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Cadernos de Arquitetura e Urbanismo | Paranoá 24
Cinema Urbana: Memórias em Construção
SANCHEZ, Isabel Bairão1
1Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. isabelbsanchez@gmail.com
ORCID ID: 0000-0001-6144-4068
Recebido em 23/01/2020 Aceito em 29/01/2020
Esse artigo explora as possibilidades de análise de fontes primárias no contexto de uma dissertação de
mestrado em desenvolvimento. A pesquisa de mestrado intitulada Diálogos modernos: Lina Bo Bardi e
a Caravana Farkas tem como propósito identificar diálogos intelectuais entre os escritos produzidos
pela arquiteta Lina Bo Bardi e dois conjuntos de filmes hoje conhecidos como Caravana Farkas. Os
filmes mencionados se relacionam cronológica e tematicamente com o convívio entre os cineastas e
Lina Bo Bardi e com a produção escrita e expográfica da arquiteta referente à valorização dos meios
de produção artesanais originados de tradições populares do nordeste brasileiro. A documentação
investigada corresponde a nove números de uma página dominical do jornal Diário de Notícias de
Salvador, editados por Bardi e publicados ao longo de dois meses no ano de 1958, e um curtametragem brasileiro produzido por Thomaz Farkas e dirigido por Paulo Gil Soares em 1969. Serão
explorados alguns aspectos de análise das fontes, como a compreensão da identidade dos
colaboradores da página, questões relativas à proposta de design gráfico de Lina Bo Bardi e parte do
conteúdo dos textos: o conjunto circunscrito de passagens diretamente dirigidas a um grupo de
estudantes do qual Paulo Gil Soares fazia parte e alguns trechos que incidem no tema do curtametragem analisado.
Palavras-Chave: história da arquitetura; história do cinema; cultura visual
This article explores the possibilities of analyzing primary sources in the context of a master's thesis still
in progress. The research entitled Modern Dialogues: Lina Bo Bardi and Caravana Farkas aims to
identify intellectual dialogues between writings produced by architect Lina Bo Bardi and two sets of
documentaries known as Caravana Farkas. The aforementioned films are chronologically and
thematically related to interactions between the filmmakers and Lina Bo Bardi and to the architect's
written and curatorial activities regarding the value of artisanal means of production originated from
popular traditions of the northeast of Brazil. The investigated documentation corresponds to nine issues
of a Sunday section of the newspaper Diário de Notícias in Salvador, edited by Bardi and published
over two months in 1958, and a Brazilian short film produced by Thomaz Farkas and directed by Paulo
Gil Soares in 1969. Particular aspects of the material will be explored, such as the identities of the
page’s collaborators, questions related to Lina Bo Bardi's graphic design proposal and part of the
written content: the circumscribed set of passages directly addressed to a group of students that
filmmaker Paulo Gil Soares was part of and some excerpts focusing on themes of the analyzed short
film.
Key-Words: architectural history; history of film; visual culture
2019, © Copyright by Authors. DOI: http://doi.org/10.18830/issn.1679-0944.n24.2019.14
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Esse artigo1 explora as possibilidades de análise de fontes primárias no contexto de uma dissertação
de mestrado em desenvolvimento. A documentação investigada corresponde a nove números de uma
página dominical do jornal Diário de Notícias de Salvador, publicados ao longo de dois meses no ano
de 1958, e um curta-metragem brasileiro produzido em 1969.
A pesquisa de mestrado intitulada Diálogos modernos: Lina Bo Bardi e a Caravana Farkas tem como
propósito identificar diálogos intelectuais entre os escritos produzidos pela arquiteta Lina Bo Bardi e
dois conjuntos de filmes hoje conhecidos como Caravana Farkas. O contato de Lina Bo Bardi com os
cineastas Thomaz Farkas, Geraldo Sarno e Paulo Gil Soares no contexto de fundação do Museu de
Arte de São Paulo e do Museu de Arte Moderna da Bahia entre os anos de 1947 e 1971 será analisado
a fim de estabelecer correspondências entre os filmes que compõem o longa Brasil Verdade (1964)2 e
a série A Condição Brasileira (1969)3 e os textos da arquiteta redigidos até 1971, com enfoque em
suas escolhas temáticas e objetivos didáticos. A produção intelectual de Lina Bo Bardi e dos cineastas
será abordada a partir das redes sociais formadas em torno dos dois museus e o relato historiográfico
será balizado pelo contexto mais amplo da discussão teórica da modernidade no Brasil e por
significados e caminhos pensados pelos artistas em questão para a industrialização nacional.
Os filmes mencionados se relacionam cronológica e tematicamente com o convívio entre os cineastas
e Lina Bo Bardi e com a produção escrita e expográfica da arquiteta referente à valorização dos meios
de produção artesanais originados de tradições populares do nordeste brasileiro. As tangências são
inúmeras, a começar pelo fato incontornável de o filme A Mão do Homem ser dedicado nos créditos
iniciais à Bardi e ter título similar a uma de suas exposições sobre artesanato: A mão do povo brasileiro
(São Paulo, 1969). Os realizadores e a arquiteta dividiram espaços de trabalho no MASP e no MAMB e
são reciprocamente mencionados em declarações sobre suas produções intelectuais no período
destacado.
O trabalho editorial de Lina Bo Bardi no jornal de Assis Chateaubriand Diário de Notícias de Salvador
coincide com sua estadia de três meses na capital baiana em 1958, quando aceitou o convite do
arquiteto Diógenes Rebouças para ministrar um curso na Faculdade de Arquitetura da Universidade da
Bahia. A página dominical chamada Crônicas de Arte, de História, de Costumes, de Cultura da Vida foi
comissionada pelo então diretor do jornal Odorico Tavares e pelo político militar Juracy Magalhães,
ambos idealizadores do Museu de Arte Moderna da Bahia que Bo Bardi viria a dirigir nos anos
seguintes. Com um total de nove números publicados, o projeto foi iniciado no domingo de 7 de
setembro de 1958 e interrompido em 02 de novembro do mesmo ano, pouco antes da arquiteta
encerrar sua atividade na universidade e retornar a São Paulo.
Odorico Tavares foi uma personalidade central de estruturação do circuito de arte em Salvador a partir
dos anos 1940, além de dono de um acervo particular expressivo de arte moderna 4. Entre 1946 e 1951
1
Esse trabalho decorre de uma pesquisa de mestrado em desenvolvimento, realizada com apoio da FAPESP, processo nº
2019/06255-7, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As opiniões, hipóteses e conclusões ou
recomendações expressas neste material são de responsabilidade da autora e não necessariamente refletem a visão da
FAPESP.
2
Os quatro filmes que compõem o longa são: Nossa Escola de Samba, de Manuel Horácio Gimenez, Os Subterrâneos do
Futebol, dirigido por Maurice Capovilla, Viramundo, de Geraldo Sarno, e Memórias do Cangaço, de Paulo Gil Soares.
3
Os dezenove filmes que compõem a série são: A Cantoria, Jornal do Sertão, Padre Cícero, Frei Damião, A Mão do Homem, Os
Imaginários, Vitalino/Lampião, Casa de Farinha, Erva Bruxa, O Engenho, A Morte do Boi, Região: Cariri, A Beste, A Vaquejada,
O Homem de Couro, Rastejador s/m, Jaramataia, Visão de Juazeiro e Viva Cariri!. Para mais informações sobre as equipes
envolvidas em cada produção, cf. MUNIZ (1997) e D’ALMEIDA (2003).
4
Cf. FERREIRA, 2016, p.55
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escreveu dezenas de reportagens de fotojornalismo para a revista O Cruzeiro, em parceria com o
fotógrafo Pierre Verger, sobre diversos aspectos da vida na capital baiana, um conjunto chave na
formação de certa imagem da Bahia, que perdura por várias décadas e adquire alcance internacional 5.
Desde 1943 Tavares trabalhou como editor-chefe do Diário de Notícias, na direção de desenvolver o
enfoque cultural do jornal, reiterada pela colaboração no fim da década de 1950 com jovens jornalistas
ligados à literatura e ao teatro soteropolitano, como Paulo Gil Soares e Glauber Rocha.
Apesar de ter sido criado em 1875, o Diário de Notícias de Salvador integrou o grupo Diários
Associados, de Assis Chateaubriand, de 1943 a 1979, até ter suas atividades encerradas. O ano de
1958, em que Lina Bo Bardi conduz a edição de sua página dominical, coincide com uma das raras
modernizações gráficas do periódico: a aquisição de uma rotativa Gross como técnica de impressão 6.
O momento da trajetória do jornal pode ser lido ainda dentro de um contexto ampliado em que diversos
periódicos do país criavam cadernos culturais, como os Suplementos Literários do Estado de São
Paulo e do Jornal do Brasil, ambos lançados em 1956. Dentre os temas comuns às discussões locais,
o pensamento neoconcreto emerge com frequência, seja via apresentação e comentário de autores
brasileiros engajados, ou via propostas de diagramação que se associam à abstração geométrica em
pauta. A página dominical do Diário de Notícias se insere no debate em ambos os sentidos, como será
visto adiante.
Os nove números de Crônicas são uma fonte primária central nessa pesquisa em diversos aspectos: a
coluna era na realidade uma página inteira do jornal, com diversas seções, algumas escritas por
artistas e professores que compõem a cena cultural baiana dos anos 1950. Para mais, diversos temas
expostos por Lina Bo Bardi no jornal são recorrentes ao longo de sua obra – sobretudo em exposições
e revistas – e são explorados nos filmes produzidos por Thomaz Farkas em 1969, o que aponta a
coluna de 1958 como um momento de introdução de Bo Bardi no cotidiano cultural de Salvador e um
contato importante dos cineastas baianos com o pensamento da arquiteta. Por fim, existe um diálogo
literal entre Bo Bardi e Gil Soares nos números sete e oito de Crônicas, evidenciando discordâncias
artísticas que merecem ser analisadas. O filme escolhido para uma primeira análise entre as fontes de
pesquisa é o curta-metragem A mão do homem, por sua relação direta com o conteúdo da página
dominical do jornal, pelas características exemplares do filme quando comparado aos outros dezoito
da série de 1969 e por ser explicitamente dedicado à Lina Bo Bardi. Priorizou-se nessa etapa de
estudo a compreensão da identidade dos colaboradores da página, algumas questões relativas à
proposta de design gráfico de Lina Bo Bardi, o conjunto circunscrito de passagens diretamente
dirigidas a um grupo de estudantes do qual Paulo Gil Soares fazia parte e alguns trechos que incidem
no tema do curta-metragem analisado.
A página de Crônicas é dividida em várias seções, algumas presentes em todos os números: o texto
de título cambiante no canto esquerdo superior da folha dita o assunto principal da semana - habitação
popular, educação, industrialização, dentre outros – e vem acompanhado invariavelmente de imagens,
um desenho ou colagem assinado por “B.B.” (Bo Bardi) e por vezes alguma foto relacionada ao tema.
A seção Olho sobre a Bahia, no canto superior direito, discute questões de planejamento e patrimônio
para a cidade de Salvador, sempre acompanhada da maior foto da página. Duas colunas menores
chamadas Documentos e Antologia dividem o canto inferior esquerdo. Documentos traz uma foto da
sociedade baiana no século XIX ou nos primeiros anos do século XX, com breve descrição em tom
nostálgico, e Antologia expõe modalidades diversas de texto consideradas curiosas: cartas pessoais,
anúncios de classificados, uma resenha rebuscada. O espaço restante é dedicado a textos de outros
autores, dentre os quais a presença mais frequente é a do maestro alemão Hans Joachim Koellreutter,
5
6
Cf. PINHEIRO, 2016
Cf. BNDIGITAL, 2015
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diretor da escola de música da Universidade da Bahia desde 1954.
Primeiro número de Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da vida.
Fonte: Diário de Notícias de Salvador (7 set. 1958)
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Convém esclarecer que os textos escritos por Lina Bo Bardi em Crônicas não são explicitamente
assinados. A seção no canto esquerdo superior da página só tem as letras “ARQ” como rubrica no
número dois. A seção “Olho Sobre a Bahia” tem a autoria identificada pelo desenho de um olho, já
presente em textos de Lina Bo Bardi na Revista A. de 1946 e na coluna da Revista Habitat atribuída ao
pseudônimo “Alencastro”. De qualquer modo, ambos os espaços da página têm textos atribuídos à
arquiteta por diversos autores7 e se considerará ainda qualquer outra voz sem autoria evidente como
sendo da editora.
Algumas opções de design gráfico chamam atenção na composição da página: os títulos das seções
têm tipos e tamanhos de fontes variáveis, além de alguns serem escritos em caixa alta. Linhas grossas
pretas separam os textos e muitas vezes é possível ver o desalinho entre as guias que as compõem. A
cor amarela é utilizada para colorir um retângulo em torno do título de página e o texto exposto na
seção Antologia. São elementos que remetem à linguagem visual de artistas construtivistas russos do
início do século XX, como Aleksei Gan, colaborador de inúmeras publicações dentre as quais a revista
SA (Sovremmennaia Arkhitektura ou Arquitetura Contemporânea). O layout geral de Crônicas tem
aspecto mais artesanal e dinâmico que o de outras publicações coordenadas por Lina Bo Bardi, como
a Revista Habitat por exemplo, mas assemelha-se visivelmente à proposta gráfica da Revista A, cultura
della vita, publicada na Itália em 1946 como um projeto de Bo Bardi, Carlo Pagani e Bruno Zevi para
discutir, através de discurso transformador e revolucionário 8, a reconstrução da Itália após a Segunda
Guerra Mundial. O título da revista italiana também se aproxima da página no jornal baiano, ao
enumerar subtítulos: Attualità, Architettura, Abitazione, Arte. Uma seção intitulada “qual dos dois você
escolheria?” ou “quale scegliereste?” em italiano pode ser encontrada em ambas as publicações (ver
figuras 02 e 08), estabelecendo em tom bem-humorado comparações entre arte e design modernos e
objetos correspondentes de outros períodos da história. As semelhanças encontradas entre a Revista
A. e Crônicas podem indicar dois momentos de maior militância ou manifesto (para utilizar o termo caro
às vanguardas artísticas europeias do início do século) nos projetos editorias de Lina Bo Bardi, que se
distinguem da proposta da Revista Habitat, situada cronologicamente entre as duas e também
empenhada na difusão do Modernismo entre a elite paulistana, porém centrada na divulgação das
atividades do MASP enquanto nova entidade cultural da cidade de São Paulo, ou seja, uma
empreitada de caráter institucional.
7
8
Cf. LIMA, 2012; RUBINO, 2002; GRINOVER, 2010.
Cf. GRINOVER, 2010, p. 96
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páginas da Revista A (à esquerda) e da Revista Habitat (à direita). Na imagem da esquerda, é
possível notar um olho pintado em vermelho sobre uma fotografia, semelhante ao “Olho sobre a Bahia”, e a seção
“quale scegliereste?” no canto direito inferior.
Fontes: Revista A, cultura della vita n.8 (1 jun. 1946) e Revista Habitat n. 4 (jul/ago/set 1951)
As páginas de Crônicas são utilizadas para a presente pesquisa também como roteiro de compreensão
do ambiente intelectual que se constitui nos anos 1950 em Salvador em torno do reitor Edgard Santos.
Figuras importantes das escolas de artes que o reitor tinha como sua prioridade contribuíram com a
página semanal. É possível perceber também a dinâmica que se estabelece entre as duas gerações
que circulavam pelas instituições culturais baianas da época: Bo Bardi, Mario Cravo, Koellreuter,
Martim Gonçalves são a geração de professores, seus textos aludem diversas vezes “à nova geração”,
são feitas recomendações, ressalvas, alertas. O entendimento do concretismo é, por exemplo, um
tema que atravessa o debate. Por outro lado, os fotógrafos Sílvio Robatto e Ennes S. Mello, assim
como o grupo da revista literária Mapa (que inclui os cineastas Glauber Rocha e Paulo Gil Soares)
pertencem ao universo dos estudantes - ao qual Antônio Risério em seu livro Avant-Garde na Bahia
adiciona alguns músicos do movimento posterior da Tropicália - que não apenas passavam pelas salas
de aula dos convidados estrangeiros mas também escreviam no Diário de Notícias, trabalhavam no
Museu de Arte Moderna e em projetos literários, teatrais e audiovisuais. A contribuição de cada
geração às páginas de Crônicas é diferente: aos professores, era cedida a maior parte do espaço de
texto; aos jovens, o debate provocativo e fotos de apoio à reflexão da própria Lina.
O início do diálogo editorial entre Lina Bo Bardi e Paulo Gil Soares se dá no número sete de Crônicas,
em 19 de outubro de 1958. Uma pequena seção não assinada, portanto atribuída à organização da
página, e intitulada A Intolerância diz:
“Bahia é uma cidade universitária. Bahia acredita na Universidade. Bahia
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respeita a Universidade. Que os jovens consigam uma revista de literatura é
importante: MAPA é uma revista universitária e a Universidade é a base para
a cultura de um país. MAPA afirma em manter sobretudo ‘cada vez mais dura
a sua intolerância’. É sobre a intolerância da juventude que a cultura se
constrói. Mas esta intolerância é extremamente acomodatícia, e se interessa
pela Tarde e pelo Dia, mistura Sarovan, Camus, Elliot, Appollinaire e Ezra
Pound e se ocupa dos encontros dos adolescentes com namoradas já
levemente passadas. Esta ‘dura intolerância’ nos tinha levado a esperar por
uma intolerância contra a cultura que não serve e não consola o homem, que
despreza as miniaturas individualistas. Tinha nos levado a esperar... Será
para a próxima vez?” (Diário de Notícias de Salvador, Salvador, Crônicas de
arte, de história, de costume, de cultura da vida, n. 7, 19 out. 1958).
A nota data de uma semana após a abertura da I Exposição de Poesia Ilustrada, mesma ocasião do
lançamento do terceiro número da revista literária Mapa, editada por Paulo Gil Soares. Duas notas a
respeito podem ser encontradas no arquivo do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi: uma reprodução do
convite para a exposição, publicado no jornal Diário de Notícias, e uma resenha após o evento que
menciona a presença de Lina Bardi entre os convidados. A menção do texto a “Tarde” e “Dia” é uma
referência a um poema concretista intitulado dia/tarde e publicado na então recém lançada edição de
Mapa (figura 05).
capa do terceiro número da Revista Mapa (à esquerda) e poema da mesma edição (à direita)
Fontes: Revista Mapa n. 3 (6 out. 1958)
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Texto “A intolerância”, no número 7 de Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da vida.
Fonte: Diário de Notícias de Salvador (19 out. 1958)
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O neoconcretismo brasileiro é um assunto que mobilizava Lina Bo Bardi: o número um de Crônicas
apresenta, além de um longo artigo de Hans Koellreutter intitulado Música Concreta, uma composição
de Theo Van Doesburg de 1918 – “portanto de quarenta anos passados”, acrescenta-se à legenda –
um poema futurista de 1914 e um poema de Décio Pignatari da geração de “vários poetas brasileiros
que integram a nova corrente”. Embora um comentário editorial de introdução ao artigo de Koellreutter
esclareça que as três obras são apresentadas na página com imparcialidade crítica, um texto posterior
de 1959 elucida o sentido provocativo de Bardi, estendido ao diálogo com Gil Soares. Em
Neoconcretismo no Belvedere da Sé, manuscrito encontrado no acervo documental do Museu de Arte
Moderna da Bahia, a arquiteta italiana escreve uma crítica à exposição do grupo neoconcretista do Rio
de Janeiro, ocorrida em novembro de 1959 em Salvador:
“Na Galeria do Belvedere da Sé expõe o grupo Neoconcretista do Rio de
Janeiro. (...) Hoje, os jovens brasileiros tentam reviver uma experiência que
na Europa provoca surpresa, (...) uma surpresa confusa, porque a Europa
através da Segunda Guerra Mundial chegou (...) ao limite extremo da revolta,
uma negação quase ‘clássica’ (...).
Não pensamos com o idealista Benedetto Croce que é inútil descobrir
guarda-chuvas: se não há guarda-chuvas em um país, eles devem ser
descobertos; nesse sentido, estamos mais próximos de Antonio Gramsci e
pensamos com ele que se alguém sozinho (...) descobrir algo que já foi
descoberto, esse alguém mostra habilidade e autonomia e seu trabalho não
será inútil. Portanto, mesmo que a exposição do Belvedere da Sé se refira ao
Malevitch do 'Quadrado Branco Sobre Fundo Branco' e do ‘Quadrado Preto
Sobre Fundo Branco’ (...) é importante que os jovens sintam a necessidade
de se adaptar ao tempo. Mas agora há pouco tempo e é necessário pular
etapas para se alinhar com a história e poder assim, em vez de tentar reviver
uma experiência escolasticamente, coletar sua herança, levá-la às suas
consequências extremas, em um país que tem toda a chance. E neste
sentido esta exposição é positiva, apenas neste sentido e somente sob este
pacto” (Neo-concretismo al Belvedere da Sé. Arquivo MAM-BA, Salvador, s/d,
tradução nossa).
Ainda que em tom condescendente, o comentário acerca-se ao eixo condutor já presente no projeto de
Bo Bardi para a coluna do Diário de Notícias: instigar a geração de jovens intelectuais de Salvador a
tomar parte nas discussões por ela consideradas pertinentes aos atributos e desafios regionais e
nacionais. Interessante notar que em 1960 a arquiteta publicou outro texto no Diário de Notícias
intitulado “Técnica e Arte”, para reiterar sua crítica ao concretismo nas artes plásticas brasileiras,
porém absolvendo, em uma nota de rodapé, a poesia concreta nacional que “afirmando-se logo como
linguagem seca e técnica, conseguiu renovar todos os setores da literatura brasileira, da poesia ao
jornalismo” e “corta a linguagem para chegar mais depressa, para comunicar mais rapidamente a
ideia”9. A mesma modalidade artística que incita a apreciação negativa da revista literária dos
estudantes baianos é revisitada enquanto iniciativa coletiva dois anos depois.
De volta a 1958, a edição oito de Crônicas publica uma resposta escrita por Paulo Gil Soares ao texto
Intolerância, criticando amplamente a página do jornal, “plasticamente bela, mas ruim de conteúdo.
Redigida por estrangeiros, temos em matéria de língua, um clandestinismo terrível”. O então jornalista
diz nunca ter lido as legendas de fotografias, “onde soubemos existir triste sub-poetividade” e afirma
9
Cf. BARDI, 1960
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que “a nota de ataque à nossa Revista foi puro vedetismo. Mas, como bom cristão que sou, satisfaço
sua necessidade com essa resposta, nada acomodatícia, de minha inteira responsabilidade”.
À parte da crítica ao esforço editorial de Bardi, o texto de Gil Soares questiona também as afirmações
da italiana sobre a importância da Universidade na Bahia, aventando que “o noticiarista é,
possivelmente, funcionário da Universidade” e afirma ainda que “é grandioso o tratamento que o Reitor
dispensa aos Cursos de Teatro, Música e Dança, o que realmente impressiona os adventícios. Mas, se
formos analisar a situação das outras escolas da Universidade, onde falta quase tudo, não
concordaremos com a definição dada: Bahia é Universidade”. A menção irônica aos três cursos
específicos que receberam professores estrangeiros a convite do reitor Edgard Santos nos anos 1950
sugere um conflito a que não foi encontrada referência até o momento, e pode vir a ser um eixo de
investigação das diferenças geracionais e conceituais entre o trabalho da arquiteta e dos cineastas.
Embora o contrato de Lina Bo Bardi com a universidade não fizesse parte da reforma acadêmica
promovida pelo reitor, mas sim da iniciativa de Assis Chateaubriand e Odorico Tavares em conduzir a
criação de um museu que promovesse Salvador como referência nacional de cultura moderna 10, a
arquiteta estabeleceu contato logo de sua chegada à Bahia com a geração de professores
estrangeiros, e tem sua atuação no Nordeste a eles associada 11.
Texto “Mapa responde à intolerância”, assinado por Gil Soares, no verso do número 8 de Crônicas
Fonte: Diário de Notícias de Salvador (26 out. 1958)
10
11
Cf. LIMA, 2013, p. 85
Cf. RISÉRIO, 1995; RUBINO, 2002;
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Ao publicar a resposta do redator fundador da Revista Mapa, Lina Bo Bardi escreve uma tréplica
apaziguadora, defendendo sua tentativa de “apontar o lado crítico perigosamente limitado, diríamos
pequeno burguês, de um certo tipo de cultura. A cultura do intelectual literato, sem finalidade”. E
encerra: “importante é entender-se claramente (Bertolt Brecht, Der Jasager) 12. Somente assim poderse-á compreender se se combate do mesmo lado”.
Ao lado da tréplica de Bardi, vê-se a foto de uma mão atravessada por uma flecha (ver figura 09), com
a legenda: “A mão trabalhando fez o Homem. A Máquina que parece hoje ferir e aviltar, acabará
destruindo-a? Sentimos que não. A milenária experiência de trabalho da mão guiará a Máquina. Sem
mexer em quase nada, ainda é ela que dirigirá tudo”. Cerca de dez anos depois, a arquiteta italiana
organizou a exposição intitulada A mão do povo brasileiro em São Paulo e Paulo Gil Soares dirigiu o
filme chamado A mão do homem dedicando-o à Lina Bo.
12
A referência foi inserida no próprio texto por Lina Bo Bardi.
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Texto “Resposta”, no número 8 de Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da vida.
Fonte: Diário de Notícias de Salvador (26 out. 1958)
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Cartela de título do filme A Mão do homem, de Paulo Gil Soares.
Fonte: Canal Thomaz Farkas (2019)
Cartela de dedicatória a Lina Bo, nos créditos iniciais do filme A Mão do homem, de Paulo Gil Soares.
Fonte: Canal Thomaz Farkas (2019)
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O curta-metragem A Mão do Homem é um documentário sobre a produção e comercialização de
artefatos de couro no sertão nordestino. As imagens abarcam o trabalho de diferentes profissionais
envolvidos no abatimento do boi, transporte das peles até o curtume, secagem e curtição, produção de
selas, sandálias e chapéus a partir do couro curtido, e a comercialização de produtos finais em feiras.
Algumas entrevistas são apresentadas, com enfoque nas relações financeiras estabelecidas entre
curtidores, artesãos, proprietários de terras e comerciantes. Uma narração em voz over13 acrescenta
críticas sobre as condições precárias de trabalho dos personagens filmados e o atraso tecnológico dos
materiais e processos empregados. “Aqui no curtume tanto o trabalho dos curtidores como o dos
proprietários é um trabalho temporário: uns trabalham apenas quinze dias em cada período de três
meses e sob as mais primitivas condições. Na natureza vão buscar os elementos que permitem o
trabalho e em muitos casos as ferramentas são funcionais, mas nunca tecnicamente adequadas”, diz o
narrador.
A disposição de pessoas em cena varia entre planos que retratam o trabalho em si, de aspecto mais
realista, e momentos de entrevista e depoimento, quando se observa menos naturalidade tanto na
movimentação e fala dos personagens quanto na organização de objetos enquadrados (ver figuras 12
a 15). Essa configuração, aliada à narração em voz over, é comum à maioria dos filmes da Caravana
Farkas de 1969. O caráter pedagógico da iniciativa foi objeto de críticas negativas no campo do cinema
documental, que os situavam numa tradição de documentário sociológico 14 brasileiro dos anos 1960, e
pode ser ainda relacionado a uma herança do populismo tardio do governo João Goulart, mas é
preciso considerar que os filmes eram literalmente um projeto destinado à distribuição como material
didático para escolas15.
Os créditos iniciais de A mão do homem estabelecem o diálogo com o trabalho de Lina Bo Bardi, e
aqui se destaca a semelhança entre a proposta gráfica do filme e a fotografia central do número oito de
Crônicas (ver figuras 09, 10 e 11). Mas uma associação mais profícua se dá entre a legenda da foto,
ao que parece finalmente lida por Paulo Gil Soares, e a narrativa geral proposta pelo filme. Enquanto
Lina Bo Bardi, em 1958, apresentava sua convicção na mão que guiará a máquina, com sua milenária
experiência de trabalho, o curta-metragem nos leva a um cenário onde, mais de uma década passada,
trabalhadores permanecem alheios aos benefícios da industrialização, ao passo em que têm seu modo
de vida - e seus recursos de subsistência - ameaçados. O filme é denúncia e salvaguarda: os
cineastas já não pareciam compartilhar do entusiasmo da arquiteta com a “força latente que existe em
alto grau no Brasil, onde uma forma primordial de civilização primitiva (...) coincide com as formas mais
avançadas de pensamento moderno” 16. Situavam, assim, sua obra entre um registro de saberes
sujeitos ao esquecimento e uma via de conscientização das desigualdades experimentadas em regiões
afastadas dos grandes centros urbanos do país.
13
A expressão designa uma narração feita por narrador onisciente, que não aparece em cena.
O modelo sociológico, expressão proposta pelo cineasta e crítico Jean Claude Bernardet nos anos 1970, designa um modo de
fazer documentário em que a estrutura do filme se organiza a partir de uma voz autorizada, “a voz do dono”, que apresenta uma
tese. Resumidamente, a comprovação desta tese se dá a partir da articulação entre o locutor principal, que representa a voz do
saber, e os entrevistados, que falam apenas sobre suas próprias experiências, sem nunca propor generalizações (RAMOS,
2007, p. 10).
15
Sérgio Muniz explica os detalhes da pesquisa de mercado realizada previamente à produção dos filmes: “A Fotóptica distribuía
muitos filmes estrangeiros tipo Enciclopédia Britânica, As Grandes Religiões, Experiências de Física, mas não tinha nada sobre
o Brasil. Naquela época, havia entre 1.000 e 1.200 escolas, no Brasil inteiro, que possuíam um projetor de 16 mm. Dessas
1.200, havia umas 250 – no máximo 300 escolas – que podiam comprar e, com frequência, pediam filmes sobre o Brasil. Então
começamos a nos preparar para produzir filmes para esse mercado (MUNIZ, 2000 apud D’ALMEIDA, 2003, p.81).
16
O trecho foi retirado do texto Cultura e não cultura, escrito por Lina Bo Bardi no primeiro número de Crônicas de arte, de
história, de costume, de cultura da vida, no dia 07 de setembro de 1958.
14
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Cinema Urbana: Memórias em Construção
Depoimento de trabalhador do curtume, no filme A Mão do homem, de Paulo Gil Soares.
Fonte: Canal Thomaz Farkas (2019)
Depoimento de produtor de chapéus de couro, no filme A Mão do homem, de Paulo Gil Soares.
Fonte: Canal Thomaz Farkas (2019)
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Cinema Urbana: Memórias em Construção
Cenas de observação: atividades do curtume, no filme A Mão do homem, de Paulo Gil Soares.
Fonte: Canal Thomaz Farkas (2019)
Cenas de observação: atividades do curtume, no filme A Mão do homem, de Paulo Gil Soares.
Fonte: Canal Thomaz Farkas (2019)
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Cinema Urbana: Memórias em Construção
No livro Impressões de Viagem: CPC, Vanguarda e Desbunde, Heloísa Buarque de Hollanda propõe
uma divisão do debate cultural brasileiro dos anos 1960 e 1970 em três momentos: a participação
engajada, a explosão anárquica do tropicalismo e seus desdobramentos e a opção vitalista da
produção alternativa, conhecida como poesia marginal17. O enfoque da autora será no âmbito literário,
porém seu panorama geracional mais amplo serve à presente análise, particularmente na oposição
estabelecida entre duas tendências da fase engajada: a produção vinculada aos Centros Populares de
Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC) e o experimentalismo de vanguarda, sobretudo o
concretismo.
Como visto, o debate entre a italiana e o cinema baiano é iniciado no âmbito da produção literária
concretista. No início dos anos 1960, tanto Gil Soares quanto Glauber Rocha – os editores da Revista
Mapa - conduziram suas atividades em direções que, na análise de Heloísa Buarque de Hollanda,
seriam consideradas opostas a esse momento, e por associação a uma perspectiva
desenvolvimentista: Paulo Gil Soares, junto a Geraldo Sarno e Eduardo Escorel, se tornou membro
ativo do CPC e Glauber Rocha inaugurou sua “estética da fome”, com a produção de Deus e o Diabo
na Terra do Sol18. A presença de Lina Bo Bardi em Salvador no início da década e no próprio set do
filme, que contava também com Gil Soares na posição de assistente de direção, contribui para a
percepção do caráter transformador do convívio entre a arquiteta e os então estudantes baianos.
A associação dos três documentaristas às atividades dos CPCs tampouco esgota as possibilidades
interpretativas de seu trabalho no fim da década de 1960. O Anteprojeto do Manifesto do Centro
Popular de Cultura explicita o discurso oficial do movimento, para o qual “a arte do povo (...) é ingênua
e retardatária. A finalidade que a orienta é a de oferecer ao público um passatempo, uma ocupação
inconsequente para o lazer, não se colocando para ela jamais o projeto de enfrentar os problemas
fundamentais da existência19”. Manifestações populares teriam a única função residual de mediação
entre a linguagem compreendida pelas massas e as ideias a serem veiculadas pelos intelectuais e
artistas informados.
Entendendo que o enfoque dado ao popular nos filmes produzidos por Farkas superam a
intransigência cepecista, mas conservam traços de didatismo e se distanciam da ambiguidade crítica
atingida por manifestações artísticas do mesmo período, como as aparições tropicalistas, parece
possível associar esses objetos de estudo ao que Heloísa Buarque de Hollanda caracteriza como “a
produção cultural engajada que passa a realizar-se num circuito nitidamente integrado ao sistema –
teatro, cinema, disco – e a ser consumida por um público já “convertido” de intelectuais e estudantes
de classe média20”. Reforça o argumento o fato de os filmes serem planejados para um público seleto
de escolas com capacidade técnica de projeção do material.
A investigação inicial das biografias e documentos pertinentes à pesquisa sobre Lina Bo Bardi e a
Caravana Farkas associa esses artistas a mais de um grupo ou linha de pensamento considerando tão
somente o recorte reduzido entre 1958 e 1969 (respectivamente o ano da publicação das edições de
Crônicas no Diário de Notícias e o ano de produção do curta-metragem A Mão do Homem). A
historiografia referente à italiana sugere que as relações aqui exploradas fazem parte de uma via de
mão dupla, no entendimento de que o ambiente progressista do nordeste brasileiro - no momento de
criação da SUDENE, de alfabetização através do método Paulo Freire, da formação dos CPCs e das
Ligas Camponesas – teria contribuído para o florescimento das ideias de Bo Bardi sobre a associação
17
HOLLANDA, 1981, p. 10
Sobre esse giro, Heloísa Buarque de Hollanda reproduz uma significativa declaração de Glauber Rocha ainda nos anos 1970:
“Quando escolhi fazer cinema, queria fugir dos círculos literários” (ROCHA apud HOLLANDA, 1981, p. 32).
19
CPC, 1962, p. 130
20
HOLLANDA, 1981, p. 30
18
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Cinema Urbana: Memórias em Construção
entre a arte popular e a indústria nacional21. Ao longo da pesquisa, espera-se encontrar em textos
posteriores ao primeiro ciclo da arquiteta na Bahia - compreendido entre os anos de 1958 e 1964 –
sinais que apontem para renovações resultantes da experiência entre a geração de estudantes ligados
à universidade, ao jornal e a outras atividades culturais em Salvador.
O presente exercício constituiu um esforço importante de construção ao contemplar o filme que serviu
de indagação inicial para o projeto de pesquisa e o projeto editorial entendido como ponto de partida
para os diálogos intelectuais que configuram a matriz do estudo pretendido. As correspondências
estabelecidas permitem aventar que a obra de Lina Bo Bardi e dos cineastas da Caravana Farkas
permeiam diferentes tendências e devem ser entendidas não sob a perspectiva redutora de relações
de influência, mas enquanto elaborações culturais resultantes de interações complexas 22, o que em
certa medida proporciona novos sentidos à investigação proposta.
A mão do homem, cor / 19’ / 16mm / 1969-70, direção e roteiro: Paulo Gil Soares; produção: Thomaz
Farkas. Disponível em Canal Thomaz Farkas, <https://www.thomazfarkas.com/sobre-about/>. Acesso
em: 30 jun. 2019.
BARDI, Lina Bo. Diário de Notícias de Salvador, Salvador, Crônicas de arte, de história, de costume,
de cultura da vida, n. 1, 7 set. 1958.
______. Diário de Notícias de Salvador, Salvador, Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura
da vida, n. 7, 19 out. 1958.
______. Diário de Notícias de Salvador, Salvador, Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura
da vida, n. 8, 26 out. 1958.
______. Neo-concretismo al Belvedere da Sé. Arquivo MAM-BA (Museu de Arte Moderna da Bahia,
Salvador), s/d.
______. Técnica e Arte. In: Diário de Notícias de Salvador, 3º caderno, Salvador, p. 1-2, 23 out. 1960.
REVISTA MAPA, Salvador, n.3, 1958.
REVISTA A, CULTURA DELLA VITA, Itália, n.8, jun 1946.
REVISTA HABITAT, São Paulo, n.4, jul/ago/set 1951.
BNDIGITAL. Diário de Notícias (Salvador, 1875). Publicado em 10 de novembro de 2015. Disponível
em: <https://bndigital.bn.gov.br/artigos/diario-de-noticias-salvador-1875/>. Acesso em 18 de setembro
de 2019.
CPC: Centro Populares de Cultura. Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura, redigido
em março de 1962. In: HOLLANDA, Heloísa B. Impressões de Viagem: CPC, Vanguarda e Desbunde.
São Paulo: Brasiliense, 1981
21
Cf RUBINO (2002); GRINOVER (2010) e LIMA (2013).
Nesse sentido, Jorge Francisco Liernur apresenta a metáfora interessante da sala de espelhos, como proposta de substituição
de leituras baseadas na ideia de influência, no caso específico da citação entre Le Corbusier e seus discípulos argentinos.
Liernur vê a modernidade como “um momento que se caracteriza precisamente pela dispersão dos núcleos de elaboração
cultural” (LIERNUR, 2012, p. 19).
22
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Cinema Urbana: Memórias em Construção
D'ALMEIDA, Alfredo Dias. Caravana Farkas (1968-1970): A cultura popular (re)interpretada pelo
documentário - Um estudo de folkmídia. 2003. 159 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo, 2003.
FERREIRA, Ayrson Heráclito Novato. Além dos baihunos: tensões nas artes baianas e poéticas visuais
à margem. 2016. 129 p. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) - Pontifícia Universidade
Católica De São Paulo. São Paulo, 2016.
GRINOVER, Marina Mange. Uma ideia de arquitetura: escritos de Lina Bo Bardi. 2010. 257 p.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP. São
Paulo, 2010.
HOLLANDA, Heloísa B. Impressões de Viagem: CPC, Vanguarda e Desbunde. São Paulo: Brasiliense,
1981
LIERNUR, Jorge Francisco. La casa del Dr. Curutchet. In: La Red Austral: obras y projectos de Le
Corbusier y sus discípulos en la Argentina: 1924-1965. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2012, p. 375417.
LIMA, Zeuler R. M. de A. Lina Bo Bardi. New Haven: London: Yale University Press, 2013. 239 p.
MUNIZ, Sérgio (org) A Caravana Farkas, documentários 1964 - 1980. Catálogo da mostra realizada no
Centro Cultural Banco do Brasil/RJ. Rio de Janeiro, 1997. 48 p.
PINHEIRO, Bruno. Uma Bahia em construção: Pierre Verger e Odorico Tavares na revista O Cruzeiro,
1946-1951. Dissertação (Mestrado em Estética e História da Arte) - Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2016.
RAMOS, Clara Leonel. As múltiplas vozes da Caravana Farkas e a crise do “modelo sociológico”.
2007. 164 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Da Comunicação) - Universidade de São Paulo. São
Paulo, 2007.
RlSÉRlO, Antonio. Avant-garde na Bahia. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1995. 259 p.
RUBINO, Silvana. Rotas da modernidade: trajetória, campo e história na atuação de Lina Bo Bardi,
1047-1968. 2002. 262 p. Tese (Doutorado em Antropologia) – Universidade Estadual de Campinas.
Campinas,
2002.
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