Cadernos de Literatura em Tradução, n. 12, p. 33-46
A colocação de pronomes pessoais e possessivos
nos diálogos das traduções de Pinocchio
para o português do Brasil em 2002
Andréia Guerini e Lucia Jolkesky
Resumo: este artigo tem por objetivo apresentar uma reflexão sobre o emprego
dos pronomes pessoais e possessivos em diálogos nas falas do personagem Pinóquio
em traduções brasileiras de Le Avventure di Pinocchio publicadas no Brasil em
2002.
Palavras-chave: tradução de diálogos, colocação pronominal, legibilidade.
Publicado pela primeira vez em 1883, já em 1891 o livro Le Avventure
di Pinocchio foi traduzido para o inglês, e pode ser encontrado em mais de
200 idiomas1. Esta obra também tem merecido inúmeras versões no Brasil,
desde a pioneira atribuída a Monteiro Lobato, publicada em 1933. Por isso,
este artigo tem por objetivo apresentar uma reflexão sobre o emprego
dos pronomes pessoais e possessivos em diálogos nas falas do personagem
Pinóquio em traduções brasileiras de Le Avventure di Pinocchio publicadas
no Brasil em 20022. Antes, porém, é importante destacar não só algumas
particularidades do português brasileiro, mas também algumas reflexões
sobre a função e a tradução de textos infantojuvenis.
1
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002, p. 119.
2
Este artigo é uma versão modificada da análise mais ampla que se encontra na dissertação de mestrado de JOLKESKY, L. M. P. V. LEGIBILIDADE DE DIÁLOGOS: A colocação de pronomes nas traduções brasileiras de Pinóquio de 2002. Disponível em:
<www.bu.ufsc.br> e <www.pget.ufsc.br>.
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34
Andréia Guerini e Lucia Jolkesky. A colocação de pronomes pessoais e...
O português brasileiro (doravante PB), como se sabe, apresenta diferenças entre o padrão culto e o modo coloquial empregado nos diálogos,
principalmente com relação ao emprego dos pronomes. Esse fato se torna
um problema a ser resolvido pelos tradutores de literatura infantojuvenil,
pois os diálogos refletem uma fala entre personagens e, portanto, estão
relacionados com a oralidade. Assim sendo, a naturalidade dos mesmos é
importante para permitir uma leitura fluente.
Puurtinen (1998, p. 2) e Oittinen (2000, p. 6, 19-21) abordam o
tema da legibilidade3 e da fluência na leitura4 de literatura infantojuvenil. Oittinen considera a legibilidade fundamental para a compreensão
do texto, e Puurtinen a relaciona com a fluência da leitura em voz alta.
Ao traduzir para crianças o tradutor tem que fazer adaptações pensando nos futuros leitores. Essas adaptações, quando se trata de um texto
já escrito para crianças, não implicam necessariamente em adequações
do conteúdo, são modificações que procuram aproximar os leitores ao
texto.
O tradutor, para ser leal ao autor e ao leitor, precisa adequar o
texto ao nível de compreensão de seus leitores. Essa adequação engloba
a pontuação, a familiaridade das palavras e a adaptação às normas linguísticas da cultura-alvo. Uma tradução que não se adapte às normas
linguísticas da cultura-alvo pode ter consequências desastrosas, desinteressando as crianças da leitura. É importante lembrar que os livros
infantis são feitos para serem lidos por crianças e para crianças. Justamente por isso a colocação pronominal nos diálogos é um fator que pode
facilitar ou dificultar tanto a leitura pela criança como aquela que o adulto
faz para a criança. O excesso de clíticos pode afetar a naturalidade da
fala, pois não é o modo coloquial do PB. Também exige atenção a opção
pelo pronome sujeito não lexical, pois no caso da desinência número-pessoal do verbo não permitir a identificação do sujeito, o entendimento
pode ficar comprometido.
Afora a questão da domesticação5 na tradução, existe um compromisso da literatura infantil com a aprendizagem. O seu objetivo primor-
3
Legibilidade é aqui considerada como um dos aspectos da compreensibilidade e está
relacionada com a clareza da forma e com a facilidade de leitura em voz alta.
4
Fluência de leitura é aqui considerada a facilidade de leitura tanto silenciosa como em
voz alta.
5
Domesticação é aqui considerado o conjunto de modificações que procuram aproximar
os leitores ao texto.
Cadernos de Literatura em Tradução, n. 12, p. 33-46
dial pode não ser o de ensinar, mas a literatura infantil dirige-se a uma
faixa etária “que é a da aprendizagem e mais especialmente aprendizagem
linguística” (SORIANO, 1993, p. 27). Por isso a função pedagógica não
pode ser desvinculada da literatura infantil, principalmente do seu papel
fundamental como auxiliar na formação dos hábitos da linguagem. O domínio da língua é uma conquista que se faz ao longo de um processo de formação de hábitos que decorrem do uso mesmo da língua. Expressar as idéias
de uma maneira clara e objetiva é um recurso ao qual toda criança tem
direito; é um dever de quem educa propiciar condições para a aquisição
desse recurso, fator de inserção social, independência e defesa dos próprios direitos de cidadão.
Em relação ao estilo do texto, Shavit (1986, p. 28) considera que
deve seguir o princípio guia “estilo literário elevado sempre que possível”
(nossa tradução)6 o que na literatura infantil significa “ ligado ao conceito
didático e à tentativa de enriquecer o vocabulário da criança” (nossa tradução)7. Existem, porém, algumas divergências quanto à necessidade de se
apresentar à criança somente textos escritos no padrão culto da língua.
Carvalho (1985, p. 211-213) acredita que habituar a criança a expressar-se com clareza não implica no ensino da Gramática, mas faz distinção entre linguagem “correta” e “adulterada”, acredita que a “boa” linguagem é um hábito que se forma pouco a pouco à medida que se propicia
à criança o contato com a linguagem simples e “correta”, seja de forma
oral ou através de textos literários. Carvalho é de opinião que a linguagem
se “apreende” e se automatiza e, uma vez incorporada uma variante, esta
não será substituída por outra.
Possenti (2000, p. 84) também é contrário ao ensino da gramática
de forma tradicional, porém, mostra-se menos radical quanto à aceitação
de textos escritos numa variante mais informal, e afirma que a criança
deve ter o máximo de oportunidades de vivenciar “experiências linguísticas na variedade padrão” para que o domínio progressivo dessa variedade
venha substituir formas inadequadas do uso da língua.
Perini (1995, p. 24) pondera que as variedades coloquiais, embora
sejam típicas da linguagem oral, podem estar presentes nos diálogos das
obras escritas para aparentar mais realidade. Além do que, as variedades da língua falada são objeto das gramáticas descritivas que se preo-
6
[high literary style whenever possible]
7
[connected with a didactic concept and the attempt to enrich the child’s vocabulary]
35
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Andréia Guerini e Lucia Jolkesky. A colocação de pronomes pessoais e...
cupam não só em descrever, mas também explicar as línguas como são
faladas. Aceitar formas linguísticas mais informais nos textos escritos
significa aceitar as regras do português vivo, da língua falada atualmente. Sandroni (1987, p. 89-98) afirma que a maioria das obras publicadas
para crianças está escrita no padrão culto da língua e que algumas empregam a forma coloquial nos diálogos reservando a norma culta para a
voz do narrador.
Estas considerações sobre as funções e responsabilidades da literatura infantil nos levam a refletir sobre a ação do tradutor. Supõe-se
que ele tenha um projeto, mas não podemos descartar as limitações de
tempo impostas pelas editoras, como também a função dos revisores de
texto que podem efetuar correções que terminam por contrariar a escolha do tradutor.
O estudo da colocação de pronomes pessoais e possessivos em traduções recentes de literatura infantojuvenil pode nos dar uma idéia de
como esta questão tem sido solucionada pelos tradutores. Por isso, examinamos aqui duas traduções de Le avventure di Pinocchio publicadas em
2002. São elas: a de Marina Colasanti, publicada pela Companhia das
Letrinhas, e a de Gabriela Rinaldi, publicada pela Iluminuras8. A análise
privilegiou as falas de Pinóquio, personagem principal, que está presente
em quase todos os capítulos e dialoga com todos os demais personagens da
história.
Por essas observações constatou-se que nas duas traduções verificam-se empregos dos pronomes pessoais e/ou possessivos de acordo com
o que se observa em estudos do português falado no Brasil e em pesquisas
no corpus do Google, e também outros empregos que não estão de acordo
com esse uso. Poderíamos pensar que isso se deveu à tentativa das tradutoras de tornar a leitura natural retratando a oralidade e não se afastando totalmente do padrão culto da língua, mas nem sempre essas escolhas
favoreceram a legibilidade, o que mostra que não foram feitas segundo
um critério que almejasse essa finalidade. Os exemplos a seguir ilustram a
situação.
Este primeiro exemplo mostra a forma de Pinóquio se dirigir ao pai,
que foi retratada de maneira diferente pelas tradutoras:
8
A tradução de Nassetti, também publicada em 2002 pela Martin Claret, não será aqui
considerada por causa dos problemas apontados por Denise Bottmann na página eletrônica http://naogostodeplagio.blogspot.com. Consulta realizada em 30 de maio de
2009.
Cadernos de Literatura em Tradução, n. 12, p. 33-46
Collodi, p. 228
Colasanti, p. 174
Rinaldi, p. 142
Oh! Babbino mio!
Finalmente vi ho trovato! Ora non vi lascio
più, mai più, mai più!
Oh, meu paizinho!
Até que enfim o encontrei! Agora não vou deixá-lo nunca, nunca mais!
Oh Papai! Finalmente
encontrei o senhor!
Agora não vou deixá-lo
nunca mais, nunca mais!
Neste excerto a tradução de Rinaldi parece ser a que mais se aproxima do coloquial. “Papai” é a forma de tratamento que as crianças usam
para chamar o pai, enquanto que o possessivo “meu” empregado por Colasanti
não parece ser adequado à função sintática de vocativo no PB9. O objeto
direto pronominal em duas frases consecutivas na tradução de Colasanti
distancia essa fala do modo coloquial. Rinaldi optou pelo pronome lexical “o
senhor” para uma das frases, o que contribui para minimizar essa distância e mostrar o tratamento respeitoso, aspecto que ficou perdido na tradução de Colasanti. O objeto pronominal no português não revela o tipo do
tratamento como acontece com o pronome “vi” no texto italiano que indica
um tratamento respeitoso10.
Já no exemplo a seguir, podemos ver a questão do clítico “lo”, não
usual no PB:
Collodi, p. 247
Colasanti, p. 188
Rinaldi, p. 151
Davvero?... (...) Se
avessi um milione,
correrei a
portarglielo...
É mesmo? ...(...). Se
eu tivesse um milhão ia
correndo levar para ela.
Verdade?... (...) Se eu
tivesse um milhão, ia
correndo levá-lo para
ela...(...).
Colasanti e Rinaldi optaram por expressar o sujeito eliminando a
possibilidade de dúvidas devido à desinência número-temporal do verbo.
Quanto ao objeto direto, as opções foram diferentes: Colasanti tornou
essa fala mais próxima do coloquial não expressando o objeto direto e
empregando o pronome reto de terceira pessoa preposicionado para obje-
9
NEVES, Maria Helena de M. Possessivos. In: CASTILHO, A. & BASÍLIO, M. (orgs.).
Gramática do Português Falado. Volume III. As Abordagens. Campinas: Unicamp, 1993,
p. 182 e 183.
10
SENSINI, Marcello. La grammatica della lingua italiana. Milano: Mondadori, 1997,
p. 209.
37
38
Andréia Guerini e Lucia Jolkesky. A colocação de pronomes pessoais e...
to indireto, práticas usuais no PB falado11; Rinaldi, por sua vez, optou pelo
clítico “lo”, o que tornou a sentença gramaticalmente correta, mas afastou-a do PB falado12, mas por outro lado usou o pronome reto preposicionado para objeto indireto, o que é usual na língua falada no Brasil, como já
citado anteriormente.
Na frase abaixo está um exemplo que permite confrontar o uso do
pronome para sujeito ou objeto e a categoria vazia:
Collodi, p. 88
Colasanti, p. 72
Rinaldi, p. 64
Le ho perdute!
Perdi!
Eu as perdi
Nessa fala de Pinóquio, Colasanti optou pela categoria vazia para
sujeito, o que está de acordo com Ilari et al (2002, p. 103) que indicam
que o uso do pronome “eu” parece estar vinculado ao acento sobre o mesmo, o que não ocorreria na frase “eu perdi”. Quanto ao objeto direto,
Colasanti não o expressou, o que é usual no PB13. Rinaldi expressou o sujeito “eu” e empregou o clítico “as”, considerado de uso marginal no português falado no Brasil14. O resultado foi uma frase gramaticalmente correta e mais próxima ao texto italiano do que ao PB falado.
O próximo exemplo mostra o problema da ausência do sujeito quando a desinência número-pessoal é comum à 1a e à 3a pessoas:
Collodi, p. 136
Colasanti, p. 107
Rinaldi, p. 95
(...) Ma como avete
fatto a crescere cosi
presto?
(...) Mas como fez
para crescer tão
depressa?
Mas como a senhora
foi crescer tão
depressa?
11
GALVES, C., Pronomes e categorias vazias em português do Brasil. Cadernos de Estudos
Lingüísticos 7. Campinas: UNICAMP: IEL, 1984, p. 107; POSSENTI, Sírio. op. cit., p. 67.
12
GALVES, C. & ABAURRE, M.B.M. Os clíticos no português brasileiro: elementos para
uma abordagem sintático_fonológica. In: CASTILHO, A. & BASÍLIO, M. (orgs.). Gramática do Português Falado. Volume IV. Estudos Descritivos. Campinas: Unicamp, 2002,
p. 293.
13
GALVES, C., op. cit., p. 107.
14
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. 5a reimpressão. Campinas:
Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1996/2000. p. 67.
Cadernos de Literatura em Tradução, n. 12, p. 33-46
Aqui, o verbo está com desinência número-pessoal de 3a pessoa, mas
Pinóquio dirige-se ao interlocutor, 2a pessoa, e somente Rinaldi optou pelo
sujeito expresso, o que dá mais clareza ao diálogo. Observe-se que no
texto italiano a própria desinência verbal já é indicativa do tom respeitoso que foi retratado apenas por Rinaldi.
O próximo exemplo mostra quão estranho fica o uso da ênclise numa
frase imperativa:
Collodi, p. 136
Colasanti p. 107
Rinaldi p. 95
Insegnatemelo (...)
Me ensine (...).
Ensine-me , (...).
Uma das características do PB é a possibilidade de se iniciarem frases com pronomes átonos, “especialmente com a forma me” (CUNHA;
CINTRA, 1965, p. 307) e é o uso habitual para o imperativo15. Esta opção
de Colasanti apresentou um número de ocorrências muito maior no Google16
do que a ênclise. Nesse exemplo, Colasanti esteve mais próxima do modo
de falar coloquial no Brasil.
A seguir, temos um caso de colocação pronominal quando o tempo
verbal é composto:
Collodi, p. 219
Colasanti, p. 168
Rinaldi, p. 108
Rivendetemi pure:
io sono contento (...).
Pode me vender,
tudo bem (...)
Pode revender-me,
eu fico contente. (...).
Nessa fala Rinaldi afastou-se da regra normalmente aplicada a esse
caso no português brasileiro: “próclise ao verbo que atribui função temática
ao pronome” (GALVES; ABAURRE, 2002, p. 286), manteve-se próxima ao
texto italiano e o resultado foi uma frase longa que não favorece a leitura
em voz alta. Colasanti adotou formas usuais no PB não só com relação à
colocação do pronome, mas também pelo uso da expressão “tudo bem”. Com
isso conseguiu uma frase mais curta e que favorece a leitura em voz alta.
A dúvida que pode surgir devido ao emprego do pronome possessivo “seu” quando este não se refere ao interlocutor é o foco do próximo
exemplo:
15
GALVES, C. & ABAURRE, M. B. M., op. cit., p. 287.
16
JOLKESKY, L. M. P. V., op. cit., p. 54.
39
40
Andréia Guerini e Lucia Jolkesky. A colocação de pronomes pessoais e...
Collodi, p. 92
Colasanti, p. 74,75
Rinaldi, p. 66
Davvero? (...)
Allora, Fatina mia, se
vi contentate, vorrei
andargli incontro! (...)
Verdade? (...) Então,
Fadinha querida, se estiver bem para a senhora, quero ir ao encontro
dele! (...)
Verdade! (...) Então
minha Fadinha, se a
senhora concordar, eu
gostaria de ir ao seu
encontro! (...)
Cada tradutora usou um modo diferente para Pinóquio dirigir-se à
Fada: Colasanti não empregou pronome, Rinaldi usou o pronome possessivo
anteposto ao nome, o que pode indicar valor afetivo17, e é o modo empregado em aproximadamente 96% dos casos pesquisados na linguagem falada18.
Tanto Colasanti como Rinaldi deixam evidente que Pinóquio trata a Fada
por “senhora”, refletindo o tratamento respeitoso do texto de Collodi
indicado pelo pronome “vi”19. Para expressar o desejo de Pinóquio, Colasanti
usou o verbo no presente do indicativo e não usou o pronome lexical, o que
não se faz necessário devido à desinência número-temporal permitir a
identificação do mesmo. Rinaldi usou o tempo verbal futuro do pretérito
refletindo a afabilidade presente no texto de Collodi mostrada pelo verbo
no tempo condicional, “vorrei”20, e expressou o sujeito, necessário pois a
desinência número-temporal é a mesma para a 1a e 3a pessoas do singular.
Outra diferença que se observa é a escolha entre “dele” ou “seu” para
pronome de 3ª pessoa do singular, uma vez que pode causar dificuldades
devido ao uso de “seu” tanto para referir-se a um possuidor de 2a pessoa
como de 3a pessoa; para evitar ambiguidades, as formas “dele(s)/dela(s)”
são um recurso do português21. Numa pesquisa sobre a linguagem falada,
Negrão & Müller (1996, p. 142) verificaram que “seu” é empregado em
94% dos casos de retomada de um sintagma nominal genérico, enquanto
“dele” é empregado em 76% dos casos de retomada de um sintagma nominal específico; assim sendo, a opção de Colasanti, “dele”, se mostra
mais clara quanto ao sintagma que retoma, o que não acontece com “seu”,
principalmente porque o nome retomado, “seu pai”, se encontra na fala
da Fada.
17
CUNHA, C. & CINTRA, L. op. cit., p. 312 e 314.
18
NEVES, Maria Helena de M., op. cit., p. 184.
19
SENSINI, Marcello. op. cit., p. 209.
20
Ibidem, p. 271.
21
CUNHA, C. & CINTRA, L., Ibidem, p. 312.
Cadernos de Literatura em Tradução, n. 12, p. 33-46
A próxima fala, ao ser lida em voz alta, mostra claramente como a
frase gramaticalmente correta se afasta da língua falada e tira a naturalidade do diálogo:
Collodi, p. 178
Colasanti, p. 137, 138
Rinaldi, p. 117
E io che son venuto
cercarti a casa tre
volte!...
E eu que fui te procurar em casa três
vezes!...
E eu que fui três a
vezes procurá-lo em
casa!...
Nessa frase de Pinóquio, Colasanti e Rinaldi usaram uma construção
topicalizada, comum no português coloquial do Brasil, principalmente “quando o tópico é idêntico ao sujeito da sentença-comentário”22. Com relação
ao pronome empregado como objeto do verbo “procurar”, Rinaldi optou
pelo clítico “lo” que, além de ser de uso marginal no PB falado23, pode
referir-se tanto a “você/senhor”, como a “ele”. Colasanti empregou o oblíquo “te”, em próclise, forma corrente no PB para expressar a segunda
pessoa em posição de objeto (direto ou indireto)24.
Esses exemplos nos mostram que, com relação aos pronomes, não há
um comportamento padrão de cada tradutora, ora é Colasanti que usa o
modo coloquial, ora é Rinaldi, e o mesmo ocorre com relação ao padrão
culto da língua. É um indício revelador da dificuldade que se apresenta na
tradução dos diálogos em virtude da necessidade de possibilitarem uma
leitura fluente aparentando naturalidade das falas e, ao mesmo tempo,
não se afastarem totalmente do padrão culto em virtude do papel educativo da literatura infantil.
Também permitem identificar duas situações distintas decorrentes do uso dos pronomes de modo não favorável à legibilidade: as que não
permitem uma leitura fluente porque o emprego dos pronomes não está
de acordo com a língua falada e as que prejudicam a compreensão impedindo a leitura fluente.
As práticas empregadas pelos tradutores que estão na primeira categoria foram: forma de tratamento não usual no Brasil, ausência ou presença do sujeito em desacordo com o PB falado e o emprego do objeto
direto/indireto pronominal, principalmente as formas “o/a”, “lhe” e va22
PONTES, E. O tópico no português do Brasil. Campinas: Pontes, 1987, p. 26.
23
GALVES, C. & ABAURRE, M. B. M. Ibidem, p. 293.
24
POSSENTI, Sírio. op. cit., p. 66 e 67.
41
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Andréia Guerini e Lucia Jolkesky. A colocação de pronomes pessoais e...
riantes, ou “me”, “te” de modo não usual no PB, emprego do possessivo de
modo não usual. Apesar de estarem de acordo com as regras da gramática
tradicional, essas práticas podem prejudicar a fluência da leitura, pois
interferem no ritmo natural da língua falada.
Entre os modos de emprego dos pronomes que não favorecem a compreensão estão: sujeito não expresso podendo gerar ambiguidade, uso do
pronome “seu/sua” quando o mais determinante seria “dele/dela” e o uso
de objeto direto pronominal em situação que pode gerar dúvidas.
O quadro a seguir dá um panorama da situação nas traduções examinadas25:
Opção
Número de excertos em que ocorre
Tradução de Colasanti
Tradução de Rinaldi
Forma de tratamento
não coloquial do filho
para o pai
1
1
Sujeito não expresso
1
2
Ausência / Presença do
sujeito em desacordo
com o PB falado
1
9
Seu / Sua gerando
ambiguidade
1
3
Objeto
Próclise
pronominal
3
3
uso
marginal
no PB
falado
3
11
0
2
2
1
Possível ambiguidade
Ênclise
Objeto pronominal
Possível ambiguidade
Possessivo no grupo
nominal: posposto ao
nome ou não precedido
de artigo
25
JOLKESKY, L. M. P. V.. cp. cit., p. 108.
Cadernos de Literatura em Tradução, n. 12, p. 33-46
Forma de tratamento
não identificável na
tradução
3
3
Expressões com poucas
ocorrências no Google
8
3
Provável influência do
italiano
5
1
28
39
Total de casos
Ao quantificar os dados acima, verifica-se que a tradução de Colasanti
apresentou um número menor de ocorrências de colocação pronominal que
poderiam dificultar a fluência da leitura. Uma explicação para isso é a
informação da própria tradutora a respeito das dificuldades que encontrou ao fazer a tradução de Le Avventure di Pinocchio:
o português tem um fator complicante, que mais se complica no coloquial: o tratamento. Usamos o você misturado com seu e com teu
numa grande confusão. Usar nos diálogos a forma gramaticalmente
correta ‘esfria’, endurece o diálogo. Em livros para adultos é absolutamente normal usar a forma errada (digamos assim) que utilizamos
ao falar. Mas quando se trata de livros para crianças há sempre a
questão da adoção nas escolas, e da exigência gramatical
(COLASANTI apud JOLKESKY, 2004, p. 110).
Segundo Colasanti, essa dificuldade foi contornada por um acordo
com a editora: “chegamos a um acordo pelo qual os adultos falariam da
forma correta, e as crianças falariam da forma usual, cotidiana”
(COLASANTI apud JOLKESKY, 2004, p. 110). No entanto, como mostra o
exemplo 1, nem sempre essa prática foi adotada.
A tradução de Rinaldi apresentou um número maior desse tipo de
ocorrências; uma possibilidade é a própria declaração desta tradutora
quanto ao seu projeto de tradução e às dificuldades que encontrou. Procurou traduzir do modo mais fiel possível ao autor e, quanto às dificuldades
disse que:
a parte mais trabalhosa foi, sem dúvida, verificar se o português
que eu usava estava correto do ponto de vista gramatical. Mudar
algumas frases que traduzidas literalmente não ficavam claras às
vezes também foi difícil, principalmente porque eu tendo a ‘italianizar’
43
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Andréia Guerini e Lucia Jolkesky. A colocação de pronomes pessoais e...
a maneira de escrever, enquanto era necessário ‘abrasileirar’ o texto (RINALDI apud JOLKESKY, 2002, p. 112).
Na maioria dos casos em que estas tradutoras colocaram os pronomes de um modo que não favoreceu a legibilidade foi porque se mantiveram muito próximas à estrutura da frase no texto italiano, talvez pela
familiaridade com a língua devido à própria origem, como explicou Rinaldi.
Na língua italiana a desinência verbal permite identificar a pessoa, como
também os pronomes oblíquos apresentam diferenças quando se trata de
distinguir um tom respeitoso do falante. Quanto ao pronome possessivo
não há uma preferência pela anteposição na língua italiana como ocorre na
língua portuguesa. Por exemplo, uma pesquisa no Google26 revela praticamente o mesmo número de ocorrências para “figlio mio” “mio figlio” enquanto que “meu filho” ocorre cerca de sete vezes mais que “filho meu”.
Ao se aproximarem da estrutura da frase em italiano as tradutoras não se
aperceberam de que o sujeito não expresso pode gerar ambiguidade quando a desinência número-pessoal é comum à primeira e terceira pessoas e
também devido ao uso de você para segunda pessoa. Além disso, algumas
vezes, essa proximidade levou-as a usar a colocação dos pronomes oblíquos de modo não usual no PB.
Assim, ao refletir sobre a problemática do modo de uso dos pronomes nas traduções de diálogos constatamos que a proximidade da língua
italiana da língua portuguesa e a própria origem italiana dos tradutores
pode ter dificultado a percepção dos tradutores quanto ao uso dos pronomes nas traduções aqui examinadas. Além disso, tradutor e editora devem
ter um projeto em comum, pois o uso dos pronomes de um modo não habitual nos diálogos causa estranhamento e dificulta a fluência da leitura,
pois não se trata de tarefa fácil atender à função da literatura infantil
como formadora de bons hábitos de linguagem e ao mesmo tempo propiciar uma leitura que reflita a oralidade e o modo de falar coloquial.
Referências
CARVALHO, Barbara Vasconcelos de. A literatura infantil: visão histórica
e crítica. 4ª edição. São Paulo: Global, 1985.
26
Acesso em 04/09/2010.
Cadernos de Literatura em Tradução, n. 12, p. 33-46
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São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002.
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GALVES, C. “Pronomes e categorias vazias em português do Brasil”. Cadernos de Estudos Lingüísticos 7. Campinas, Unicamp: IEL, 1984.
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JOLKESKY, L. M. P. V. LEGIBILIDADE DE DIÁLOGOS: A colocação de
pronomes nas traduções brasileiras de Pinóquio de 2002, p. 22 e 96. Disponível em: <www.bu.ufsc.br> e <www.pget.ufsc.br>.
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