RESUMO: Os conceitos de "pacto ambíguo" ou "pacto oximórico" são tratados, por alguns teóricos da autoficção, como instrumentos capazes de estabelecer o elemento diferencial que especifica tal prática literária. As teorias acerca da...
moreRESUMO: Os conceitos de "pacto ambíguo" ou "pacto oximórico" são tratados, por alguns teóricos da autoficção, como instrumentos capazes de estabelecer o elemento diferencial que especifica tal prática literária. As teorias acerca da autoficção partem, quase sempre, das especificações que Lejeune fez acerca da autobiografia. Para tal teórico, há uma diferença substancial entre os contratos de leitura da autobiografia (pacto autobiográfico) e da ficção (pacto ficcional ou romanesco); para ele, a natureza de tais pactos como realidade ou invenção é bem definida para o leitor. Os teóricos da autoficção, como Doubrovsky, Vilain e Jaccomard, fazem da ambiguidade da natureza do pacto da autoficção aquilo que a coloca em posição intermediária entre autobiografia e ficção. A diferença entre as naturezas do discurso literal ou referencial e do ficcional já havia sido observada por John R. Searle, em "A lógica do discurso ficcional". O linguista observa, nos discursos, características que são pactuais e que podem ser aplicadas não apenas aos pactos estabelecidos por Lejeune quanto ao ambíguo ou oximórico da autoficção. A partir das características discursivas de Searle podem ser evidenciados em que momentos do contrato de leitura o pacto da autoficção opta pela indefinição como recusa em fornecer informações ao leitor. PALAVRAS-CHAVE: Autoficção. Pacto ambíguo. Searle. Discurso ficcional. Quando Serge Doubrovsky (2014, p. 112) criou o conceito de "autoficção", em 1977, estava voltado para sua própria produção literária. O conceito era uma forma de explicar os procedimentos que davam origem a suas narrativas literárias, mas também tentava explicar os modos ideais de recepção delas pelo leitor. Doubrovsky age como teórico de si mesmo, até mesmo para fugir de modos de recepção específicos de gêneros autobiográficos. Poderia ter se resumido a uma tentativa de diferenciar a sua produção ficcional da autobiografia, mas o autor foi além, ao indicar que não se tratava também de ficção pura, no sentido de produto do imaginário. A partir de então, o estabelecimento de um conceito exato de autoficção tornou-se um problema. Tal como havia ocorrido com o de autobiografia, que partia de uma redução categórica para chegar a uma abertura exagerada de procedimentos, o conceito de autoficção também oscila entre a redução e a abertura excessivas. Atenta-se em demasia para o "eu" como pessoa empírica, no sentido de ela se fazer notar, seja de modo velado ou explícito. É fato observado que a atenção que a literatura tem dado às manifestações do "eu" é fenômeno que merece uma atenção mais sistemática e menos impressionista. Afinal, a autoficção não é fenômeno recente. O que tem ocorrido é que a mesma vem se destacando daquilo que, há algum tempo, vem sendo chamado de "escritas do eu", expressão que se refere às práticas de olhar para si mesmo, mesmo fora do âmbito da literatura. A autoficção é uma das possibilidades de escritas do eu, que possui especificidades que deveriam localizá-la dentro das inúmeras manifestações do olhar para si mesmo. No entanto, é comum que o conceito, que em princípio se referia à produção de texto literário, narrativo, se estenda a outras formas de textualização. Tais formas, que se enquadram dentro do conceito de escritas do eu, acabam por