissão ao CONFAZ visa a garantir que a aprovação de um programa
tributário específico para um estado não tenha por consequência um prejuízo ao
desenvolvimento econômico do país. Por outro lado, é possível imaginar que podem
derivar benefícios da competição entre estados por meio da oferta de incentivos fiscais.
2. Intervenção do Estado no domínio econômico
Ainda que se parta da premissa de que a economia de mercado é o meio mais
eficiente para se perseguir o resultado economicamente ótimo, há claramente
situações em que, do ponto de vista do bem-estar social, não se obtém o resultado
satisfativo, incidindo aqui as justificativas para a intervenção do Estado na economia,
com o fim de corrigir falhas de mercado.
Em razão da opção pelo modelo capitalista, o sistema econômico nacional se
baseia na livre iniciativa (CF, art. 1º, inciso IV e art. 170, caput), destacando-se entre
os princípios norteadores da Constituição de 1988 o da propriedade privada (inciso II)
e da livre concorrência (inciso IV). Por definição, a livre concorrência consiste na
competição entre os agentes de mercado, permitindo-se que atuem livremente na
produção e na circulação de bens de consumo ou na prestação de serviços sem
impedimento ou constrangimento legal. Pela livre iniciativa deve-se compreender a
prerrogativa conferida a todos a se lançarem na atividade econômica sem que o Estado
lhes imponha qualquer restrição. E, neste contexto de desejada ausência de óbice ao
empreendimento, a indução do investimento privado por meio de instrumentos
regulatórios é visto no Brasil como um desafio, além de se mostrar constante,
necessário.
Trilhando pela via natural do mercado, ao se garantir a livre competição entre
as empresas e a plena liberdade dos consumidores de optar entre bens e serviços, o
resultado lógico e esperado é que os agentes econômicos aperfeiçoem os modos de
produção, assim como as próprias tecnologias empregadas, tornando-se mais
produtivos. Entretanto, em razão de suas escolhas estratégicas (voltadas normalmente
à redução dos custos de transação e aumento da lucratividade), empresas podem
acabar por desequilibrar a competição de forma abusiva, eliminando concorrentes que
não seja em razão de seus próprios méritos, criando barreiras artificiais à entrada de
novos concorrentes, desconstruindo o ambiente de liberdade de iniciativa e
concorrência, o que por vezes enfraquece as bases liberais. A presença do Estado, ainda
que de forma suplementar, parece ser adequada para evitar, por exemplo, que uma só
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empresa elimine por completo a concorrência, já que o efeito negativo seria a
possibilidade de um único fornecedor de determinado produto ditar os preços e a
oferta ao mercado. Nesta toada, por força de expressa previsão constitucional existem
determinadas ocasiões em que o Estado pode – ou deve – intervir na atividade
econômica utilizando-se de atos normativos e reguladores.
De acordo com ASSUNÇÃO (2011), a mera existência do Estado é capaz de gerar
impactos econômicos, ainda que as atribuições eventualmente restritas ao governo
central sejam mínimas. No sistema capitalista, ainda que não haja consenso sobre seu
tamanho ideal – se sua presença deva ser mínima ou maximizada – é impossível
conceber a existência Estado sem economia, ou da própria economia sem o Estado.
No entanto, a regra vigente é a da não atuação direta do Estado, o que somente
será permitido na atividade econômica atribuída ao agente privado de modo
excepcional, ou seja, de modo subsidiário, já que além de ser indiscutível o fato de a
iniciativa privada seja mais eficiente no campo econômico, não se pode permitir o
acúmulo de poder econômico e político nas mãos do Estado sem arriscar as liberdades
individuais (VIANNA, 2007).
Segundo BARACHO (1997, p. 11), a relação existente entre Constituição e
Sistema Econômico, ou Regime Econômico “é frequente nas constituições modernas,
que contemplam pautas fundamentais em matéria econômica. Chega-se a falar que, ao
lado de uma constituição política, reconhece-se a existência de uma Constituição
econômica”.
Muito embora a Constituição brasileira tenha consagrado uma economia de
mercado, esta “autorizou o Estado a intervir no domínio econômico como agente
normativo e regulador, com a finalidade de exercer as funções de fiscalização, incentivo
e planejamento indicativo ao setor privado” (MORAES, 2008, p. 798).
Efetivamente o art. 174 da Constituição Federal determina que “como agente
normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as
funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado”. TAVARES (2003, p. 278) entende que “ao
se referir à intervenção direta, a Constituição trata-a como exploração da atividade
econômica pelo Estado e, ao se referir à intervenção indireta, toma o Estado como
agente normativo e regulador da atividade econômica”.
Ao intervir diretamente na atividade econômica, o Estado deve assegurar-se de
que não causará danos aos particulares, sob pena de ser obrigado a indenizá-los, quer
seja pelo exercício direto da atividade, quer seja quando a delega. Desta forma, além
de observar os custos diretamente ligados à intervenção é necessário também
acautelar-se quanto a eventuais resultados reflexos.
A intervenção do Estado pode se dar por três modalidades: a) por absorção ou
participação; b) por direção; c) por indução. Na primeira, a interferência se processa
pela efetiva atuação nas atividades econômicas, seja por meio de regime de monopólio
(intervenção por absorção) ou de competição (intervenção por participação) (GRAU,
2006).
Na intervenção por direção, na visão de ASSUNÇÃO (2011), o Estado atua na
condição de agente regulador propriamente dito, utilizando-se da atividade legislativa,
estabelecendo condutas obrigatórias ou proibidas impostas a todos.
Na intervenção por indução, por sua vez, são fixadas normas que incentivam os
agentes econômicos a determinadas escolhas previamente eleitas pela administração
como desejáveis. O destinatário tem o poder de escolher entre recusar ou aceitar a
norma. Aceitando-a, seu cumprimento torna-se vinculado. Os efeitos econômicos
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decorrentes podem perfeitamente ser analisados sob a ótica da Análise Econômica do
Direito, afinal, para alcançar a mais ampla compreensão do sistema tributário, é
imprescindível o estudo de temas interdisciplinares, uma vez que as normas que fixam
o sistema tributário não podem ser vistas isoladamente, nem como uma forma de
serem solucionados todos e quaisquer problemas.
Ao instituir, modificar ou extinguir tributos o legislador deve avaliar a influência
na destinação dos recursos em relação aos cidadãos e a repercussão da opção
normativa no que se refere às escolhas do agente econômico, logo, em relação à
economia e à opção de investimento.
Mesmo considerando a vocação distributiva dos impostos, em seu nascedouro
outros elementos devem ser considerados, sob pena de desvirtuar-se a essência do
sistema tributário. Por outro lado, RIBEIRO e CAMPOS (2012) pontuam que a
aplicação da AED não se limita a unicamente buscar extrair friamente dos fatos
jurídicos possíveis implicações de eficiência econômica, já que existem valores sociais
que não guardam relação direta com a ótica da economia. Entretanto, ainda que não
se tome a eficiência econômica como único objetivo a ser alcançado a partir da edição
normativa, a aplicação dessa linha de análise permite prever se o meio escolhido será
efetivamente útil para a concretização dos direitos previstos na Constituição.
Em termos de comportamento humano, é bem provável que a potencialidade de
efeitos econômicos possa induzir o agente a optar por não se sujeitar a eventuais
atividades repressivas (sanções), ou levá-lo a alterar sua conduta de forma a beneficiarse de novas regras. Pelo lado público, a regulação possui basicamente dois propósitos:
“preservar o mercado dos vícios do modelo econômico (concentração econômica,
condutas concertadas etc.) e assegurar a realização dos fins últimos da ordem
econômica, quais sejam, propiciar vida digna a todos e realizar a justiça social”
(ARAUJO, 2010, p. 501).
Atuando na condição de agente normativo e regulador da atividade econômica,
o Estado também se faz presente por meio da fiscalização, incentivo e planejamento. O
caput do artigo 174 menciona que a opção estatal é ato determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado.
Ao atuar, por exemplo, no campo do incentivo à pesquisa e desenvolvimento
com possível foco no aumento da produtividade e redução de custos ou dos impactos
ambientais, o Estado deve tomar a cautela de não influenciar negativamente no jogo
de mercado, afinal o benefício de determinada empresa ou setor não pode resultar na
quebra de outras. O equilíbrio devido entre os sujeitos de mercado não pode ser afetado
a pretexto de uma pretensão incentivadora. De acordo com MOREIRA NETO (2003,
p. 129) “a intervenção regulatória se caracteriza pela imposição, por norma legal, de
prescrições, positivas e negativas, sobre o desempenho de atividades econômicas ou
sociais privadas, visando à prevalência de interesses públicos específicos legalmente
definidos”.
Além da política fiscal, o Estado é capaz de intervir na economia utilizando-se
das politicas monetárias e regulatórias, instrumentos hábeis a perseguir o alcance dos
objetivos fundamentais estabelecidos. Porém, a tomada de decisões pode emanar de
níveis diferentes da organização do Estado. Convivem matérias reservadas à União
com outras reservadas, no modelo brasileiro, aos estados-membros e aos municípios,
conforme melhor detalhado a seguir.
A experiência da guerra fiscal entre os estados se enquadra na capacidade
normativa do estado-membro para legislar no âmbito dos impostos de sua
competência e resulta, em princípio, da expressão das escolhas do Poder Público
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estadual em termos de que tipo de atividade empresarial se quer atrair e com que
objetivo geral. Enquadra-se normalmente nas categorias de intervenção estatal no
domínio econômico por direção e por indução.
A autonomia dos estados-membros decorre da opção federalista.
3. Federalismo fiscal
No exercício das funções fiscais alocativa, distributiva e estabilizadora, os
governos podem decidir sua atuação a partir das opções em: a) centralização plena, em
que se concentra em uma administração central as funções fiscais; b) absoluta
descentralização, que representa um modelo teórico no qual os governos locais
desempenhem as competências fiscais, e, c) forma federativa, caracterizado pela
combinação das competências anteriores entre os diferentes níveis de governo (SILVA,
2005, p. 118).
Um sistema federal é concebido com a intenção de coordenação a partir das
diversidades regionais, sem, entretanto, desproteger a nação. As opções referentes à
autonomia, competências tributárias, funções e transferências fiscais, além da
autoridade para coordenação por um governo central, estão no centro da definição do
modelo federativo. O nível de centralização ou flexibilização política, ou seja, com
maior concentração no poder central ou distribuído localmente, leva em consideração
elementos históricos de cada país. Naqueles Estados nos quais a forma federativa se
deu pela união de entes federados – a exemplo de Estados Unidos, Canadá e Alemanha
– é possível observar maior reserva de autonomia às unidades federadas, ao passo que
naqueles países em que a federação nasceu por desintegração – como é o caso do Brasil
e da Argentina – se constata maior poder no governo central (JARDIM, 1984).
A forma federalista adotada pelo Brasil é diferente daquela que se observa no
modelo norte-americano. Cada uma considera a influência econômica e histórica
vivida quando de sua instituição. O modelo federativo é eficiente quando expressa
equilíbrio entre os mecanismos de competição e cooperação, que, uma vez firmado,
permite a manutenção da federação.
3.1. A origem do federalismo americano
Para entender com maior profundidade como surgiu a concepção de
federalismo norte-americano é necessário voltar um pouco na história. A partir de 1607
teve início a formação das treze colônias inglesas no litoral leste do território hoje
conhecido como Estados Unidos. Após a disputa territorial com os franceses que
terminou em 1760, a coroa inglesa majorou os tributos cobrados das colônias para fazer
frente aos custos da campanha militar. Após várias assembleias e inclusive diversas
batalhas, em 4 de julho de 1776 ocorreu a Declaração da Independência (JARDIM,
1984).
Declarada a independência, as treze colônias se tornaram Estados
independentes, tanto em relação à coroa inglesa, como entre si. O reconhecimento por
parte da Inglaterra se deu apenas sete anos após, com a assinatura do tratado de Paris.
Antes de decidirem pelo modelo federativo, os Estados Unidos optaram por uma forma
de confederação na qual esta representaria os Estados confederados no cenário
internacional, porém, cada unidade não perderia sua soberania, sendo-lhes garantido
inclusive o direito de oposição ao pacto federativo e ainda de secessão (OLIVEIRA,
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2005). Possuindo autonomia própria, qual seria, então, a razão para os novos Estados
se associarem entre si? Para RICKER (1964), a criação da federação norte-americana,
que inspirou todas as demais, se deu pelo interesse na expansão territorial, defesa
militar e maior representação diplomática, já que somente a reunião dos territórios sob
um governo nacional seria capaz de atender estes anseios.
Sobre os motivos da associação entre os estados, ARRETCHE (2001, p. 25)
registra que dois autores norte-americanos – Ivo Duchacek (1970) e Preston King
(1982) entendem que não há como determinar se a origem de todas as federações se
deu em busca de expansão ou defesa militar. De acordo com os escritores, as vantagens
econômicas decorrentes da associação se somariam à preservação de uma unidade
nacional.
Os constituintes americanos instituíram um sistema que permitia a coexistência
da diversidade entre os estados-membros com a uniformidade da nova formatação
nacional, garantindo i. a preservação da autonomia de cada unidade territorial; ii. a
criação de um governo centralizado forte e, por fim, iii. a formação de uma união que
incorporasse os governos locais com a nova estrutura nacional (JARDIM, 1984). A
mesma constatação é percebida em OLIVEIRA FILHO (2009) que anota o fato de que
os estados que se associaram a partir do novo modelo federalista reservaram para si o
poder de autogestão, sendo autorizado ao governo central apenas as atribuições
previstas na Constituição, o que indica a clara intenção de não permitir que este
governo interfira na autonomia local.
Daí a aceitação de que no sistema norte-americano os estados estabeleçam
concorrência entre si, com vistas à atrair investimentos ou pessoas.
3.2. Federalismo no Brasil
Enquanto a forma federal nos Estados Unidos se deu de baixo para cima, ou
seja, opção dos estados em se associarem, no Brasil o caminho seguido foi o inverso.
Com desejo de maior autonomia pelos governos locais, e temendo pela secessão, o
governo central instituiu a forma federalista que se mantém no país.
Aqui o princípio se deu a partir de um estado unitário instituído de poder
centralizador, para então se distribuir o poder político entre várias unidades agora
federadas, porém, preservado o poder central. Cada uma dessas unidades, que na
época era chamada de Província, recebeu uma parcela de poder político e a afirmação
formal de sua individualidade (DALLARI, 1986, p. 52).
Com a Constituição de 1891 se deu a repartição de competência, outorgando-se
aos estados-membros um maior poder de auto gestão. Em 1894, após dois governos
militares autoritários e centralizadores, operou-se um movimento pela maior
liberdade nos governos locais, provocando a promulgação de algumas constituições
próprias, inclusive com a auto declaração de independência. Com a Constituição de
1934 houve a retomada do poder centralizador com maior atuação da União.
No sistema federalista brasileiro prevalece uma herança de subordinação ao
poder central e uma extrema dificuldade na aceitação de algum padrão de concorrência
e de premiação pela eficiência entre os estados.
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4. Competição tributária e desenvolvimento econômico
Ao escrever para o público não especializado em termos econômicos,
GIAMBIAGI (2015) demonstra a importância do fator competitivo como elemento
fundamental para o desenvolvimento a partir de uma analogia bastante simples. Conta
o autor que determinado jogador de futebol brasileiro, já muito habilidoso, atuava em
um grande clube local. Porém, em comparação com a qualidade técnica dos times
europeus, o atleta não estava sendo estimulado a alcançar seu melhor desempenho. A
partir de sua ida para o time do Barcelona, o jogador passou a jogar ao lado e contra os
melhores do mundo, ocasionando visível incremento de sua habilidade pessoal e
trazendo resultados qualitativos para a seleção brasileira de futebol.
O questionamento que neste ponto se torna necessário volta-se à definir se a
concorrência também é possível no setor público. Transportar as premissas do modelo
de mercado à realidade dos serviços públicos ou das guerras fiscais dos estados traria
resultados positivos?
Duas correntes se dividem sobre a eficácia da intervenção estatal na economia
por meio da competição tributária. A primeira, liderada pelo estudo de Charles M.
Tiebout, escrito em 1953 sob o título 'A pure theory of local expenditures', defende que
o setor público deve se submeter ao mesmo ambiente de competição do setor privado,
o que o conduziria à maior eficiência governamental. Em contraponto, outras correntes
defendem o ambiente de cooperação entre os estados como forma de serem afastadas
distorções econômicas que resultariam em perda de eficiência na administração dos
bens e recursos públicos. Esta corrente é derivada do estudo defendido por Roger H.
Gordon intitulado 'An optimal taxation aproach to fiscal feralism', publicado em 1983.
De acordo com Tiebout, o processo de escolha do local de residência – voting
with one's feet – é capaz de revelar a opção dos cidadãos pelo cenário mais favorável
de tributos e bens públicos disponíveis. Para exemplificar a premissa apresentada, o
estudo afirma que “just as the consumer may be visualized as walking to a private
market place to buy his goods, the prices of which are set, we place him in the position
of walking to a community where the prices (taxes) of community services are set”
(TIEBOUT, 1956, p. 423), de modo que no estado em que haja uma política tributária
de melhor custo/benefício seria observada maior migração de novos moradores. Esse
incremento no número de moradores, muito embora aumente a demanda por serviços
públicos, traz consigo a majoração da base contributiva e possibilita uma maior
arrecadação. Em um cenário de livre competição entre os estados, as unidades
federadas que estivessem 'perdendo' cidadãos seriam obrigadas a rever suas opções de
equilíbrio entre os tributos e serviços públicos disponíveis, resultando em maior
eficiência também na prestação de serviços à sociedade.
Não satisfeito com a proposição acima, o estudo de Gordon se desenvolveu a
partir de dois níveis de governo: um central e os locais, em que cada governo teria
competência para arrecadar um imposto sobre bens e serviços e um imposto sobre
fatores de produção. Para o autor, o modelo sugerido por Tiebout ignora os resultados
em relação aos não residentes, envolvendo argumentos que vão desde a possibilidade
destes pagarem tributos que não vão usufruir ou se utilizarem de serviços públicos
pelos quais não pagaram, bem como uma possível alteração do custo dos recursos
públicos em outras comunidades. Além disso, a qualidade de vida local é resultado
principalmente do equilíbrio entre a quantidade de habitantes, dos recursos naturais
disponíveis e dos serviços públicos colocados à sua disposição. O congestionamento de
pessoas geraria um desequilíbrio na qualidade de vida. Por fim, o efeito distributivo
dos recursos públicos seria ignorado (GORDON, 1983).
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Algumas das críticas ao modelo de Tiebout são registradas por VIOL (1999, p.
4/5) que anota serem as condições econômicas utilizadas pelo autor bastante restritas
ao passo que i. não é considerada a existência de falhas de mercado; ii. o cenário de
competição exige um elevado número de agentes envolvidos, o que não seria o caso em
uma federação e iii. as decisões governamentais não se baseiam na maximização dos
lucros.
Partindo-se das críticas formuladas ao método de Tiebout, seria possível
concluir que o ambiente de competição se traduziria por uma renúncia aos controles
de governabilidade, além da redução de salários, da arrecadação e dos benefícios
sociais.
No entanto, assim como sugerido por Tiebout, e a partir do exemplo norteamericano, ZINGALES (2015) afirma que a possibilidade do cidadão escolher onde
residir reduz o poder do governo sobre o indivíduo. Assim, enfrentando a concorrência
de outros estados, os governos locais precisam aprimorar suas instituições para atrair
residentes mais qualificados. Esta competição entre os entes federados é capaz de
induzir uma estratégia mais responsável por parte dos governos. Na visão do autor, a
competição favorece os cidadãos com políticas públicas qualitativamente mais
adequadas, resultado alcançado ao se aplicar as lógicas do modelo de mercado à
realidade dos serviços públicos.
A opção de alguns países pela forma federativa se aproximará do resultado
ótimo quando ajustado o equilíbrio entre os mecanismos de competição e cooperação.
Três teorias tentam responder qual seria o melhor modelo de estado federativo,
diferindo-se entre si de acordo com o maior ou menor enfoque que cada um atribui à
cooperação e à competição. Segundo Tomas Dye (1990), para quem o governo federal
deve ter atuação reduzida, uma maior competição entre os estados é capaz de
potencializar os resultados das políticas públicas. Para o autor, o modelo será eficaz
quando os governos locais não forem dependentes do governo central, seja politica ou
financeiramente. Em lado diametralmente oposto, Bernard Schartz (1984) acredita no
ambiente de cooperação entre as unidades federadas – federalismo cooperativo. Para
o autor, a difusão de poderes entre a autoridade federal e as estaduais é útil para se
evitar a concentração indevida de poder político, mas ele nega os benefícios da
competição.
Numa posição intermediária enquadra-se o pensamento de Ostrom (1991)
assim como de Elazar (1993), para quem deve ser realizado um ajuste entre o ambiente
cooperativo e o de competição. Neste modelo, além da autonomia entre os estados,
devem ser mantidos os valores da cooperação de forma a se potencializar a sensação
de autogoverno do mesmo modo que a de equidade (ABRUCIO, 1998).
O problema do modelo de Dye está no ambiente de total competição, já que
neste cenário não há estímulo para a cooperação, o que dificulta qualquer pretensão de
estabelecimento de um ambiente de maior equidade. Outra falha está na maior
possibilidade do governo do estado A se aproveitar da estrutura pública do estado B
sem participar dos investimentos necessários (free rider)1. Por outro lado, a proposta
de Schwartz é concentrada apenas em argumentos cooperativos que não são suficientes
para estimular um ambiente de inovação e desenvolvimento.
A disputa não predatória entre estado pode se traduzir em avanços não apenas
na prestação de serviços ofertados aos cidadãos, como também na área de inovação e
eficiência, dado que a proximidade dos beneficiários finais permite uma teórica
1 No Brasil é fácil encontrar cidades onde o gestor usa recursos públicos para aquisição de ambulâncias
que farão o transporte de seus pacientes para usarem o serviço público de saúde de outras cidades.
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maximização na alocação de recursos. Em um país de proporções continentais, as
necessidades observadas no norte são diferentes daquelas encontradas no sul, o que
justifica a descentralização das decisões.
O instrumento da tributação pode participar do processo de estabelecimento de
uma solução mais adequada, próxima ao equilíbrio tributário entre os estados.
A competição tributária ocorre quando um estado da federação altera sua base
tributária com o objetivo de atrair investimentos, consumidores e novos residentes,
mediante oferta de vantagens econômicas. No Brasil essa disputa pode ser observada
desde a instituição do ICM2, no ano de 1965.
Como uma resposta do governo central, na tentativa de impedir as competições
estaduais, em 1975 foi editada a Lei Complementar nº. 24 condicionando a concessão
de quaisquer isenções ou outros benefícios tributários à celebração de convênios entre
os estados, após deliberação por unanimidade em reunião do Conselho de Política
Fazendária – CONFAZ, como já dito.
Considerações Finais
Estados formam federações por diferentes motivos. O motivo pelo qual as
unidades abrem mão de parte de sua autonomia em proveito de uma nação única
resulta dos fatores históricos nos quais foram moldados os países.
Na experiência norte-americana, as antigas colônias inglesas uniram-se em
proveito de um fortalecimento vis-à-vis dos perigos externos, assim como em razão da
otimização da utilização dos recursos na busca pela prosperidade. No Brasil, o
federalismo nasce num contexto de agregação artificial, excessivamente dependente
do poder central.
Todavia, num e noutro sistema os conflitos entre os benefícios e as distorções
do regime de competição conduziram o poder federal a medidas interventivas, voltadas
às correções das falhas de mercado (mais claramente no sistema norte-americano)
intermeadas por ações de ação direta na economia (característica da realidade
brasileira).
A diversidade das expectativas, somada à necessidade de coordenação, fizeram
por construir sistemas jurídicos que partilham poderes e competências, inclusive no
campo tributário, entre unidades e federação, permitindo ações de estímulo à alocação
de pessoas e investimentos de forma a criar um ambiente de competição entre os
estados.
A norma tributária é um dos instrumentos disponíveis como parte de uma
estratégia interventiva e fator de distinção entre os estados.
No entanto, ao mesmo tempo em que a busca pela atração de investimentos
pode ser um fator extremamente positivo para um estado da federação, pode
comprometer seriamente o desenvolvimento de outra unidade.
Eis o dilema produzido pela descentralização administrativa e política dos
estados federados.
No caso Brasileiro, a competição entre os estados a partir de um tratamento
tributário diferenciado é delimitada pela ação de um órgão federal, com vistas a evitar
que se estabeleça um ambiente de concorrência entre os estados, em suposto prejuízo
2 O Imposto sobre Circulação de Mercadorias foi instituído pela EC 18/65 substituindo o Imposto sobre
Vendas e Consignação (IVC).
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aos ideais federativos.
O Brasil poderia adotar de forma inovadora um projeto de paulatina liberação
das propostas de benefícios fiscais propostos pelos estados federados, acompanhados
de estudos prévios sobre os impactos esperados em relação ao estado proponente e
eventuais perdas de estados diretamente atingidos pela proposta da unidade da
federação.
O voto de confiança nos mecanismos de mercado e de competição entre os
estados federados pode ser monitoradora, permitindo-se à União, após um
determinado lapso de tempo rever a opção liberal pontualmente adotada.
A harmonização entre ambiente cooperativo e de competição é capaz de garantir
o exercício do autogoverno entre os estados e a equidade econômica das nações. A
opção de alguns países pela forma federativa se aproximará do resultado ótimo quando
ajustado o equilíbrio entre os mecanismos de competição e cooperação. A competição
tributária é um tema de elevada relevância em um cenário econômico global por conta
da busca natural dos agentes econômicos em desenvolverem suas atividades em um
ambiente tributário favorável.
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Submetido em 04/02/2016.
Aprovado em 26/05/2016.
Sobre os Autores:
Marcia Carla Pereira Ribeiro
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1987). Mestre em Direito pela Universidade
Federal do Paraná (1994) e Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1998). Professora
titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Professora associada da Universidade Federal do
Paraná. Foi professora visitante em estágio de pós-doutoramento na Escola de Direito de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas e pesquisadora convidada da Université de Montréal. Pós doutora pela
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Pesquisadora de Produtividade da Fundação Araucária
Email: mcarlaribeiro@uol.com.br
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Thiago Custódio Pereira
Graduado em Direito, Pós-Graduado em Direito Civil e Empresarial (2012) e Mestrando em Direito
Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Email: tcustodiopereira@hotmail.com
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