GUERINI, Andreia; SALES, Antonia de Jesus. A representação das artes nos
contos de Clarice Lispector. In: Revista Épicas. Ano 5, Número Especial 4,
Março
2021,
p.
27-39.
ISSN
2527-080X.
DOI:
http://dx.doi.org/10.47044/2527-080X.2021vNE4.2739
A REPRESENTAÇÃO DAS ARTES NOS CONTOS DE CLARICE LISPECTOR
THE ARTS REPRESENTATION IN CLARICE LISPECTOR’S SHORT STORIES
Andreia Guerini1
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
Antonia de Jesus Sales2
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE
RESUMO: Clarice Lispector é uma escritora multifacetada, que se destacou nas formas narrativas. Romances, contos e
crônicas são algumas das modalidades utilizadas com destreza pela autora. A partir principalmente das considerações de
Oliveira (2019) sobre a arte na ficção de Clarice Lispector e da “descrição pictural”, proposta por Louvel (2006), este artigo
visa analisar a presença das artes nos seus contos, publicados na edição Todos os Contos (2016), organizada por Benjamin
Moser. O questionamento que permeia a discussão é: como as artes aparecem e como são representadas nos contos de
Clarice Lispector? E como se materializa nos procedimentos estilísticos? Após a análise do corpus selecionado, podemos
dizer que Clarice Lispector usa procedimentos como a descrição ecfrástica, a sinestesia e as hipotiposes para colocar em
destaque as mais variadas manifestações artísticas através de inúmeras referências à música, cinema, pintura, escultura
dentre outras, a ponto desses elementos serem (co)adjuvantes da singular narrativa clariciana.
Palavras-chave: Clarice Lispector. Contística. Artes.
ABSTRACT: Clarice Lispector is a multifaceted writer, who excelled in narrative forms. Novels, short stories and chronicles
are some of the modalities used by the skilled author. Based mainly on the considerations of Oliveira (2019) on art in the
fiction of Clarice Lispector and the “pictorial description”, proposed by Louvel (2006), this article aims to present and analyze
the presence of the arts in her stories, published in Todos os Contos (2016), organized by Benjamin Moser. The question
1
Professora Titular de Estudos Literários e Estudos da Tradução na Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora do CNPq. email: andreia.guerini@gmail.com e CV: http://lattes.cnpq.br/1962473391601725
2 Doutoranda em Estudos da Tradução (PGET/UFSC). Docente no IFCE-Campus Tauá. antonia_saless@hotmail.com
CV: http://lattes.cnpq.br/0619140274650159
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that permeates the discussion is: how do the arts appear and how are they represented in Clarice Lispector's short stories?
And how does it materialize in stylistic procedures? After analysing the selected corpus, we can say that Clarice Lispector
uses procedures such as ekphrastic description, synesthesia and hypotypes to highlight the most varied artistic
manifestations through countless references to music, dance, cinema, painting, sculpture, among others, to point that these
elements are (co)adjuvant to the singular Clarician narrative.
Keywords: Clarice Lispector. Short Stories. Arts.
Introdução
Embora consagrada como escritora de romances e contos, Clarice é uma autora multifacetada, pois
atuou em diferentes campos e sobre as quais a crítica vem paulatinamente se debruçando. Não por acaso, nos
últimos anos, conforme apontam Hanes e Guerini (2016)3, há um crescente número de estudos elucidando as
diversas facetas dessa famosa personagem da cultura brasileira.
Para se ter uma ideia desse rico e multifacetado perfil, no final de sua vida, em 1975, Clarice pintou 22
quadros4, que são “(...) Criações abstratas, algumas de tons sombrios, outras vivamente coloridas, denunciam o
percurso do pincel pelas nervuras da madeira, de modo a ressaltar sua textura original. (...)” (OLIVEIRA, 2019, p.
16). Para dar visibilidade a essa faceta de Clarice Lispector, no ano do centenário de seu nascimento (2020), para
comemorar tal efeméride, a editora Rocco está reeditando as obras de escritora e para destacar a "pintora", as
capas das novas reedições são as imagens produzidas pela autora em meados da década de 70, como podemos
ver abaixo:
Figura 1 - Imagens das capas de livros publicados em 2019/2020
Fonte: https://www.rocco.com.br/especial/claricelispector/
Para além da pintura, ao destacar a presença das diferentes artes nos romances de Clarice, Oliveira
discute essa relação em Alvoroço da criação: a arte na ficção de Clarice Lispector (2019). A autora parte do fato
de que vemos, constantemente, na ficção de Clarice uma conectividade com as artes. Assim, temos, por exemplo,
3 Ver Hanes, Vanessa e Guerini, Andréia. "Clarice Lispector traduzida e tradutora: estado da arte". In Revista da Anpoll 41/1, 2016, p. 173183, disponível em : https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/942/882
4https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2019/12/ano-do-centenario-de-clarice-lispector-2020-tera-serie-delancamentos-que-lembrarao-vida-e-obra-da-escritora-ck4czbeke06xt01rz9b3sne7x.html
https://claricelispectorims.com.br/do-acervo/eu-queria-escrever-como-um-pintor/
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uma escultura como protagonista em A Paixão segundo G. H., numa relação constante com a arte primitiva e a
arquitetura. Já em Água Viva, a protagonista é uma pintora. Em Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, temse outra protagonista pintora. Em O lustre, a arte decorativa é explorada e em A cidade sitiada tem-se a escultura
como mote.
Essa relação também pode ser estendida para os contos, pois conforme destaca Oliveira:
A relação de Clarice Lispector com as artes durou tanto quanto sua vida. De maneiras diversas, o
interesse pela criação artística emerge de sua biografia, pontilha seus textos jornalísticos, permeia seus
contos e romances, tecendo uma série de conexões que propiciam uma entrada particularmente
convidativa para a leitura crítica. Em sua ficção, as alusões a elementos pictóricos, às vezes
enganadoramente curtas, revelam-se metáforas de uma temática existencial, orientam a leitura, a
interpretação das personagens e articulam a construção textual. (OLIVEIRA, 2019, p. 15)
Ao compreender a relação dialética entre a arte da escrita e outras artes, investigamos aqui como as
diferentes formas de artes aparecem em alguns contos de Clarice Lispector, presentes na edição Todos os Contos
(2016), organizada por Benjamin Moser.5 O questionamento que permeia a discussão é: que relações podemos
encontrar entre literatura e as artes nos contos claricianos? Como a questão da arte é representada nos contos
aqui analisados? E como se materializa nos procedimentos estilísticos.
No primeiro parágrafo do conto "O triunfo", publicado em 1940, Clarice se utiliza de um procedimento
que é a sinestesia, uma forma de criar imagens para o leitor, seja através de descrições bem desenvolvidas, seja
através da busca de transmissão de sensações, como podemos ler abaixo:
O relógio bate 9 horas. Uma pancada alta, sonora, seguida
de uma badalada suave, um eco. Depois, o silêncio. A clara
mancha de sol se estende aos poucos pela relva do jardim.
Vem subindo pelo muro vermelho da casa, fazendo brilhar a
trepadeira em mil luzes de orvalho. Encontra uma abertura,
a janela. Penetra. E apodera-se de repente do aposento,
burlando a vigilância da cortina leve. (2016, p. 27)6
Soam 11 horas, compridas e descansadas. Um pássaro
dá um grito agudo. (...) Fixa os olhos numa marinha, em
cores frescas. Nunca vira água com tal impressão de
liquidez e mobilidade. Nem nunca notara o quadro. De
repente, como um dardo, ferindo agudo e profundo:
“Ele foi embora”. Não é mentira”! ( p. 30)
As imagens dos trechos acima nos sugerem a descrição de uma pintura, na qual podemos visualizar o
estilo da paisagem, que são pinceladas com as cores e os sons da natureza. Esse modo de narrar dificultou a
publicação dos seus primeiros contos. Isso porque, segundo Olga Boreli (1979, orelha do livro)7, Clarice Lispector
5 Neste artigo não serão desconsiderados: a peça de teatro (“A pecadora queimada e os anjos harmoniosos” e as crônicas: “Discurso de
inauguração”, “Seco estudo de cavalos”, “Mineirinho” e “Brasília”, que foram incluídas na compilação da contística clariciana, por não se
configurarem como contos.
6 De agora em diante, as referências aos contos serão indicadas apenas com o número de página da edição Todos os Contos.
7LISPECTOR, Clarice. A Bela e a Fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.
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enviou alguns contos para o Diário de Pernambuco, no espaço para contos infantis. No entanto, eles não
publicaram seus textos porque não iniciavam com a forma tradicional “Era uma vez”.
No conto “Delírio”, temos a mesma relação apontada anteriormente em que estão imbricados diferentes
elementos artísticos (música, pintura, dança):
(...) As flautas desfiam cantos agudos
como suaves gargalhadas e as criaturas
ensaiam uma dança levíssima... Sobre as
feridas escuras pululam flores miúdas e
cheirosas. [...] Seus filhos se assustam...
interrompem as melodias e as danças
ligeiras... Esbatem no ar as asas finas num
zumbido confuso. (p. 71)
O sol reaparece. Sai de trás da nuvem vagarosamente e surge inteiro,
poderoso, sangrento... Respinga brilho sobre o bosquezinho. E agora seu
sussurro é o canto suavíssimo de uma flauta transparente, erguida para o
céu...
Endireita-se sobre a cadeira, um pouco surpreendido, deslumbrado.
Pensamentos alvoroçados se entrecruzam de repente em sua cabeça...
Sim, por que não? Mesmo o fato de a moça morena... Todo o delírio
surge-lhe antes os olhos? Como um quadro... Sim, sim... Anima-se. Mas
que material poético encerra... “A Terra está tendo filhos.” E a dança dos
seres sobre as feridas abertas? O calor volta-lhe ao corpo em leves ondas.
(p. 76)
Nos trechos acima, temos, no mesmo formato do conto anterior, uma descrição das sensações, mas de
uma forma mais complexa. Inicialmente, o texto parece descrever um dia comum de uma pessoa. No entanto,
conforme as descrições vão ocorrendo, percebe-se que o conto está, na verdade, descrevendo o delírio pelo qual
passa aparentemente uma pessoa. As menções às artes (o canto da flauta, o quadro e a dança) ajudam na
construção do delírio almejado.
No discurso clariciano também encontramos uma relação entre as artes e as relações humanas. A
vivência humana é usada de forma abstrata e as artes parecem auxiliar na construção da escrita, como podemos
ver nos contos "Amor" e "Discurso de inauguração":
(...) Todo o seu desejo vagamente artístico encaminharase há muito no sentido de tornar os dias realizados e
belos; com o tempo seu gosto pelo decorativo se
desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter
descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a
cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a
vida podia ser feita pela mão do homem. (p. 146)
Quanto a nós mesmos, assim como nossos filhos nos
estranham, a linha metálica eterna nos estranhará e terá
vergonha de nós, que a construímos. Estamos, porém,
cientes de que se trata de missão suicida de sobrevivência.
Nós, os artistas do grande negócio, sabemos que a obra
de arte não nos entende. E que viver é missão suicida. p.
385)
Os exemplos acima dão uma ideia da forma de como Clarice Lispector consegue dentro da própria
narrativa ficcional trabalhar palavras e imagens/sensações, emoldurando uma na outra. Mas há outros
procedimentos utilizados que entrelaçam a narrativa ficcional com outras artes. De maneira geral, vemos
transitar pelos contos claricianos diferentes personagens ligados ao mundo das artes como cantores: Edith Piaf,
Roberto Carlos; pintores: Max Ernst, Fra Angelico; músicos/compositores: Debussy, Beethoven, Respighi,
Schumann, Strauss, Jean Sibelius; e também escritores: Marcel Aymé, James Joyce, Erico Veríssimo, Machado de
30
Assis, além de outros personagens e elementos que nos remetem ao campo das artes, como o cinema, a
escultura etc.
Esses elementos vão se desdobrando no corpo ficcional clariciano. As referências à música, por exemplo,
são recorrentes no universo dos contos aqui analisados. Muitas vezes pela citação explícita a compositores, como
em: “A partida do trem”: “(...) Ah, Eduardo, quero a doçura de Schumann! (...)” (p. 460); “O corpo”: “Às seis horas
da tarde foram os três para a igreja. Pareciam um bolero. O bolero de Ravel.” (p. 537) ou “Ligaram o rádio de
pilha e ouviram uma lancinante música de Schubert. Era piano puro. (...)” (p. 541); “Ruído de Passos”, temos um
outro compositor citado: “(...) Quando ouvia Liszt se arrepiava toda.(...)” (p. 567). No conto “Dia após Dia”,
Strauss é mencionado de forma indireta, por uma composição sua. (...) Não quero mais depender de ninguém.
Quero é Danúbio Azul. E não Valsa Triste de Sibellius, se é que é assim que se escreve o seu nome.” (p. 563). Em
“Trecho”, encontramos uma menção a Debussy:
Vejam só: Debussy era um músico-poeta, mas tão poeta que um só dos títulos de suas suítes fazem
você se deitar na relva do jardim, os braços sob a cabeça, e sonhar. Vejam só: Sinos entre folhas.
Perfumes da noite... Vejam só... gritou uma mulher magra na mesa vizinha, batendo com as costas das
mãos na mesa, como se dissesse: “Eu lhe garanto, agora é noite. Não discuta.” (p. 99)
Em "Onde estivestes de noite", a figura de Strauss e elementos da música surgem de forma constante:
“Ele-ela com as sete notas musicais conseguia o uivo. Assim com as mesmas sete notas podia criar uma música
sacra. Ouviram eles dentro deles o dó-ré-mi-fá-sol-lá-si, o ”si” macio e agudíssimo. (...)” (p. 483), ou ainda como
podemos ler abaixo:
Jubileu de Almeida ouvia o rádio de pilha, sempre. “O mingau mais gostoso é feito com Cremogema.”
E depois anunciava, de Strauss, uma valsa que por incrível que parecesse chamava-se “O pensador
livre”. É verdade, existe mesmo, eu ouvi. Jubileu era dono do “Ao Bandolim de Ouro”, loja de
instrumentos musicais quase falida, e era tarado por valsas de Strauss. (...) Jubileu era também afinador
de pianos. (...) E pensou: se eu pudesse algum dia ouvir “O pensador livre”, de Strauss, eu seria
recompensado na minha solidão. Só ouvira essa valsa uma única vez, não se lembrava quando. (p. 4889)
Em "Cartas a Hermengardo", Beethoven aparece com a sua famosa Quinta Sinfonia:
Senta-se. Estende tuas pernas. Fecha os olhos e os ouvidos. Eu nada te direi durante cinco minutos
para que possas pensar na Quinta Sinfonia de Beethoven. Vê, e isto será mais perfeito ainda, se
consegues não pensar por palavras, mas criar um estado de sentimento. Vê se podes parar todo o
turbilhão e deixar uma clareira para a Quinta Sinfonia. É tão bela. Não ames e terás dentro de ti o amor.
Não fumes o teu cigarro e terás um cigarro aceso dentro de ti. Não ouças a Quinta Sinfonia de
Beethoven e ela nunca terminará para ti. (p. 111-2)
Em outros contos, são os instrumentos musicais a se fazerem presentes. Em “A menor mulher do
mundo”, lemos: “(...) Os Likoualas usam poucos nomes, chamam as coisas por gestos e sons de animais. Como
31
avanço espiritual, tem um tambor. Enquanto dançam ao som do tambor, (...)” (p. 194). Em “Trecho”, temos:
“(...) Olhem, vocês, que têm esse ar de vitória, olhem: eu sou capaz de vibrar, de vibrar como a corda esticada
de uma harpa. (...)” (p. 95), ou ainda quando, nesse mesmo conto
Ouve de início umas pancadinhas surdas, ritmadas, singulares e misteriosas, subindo do estrado da
orquestra. Em efervescência crescente, como animaizinhos borbulhando em meio desconhecido, vaise acentuando o ritmo. E de repente, do último negro da segunda fila, ergue-se um grito selvagem,
prolongado, até morrer num queixume doce. O mulato da primeira fila contorce-se numa reviravolta,
seu instrumento aponta para o ar e responde com um “bu-bu” rouco e infantil. As pancadinhas
parecem homens e mulheres gingando num terreiro da África. Súbito silêncio. O piano canta três notas
soltas e sérias. Silêncio. [...] A orquestra, em movimentos suaves, quase imóvel, agachada, desliza um
fox-blue pianíssimo, insinuante como uma fuga. (p. 98)
Em “A procura de uma dignidade”, Clarice faz menção à canções conhecidas da música popular brasileira:
“(...) Não perdia um só programa dele. Então, já que não pudera se impedir de pensar nele, o jeito era deixar-se
pensar e relembrar o rosto de menina-moça de Roberto Carlos, sem amor” (p. 447),
“(...) E ainda,
inexpressivamente cantou baixo o estribilho da canção mais famosa de Roberto Carlos: “Quero que você me
aqueça neste inverno e que tudo o mais vá para o inferno.” (p. 450).
Em “A partida do trem”, Roberto Carlos é mencionado novamente: “A velha era anônima como uma
galinha, como tinha dito uma tal de Clarice falando de uma velha despudorada, apaixonada por Roberto Carlos.
Essa Clarice incomodava. (...)” (p. 466). Em outro trecho do mesmo conto, uma cantora francesa é citada: “(...)
Ouvia-se do outro vagão o grupo de bandeirantes que cantavam o Brasil agudamente. Felizmente no outro
vagão. A música do rádio do rapaz entrecruzava-se com a música de outro rapaz: estava escutando Edith Piaf
que cantava J’attendrai”. (p. 453).
Em "O relatório da coisa", a narradora teoriza sobre música “Um quarteto de música é muitíssimo mais
do que sinfonia. Flauta é. Cravo tem um elemento de terror nele: os sons saem esfarfalhados e quebradiços.
Coisa de alma de outro mundo.” (p. 502).
Já em outros contos, como "Uma história de tanto amor" e "Tempestade de almas", a presença da música
acontece de forma alusiva:
Era uma vez uma menina que observa tanto as galinhas que lhes
conhecia a alma e os anseios íntimos. A galinha é ansiosa, enquanto o
galo tem angústia quase humana: falta-lhe um amor verdadeiro
naquele seu harém, e ainda mais tem que vigiar a noite toda para não
perder a primeira das mais longuínquas claridades e cantar o mais
sonoro possível. É o seu dever e a sua arte. Voltando às galinhas, a
menina possuía duas só dela. Uma se chamava Pedrina e a outra
Petronilha. (Uma história de tanto amor; p. 421)
(...) A loucura é vizinha da mais cruel
sensatez. Engulo a loucura porque ela me
alucina calmamente. O anel que tu me deste
era de vidro e se quebrou e o amor não
acabou, mas em lugar de, o ódio dos que
amam. (...) (Tempestade de almas; p. 520)
(...) A eletrola está quebrada e não viver com
música é trair a condição humana que é
cercada de música. Aliás, música é abstração
do pensamento, falo de Bach, de Vivaldi, de
Haendel. (...)” (Tempestade de almas; p.
521).
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No conto “Por enquanto”, Clarice cita alguns cantores da música popular brasileira: “(...) Liguei meu rádio
de pilha! não é preciso ser triste para ser bem-educado. Vou convidar Chico Buarque, Tom Jobim e Caetano
Veloso e que cada um traga a sua viola. Quero alegria, a melancolia me mata aos poucos”. (p. 561)8. Já em “Praça
Mauá”, a escritora cita um ritmo de música brasileira: “(...) No samba é que era boa. Mas um blues bem
romântico também a atiçava” (p. 573).
Desse rico repertório de exemplos da presença da música, passamos a outro elemento das artes, o
cinema, que é retratado, por exemplo, em "A partida do trem", através da figura do grande cineasta italiano
Fellini: “(...) E digo como Fellini: na escuridão e na ignorância crio mais. (...)” (p. 464), ou, em "O corpo", quando
diz: “(...) Adorava tangos. Foi ver O último tango em Paris e excitou-se terrivelmente. (...) Não compreendeu o
filme: achava que se tratava de filme de sexo. (...)” (p. 537). Ou ainda em "Evolução de uma miopia":
(...) “como nós sorriríamos agora, se não fôssemos bons educadores” – e, como numa quadrilha de
dança de filme de faroeste, cada um teria de algum modo trocado de par e lugar. Em suma, eles se
entendiam, os membros de sua família; e entendiam-se à sua custa. Fora de se entenderem à sua custa,
desentendiam-se permanentemente, mas como nova forma de dançar uma quadrilha: mesmo quando
se desentendiam, sentia que eles estavam submissos às regras de um jogo, como se tivessem
concordado em se desentenderem. (p. 329)
Em “O homem que apareceu”, a escritora cita uma obra cinematográfica: “Tinha me falado também num
tiro de misericórdia que dera num cachorro que estava sofrendo. Perguntei-lhe se vira um filme chamado em
inglês They Shoot Horses, Don’t They? E que me português se chamara A noite dos desesperados. Ele tinha visto,
sim.” (p. 555). Em “Um dia a menos”, a personagem principal cita os filmes antigos como parte do seu cotidiano:
Depois! Como havia esquecido a televisão? Ah, sem Augusta ela esquecia-se de tudo. Ligou-a toda
esperançosa. Mas a essa hora só dava filmes antigos de faroeste entremeadíssimos com anúncios sobre
cebolas, modess, groselhas que deveriam ser boas mas engordativas. Ficou olhando. Resolveu acender
um cigarro. Isso melhoraria tudo pois faria dela um quadro numa exposição: Mulher Fumando Diante
da Televisão. Só depois de muito tempo percebeu que nem sequer olhava a televisão e só fazia mesmo
era gastar eletricidade. Torceu o botão com alívio. (p. 637)
Do cinema passamos à pintura já que será, esta, uma das manifestações que também foram exercidas
pela escritora como mencionado no início deste artigo. Nos contos examinados, esse elemento ganha contornos
e formas, quer pela citação de nomes de importantes pintores, como em "Onde estivestes de noite": “(...) Max
Ernst quando criança foi confundido com o Menino Jesus numa procissão (...).” (p. 487), quer em “Devaneio e
embriaguez duma rapariga”, quando ela faz uma alusão a um quadro do gênero natureza morta:
8
Caetano Veloso, juntamente com José Carlos Capinan, compôs uma canção para Clarice – intitulada Clarice, em 1968.
33
Ao mesmo tempo, que sensibilidade! Mas que sensibilidade! Quando olhava o quadro tão bem pintado
do restaurante ficava logo com sensibilidade artística. Ninguém lhe tiraria cá das ideias que nascera
mesmo para outras cousas. Ela sempre fora pelas obras d’arte. Mas que sensibilidade! Agora não
apenas por causa do quadro de uvas e peras e peixe morto brilhando nas escamas. Sua sensibilidade
incomodava sem ser dolorosa. (p. 140)
Ademais, em “Obsessão”, a autora faz uma analogia ao comparar noites de insônia com a tarefa de um
pintor:
(...) E nas noites de insônia, sem poder reconstituí-lo mentalmente, já exausta pelas tentativas inúteis,
eu o enxergava qual uma sombra, enorme, de contornos móveis, esmagadora e ao mesmo tempo
distante como uma ameaça. Como um pintor que para prender a ventania na sua tela inclina a copa
das árvores, faz esvoaçar cabeleiras e saias, eu só conseguia relembrá-lo transportando-me a mim
mesma, à daquele tempo. (...) (p. 37)
Em “A Repartição dos Pães” temos uma característica comum na escrita clariciana, a descrição ecfrástica,
que se trata “da descrição literária ou pictórica de um objeto real ou imaginário”9, como podemos ler abaixo:
A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a toalha branca amontoavam-se espigas de
trigo. E maçãs vermelhas, enormes cenouras amarelas, redondos tomates de pele quase estalando,
chuchus de um verde líquido, abacaxis malignos na sua selvageria, laranjas alaranjadas e calmas,
maxixes eriçados como porcos-espinhos, pepinos que se fechavam duros sobre a própria carne aquosa,
pimentões ocos e avermelhados que ardiam nos olhos – tudo emaranhado em barbas úmidas de milho,
ruivas como junto de uma boca. E os bagos de uva. As mais roxas das uvas pretas e que mal podiam
esperar pelo instante de serem esmagadas. E não lhes importava esmagadas por quem. Os tomates
eram redondos para ninguém: para o ar, para o redondo ar. Sábado era de quem viesse. E a laranja
adoçaria a língua de quem primeiro chegasse. Junto do prato de cada mal convidado, a mulher que
lavava pés de estranhos pusera – mesmo sem nos eleger, mesmo sem nos amar – um ramo de trigo ou
um cacho de rabanetes ardentes ou uma talhada vermelha de melancia com seus alegres caroços. Tudo
cortado pela acidez espanhola que se adivinhava nos limões verdes. Nas bilhas estava o leite, como se
tivesse atravessado com as cabras o deserto dos penhascos. Vinho, quase negro de tão pisado,
estremecia em vasilhas de barro. (...) (p. 281)
Em “Onde Estivestes de Noite”, temos uma menção a um pintor: “ Um anjo pintado por Fra Angélico,
século XV, voejava pelos ares: era a clarineta anunciadora da manhã. (...)” (p. 492).
Outro elemento muito usado pela escritora é a cor, como em "É para lá que eu vou": “(...) Amor: eu vos
amo tanto. Eu amo o amor. O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão
escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.” (p. 509).
Em “O delírio”, as cores também se mostram de forma poética pelo recurso da personificação: “(...) Da
Terra rasgada e negra, surgem um a um, leves como o sopro de uma criança adormecida, pequenos seres de luz
pura, mal pousando no solo os pés transparentes... Cores lilases flutuam no espaço como borboletas.” No mesmo
9
Disponível em: <https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/ecphrasis/>. Acesso em: 01/02/2021.
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conto, logo a seguir, a imagem das cores se apresenta novamente: “De repente, novo rugido. A Terra está tendo
filhos? As formas dissolvem-se no ar, assustadas. Corolas murcham e as cores escurecem. (...)” (p. 70).
Em “A imitação da rosa”, a autora busca justificar o roubo de uma flor pela descrição de suas cores:
Eram algumas rosas perfeitas, várias no mesmo talo. Em algum momento tinham trepado com ligeira
avidez umas sobre as outras mas depois, o jogo feito, haviam se imobilizado tranquilas. Eram algumas
rosas perfeitas na sua miudez, não de todo desabrochadas, e o tom rosa era quase branco. Parecem
até artificiais! disse em surpresa. Poderiam dar a impressão de brancas se estivessem totalmente
abertas mas, com as pétalas centrais enrodilhadas em botão, a cor se concentrava e, como num lóbulo
de orelha, sentia-se o rubor circular dentro delas. Como são lindas, pensou Laura surpreendida. (p.
168).
Além dos elementos do cinema, da pintura e da música, como mostrado anteriormente, há um diálogo com
autores da literatura, que se transformam também eles em personagens, por isso é comum encontrarmos
referências a escritores, provavelmente figuras admiradas por Clarice Lispector. Como exemplo, temos Marcel
Aymé que tem o nome citado cinco vezes no conto “Duas histórias a meu modo”:
Uma vez, não tendo o que fazer, fiz uma espécie de exercício de escrever, para me divertir. E divertime. Tomei como tema uma dupla história de Marcel Aymé. Encontrei hoje o exercício, é assim:
Boa história de vinho é a do homem que deste não gostava, e Félicien Guerillot, dono exatamente de
vinhedos, era o seu nome – inventados nomes, homem e história por Marcel Aymé, e tão bem
inventados que para ser verdade só da verdade careciam. (p. 431)
Em "Cartas a Hermengardo", lemos: “Se tu não puderes te libertar de desejar paixões, lê romances e
aventuras, que para isso também existem os escritores” (p. 110). E a referência à literatura aparece em outros
contos, exemplificados abaixo:
-Cláudia, me desculpe telefonar num domingo a esta hora!
Mas acordei com uma inspiração fabulosa: vou escrever um
livro sobre Magia Negra! Não, não li o tal do Exorcista, porque
me disseram que é má literatura e não quero que pensem que
estou indo na onda dele. Você já pensou bem? o ser humano
sempre tentou se comunicar com o sobrenatural desde o
antigo Egito com o segredo das Pirâmides, passando pela
Grécia com seus deuses, passando por Shakespeare no
Hamlet. Pois eu também vou entrar nessa. E, por Deus, vou
ganhar essa parada! (Onde estivestes de noite; p. 490)
(...) Já queria poder escrever uma história: um conto
ou um romance ou uma transmissão. Qual vai ser o
meu futuro passo na literatura? Desconfio que não
escreverei mais. Mas é verdade que outras vezes
desconfiei e no entanto escrevi. O que, porém, hei de
escrever, meu Deus? (...) (O relatório da coisa; p. 502)
No âmbito ainda da literatura, Clarice demonstra interesse pela escrita joyciana, como expresso em "A
partida do trem": “(...) Como viver magoava. Viver era uma ferida aberta. Viver é ser como o meu cachorro.
Ulisses não tem nada a ver com Ulisses de Joyce. Eu tentei ler Joyce mas parei porque ele era chato, desculpe,
35
Eduardo. Só que um chato genial. (...)” (p. 468). Já no final do conto “Uma tarde plena”, Clarice escreve um
bilhete para um amigo escritor:
BILHETE A ÉRICO VERÍSSIMO
Não concordo com você que disse: “Desculpem, mas não sou profundo”.
Você é profundamente humano – e que mais se pode querer de uma pessoa? Você tem grandeza de
espírito. Um beijo para você, Érico. (p. 517)
No conto “Tempestade de almas”, Clarice Lispector lembra de uma poeta amiga: “(...) Marli de Oliveira,
eu não escrevo cartas pra você porque só sei ser íntima: por isso sou mais uma calada. (...)” (p. 521). No mesmo
conto, a escritora ainda menciona Paul Éluard: “(...) A verdade é o resíduo final de todas as coisas, e no meu
inconsciente está a verdade que é a mesma do mundo. A Lua é, como diria Paul Éluard, éclatante de silence. Hoje
não sei se vamos ter Lua visível pois já se torna tarde e não a vejo no céu. (...) (p. 521)
Em outros contos, como "Por enquanto", temos uma menção a renomados escritores brasileiros: “(.,.)
De vez em quando eu fico meio machadiana. Por falar em Machado de Assis, estou com saudade dele. Parece
mentira mas não tenho nenhum livro dele em minha estante. José de Alencar, eu nem me lembro se li alguma
vez.” (p. 562). Em “A bela e a fera ou a ferida grande demais”, Clarice cita Eça de Queirós:
Quis pensar em outra coisa e esquecer o difícil momento presente. Então lembrou-se de frases de um
livro póstumo de Eça de Queirós que havia estudado no ginásio: “O LAGO TIBERÍADE resplandeceu
transparente, coberto de silêncio, mas azul que o céu, todo pórfiro, e de alvos terrenos entre os
palmares, sob o voo das rolas”. (p. 626)
Clarice também faz algumas incursões no campo da escultura. Em “O primeiro beijo” a inocência de um
garoto se vê abalada quando ele alude a ação de beber água de uma estátua ao momento do primeiro beijo:
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma
mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole
sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado
dessa boca, de uma boca para outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido
vivificador, o líquido germinador de vida... Olhou a estátua nua. (p. 435)
Um famoso escultor brasileiro é mencionado em “Ele me bebeu”: “O apartamento era atapetado de
branco e lá havia escultura de Bruno Giorgi. (...)”. (p. 559). Em “Cartas a Hermengardo”, Clarice propõe a
construção metafórica de um monumento: “(...) Erige dentro de ti o monumento do Desejo Insatisfeito. E assim
as coisas nunca morrerão, antes que tu mesmo morras. (...)” (p. 112)
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Em “O manifesto da cidade”, um monumento aparece numa descrição contemplativa do que a
personagem vê ao seu redor: “Se esta foi uma palavra ecoando no chão duro, qual é o teu sentido? Como é cavo
este coração no peito da cidade. Procuro, procuro. Casa, calçadas, degraus, monumento, poste, tua indústria. (p.
503). Uma estátua equestre é mencionada em “Seco estudo de cavalos”: “(...) Neste ouro pálido à brisa havia
uma ascensão de espada desembainhada. Porque era assim que se erguia a estátua equestre da praça na doçura
do ocaso” (p. 473). O castigo dado por Deus à mulher de Lot, quando esta foi transformada em uma estátua de
sal, é referenciado no conto “História Interrompida”:
Estou casada e tenho um filho. Não lhe dei o nome de W... E não costumo olhar para trás: tenho em
mente ainda o castigo que Deus deu à mulher de Lot. E só escrevi “isso” para ver se conseguia achar
uma resposta a perguntas que me torturam, de quando em quando, perturbando minha paz: que
sentido teve a passagem de W... pelo mundo? que sentido teve a minha dor? qual o fio que esses fatos
a... “Eternidade. Vida. Mundo. Deus.”? (p. 87)
Há contos em que a escritora une diferentes artes (literatura, pintura, música). Assim, em “A bela e a
fera ou A ferida grande demais”, ela fala de sua experiência ao conhecer o quadro Mona Lisa. “Estava assustada
como quando vira o sorriso de Mona Lisa, ali, à sua mão no Louvre. (...)" (p. 627). Na sequência desse conto, a
autora fala da experiência da personagem com as aulas de canto:
Também tenho medo, tenho medo também de cantar muito, muito, muito mais mal ainda. Maaaaal
mal demais! Chorava ela e nunca teve mais nenhuma aula de canto. Essa história de procurar a arte
para entender só lhe acontecera uma vez – depois mergulhara num esquecimento que só agora, aos
trinta e cinco anos de idade, através da ferida, precisava ou cantar muito mal ou cantar muito bem –
estava desnorteada. Há quanto tempo não ouvia a chamada música clássica porque esta poderia tirála do sono automático em que vivia. Eu – eu estou brincando de viver. (p. 632)
Considerações finais
Após a análise dos 85 contos que compõem o corpus da edição consultada, 32 textos se utilizam de
elementos das artes, com os quais a autora cria um rico mosaico (música, pintura, cinema, literatura, escultura)
dentro da sua prosa ficcional.
O conceito de “descrição pictural”, proposto por Louvel (2006) parece ser o que melhor se aplica nos
textos aqui investigados, visto que, ao relacionar componentes de áreas diversas em seu texto, o escritor provoca
uma construção/imagem pictural na mente do leitor. Tal efeito ocorre pelo recurso da descrição. Assim, “Se a
descrição pictural interrompe mesmo o texto, num efeito de expansão, de dilatação, ela “resiste à linearidade”
acrescentando um espaço, aquele da imagem mental, cuja extensão terá como limites apenas a imaginação, a
cultura artística e… a capacidade de memorização do leitor (...) (LOUVEL, 2006, p. 200).
Nos excertos exemplificados ao longo do artigo, vemos que a representação da arte no texto clariciano
é construída pelo delineamento de hipotiposes, quando a descrição e a narração se juntam, provocando uma
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série de imagens na mente do leitor. A descrição minuciosa, como a écfrase, também contribui para a ocorrência
deste tipo de sensação. Desta forma, “(...) Sem renunciar à estética de suspensão, a descrição, outrora acusada
de retardar a narrativa, passa a ser considerada sua aliada, chegando, no caso da descrição literária, a rivalizar
com a pintura. (...)” (OLIVEIRA, 2019, p. 34). Os inúmeros excertos abordados exemplificam o recurso da
descrição como a maneira comum pela qual Clarice entrelaça suas falas relacionadas à arte.
Ademais, as referências às artes aparecem de forma implícita, de cunho metafórico, ou explícita, pelas
citações diretas de elementos da arte, seja pela contemplação que as personagens se propõem, seja pelos
momentos de reflexão que as personagens claricianas estão constantemente envolvidas. Os personagens se
mostram à vontade com as diversas artes representadas a ponto de interferir no interior das personagens. Essa
constatação nos leva à singular experimentação artística que acompanhou Clarice a vida inteira. Ademais, na sua
escritura, confirmou-se que mais do que a "história narrada" é o "modo narrado" da sua "escritura grau-zero"10
que transforma os seus gostos artísticos em elementos ficcionais.
Referências bibliográficas
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10
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Carvalho e Alice Kyoko. Rio de Janeiro : Nova Aguilar, 2004, p. 610.
38
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