O presente artigo busca analisar a gama de impactos socioambientais produzidos pelos plantios industriais de eucalipto do complexo produtivo da celulose, implantado no norte do Espírito Santo em meados da década de 1970. Até meados do...
moreO presente artigo busca analisar a gama de impactos socioambientais produzidos pelos plantios industriais de eucalipto do complexo produtivo da celulose, implantado no norte do Espírito Santo em meados da década de 1970. Até meados do século XX, a região fronteiriça entre o Espírito Santo e a Bahia-denominada "Sapê do Norte"-era predominantemente ocupada por um campesinato diversificado, que compreendia comunidades caboclas, pescadoras e quilombolas que tiravam seu sustento do uso do meio natural. Aqui, a rica floresta atlântica, agrupando mata densa, lagoas e sapezais nos terrenos sedimentares terciários e áreas de inundação nas planícies de inundação dos rios, apresentava a fartura suficiente para suprir estas comunidades de água, peixe, carne, frutos, madeira, ervas e raízes medicinais. A fartura estendia-se à terra: no "sertão", a "terra era à rola", lugar dos roçados de mandioca e criações, apropriada pelas posses que passavam de pai para filho. Esta situação favorecia o uso comum dos recursos oferecidos pelo meio e assim concretizava o território das comunidades. Iniciada em pequena escala na década de 1920, a exploração comercial destas áreas de floresta sofre um grande aumento a partir da década de 1950. O crescimento urbano-industrial do Centro-Sul do país tem fome de madeira, que começa a ser saciada pela exuberância da Mata Atlântica do norte do Espírito Santo. Da mesma maneira, inicia-se a produção de carvão da ACESITA Energética e o plantio de eucalipto pela Companhia Vale do Rio Doce-CVRD, que era exportado para fábricas de celulose europeías. Em meados da década de 1970, toma pulso um vertiginoso crescimento da destruição desta floresta, através do projeto estatal militar de extensos plantios de eucalipto para a produção de celulose, integrante do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974). A implantação dos plantios industriais de eucalipto da atual empresa Aracruz Celulose nesta região traz a transformação no uso da terra, incentivada e legitimada pelo Estado através de legislações específicas, e impõe uma nova lógica de apropriação do espaço, ditada pela propriedade privada, pelo uso restrito, pela acumulação e pelo lucro. Junto destas transformações, um manejo extremamente impactante, com o plantio da monocultura em nascentes e zonas de recarga hídrica, a retirada de matas ciliares, o estrangulamento de cursos d'água pelas estradas, o aterro de lagoas, a capina e o controle químico de pragas com elevadas doses de agrotóxicos. Danificando o meio natural, a nova situação passa a desestruturar o modo de vida das comunidades locais, outrora estruturado numa forma de manejo que mantinha os ciclos reprodutivos da vida. Este artigo é oriundo da Dissertação de Mestrado "Da fartura à escassez": a agroindústria de celulose e o fim dos territórios comunais no Extremo Norte do Espírito Santo, apresentada pela autora no ano de 2002, no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.