No início do século XXI, tanto mudanças no cenário internacional, como a ascensão econômica chinesa e a preocupação estadunidense com o terrorismo global, quanto uma concertação de políticas domésticas, fazem surgir novas possibilidades...
moreNo início do século XXI, tanto mudanças no cenário internacional, como a ascensão econômica chinesa e a preocupação estadunidense com o terrorismo global, quanto uma concertação de políticas domésticas, fazem surgir novas possibilidades para países em desenvolvimento como o Brasil. Tais possibilidades refletiram-se no destaque desses países em uma área específica: o comércio internacional. Assim, o Brasil que sempre procurou se engajar no multilateralismo assumiu um papel de protagonismo na Organização Mundial do Comércio (OMC) a partir de 1999, liderando o G-20 (agrícola) e abrindo diversas disputas contra países desenvolvidos, conquistando a vitória na maioria delas. Os contenciosos que marcam esse momento de mudanças externas e internas e de vitórias brasileiras são: o do algodão (contra os Estados Unidos), o do açúcar (contra a União Europeia), ambos iniciados em setembro de 2002, e o do suco de laranja (também contra os Estados Unidos), com um painel de março de 2002 sem punição para o demandado e outro em novembro de 2008 com punição para o demandado. Contudo, apesar das vitórias na OMC para os respectivos setores agrícolas brasileiros, o fato de um setor demandar do governo a contestação em organização multilateral contra outro Estado que protege seu mercado de produtos importados pode ser entendido como um último recurso e derrota do setor exportador que não conseguiu negociar bilateralmente com o país importador. Nesse sentido, a pesquisa parte da seguinte pergunta: por que entre os painéis relacionados à agricultura abertos em 2002 pelo Brasil na OMC, somente o do suco de laranja não progrediu, sendo necessário um segundo painel em 2008? Há três variáveis possíveis para pensar a questão que serão abordados de forma interrelacionada: 1) a natureza do produto e da cadeia produtiva; 2) o processo de tomada de decisão em política externa e a escolha da linha de atuação brasileira nesse campo; e 3) a influência do setor demandante sobre a formulação e implementação de políticas públicas no Brasil. Assim, com relação à primeira variável, apesar da grande liderança brasileira no setor de suco de laranja – de cada cinco copos consumidos no mundo, três são provenientes dos pomares brasileiros –, o setor não articula cadeias nacionais, já que o Citrus Belt brasileiro se concentra no interior de São Paulo (85% da produção) e no Triângulo Mineiro, além de não mobilizar produtos energéticos (como o etanol para a cana-de-açúcar) ou competir com cadeia produtiva nacional estadunidense (como o algodão). Já sobre a segunda variável, é importante destacar os contextos internacionais e nacionais de 2002 e 2008 para procurar compreender o processo de tomada de decisão em política externa e a escolha da linha de atuação brasileira nesse campo. Se em 2002, o boom chinês valorizou as commodities e beneficiou a exportação de suco de laranja brasileiro, em 2008 a crise financeira nos Estados Unidos levou o país a adotar medidas protecionistas sem conformidade com as regras da OMC, afetando a exportação brasileira. Por fim, destaca-se que nos anos 2000 há uma retomada das ações do Estado como promotor de ações diretas e indiretas para solucionar
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problemas domésticos ligados à citricultura e em 2009 a instituição representativa da indústria produtora de suco é renovada com o surgimento da CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos), entidade que reúne as três grandes processadoras – Citrosuco, Cutrale e Louis Dreyfus Commodities – e que nasce profissionalizada, aproximando-se mais do governo e criando novas estratégias de mercado, contribuindo para a abertura do painel. Porém, cabe ressaltar que o modelo organizacional de representação de interesses do setor agrícola brasileiro, incluindo a cultura da laranja, é bastante complexo, pois baseia-se em uma ampla teia de instituições fracionadas. As entidades representantes dos grandes (CitrusBR) e pequenos citricultores (Associtrus), instituições governamentais (MAPA, secretárias municipais e estaduais, Frente Parlamentar da Citricultura/SP) e outros órgãos ligados à produção de laranja (Fundecitrus, ABAG, FAESP, CNA, GTACC, GCONCI) se organizam dentro da construção da agenda estratégica do setor agrícola, porém, visando garantir os interesses próprios de cada um. Entretanto, apesar da multiplicidade de atores e lógicas de ação coletiva da citricultura, todas as instituições e mecanismos que a representam possuem discursos alinhados sobre o comércio internacional e ocupam espaços institucionais relevantes à formulação da política de comércio internacional agrícola, principalmente no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Ministério da Indústria Comércio Exterior e Serviços, na Câmera de Comércio Exterior e no Ministério das Relações Exteriores. Além de possuírem uma razoável representatividade legislativa. Desse modo, esta pesquisa tem como objetivo mapear a influência dos grupos de interesse citrícola sobre a formulação da política de comércio internacional que é adotada pelo país e a influência desses grupos sobre a implementação dessa estratégia. O que nos possibilitará verificar se existe uma instrumentalização pelo Estado desses grupos e em que momento(s) e a(s) motivação(ões) o Estado brasileiro defende em âmbito internacional interesses do agronegócio como parte de seu interesse nacional. Assim, nossa hipótese parte do pressuposto que a estratégia de uso dos canais de absorção de demandas do Estado brasileiro nas temáticas internacionais adotada pelo agronegócio citrícola é participar tanto da dinâmica burocrática quanto da dinâmica política-eleitoral do país. Logo, em órgãos como MDIC (via Camex), MAPA e secretárias estaduais a citricultura consegue influenciar fortemente a formulação da estratégia que será adotada para o setor domesticamente, mas, em grande parte das vezes, no MRE a influência torna-se restrita a implementação da estratégia decidida pelo ministério, o que levaria a uma instrumentalização pelo Estado dos grupos de interesse citrícolas.