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Revista Territórios e Fronteiras V.2 N.1 – Jan/Jun 2009 Programa de Pós-Graduação – Mestrado em História do ICHS/UFMT Marcos Sorrilha Pinheiro∗ A UTOPIA ANDINA E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE PERUANA NO PENSAMENTO DE ALBERTO FLORES GALINDO Resumo: Alberto Flores Galindo (1949 – 1990) é reconhecidamente um dos principais intelectuais da história contemporânea do Peru. Autor de cerca de nove livros, sua obra mais conhecida e divulgada, de 1987, tornou-se em muito pouco tempo um “best-seller” no Peru. Historiador de matriz marxista, sua trajetória política sempre esteve declaradamente vinculada aos movimentos políticos de esquerda, porém sem uma adesão partidária declarada. Neste artigo procuramos destacar o papel do intelectual peruano no esforço de compreender, traduzir e explicar seu tempo. Diante dos desafios enfrentados pela fragmentada sociedade peruana da década de 1980, Flores Galindo viu na história um caminho para se construir um elemento capaz de trazer identidade e união para os peruanos, colocando-os diante de uma nova etapa de sua sociedade: o socialismo. Abstract: Alberto Flores Galindo (1949 1990) is admittedly one of most important intellectuals of history contemporary of Peru. Author of about nine books, his workmanship more known and divulged, Buscando un Inca. Identidad y utopia en los Andes de 1987, become in little space of time in a “bestseller” in Peru. Intelectual of marxist matrix, his trajectory politics was always declared tied with the movements politicians of left, however without a declared partisan adhesion. In this article we look for to detach the paper of this Peruvian intellectual in the effort to understand, to translate and to explain his time. Ahead of the challenges faced for the Peruvian society of the 1980 decade 1980, Flores Galindo saw in history a way to construct an element capable to bring identity and union for the Peruvians, placing them to a new stage of its society: the socialism. Palavras-chave: Alberto Flores Galindo; Keywords: Alberto Flores Galindo, Historiografia peruana, Socialismo latino- Peruvian historiography, Latin-American americano. Socialism. Durante boa parte do século XX, as ciências humanas peruanas buscaram analisar a realidade de seu país baseadas na existência de uma sociedade dual1. Segundo essas interpretações, a geografia peruana, marcada pela emblemática presença dos Marcos Sorrilha Pinheiro é aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista – Unesp de Franca. 1 Autores como Luis Alberto Sánchez, José de la Riva Aguero e Jorge Basadre, são exemplos de pensadores que se utilizaram de tal interpretação. ∗ 45 Andes na parte central de seu território, ajudava a delimitar a existência de duas sociedades diversas, representas pelo litoral e pela serra. Nestas análises, procurou-se estabelecer a imagem de um país bipartido onde o litoral era relacionado aos aspectos modernos da sociedade peruana e a serra, por sua vez, ao tradicional, quando não, ao atraso. Tais interpretações se apoiavam em alguns aspectos históricos da colonização peruana, marcada pela existência das reducciones de índios na serra e da aristocracia peninsular e criolla na capital do vice-reinado no litoral. Como afirmavam alguns autores do próprio século XVI, existiria uma República dos Espanhóis e uma República dos Índios no vice-reinado do Peru2. De certa forma, podemos dizer que até meados do século XX, Lima realmente manteve boa parte de sua estrutura social da época colonial, representada pelo predomínio de uma aristocracia branca e de origem espanhola. Somente a partir da década de 1950, como resultado da explosão demográfica e do constante cenário de estagnação econômica vivida pelo país, foi que tiveram início as migrações em grande escalas de indígenas para a capital em busca de melhores condições de vida3. Gabriela Pallegrino Soares nos explica que, [...] os anos 1950 foram marcados por importantes transformações na organização social peruana, das quais os movimentos camponeses desencadeados na zona rural andina e a chegada maciça de migrantes a Lima foram a mais forte expressão. O rápido crescimento das “barriadas” (as favelas peruana) nos arredores da capital assustou as elites limenhas, acostumados a ignorar e a desprezar o “Peru indígena”, até mesmo então quase escondido pelas cordilheiras andinas4. À partir de então, a presença do indígena passou a ser cada vez mais constante no ambiente, anteriormente, dominado pela aristocracia limenha. Da mesma maneira, o inchaço populacional enfrentado por Lima trouxe consigo uma série de problemas sociais e econômicos5. Em volta da “antiga Lima”, começaram a serem erguidos bairros de migrantes serranos que, por muitas vezes erguiam suas casas em terrenos baldios 2 Cf. VAINFAS, Ronaldo. Economia e Sociedade na América Espanhola. Rio de Janeiro: Graal, 1984. As levas em grandes escalas de migrantes a Lima foram muito bem representadas pelo surgimento do distrito de Comas em 1958. Em menos de 48 horas cerca de 10.000 novas pessoas ocuparam o lugar, quase todas de origem andina. 4 SOARES, Gabriela Pellegrino. Projetos Políticos de Modernização e Reforma no Peru: 1950-1975. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2000, p. 17. 5 Entre as décadas de 1950 e 1980 a população da cidade de Lima saltou de 1 para 6,5 milhões de habitantes. 3 46 sem qualquer tipo de infra-estrutura ou saneamento básico. Tais “ocupações” ficariam conhecidas como as barriadas limenhas, ou, como pueblos jóvenes. Tais problemas migratórios chamaram a atenção dos políticos à partir de meados da década de 1960. Fernando Belaunde Terry, eleito em 1962, possuía como projeto de campanha a construção de uma estrada que uniria verticalmente o país, ligando costa, serra e selva. O projeto foi intitulado de Carretera Marginal de la Selva. Da mesma forma, a preocupação com os movimentos de migração e a nova estrutura da sociedade peruana trouxe grandes preocupações aos militares que temiam a ocorrência de levantes populares capazes de abalar o status quo da sociedade peruana. Justamente por isso, em 1968, por meio de um Golpe de Estado, chegou ao poder o General Velasco Alvarado, com a séria missão de resolver os problemas impostos pela dicotomia serra/costa e das migrações. Mais adiante, abordaremos outros detalhes do governo de Velasco. Além dos políticos, a nova realidade da organização social chamou a atenção das ciências sociais, que, a partir da década de 1960, passou a analisar os reflexos da chegada do migrante serrano na capital política do Peru. Trabalhos como a Tese de doutorado de Anibal Quijano de 1965 intitulada La emergencia del grupo cholo y sus implicaciones en la sociedad peruana6 demonstram tal preocupação. Desde então, as principais análises apontavam para o surgimento de um processo de “cholificação” da sociedade limenha. Com as barriadas, não demorou florescer um comércio informal e a abertura de lojas voltadas para atender às demandas dessa nova parcela da população. Nas praças da periferia do centro antigo de Lima o comércio popular oferecia calçados, roupas, comidas, utensílios domésticos, LPs de 45 rotação com música “folclórica”, entre outros produtos que até então não se encontravam em Lima. Se, por um lado, a sociedade limenha passou a conviver com novos referenciais culturais vindos dos Andes que mudou sensivelmente a produção e reprodução artística, bem como as formas e produtos de consumo como reflexo dos fluxos migratórios, por outro lado, tais populações foram destinadas à uma posição marginal da sociedade limenha, como evidenciam as barriadas. De certa maneira, tais populações se desenvolveram, em grande parte, à margem do Estado. 6 O termo cholo, utilizado por Quijano em sua Tese, faz referência a uma denominação discriminatória utilizada para delimitar o migrante serrano que vem para a cidade e, por meio da educação, realiza uma inserção parcial na sociedade urbana, mesclando elementos de sua tradição andina aos costumes próprios da vida urbana. 47 Na década de 1980, diante da maior crise econômica da história republicana do Peru, o contraste provocado pela existência desses “novos” grupos sociais na cidade de Lima ficou cada vez mais evidente. Tal percepção foi alertada por José Matos Mar em seu importante livro Desborde Popular y Crisis del Estado: el nuevo rostro del Perú en la Década de 1980. Decretaria o autor, As transformações sofridas pelo Peru desde a década de 1950, repercutiram recentemente de forma poderosa sobre o balanço e o equilíbrio das relações entre o mundo da oficialidade e o das maiorias, abrindo vias a um novo estilo de revolução. [...] O Peru contemporâneo já não se apresenta como um arquipélago territorial de enclaves urbanos da oficialidade, mais ou menos isolados em um imenso hinterland de marginalidade rural. Lima já não é exclusivamente a capital reduto do criollo e o mestiço monopolizando o poder e a identidade7. Encontrar um caminho de união entre a Lima oficial e a Lima informal, entre o Estado legal e o Estado real passou a ser um desafio para as ciências sociais peruanas. Entre as várias interpretações que buscaram estabelecer uma saída para esta realidade, destaca-se a obra Buscando un Inca: identidad y utopia en los Andes, de Alberto Flores Galindo, lançado em 19878. Alberto Flores Galindo é um dos mais reconhecidos e respeitados historiadores peruanos das últimas duas décadas. Nasceu em Bellavista, um distrito de Callao, região portenha localizada ao norte da cidade de Lima. Sua infância se deu em um distrito da capital peruana chamado Breña, onde também se desenvolveu a sua educação fundamental junto ao tradicional colégio Salesiano La Salle. Aos dezesseis anos ingressou na Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP) para estudar História. Concomitantemente às atividades acadêmicas, no ano de 1968, deu início a uma trajetória vinculada a política, participando da FRES (Frentes de Estudantes Socialistas) como um dos secretários deste movimento estudantil. Sua atuação política também esteve vinculada as atividades de cunho político partidário junto à sindicatos de pesca de Callao, como parte de sua militância no MIR (Movimento de Izquierda Revolucionária). No entanto, o partidarismo de Flores Galindo não duraria muito. Já no final de sua graduação optaria por seguir atuando na política de maneira apartidária, porém, sempre defendo as causas socialistas. De certa 7 MATOS MAR, José. Desborde Popular y Crisis del Estado: el nuevo rostro del Perú en La década de 1980. Lima: Concytec, 1988, p. 102-103. 8 Outra importante obra que se destaca na análise da composição da sociedade limenha da década de 1980 foi El Otro Sendero: La revolución invisible en el Tercer Mundo de Hernando de Soto, de 1986. 48 maneira, Flores Galindo se utilizaria de sua produção historiográfica para divulgar e defender tais idéias. Esta adesão ao socialismo e a utilização da história como elemento de difusão de seus ideais, possuem muitas relações com alguns momentos marcantes de ordem regional e mundial da história política e da historiografia, que se desenvolveram durante o período em que Flores Galindo esteve na universidade. Não podemos nos esquecer que esse período é cercado por alguns acontecimentos que marcariam a trajetória da esquerda peruana, latino-americana e mundial. Entre tais eventos, destacamos: o Regime Militar de Velasco Alvarado e a crise da esquerda tradicional na década de 1960. Além disso, outras mudanças paradigmáticas no campo da historiografia mundial também se desenvolvem neste mesmo lapso de tempo, como: a renovação historiográfica proposta pela História Nova francesa e a História Social inglesa. Falemos um pouco mais sobre esses três pontos. Comecemos por Velasco. Conforme destacamos anteriormente, o ano de 1968 guarda um importante momento na história política do Peru. Em 03 de outubro teve inicio o governo militar do General Velasco Alvarado. Ao contrário do que se pode imaginar, o governo de Velasco não possuía uma instrução de extrema direita. Conforme nos apresenta Julio Cotler, [...] desde que em 1968 se instalou o governo das Forças Armadas do Peru persistiu, até pouco tempo, em fazer valer a sua natureza revolucionária. O comando político militar declarou, reiteradamente, que sua profusa legislação tinha por objetivo erradicar ‘as estruturas tradicionais’, fundamento do atraso generalizado do país – o desenvolvimento – e a subordinação aos centros imperiais – a dependência9. Assim, de maneira oposta ao que ocorria naquela época no Brasil, Argentina e Chile, com a repreensão, tortura e perseguição aos movimentos estudantis e políticoculturais, no Peru, no final da década de sessenta e início dos anos setenta a “esquerda”, como um todo, encontrou certa liberdade para desenvolver suas atividades, apesar de possuir discordâncias fundamentais10 com o governo de Velasco e não apoiar uma série de medidas apresentadas. 9 COTLER, J. Democracia e integración nacional en el Perú. In: LOWENTHAL, A & McCLINTOCK, C. El Gobierno Militar: una experiencia peruana 1968-1980. Lima: IEP, 1985, p. 23. 10 Apesar da auto-denominação esquerdista de Velasco, boa parte dos partidos de esquerda como o MIR, a VR e o Partido Comunista (Stalinista e Maoísta) não apoiavam pontos da Reforma Agrária, bem como o modelo de sindicalismo propostos pelo governo militar. 49 Se, por um lado, no Peru, o velasquismo permitiu a atuação política da esquerda junto aos movimentos estudantis e de classe, por outro, a própria esquerda mundial entrava em um período de reestruturação de sua ideologia e atuação política. Nas décadas de 1960 e 1970 ocorreram alguns acontecimentos históricos11 vinculados, direto ou indiretamente, à esquerda comunista “tradicional”, que influenciaram na forma de como pensar a revolução socialista para a América Latina e, de maneira não diferente, para o Peru. Conforme o próprio Flores Galindo observou em um artigo escrito em 1978, [...] a partir da década de sessenta, e sobretudo nos anos mais recentes, essas concepções entraram em crise: se questionaram os processos socialistas da Rússia e Europa Oriental, surgem exacerbadas polêmicas em torno de um movimento que se acreditava monolítico [...] Desta maneira em poucos anos, os modelos de revolução deixa, de ser tais, desaparecem, e aqueles comunistas que não se sentem obrigados a repetir erros se encontram de improviso com o fato de que a revolução carece de ‘faróis’ que a guiem. Se produz, então, todo um movimento inverso que busca encontrar no interior da experiência nacional, o sustento para o socialismo12. Ademais, a derrota norte-americana na guerra do Vietnã, tempos mais tarde, no ano de 1975, aumentava a expectativa de que uma revolução socialista no Peru era possível, uma vez que a maior potência capitalista do mundo havia sido derrotada por um país “subdesenvolvido” e formado por camponeses como o Vietnã. A vitória do Vietnã apareceu como uma esperança de triunfo para a revolução socialista e para a esquerda peruana de então. Por fim, a última transformação destacada anteriormente e que abordaremos a seguir, não foi de ordem política ou econômica, mas sim de cunho historiográfico. Na realidade, uma alteração de ordem teórica e metodológica na produção historiográfica. Como reflexo da crise dos paradigmas representada pelo maio francês de 1968, a história, bem como outras ciências humanas, passou a refletir a respeito de seus conceitos, métodos e técnicas de pesquisa. Tal reflexão foi chamada por Michel De Certeau de crise epistemológica, cujos fundamentos universalistas da “razão” e da “verdade” apresentaram-se insuficientes para explicar a dinâmica e a complexidade das sociedades contemporâneas13. 11 Apenas para citar alguns, podemos nos referir à guerrilha da Argélia, à revolução Cubana de 1958 e ao Governo Socialista de Salvador Allende, entre outros. 12 FLORES GALINDO, A. El Marxismo Peruano de Mariátegui. In: Revista Amauta, n. 196, 1978, p. 8. 13 DE CERTEAU, Michel. A cultura no plural. 3. ed. Campinas: Papirus, 2003. 50 Para atender essas novas realidades e necessidades imposta por tal crise, novos objetos e novos estudos foram apresentados e pesquisados pela historiografia social inglesa e por aquela que ficaria conhecida como a terceira geração dos Annales na França. Essas novas instruções historiográficas chegaram ao Peru com uma grande força. Assim, as novas ferramentas trazidas pela historiografia européia - como a aproximação da história à antropologia, a psicologia, a sociologia e outras ciências das humanidades - apresentaram outras perspectivas para se compreender o desenvolvimento da própria história peruana. Um dos resultados diretos dessas mudanças de ordem historiográfica foi o surgimento de uma geração de historiadores que se preocupou em valorizar elementos particulares da sociedade e da cultura peruana. Voltando seus olhares para os excluídos, para os vencidos, para os de “abajo”, surgiu a Nueva História Peruana14, como se convencionou chamá-la. Sob essa perspectiva, essa geração de historiadores procurou substituir algumas construções historiográficas edificadas pela história tradicional do Peru15, marcada profundamente por um sentido de fracasso e oportunidades perdidas por sua sociedade. No lugar deste “muro de lamentações” criado pela historiografia tradicional, a Nova História procurou compreender a importância das camadas excluídas no processo de formação da “nação” peruana, como forma de compreender a importância do elemento andino para a formação de uma identidade peruana. Assim como faziam os sociólogos que buscavam compreender a importância do “cholo” para a nova configuração da estrutura social de seu país, a historiografia procurou compreender a importância de suas tradições na formação cultural do país. Desta maneira, conforme nos lembra Paulo Drinot, [...] o objetivo não era lamentar a ausência de uma nação coerente, mas reconhecer que a diversidade cultural havia sido uma característica peruana. [...] De uma maneira mais ampla, os historiadores incorporaram as abordagens metodológicas originárias da Antropologia e da Psicologia, deslocando a atenção dada à 14 A Nueva História Peruana era composta tanto pelos professores das universidades de San Marcos e PUCP (Heraclio Bonilla, Matos Mar, Manuel Burga, Julio Cotler e Aníbal Quijano, entre outros), como por seus alunos (Gonzalo Portocarrero, Nelson Manrique, Alberto Flores Galindo e Carlos Iván Degregori, entre outros). 15 Os dois principais nomes da historiografia peruana antes da geração da nueva história são José de la Riva Aguero (geração arielista) e Jorge Basadre (geração do centenário). Além disso podemos citar alguns de seus alunos que continuaram suas obras: Juan Agostín de la Punta e Gillermo Lohmann. 51 objetividade, às estruturas e aos processos econômicos para a subjetividade, a cultura e a identidade16. Em outro sentido, as novas perspectivas historiográficas permitiram a esse conjunto de historiadores reconhecerem novos atores políticos e, por meio dessas formulações, conceber também um projeto socialista que atendesse as demandas sociais da nova realidade peruana. De certa maneira, a História, passou a ser utilizada como uma ferramenta de atuação política junto aos movimentos de esquerda. Esta foi, sem dúvidas, uma das maiores características dessa geração de historiadores que vinculou a produção historiográfica aos movimentos políticos que compunham. Ainda segundo Paulo Drinot, no final da década de 1970 e o começo de 1980, ser “professor de história e militante político era considerado natural e necessário”17. A busca por novos conceitos e métodos historiográficos, bem como a crise da esquerda tradicional fizeram com que esses autores buscassem não somente uma reinterpretação de seus objetos de estudo, mas também, procurassem novos autores que representassem um caminho legitimamente peruano para a interpretação de sua realidade e para a implantação de seu socialismo. Dentro dessa perspectiva “revisionista”, de valorização de atores e movimentos históricos que tinham ficado a margem na história tradicional e da elaboração de um marxismo propriamente peruano, José Carlos Mariátegui (1894-1930) passou a ser o principal teórico apropriado por essa geração historiográfica. De uma forma bastante marcante, Mariátegui passou a ser uma referência não apenas para a historiografia, mas também para os movimentos políticos da época. Partidos de diferentes orientações esquerdistas, de Velasco Alvarado aos Maoístas18, passaram a reivindicar uma herança e uma continuidade ao pensamento do amauta, como o chamavam. Mariátegui foi um importante intelectual da década de 1920. Autor de obras contundentes, como Siete Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana, procurou adaptar as idéias do pensamento marxista à realidade de seu país, levando em conta a 16 DRINOT, Paulo. Historiografia Peruana: onde estamos, como chegamos e para onde vamos?. In: WASSERMAN, Cláudia. Anos 90: revista do programa de pós-graduação em história. Porto Alegre, n 18, 2003, p. 62. 17 Ib., p. 66. 18 Junto a Tupac Amaru II, Mariátegui aparecia como um referencial emblemático do governo de Velasco. De outra maneira, uma das vertentes do maoísmo no Peru foi o Sendero Luminoso, abreviação de El Sendero Luminoso de José Carlos Mariátegui. 52 importância dos indígenas para a realização de uma possível “revolução” no Peru. Por conta de suas idéias heterodoxas de marxismo, alguns autores como Bernardo Ricupero, Maiátegui foi responsável pela nacionalização do marxismo no Peru19 (Cf. RICUPERO, 2000). Dessa forma, o autor dos sete ensaios passou a ser apresentado como um intelectual responsável pela elaboração de um socialismo legitimamente peruano. Como a personagem que conseguiu propor um caminho autônomo para o processo revolucionário peruano. Um marxismo sem “calco ni copia” como escrevera o próprio Mariátegui e como gostavam de lembrar os membros da Nueva História. Junto com Mariátegui, o tema do andino, tanto no presente quanto no passado, como as sociedades pré-colombianas, as rebeliões de resistências andinas durante a conquista espanhola, as reducciones da época colonial, as festas, a arte, as tradições andinas, os trabalhadores urbanos de origem andina, entre outros, foram elementos profundamente estudados e difundidos por esta geração de historiadores. Alberto Flores Galindo, que havia se formado em 197120 e feito seu doutorado na França entre 1972 e 1974, fez parte dessa geração. Aliás, não demorou muito para que fosse reconhecido, por seus próprios companheiros, como uma das referências de sua geração. Entre os mais jovens da nueva história, Flores Galindo foi o primeiro a publicar livros e participar de mesas redondas com seus antigos professores de Católica e os docentes da Universidad Mayor de Sán Marcos. Os temas de estudo de Flores Galindo giraram também em torno daqueles apontados anteriormente. Em sua formação na França, começou um trabalho sobre Tupac Amaru II que deu espaço à análise da sociedade limenha convertida em Tese de Doutorado, intitulada Aristocracia y Plebe. Da mesma forma, não fugiu da característica principal de sua geração e realizou uma produção historiográfica engajada. Por conta de sua militância junto à esquerda, também possuiu a José Carlos Mariátegui como referência principal de seus estudos. Mais do que refletir sobre as idéias de Mariátegui, Flores Galindo vi no autor dos sete ensaios uma espécie de modelo teórico para a implantação do socialismo no Peru. Ao mesmo tempo, alertava 19 Cf. RICUPERO, B. Caio Prado Jr. E a nacionalização do marxismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2000. 20 Sua monografia de conclusão de curso possuía o título de Los Mineros de Cerro de Pasco 1900-1930. A qualidade do trabalho chamou a atenção de seus professores que decidiram publicar sua pesquisa pela própria PUCP. 53 para o fato de que o amauta havia se convertido em uma espécie de mito para sua geração e movimentos de esquerda de sua época. Para ele, apesar da proposta de não dogmatismo e de heterodoxia que acompanhava a retomada das obras e do pensamento de Mariátegui, o que os movimentos políticos tinham feito, nada mais era, do que domesticar Mariátegui a seus discursos políticos, convertendo-o em mais um dogma, como Marx, Lênin, Trotsky, Mao, Che e tantos outros já o eram. Mariátegui não era um modelo teórico, como pretendia Flores Galindo, mas um ícone distorcido para legitimar esta ou aquela corrente política. Por conta disso, enquanto historiador, Flores Galindo procurava analisar a figura de Maiátegui de maneira historiográfica, com a preocupação de retirar suas impressões míticas. Essa preocupação pode ser comprovada no grande número de artigos produzidos pelo autor sobre Mariátegui entre o final dos anos setenta e início dos anos oitenta. Em 1980, Flores Galindo escreveu sobre isso em seu artigo intitulado Usos y abusos de Mariátegui e publicado na revista Amauta. Neste artigo, em referência a uma conferência sobre o intelectual peruano que havia sido realizada no México, o historiador decretou: “de tal maneira, foram aparecendo quase tantos ‘Mariátegui’ como interpretes de seu pensamento”21. Tal inquietação superou as páginas dos periódicos e se converteu em livro ainda no ano de 1980 publicado sob o título de La Agonia de Mariátegui22. É importante alertar para o fato de que, neste mesmo ano, o Peru retomava os caminhos democráticos e de participação popular após os doze anos de governo militar comandados pelos Generais Velasco Alvarado e Francisco Moralez-Bermudez. Sendo assim, podemos dizer que, de certa maneira, esta obra procurava esclarecer aquilo que, Segundo Flores Galindo, eram os reais propósitos de Mariátegui para a atuação político partidária. Flores Galindo esperava tornar Mariátegui o ponto de confluência entre os partidos de esquerda naquele momento de retomada da vida democrática e da atuação partidária. No entanto, na prática, Mariátegui, por ser um ícone utilizado por partidos das mais diferentes matrizes, não se converteu em ponto de união entre os mesmos, mas sim de distanciamento. 21 FLORES GALINDO, Alberto. Usos y abusos de Mariátegui. In: Revista Amauta, n 253, 1980, p. 8. FLORES GALINDO, Alberto. La Agonia de Mariátegui. La polêmica con la Komintern. Lima: Desco, 1980. 22 54 Mesmo sem se vincular a nenhum partido, Flores Galindo continuou utilizando da história como ferramenta para a construção de um caminho para o socialismo. Em Aristocracia y Plebe de 198323, o autor partiu em busca de uma explicação para a falta de uma revolução no Peru durante o seu período colonial. A resposta aparece nas páginas de sua obra que realiza a montagem da sociedade peruana do final do século XVIII e início do século XIX. Para o autor, entre tantos rostos existentes na plebe, não foi possível, durante aquele período, estabelecer-se um elemento de coesão entre negros, escravos, mestiços e indígenas capaz de produzir um levante popular. Frente à aristocracia, a plebe se encontrou demasiadamente fragmentada para realizar tal ação. De outra maneira, a aristocracia limenha também não soube se apresentar como protagonista de uma revolução. Dependente das exportações de cana de açúcar e do mercado externo, a elite aristocrática se viu atrelada aos interesses da Coroa espanhola até bem pouco tempo antes de a independência ser proclamada em 1821. A construção desse panorama da sociedade limenha colonial fez com que o autor voltasse seus olhos para o presente e se indagasse sobre o destino da política peruana na década de 1980. A pergunta, agora, partiu no sentido de descobrir: porque, mesmo depois da queda do sistema colonial e do desmonte da sociedade aristocrática causada pelos fluxos migratórios das três ultimas décadas peruanas, a fragmentação entre a plebe continuava existindo? Por que a plebe limenha continuava incapaz de realizar uma revolução? O que seria necessário para se construir um elemento agregador entre tais sujeitos sociais? Tais questões aparecem claramente sintetizadas no último parágrafo do livro quando o autor escreve, Em efeito, desapareceu a aristocracia, porém a plebe – junto com ela os camponeses do interior – persistiram em sua condição. Para utilizar uma imagem do século passado: o mundo seguiu direito e ainda seguimos imaginando como colocá-lo ao revés. Um desafio onde o passado se confunde com o futuro, ainda esperando um desenlace diferente24. Eduardo Cárceres, historiador peruano, realiza a mesma leitura sobre esta obra e as inquietações que moviam Flores Galindo naquele momento. Segundo Cárceres, 23 FLORES GALINDO, Alberto. Aristocracia y Plebe: Lima 1760 – 1830 (estructura de clases y sociedad colonial). Lima: Mosca Azul, 1984. 24 Ib., p. 236. 55 É muito difícil ler o último capítulo deste livro sobre Lima a inícios do século XIX sem pensar no Peru contemporâneo. Descontento visível, classe dominante em decadência, heterogeneidade e fissuras na plebe urbana25. À partir de então, os trabalhos historiográficos de Flores Galindo partiram em direção de se identificar na história peruana um elemento capaz de trazer identidade e aglutinar essas populações historicamente exploradas. Assim, Flores Galindo começou a desenvolver o tema da utopia andina em suas pesquisas. Segundo o autor, na história do Peru era possível rastrear momentos que foram marcados pela expectativa de reconstrução do império Inca. Segundo ele, basicamente, a utopia andina era a esperança compartilhada por grupos sociais de que um dia o Inca morto pelos espanhóis ressurgiria dos quatro cantos do Tahuantinsuyu para restaurar o que havia sido destituído. Em seus artigos e publicações26, afirmava que, desde o século XVI, após a chegada dos espanhóis, esse sentimento de restauração do mundo incaico já existia e continuou se reproduzindo por variados momentos, hora com menos força e hora com maior destaque a ponto de se converter em rebeliões de resistência ou, até mesmo, em projetos políticos de poder. Dentro de uma linha do tempo que supera os limites coloniais e avança na história republicana, a utopia andina teria motivado a criação de modelos de idealização do Império Inca. Segundo tal modelo idealizado, o império Inca apareceria como uma sociedade justa, sem fome e sem desigualdades. Restaurar este “paraíso perdido”, esta utopia, era o objetivo de tais movimentos contestatórios. De qualquer maneira, Flores Galindo, observou que os meios para atingi-lo nem sempre eram os mesmos ou possuíam a mesma orientação ideológica. Muitas vezes tais movimentos possuíam contradições fundamentais entre si, representando diferentes grupos políticos, étnicos ou classes sociais, resultando em projetos, até mesmo, antagônicos, mas com um mesmo ideal, superar as dificuldades impostas pelos governantes que os regiam. 25 CARCERES, Eduardo. Introducción. In: FLORES GALINDO, Alberto. Obras Completas. Vol. I. Lima: Fundación Andina/Sur, 1993, p. XXV. 26 O primeiro artigo de Flores Galindo sobre a utopia andina apareceu em setembro de 1981 sob o título de Utopia Andina y Socialismo e foi publicado na revista Cultura Popular. No Livro Aristocracia y Plebe, o autor faz duas menções a utopia andina sem desenvolver o tema. Outros artigos sobre a utopia andina apareceram entre 1984 e 1986. Muitos deles foram convertidos em capítulos do livro Buscando un Inca. 56 Desta forma, Flores Galindo percebeu que, ao longo do tempo a utopia andina, na verdade, não se apresentava como um único movimento, mas sim uma constante reinvenção na memória coletiva peruana. Justamente por isso deveria ser compreendida não como uma única utopia, mas como “utopias”, já que se reproduzia de acordo com seu contexto histórico e atendendo as demandas e reivindicações sociais da época e do grupo de interesse. É justamente esta observação que faz Flores Galindo em um de seus artigos sobre a utopia andina, quando adverte que [...] evitar-se-iam alguns maus entendidos se consideramos que, em um sentido estrito, não existe uma utopia andina. É imprescindível usar o plural. A utopia andina foi variando segundo as épocas, os lugares e os grupos sociais27. Assim, a crença em um regresso do império incaico seria um dos elementos principais que teriam motivado grupos de diferentes tendências em diversos momentos a se levantarem contra uma ordem estabelecida. E, da mesma forma, levaram seus líderes a se proclamarem como o Inca. Estariam esses grupos, constantemente “buscando um Inca”. Com essas palavras Flores Galindo dá o título à sua obra mais polêmica, contestada e mais reconhecida. Buscando un Inca: identidad y utopia en los andes28, de 1987, mencionada anteriormente, apresentava com fontes variadas e um trabalho amplo de estudo a trajetória da utopia andina e o seu lugar na tradição política e cultural peruana. O trabalho de pesquisa dos últimos anos se converteria em uma obra que visava conceituar e explicar tal proposição. Para o autor a utopia andina podia ser compreendida como um elemento de permanência na história peruana e, por isso, estava presente até os dias de hoje, como uma forma de afirmar a esperança no restabelecimento de “tempos melhores” para o Peru. De qualquer maneira, ao contrário do que se possa pensar, Flores Galindo afirmava que não seria ela capaz de estabelecer uma identidade responsével por unir a plebe peruana. Por se remeter ao passado incaico, a utopia andina, por si só, era excludente. Não conseguiria, portanto, abarcar povos e comunidades de origem não incaica e, ao mesmo tempo, se colocaria contra a modernidade e tradição européia. 27 FLORES GALINDO, Alberto. La Utopía Andina: esperanza y proyecto. In: _____. Tiempos de Plaga. Lima: Caballo Rojo, 1988, p. 249. 28 FLORES GALINDO, Alberto. Buscando un Inca: identidad y utopía en los andes. La habana: Casa de las Américas, 1986. 57 Mas, neste sentido, qual o papel da utopia andina para a formação de uma identidade para o Peru? Para o autor, sua contribuição estava justamente em sua capacidade utópica de converter um ideal em “paixão coletiva”. Sua capacidade de mover pessoas em prol de uma mudança, de uma revolução. Porém, não seriam os incas aqueles capazes de dar a identidade. Para um país tão fragmentado etnicamente a identidade deveria ser buscada no futuro e não no passado. Seria este elemento o socialismo. Neste sentido o socialismo deveria se converter em uma paixão coletiva, assim como a utopia andina. Porém, para se converter em um elemento capaz de congregar a fragmentada sociedade peruana, o socialismo deveria se nutrir das tradições trazidas pela utopia andina e de sua capacidade aglutinadora de paixão coletiva. A utopia andina traria a tradição peruana e converteria o socialismo em algo notadamente peruano. Como observa o autor em um artigo já citado, [...] o socialismo não só requer idéias; também – e quem sabe antes – de paixões coletivas. Nenhum projeto socialista pode prescindir da história de um país. O êxito do marxismo para impulsionar revoluções vitoriosas está radicado em sua capacidade de aliar-se com as tradições nacionais29. Este socialismo peruano, que se mesclava com as raízes nacionais tinha um autor como referência maior, que não poderia deixar de ser: José Carlos Mariátegui. Em uma de suas obras, Peruanicemos al Peru, Mariátegui já havia alertado para a necessidade de se promover a adaptação do modelo socialista à realidade e a história peruana. Advertido a necessidade de a tradição ser posta em prol da revolução, “reivindicado não pelos tradicionalistas, mas pelos revolucionários” 30. De outra forma, a busca pela construção do socialismo como uma paixão coletiva, também guardava relações com o que havia proposto pelo autor dos sete ensaios. Segundo Mariátegui, a revolução socialista não poderia ser uma simples troca de elites no poder, mas sim, um trabalho de aglutinação, algo que aproxime o socialismo a uma fé. De outra forma, o socialismo deveria ser como a fé, construída culturalmente, compartilhada consensualmente e não imposta. O marxismo como “fé” foi proposto por Mariátegui em um de seus artigos na Revista Mundial em 29 de março de 1930, 18 dias antes da morte do autor. Neste artigo, o autor explica que “o marxismo é uma fé, sem confundir evidentemente ‘... a fé fictícia, 29 30 FLORES GALINDO, Alberto. La Utopía Andina: esperanza y proyecto. Op. Cit. 28, p. 252. MARIÁTEGUI, José Carlos. Mariátegui Total. Tomo I. Lima: Empresa Editora Amauta, 1994, p. 121. 58 intelectual, pragmática dos que encontram seu equilíbrio nos dogmas e na ordem antiga, com a fé apaixonada, arriscada, heróica dos que combatem perigosamente parara a vitória de uma ordem nova’”31, escreveu Flores Galindo recorrendo à Mariátegui. Porém, mais do que repetir as proposições e as interpretação de Mariátegui, seria a “utopia”, o elemento de mobilização responsável por desenvolver o socialismo como uma fé. Neste sentido, Para Flores Galindo, a utopia advinda da utopia andina poderia ser o elemento capaz de dar ao socialismo esse caráter “espiritual” e coletivo e, dessa maneira, cumprir com a reivindicação inacabada de Mariátegui. Conforme anunciou em seu livro Buscando un Inca: [...] o desafio consiste em imaginar um modelo de desenvolvimento que não implique na postergação do campo e na ruína dos camponeses, ao contrário, permita conservar a pluralidade cultural. Recorrer às técnicas tradicionais, aos conhecimentos astronômicos, ao uso da água... Populismo? Romantismo? Não se trata de transpor as sociedades do passado ao presente. Sem negar as rodovias, os antibióticos, os tratores, trata-se de pensar um modelo de desenvolvimento desde nossas demandas e que não sacrifique inutilmente as gerações. O mito que reivindicava Mariátegui32. O elemento “fé” é algo fundamental para compreendermos as intenções do autor com a exposição to tema. Para ele, um elemento indispensável para o êxito das utopias andinas era o fato de que as pessoas “acreditassem” nelas, na existência do mito do Inca que regressaria. Como uma paixão coletiva, a fé era o que os mobilizava em torno de um ideal. Flores Galindo apresenta essa fé como o elemento canalizador para a construção de uma identidade aos peruanos. Um elemento agregador, responsável por conduzir a sociedade peruana a uma nova etapa de sua existência, a um novo tipo de nação. Seria a fé capaz de tornar o socialismo um “ideal” coletivo. Assim, a utopia seria o elemento que faltava para se desenvolver o socialismo mariateguista desde suas origens. Um socialismo que não fosse importado ou transplantado, mas que tivesse os traços peruanos, que se identificasse com o Peru e que gerasse uma identidade para o mesmo. Uma maneira de apresentar uma revolução feita pela vontade popular, como uma “paixão coletiva” insistimos, e não uma revolução partidária ou elitista, que somente inverte a ordem entre os explorados e os exploradores. 31 FLORES GALINDO, Alberto. La Agonia de Mariátegui. La polémica con la Komintern. Op. Cit. 23, p. 14. 32 FLORES GALINDO, Alberto. Buscando un Inca... Op. Cit. nota 29, p. 373. 59 Como na construção de uma identidade para o Peru, Flores Galindo teve a preocupação de vincular este socialismo à paisagem, à geografia, à história, aos heróis e ao povo peruano. Os heróis desta tradição não são Lênin ou Marx. Os heróis deste socialismo são os mesmos rostos perdidos na plebe peruana do século XIX. Um herói como Mariátegui33. Por isso, estabelece um nexo de permanência e inventa uma tradição com a qual o socialismo se relaciona, o que faz com que este não pareça uma criação européia, mas algo originário da própria história peruana. De qualquer maneira, tal intenção também se apresentou inacabada como o próprio pensamento de Mariátegui. Flores Galindo faleceu três anos após apresentar a utopia andina como um caminho para a construção de uma identidade para o Peru. Em 26 de março de 1990 chegou ao fim sua trajetória. Faleceu em Lima vítima de um câncer no cérebro que em menos de um ano se apresentou fatal. Referências CARCERES, Eduardo. Aristocracia y Plebe: Lima 1760-1830 (estructura de clases y sociedad colonial). Lima: Mosca Azul, 1984. ______. Introducción. In: FLORES GALINDO, Alberto. Obras Completas. Vol. I. Lima: Fundación Andina/Sur, 1993. ______. La Agonia de Mariátegui. La polêmica con la Komintern. Lima: Desco, 1980. COTLER, J. Democracia e integración nacional en el Perú. In: LOWENTHAL, A & McCLINTOCK, C. El Gobierno Militar: una experiencia peruana 1968-1980. Lima: IEP, 1985. DE CERTEAU, Michel. A cultura no plural. 3. ed. Campinas: Papirus, 2003. 33 Sobre a construção de identidades nacionais, Anthony Smith adverte que esta deve obedecer algumas regras que passam pela seleção de elementos culturais, históricos ou geográficos que tornem possível aos integrantes de uma nação se sentirem pertencentes a este projeto, se reconhecerem perante à identidade criada. O mesmo ocorre com a recuperação de “heróis” históricos que se vinculam geograficamente ou culturalmente à imagem de um país. Ver: SMITH, Anthony. Conmemorando a los muertos, inspirando a los vivos. Mapas, recuerdos y moralejas en la recreación de las identidades nacionales. In: Revista Mexicana de Sociología, vol. 60, n.1, 1998. 60 DRINOT, Paulo. Historiografia Peruana: onde estamos, como chegamos e para onde vamos? In: WASSERMAN, Cláudia. Anos 90: Revista do Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre, n 18, 2003. FLORES GALINDO, Alberto. El Marxismo Peruano de Mariátegui. In: Revista Amauta, n. 196, 1978. ______. 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