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TEXTO PARA DISCUSSÃO N° 187 UM NOVO ENREDO PARA UMA VELHA HISTÓRIA? UMA ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE REDES PARA O SISTEMA AGROALIMENTAR Altivo R. A. de Almeida Cunha Março de 2003 Ficha catalográfica 338.43(81) C972n 2003 Cunha, Altivo.R. A. Almeida. Um novo enredo para uma velha história? Uma análise da aplicação do conceito de redes para o sistema agroalimentar. / por Altivo.R. A. Almeida Cunha. - Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2003. 13p. (Texto para discussão ; 187) 1. Organização industrial. 2. Agroindústria. I. Universidade Federal de Minas Gerais. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. II. Título. III. Série. 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO REGIONAL UM NOVO ENREDO PARA UMA VELHA HISTÓRIA? UMA ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO CONCEITO DE REDES PARA O SISTEMA AGROALIMENTAR* Altivo R. A. de Almeida Cunha Professor da FACE/UFMG e Doutorando em Economia pela UNICAMP. E-mail: altivo@cedeplar.ufmg.br CEDEPLAR/FACE/UFMG BELO HORIZONTE 2003 * Uma versão deste texto foi apresentada no XXXVIII encontro da SOBER/ IX encontro internacional da IRSA, Rio de Janeiro, agosto de 2000. 3 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 5 2. O QUE DELIMITA UMA REDE?..................................................................................................................... 6 2.2. Tipos de articulações, agentes e ambientes .................................................................................................. 7 3. APLICABILIDADE E ADERÊNCIA DO CONCEITO DE REDES AO SISTEMA AGROALIMENTAR: PONTOS PARA DISCUSSÃO.......................................................................................................................... 9 4. GANHOS E LIMITES DO CONCEITO DE REDES ...................................................................................... 11 5. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................. 13 4 1. INTRODUÇÃO A aplicação do conceito de redes ao Sistema Agroalimentar (SAG) não é uma idéia nova mas o seu alcance ainda não está plenamente esclarecido. A primeira questão fundamental, derivada dos estudos de organização industrial, é se o conceito de rede deve ser utilizado como uma forma de organização específica, com características próprias, distintas de outras formas de organização nãomercado e não-hierarquia ou o conceito deve ser utilizado como um recurso analítico, em que é priorizada a análise das interações entre agentes. Em outras palavras, rede pode ser uma “forma de fazer” ou uma “forma de olhar”. Uma definição do primeiro tipo de aplicação do conceito de redes está relacionada à formas recentes de organização das firmas em que a acumulação e valorização do capital está necessariamente ou determinantemente baseada na interação. No limite destas situações, os ativos estratégicos, ou seja, os ativos que permitem ganhos diferenciais para o crescimento da empresa são de caráter nãofísico como competências e conhecimentos tácitos e a acumulação é baseada na interação ou troca de informações. Esta situação é aplicável, por exemplo, à redes de comunicação, um formato novo de organização inter empresarial que só foi possível em função do desenvolvimento de novas tecnologias de informação e processamento de dados. Antonelli (1992), autor cujo foco são as redes de informação analisa as redes como sendo o resultado da interdependência entre agentes na economia que não é expresso pelos preços mas por uma gama de sinais e informações qualitativa e quantitativa. Outro exemplo de redes está baseado em situações em que as organizações se orientam para incorporar os ganhos sinérgicos, derivados da interação e não apenas os ganhos das atividades segmentadas/discretas. Um exemplo desta situação é o de organização "dirigida pelo desenho" ("design driven") de montadoras como a Nissan em que as especificações técnicas das autopeças são determinadas pelos fornecedores para atender as funções estabelecidas pela montadoras. Ou seja, a empresa fornecedora aproveita seu conhecimento acumulado e suas competências desenvolvidas. 1 Um outro exemplo desta aplicação do conceito de redes, voltado especificamente para o SAG, é o desenvolvido por Green e Santos (1992) que analisam o processo de estruturação do sistema agroalimentar em redes centralizadas, em torno das empresas de grande distribuição como “emissoras de ordens” para os demais integrantes da rede. Esta empresa emissora de ordens “controla e determina a forma de produção, através de um rol de tarefas e prescrições, em que os produtores estão submetidos a um controle permanente por parte da empresa, que aporta também assistência técnica.” (Green e Santos, 1992: 207)2 Outra forma alternativa de abordar o conceito de redes é utiliza-lo como um instrumento de análise centrado nas relações entre agentes, em que se pode analisar aspectos como os ganhos sinérgicos, a estabilidade destas interações e a flexibilidade de arranjos. As redes seriam analisadas 1 A este respeito, ver Best (1990:15) 2 Green e Santos definem empresa-rede como sendo “a estrutura organizacional sinérgica, que articula contratualmente, a médio prazo, as relações inter empresariais, a fim de responder conjunta e solidariamente, de maneira flexível, sob a direção de uma empresa emissora de ordens, uma demanda, final ou intermediária, volátil, em um espaço econômico de relações produtivas de bens e serviços” (Green e Santos, 1992: 207) 5 como arranjos organizacionais não necessariamente baseados em tecnologias recentes e tampouco constituem-se um nova forma organizacional. Hamilton e Feenstra (1995:66-67), por exemplo, descrevem diversos arranjos em redes verticais (hierarquizadas) e horizontais (de cooperação) em diversos ambientes históricos e culturais, presentes tanto na China imperial como na Inglaterra do século 17. A análise destas questões é desenvolvida neste trabalho, que procura identificar as características de organização em rede e sua aplicabilidade ao sistema agroalimentar como instrumento útil para identificar e explicar aspectos relevantes na valorização do capital agroindustrial a partir de suas interações e organizações. O tópico a seguir procura delimitar as características distinguem e delimitam uma organização em rede. 2. O QUE DELIMITA UMA REDE? A literatura sobre o estabelecimento e funcionamento de redes é bastante heterogênea, e em muitos casos refere-se à aplicação a determinadas dinâmicas setoriais ou industriais específicas, analisando relacionamentos de natureza distinta como redes organizadas em torno de fluxos comerciais, fluxos de informação, de conhecimento ou de tecnologia. Ainda que diversos estudos apresentem objetivos e metodologias distintas, alguns eixos comuns podem ser identificados em relação aos aspectos que delimitam ou explicam o funcionamento de redes. Pelo menos três aspectos comuns podem ser identificados como delimitadores de redes, nesta ampla literatura: 1) Ação orientada para lógica coletiva; 2) Estabilidade; 3) Flexibilidade de arranjos. A primeira condição estabelece um elemento essencial para a análise de redes que é a presença de ganho sinérgico, expresso nas vantagens de coordenação decorrentes da operação em redes. Estes ganhos de coordenação podem referir-se: i) à economia de custos de transação, via redução da incerteza e do estabelecimento de protocolos comuns3 para um ou mais de seus participantes, ii) vantagens associadas à garantia de rentabilidade para os participantes, através de ganhos de colusão que favorecem a competitividade das empresas4, ou como possibilidade de ganhos na 3 C.F. Langlois & Robertson (1995) cap.5 sobre sistemas modulares. Ver também Imai & Baba, 1990. 4 Green e Santos (1992), afirmam que a estrutura de concorrência no mercado agroalimentar europeu tende a estabelecer-se entre redes de produção de bens e serviços mais do que entre empresas independentes. As redes seriam, então uma forma ou estratégia das firmas posicionarem-se no mercado. (Green e Santos, 1992: 212) 6 geração de inovações (que são custos produtivos).5 Neste aspecto, pode-se entender que os ganhos coletivos ou sinérgicos representam, ou podem representar, estratégias de valorização do capital e não apenas como arranjos orientados para minimização dos custos de transação.6 A segunda condição envolve a estabilidade temporal das relações estabelecidas, seja através de mecanismos formais (contratuais) ou informais, que garantam uma continuidade e permanência no tempo. 7 A estabilidade temporal implica que a freqüência das interações (seja de informações, bens ou conhecimentos) seja elevada entre os agentes. Sob esta condição, os mecanismos de aprendizado e os fatores relacionados à dependência do caminho percorrido (path dependenth) são elementos explicativos relevantes para análise de redes. A terceira condição, de flexibilidade dos arranjos, praticamente se confunde com o senso comum de organização em rede. Tomemos as definições de autores preocupados com diferentes realidades mas que utilizam o conceito de redes para compreender a importância da questão da flexibilidade na construção de redes. Como exemplos pode-se citar a já mencionada definição de Antonelli (1992) e a interpretação de Gelsing (1992) que enfatiza a importância de informações não padronizadas como elementos essenciais de intercomunicação (contendo a ressalva que o autor entende como informação não padronizada a que não é perfeitamente expressa pelos preços e suas quantidades). A flexibilidade que está envolvida na formação de redes refere-se ao estabelecimento de diversas interfaces de comunicação entre agentes que estão ‘fora de regência’ preços e quantidades. Em outras palavras, trata-se da possibilidade de encontrar soluções através da diversidade de agentes interconectados, e das diferentes percepções destes agentes. Outra característica da flexibilidade, além da questão da incorporação das externalidades, refere-se à capacidade de detectar e incorporar no funcionamento da rede novas informações. Este, de fato, é um elemento novo e relacionado às mudanças no ambiente tecnológico, cuja base está nas intensas mudanças tecnológicas determinadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação, que possibilitam não só o surgimento de novos produtos, mas arranjos mais flexíveis, desagregados, cuja consequência é a redução expressiva de custos de transação associados à informação. (Antonelli,1995; Nohria,1992). A telemática propiciou uma nova forma de relações entre empresas e suas fornecedoras, em que o conhecimento instantâneo de posições produtivas, de estoques e de alterações de demanda permitem fluxos de informações que podem alterar o ritmo de produção e as demandas técnicas em cadeia. 2.2. Tipos de articulações, agentes e ambientes Se os elementos de ganho sinérgico, estabilidade temporal e flexibilidade delimitam o funcionamento de uma rede, é importante delimitar características importantes dos três elementos que 5 C.f. Langlois e Robertson (1995) cap.7 6 De acordo com a proposição de North (1994). 7 Diversos autores, que analisam o estabelecimento de redes de cooperação, enfatizam o caráter de estabilidade temporal das redes como elemento fundamental de sua caracterização. Ver , por exemplo Traxler e Unger (1994), citado por Farina et. al. e Gelsing (1992). 7 compõem e interferem no funcionamento das redes: tipos de relações, os agentes integrantes e o ambiente. Em relação ao tipo de relações que se estabelecem em uma rede, estamos falando da “linguagem” que interconecta diferentes elos. A literatura descreve diversos tipos de ‘linguagem’ ou fios conectivos que definem redes com características específicas: informações, conhecimento, bens e relações sociais. Estudos setoriais específicos descrevem as implicações decorrentes do foco específico do tipo de ‘linguagem conectora’ de redes. Uma distinção relevante no conceito de redes refere-se à distinção do papel da informação dos fluxos em torno do quais a rede se estrutura. Gelsing (1992) argumenta que a distinção entre redes comerciais (trade networks) e redes de conhecimentos (knowledge networks) delimita mais precisamente os ganhos analíticos deste conceito. As redes comerciais correspondem à articulação das relações entre usuário–produtor, de forma que o fluxo de informações que está conectado ao fluxo de mercadorias. As redes de conhecimentos se caracterizariam por uma forma organizacional que dá ênfase tanto à troca de informações entre usuário–produtor, como ao fluxo de informações entre competidores. A troca e o fluxo de informações, neste tipo de rede, é elemento vital ou estratégico e não apenas fator de minimização de custos de transação para o funcionamento da cadeia produtiva. Pode-se considerar, com alguma simplificação, que o papel da informação nas redes de conhecimento se assemelharia mais a um ativo específico da firma, enquanto nas redes comerciais, a informação tem maior importância como ativo complementar . Um caso específico, de aplicação de estudos de redes é o de redes de informação (Information Network) aplicado às telecomunicações. Para este caso específico, a relação da firma fornecedora de serviços de comunicação (network industry) é afetada - em seus custos e estratégias de crescimento pelo número e posição dos usuários. Os aspectos de análise referem-se à complementaridade dos agentes, forma de interconexão dos nós, a estrutura de inter relações e de interdependência, o número de participantes e da compatibilidade das interfaces tecnológicas. 8 No entanto, é adequado ressaltar que a natureza destes fios conectivos não é necessariamente excludente, sendo possível analisar redes sociais com conexão de trocas de conhecimento, redes comerciais com troca de informações e assim por diante. Outro aspecto relevante para análise refere-se ao fato que mesmo entre redes de mesma natureza (comerciais, informação ou conhecimento) o estabelecimento de uma linguagem de cooperação ou troca não estabelece a priori funções ou mesmo tarefas similares para membros na mesma posição. Ou seja, não se identifica aprioristicamente um desenho ótimo de rede aplic~´avel a todos os casos. Em relação ao sentido dos fluxos, podem estabelecer-se redes horizontais, ou seja redes de concorrentes, formadas entre fornecedores/competidores ou entre usuários, que buscam ganhos de cooperação sinérgicos e de redução de custos de transação, e que exigem pequeno protocolo de coordenação ex-ante (não exigem, por exemplo, padronização tecnológica ‘fina’). 8 Uma extensa bibliografia sobre este aspecto específico pode ser encontrada em http//raven.stern.nyu.edu/networks. 8 Podem estabelecer-se também redes verticais, formadas entre montadoras e fornecedores de componentes, cujo protocolo ex-ante é necessário, e exige compatibilidade técnica. 9 Em relação à posição hierárquica, redes podem ser descentralizadas ou centralizadas. Um tipo de redes baseado em modularidade das etapas produtivas e pequena escala de produção, caracteriza arranjos descentralizados, típico dos distritos industriais. Pode ser constituída de vários fornecedores ligados a diversos usuários, sendo que os padrões de compatibilidade são determinados conjuntamente pelos produtores, fornecedores e usuários. Ou seja, não há o controle de um único agente hierarquicamente superior. É relevante destacar que em redes descentralizadas, os arranjos podem ser horizontais (cooperativos em ativos complementares) ou verticais (especialização de pequenas firmas em módulos específicos de produção, mas que exigem compatibilidade ou padronização técnica). Os diversos arranjos locais de cooperação entre pequenas empresas (distritos industriais marshallianos, distritos industriais da ‘terceira Itália’, redes inovativas) apresentam padrões distintos de integração de coordenação e de propriedade. Um outro tipo de redes é o de redes centralizadas (core networks), organizadas em torno de um única firma, que geralmente é uma grande montadora e coordenadora da rede, para as quais as firmas satélites fornecem insumos intermediários. ‘Core networks’ norte-americanas, principalmente do setor automotivo, são caracterizadas por forte poder de barganha das firmas centralizadoras; ‘core networks’ japonesas, por sua vez, caracterizam-se pelo menor poder de barganha das firmas centrais mas com contratos mais longos e maior modularização produtiva. Em suma, não há uma prescrição de grau de hierarquia ou de centralização que caracterizem, a priori, as redes. Os graus de integração vertical ou horizontal variam conforme a necessidade do ambiente, como confiança na capacitação de concorrentes, grau de incerteza, instituições locais, etc. Embora consideremos que as características dos participantes e as condições estabelecidos pelo ambiente sejam aspectos igualmente importantes e que não podem ser abstraídos, fogem neste momento do escopo deste trabalho. 3. APLICABILIDADE E ADERÊNCIA DO CONCEITO DE REDES AO SISTEMA AGROALIMENTAR: PONTOS PARA DISCUSSÃO A questão da aplicabilidade do conceito de redes ao Sistema Agroalimentar pressupõe a discussão de alguns aspectos básicos e essenciais para uma abordagem mais objetiva. Algumas destas questões foram formuladas, direta ou indiretamente, por diversos autores que tratam da questão organizacional no desenvolvimento econômico. A primeira questão, de caráter mais amplo, é se a organização em rede pode ser analisada como uma nova etapa do desenvolvimento capitalista na agricultura, em sucessão ao modelo dos Complexos Aagroindustriais. 9 Langlois & Robertson,1995, capítulo 5 9 Esta questão é formulada por Mazzalli (1996), que propõe que a forma de organização em rede representaria um estágio sucessivo dos complexos agroindustriais no desenvolvimento capitalista da agricultura. Esta interpretação ancora-se na extrapolação da forma organizacional descrita por Green e Santos (op.cit.) para o setor de vegetais frescos. Para este caso, as empresas de distribuição estruturam um vasto sistema de redes, onde funções de serviços e de produção se mesclam, organizadas em complexos mecanismos de relação de aprovisionamento e de subcontratação. O espaço de concorrência passa a se dar entre grandes empresas-rede, estruturadas internacionalmente. Para exercer a coordenação dos fluxos de informação, redes centradas na grande distribuição, como no caso europeu estabelecem um padrão tecnológico comum que permite um processo de aprendizagem. Toda esta estrutura tem como insumo fundamental o avanço da telemática, que combina informações dos códigos de barras com a estruturação de plataformas logísticas. Em suma, dados os processos de segmentação da oferta de bens agroalimentares, cresce a importância dos meios técnicos de circulação da informação e onde os grande distribuidores tendem a funcionar como centralizadores do sistema, em um marco de relações interindustriais contratualizadas e solidárias. No entanto, a análise da literatura de organização industrial sugere que a interpretação da difusão do funcionamento em redes para todos os sub-sistemas agrolimentares não é adequada, por uma série de razões. A emergência do funcionamento em rede em alguns setores ou sub-setores específicos aparece como uma forma organizacional específica, situada entre os pólos definidos pela governança de mercado e a hierarquia. A organização em rede, como exposto anteriormente, possui uma série de características que as distinguem de outros arranjos organizacionais, tal como interpretam, por exemplo, autores como Langlois e Robertson (1995) e Zuurbier e Bremmers (1997). Os últimos autores situam a organização em rede como uma forma de arranjo organizacional que pode ser ocorrer no "continuum" entre mercados e hierarquia. Esta forma de organização refletiria um estágio de interação e coordenação mais intenso do que as categorias de "transações repetidas", "relações de longo prazo", "parcerias entre compradores e vendedores" e "alianças estratégicas". Embora deva ser discutida esta caracterização (por exemplo, se pode-se estabelecer um sequenciamento destas formas organizacionais em um plano evolutivo), o que é evidente é que diversas formas de interação e coordenação ocorrem no Sistema Agroalimentar, dentre as quais a organização em rede é um exemplo. Assim, não caberia atribuir ao funcionamento em rede um papel paradigmático no SAG. Uma segunda questão surge como consequência da primeira. A organização em rede é uma forma de coordenação para a qual devem evoluir as diversas cadeias agrolimentares? A resposta parece ser negativa. Como expõe Allaire (1995), existem oportunidades setoriais diferenciadas para a agricultura, conforme as diversas filières regionais. A organização em rede surge, em diversos setores industriais, como uma forma de coordenação que responde a ambientes específicos de concorrência, do grau de incerteza e risco, da diversidade técnica entre diversas etapas de uma cadeia produtiva, da dispersão de ativos estratégicos entre os agentes e da alocação do poder de fiat na cadeia (Williamson,1985). Existem, portanto, razões históricas bem como características específicas que favorecem ou induzem a organização em rede. 10 10 Um belo exemplo desta abordagem pode ser encontrado em Coriat(1994). 10 Por exemplo, é difícil afirmar responsavelmente o setor de carnes no Brasil tenda necessariamente a se organizar em rede, embora seja evidente que se estreitam laços de coordenação entre os diversos setores. Uma terceira questão refere-se à possibilidade do estabelecimento de redes não centralizadas (redes horizontais) no sistema agroalimentar, em que o elo de conexão é dado mais por características sociais e regionais do que atributos dos ativos.11 Na formação de redes, é determinante o estabelecimento de um protocolo comum, uma linguagem que conecta os nós da rede, que estabelece as bases para fluxos de informação. No caso das redes de vegetais frescos, o atributo de perecibilidade (sob determinados parâmetros de padronização) constitui o elemento restritivo (o fator de especificidade do ativo) que deve ser otimizado para atender a uma demanda flutuante. Nesta situação a coordenação e "a emissão de ordens" é centralizada por um agente econômico à montante do sistema. A emergência de redes horizontais é abordada por Wilkinson (1996), que propõe que a inserção da dimensão regional de interesses rurais seja abordada dentro do escopo de redes sociais, cujo objetivo estaria identificado com uma perspectiva de internalização de custos sociais que envolve os custos ambientais e a retenção do poder de compra na região Wilkinson (1996:48). Um outro exemplo que alude à perspectiva de redes para explicar os ganhos coletivos é encontrado em Farina et. al (1997) que considera que redes de cooperação, o “corporatismo” e o estado desempenham papéis de compatibilização da racionalidade privada pública com a racionalidade coletiva. As associações de interesse privado, como as típicas de produtores especializados em um produto (ou mesmo em um tipo específico de produtos como gado precoce de raça ou cafés finos, por exemplo) poderiam ser analisadas como redes de cooperação entre agentes. 12 4. GANHOS E LIMITES DO CONCEITO DE REDES A análise desenvolvida sobre a aderência do conceito de redes ao sistema agroalimentar procurou evidenciar que este conceito não pode ser tomado como um novo paradigma teórico e tampouco deve ser tomado como representativo de uma etapa histórica do desenvolvimento capitalista na agricultura, sucedânea da conformação de complexos agroindustriais. O conceito de redes pode ser tomado, sim, como uma ferramenta analítica, que tem prescrições específicas em termos dos fenômenos que é capaz de exprimir com vantagens sobre a análise de cadeias baseada nos custos de transação. Neste aspecto, a análise de redes pode ser utilizada vantajosamente em relação ao tratamento tradicional de cadeias quando: 11 Ainda que formalmente, Williamson (1985) considere características de localização como atributos dos ativos. 12 Convém ressaltar que Farina não define explicitamente associações de interesse privado como redes de cooperação. No entanto, sugere que a distinção das formas organizacionais entre estado, corporatismo e redes de cooperação é cada vez mais complexa e menos definida . (Farina et. al. , 1997:152) 11 a) é significante a geração de valor a partir de ganhos sinérgicos; b) quando o ambiente econômico, social e tecnológico é instável ou submetido a mudanças; c) quando o ambiente concorrencial é intenso; d) por extensão das condições anteriores, quando a análise estática é inadequada para expressar adaptações ao ambiente econômico, ou seja, quando a flexibilidade dos arranjos é um elemento essencial da organização econômica; e) quando a delimitação de uma rede é relevante do ponto de vista participantes do jogo. de inclusão/exclusão de Estas condições se adequam ao aparato conceitual de redes. No entanto, outras situações podem ser descritas e analisadas a partir do aparato de redes, notadamente aquelas que procuram enfatizar os participantes de uma teia de interrelações em um determinado espaço geográfico, na medida em que este recorte seja relevante para delimitação de políticas regionais ou locais. Neste aspecto, a análise de redes sociais, tal como propõe Wilkinson, pode ser um aparato útil para entender tanto a exclusão e inclusão de produtores em uma atividade agrícola específica ou na sua vinculação comunitária, não necessariamente agrícola mas local ou regional. A utilização do referencial análise de redes, dentro deste objetivo, possibilitaria analisar as formas de relação sociais, econômicas ou culturais entre famílias rurais, enfatizando sua multidimensionalidade, dada pelo caráter de pluriatividade rural. É claro, no entanto, que a utilização deste aparato conceitual requer desenvolvimentos e necessita de aplicações empíricas que permitam evidenciar suas vantagens como ferramenta analítica. 12 5. BIBLIOGRAFIA ALLAIRE,G. (1995) Le modele de developpement Agricole des annés 60 Confronté aux Logiques Marchandes. IN Allaire, G. & BoyerR. La Grande Transfortion de Lágriculture. Paris . INRA. ANTONELLI,C. (1992) The economic Theory of information Networks. IN ANNTONELLI, C. (ed) The economics of information Networks. Elsevier Science Publishers. BEST.M (1990) The New Competition:Instituitions of industrial restructuring. Cambridge:Harvard CORIAT, B. (1994).Pensar pelo avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Editora Revan / UFRJ, 1994. 212 p. FARINA, E.M, AZEVEDO,P.F. E SAES,M.S.(1997) Competitividade: mercado, Estado e Organizações. Ed. Singular. São Paulo. GELSING, L. (1992) Innovation and the development of industrial networks. 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