A questão da corrupção tornou-se um assunto onipresente nas conversas cotidianas. Em amplos setores da sociedade e, em especial, no seio das classes médias, o tema aparece com enorme frequência, associado ao sistema político, aos...
moreA questão da corrupção tornou-se um assunto onipresente nas conversas cotidianas. Em amplos setores da sociedade e, em especial, no seio das classes médias, o tema aparece com enorme frequência, associado ao sistema político, aos partidos, aos representantes eleitos e, de modo mais geral, à esfera de atuação do poder público. Assim como habitualmente o assunto para iniciar qualquer conversa, sobretudo com um desconhecido, tem sido falar do clima ou da previsão do tempo, hoje em dia é também muito comum começar um diálogo falando mal dos políticos e associando-os automaticamente a esquemas ou escândalos de corrupção. Dir-se-ia que o tema passou a constituir um dos mais importantes "assuntos-ônibus" (Bourdieu, 1997): aqueles assuntos que, por não terem a princípio caráter controverso, visam gerar empatia com o interlocutor em diálogos superficiais dentro de um elevador, num taxi, no ônibus, numa padaria ou na fila de um banco; ou ainda aqueles assuntos que se fazem presentes com enorme frequência também no ambiente midiático. É lugar-comum, nos grandes veículos de comunicação, dedicar fartos minutos, centímetros ou gigabytes a denúncias de escândalos de corrupção em que estejam envolvidos integrantes da mal chamada "classe política". Configura-se como um fácil atalho para capturar a atenção do espectador e assim elevar os índices de audiência. É lugar-comum, também, no Brasil e alhures, receber correntes de e-mails, postagens nas redes sociais e mensagens via WhatsApp em que indignados cidadãos assumem para si o "patriótico" papel de replicadores de denúncias de "malfeitos", ilegalidades, desvios de conduta, troca de vantagens indevidas e mal-uso do dinheiro público. Espécie de "cruzados morais", "denunciadores seriais" ou seguidores de "corajosos justiceiros" que buscariam acabar com o "câncer" que teria tomado conta da vida política do país. É de se esperar, portanto, que o campo acadêmico, na medida em que não constitui uma ilhamesmo que alguns pretendam que tal coisa seja possível e, pior, desejáveltambém se veja seduzido pelo assunto e este passe a tomar a atenção de disciplinas como o Direito, a Economia, a Administração, a Sociologia ou a Ciência Política. E é precisamente sobre a relação desta última com o assunto citado que se debruça este artigo, com o objetivo de verificar qual é o lugar que ocupa o tema da "corrupção" na agenda de investigação e intervenção pública da disciplina e qual a perspectiva político-ideológica predominante. Mais concretamente, procura-se observar see até que pontoas pesquisas desenvolvidas no campo da Ciência Política conseguem estabelecer um distanciamento crítico do tipo de discurso anticorrupção predominante nos ambientes extraacadêmicos. Ou, em sentido contrário, verificar em que medida os cientistas políticos acabam por