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52 Ambientes de Leques Aluviais - Assine

Capítulo II
Cap.II

AMBIENTES de LEQUES ALUVIAIS

Mário Luis Assine

ABSTRACT
Alluvial fans are continental depositional deposits are associated with coarse-grained fan
systems in which the fluvial drainage pattern is facies around the world, such as the Brazilian oc-
distributary. Fans commonly have geometry of a currences of diamonds (Chapada Diamantina, Ba-
segment of a cone, with channels radiating from hia State), gold (Jacobina range, Bahia State) and
its apex. They are located downstream of points uranium (Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais
where a confined flow, usually within a fluvial val- State). Important coal deposits have already been
ley cut into an area of high relief, expands onto discovered in alluvial fan facies associations, but
an interior lowland or a coastal plain. Frequently, the environment is not favorable to the existence
but not always, the escarpment across which relief of petroleum source-rocks. Despite of this, con-
changes is close to the trace of an active fault zone. glomeratic facies can be good reservoir-rocks to
Alluvial fans can be divided into two basic types: hydrocarbons generated in genetically associated
gravity-flow dominated fans and fluvial fans With lacustrine or marine systems.
topographic slope higher than 1,5º and intermit-
tent deposition, gravity-flow fans are the classic 1 - Introdução
small fans that are best developed in arid settings.
Fluvial fans generally are larger and character- O termo leque aluvial (alluvial fan) tem
ized by migration of a permanent channelized sido usado para designar sistemas aluviais em
stream and topographic slope lower than 0,4º. que o padrão dos canais é mais distributário que
Alluvial fans systems commonly develop at tributário (Miall, 1990). Esta característica geo-
active basin margins, along which they can co- morfológica permite distingui-los dos sistemas
alesce, being typical along bordering faults in rift fluviais típicos, que apresentam padrão de drena-
and pull-apart basins, and adjoining thrust fronts gem dominantemente tributário.
in foreland basins. Basinward, alluvial fans com- Leques aluviais são sistemas deposicionais
monly integrate depositional tract systems with em forma de leque aberto ou de segmento de cone,
playa lakes and eolian dunes in arid climates, and caracterizados por canais fluviais distributários
with braided and meandering fluvial plains in hu- de grande mobilidade lateral. Formam-se em pla-
mid and glacial climates. A coastal alluvial fan or nícies ou vales largos onde rios, provenientes de
fandelta is formed when there is progradation onto relevos altos adjacentes, se espraiam adquirindo
adjacent lakes or seas, where deep-water turbid- padrão radial, devido ao desconfinamento do
ites can be formed by slope instability and ressedi- fluxo (Figura 1). O gradiente topográfico decresce
mentation on basin floor. The interaction between das cabeceiras para a base, dando origem a perfis
tectonics and climate constrain the stratigraphic longitudinal côncavo e transversal convexo para
stacking pattern, resulting in progradational and cima (Figura 2).
retrogradational megasequences. Many placer O padrão distributário é conseqüência da

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 52-71 53


não são comuns, o que permitiu a classificação dos
leques em dois tipos bem definidos: 1) leques do-
minados por fluxos de gravidade (declive > 1,5º;
gradiente > 0,026 m/m) e 2) leques fluviais (decli-
ve < 0,4º; gradiente < 0,007 m/m).
Blair & McPherson (1994) propuseram que se
restringisse o termo leque aluvial somente para os
sistemas com declive >1,5º, argumentando que as
fácies dos sistemas distributários de declive baixo
(leques fluviais) são similares às fácies dos sistemas
fluviais tributários, não havendo como diferenciá-
los no registro geológico. Esta proposta não foi aqui
adotada, a exemplo de trabalhos de síntese como os
de Collinson (1996) e de Miall (1996).
Leques aluviais compõem tratos deposicio-
nais diversos, dependendo dos sistemas deposi-
cionais aos quais estão associados. Em regiões
de clima semi-árido, podem compor tratos depo-
sicionais com lagos temporários (playa lakes) e/
ou campos de dunas eólicas. Em regiões tropicais
úmidas e em regiões glaciais, os leques podem
constituir ambientes sedimentares proximais de

Bacia de drenagem
ou
Área de captação Perfil longitudinal
Escarpment

Figura 1: Leque aluvial atual, com extensão de apro-


ximadamente 80 km do ápice à base, na borda
Perfil transversal
sul do deserto de Gobi, Gansu, China (imagem
STS048-610-034 do ônibus espacial, setembro de
1991, NASA).
Figure 1: Alluvial fan, 80 km in size from the apex
to the base, at the south border of Gobi desert,
Gansu, China (space shuttle image STS048-610-034,
September 1991, NASA). Figura 2: Perfis topográficos em leques aluviais.
Figure 2: Longitudinal and transversal profiles in
alluvial fans.
redução no gradiente topográfico, que causa des-
confinamento do fluxo, queda na velocidade
da corrente e diminuição na profundidade da
água. Com a redução na capacidade de trans-
porte sedimentar, ocorre sedimentação da carga
transportada pelo rio e assoreamento do canal. Ponto de intersecção
Intersection point
O leito torna-se instável e ocorrem freqüente- Lobo deposicional
mente alterações no seu traçado, especialmente Deposicional lobe
após grandes cheias.
Incisão fluvial pode ocorrer na parte su-
perior do leque em conseqüência de mudanças
no perfil de equilíbrio do canal alimentador,
gerando terraços cujas altitudes decrescem para
jusante. Neste caso, desconfinamento e expan-
são do fluxo ocorrem a partir do ponto de in-
tersecção, definido pela intersecção da superfí-
cie topográfica do leque com o perfil de equilíbrio Figura 3: Canal entrincheirado e formação de novo lobo
ou nível de base de erosão (Figura 3). Com isso, deposicional a jusante do ponto de intersec-
espaço de acomodação é gerado e um novo lobo ção.
deposicional é formado a jusante do ponto de in- Figure 3: Entrenched channel and generation of a new de-
tersecção. positional lobe downstream of the intersection
Leques aluviais com declive entre 0,4º e 1,5º point.

54 Ambientes de Leques Aluviais - Assine


Cap.II
sistemas fluviais meandrantes ou entrelaçados. quilômetros) e são formados pela interação de pro-
Quando leques aluviais adentram lagos ou cessos gravitacionais e fluviais (Figura 4-A). Não
mares, constituem os leques costeiros ou deltaicos se adotou aqui a denominação “leques dominados
(fandeltas), cuja complexidade faciológica é gran- por fluxo de detritos”, proposta por Stanistreet
de devido à atuação de processos marinhos (ondas, & McCarthy (1993), porque fluxo de detritos é
marés e correntes) que retrabalham e redepositam somente um dos processos dentro de um amplo
os sedimentos na costa, e de variações do nível do espectro de fluxos sedimentares de gravidade.
mar/lago que imprimem assinaturas na arquitetura Leques dominados por fluxos de gravidade
estratigráfica. Embora se faça referência a eles no existem em várias partes do mundo, sendo exem-
decorrer do texto, os sistemas de leques aluviais plos clássicos os leques coalescentes, adjacentes
costeiros não serão tratados neste capítulo. às escarpas de falha da borda da bacia atual do
Vale da Morte, Califórnia, EUA (Figura 4-B e C),
2 - Leques dominados por fluxos de descritos em detalhe por Bull (1963).
gravidade Os leques dominados por fluxos de gravi-
dade têm sido também referidos como leques de
Os leques dominados por fluxos de gravi- clima semi-árido, mas a denominação é inadequa-
dade (gravity flow dominated fans) têm dimensão da, porque fluxos de gravidade não ocorrem ex-
pequena a média (centenas de metros a poucos clusivamente em regiões com clima semi-árido.

Figura 4: Leques dominados por fluxos de gravidade: A) modelo (Stanistreet & McCarthy 1993); B) leques coalescentes
no Vale da Morte; o vale é visível em tons escuros no centro da imagem (imagem de radar do ônibus espacial,
PIA01349, NASA); C) Leque aluvial em Badwater, Vale da Morte, Califórnia, EUA (foto: Martin G. Miller,
Journal of Geoscience Education, 1999, v.47, nº2, capa).
Figure 4: Gravity flow dominated fans: A) model (Stanistreet & McCarthy 1993); B) coalescent fans in the Death Valley; the
valley is visible in dark tones at the center of the image (space shuttle radar image, PIA01349, NASA); C) alluvial fan at
Badwater, Death Valley (photo: Martin G. Miller, Journal of Geoscience Education, 1999, v.47, n.2, cover photo).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 52-71 55


praticamente sem fricção, mesmo em ta-
ludes de baixo gradiente. Os fluxos po-
dem ocorrer confinados em canais nas
porções axiais, mas quando o canal não
comporta o volume há expansão lateral
do fluxo, com formação de diques mar-
ginais e de lobos de depósitos de fluxo
de detritos (Figura 5).
Os fluxos de detritos podem
ser coesivos ou não-coesivos (Lowe,
1979), a depender da porcentagem de
sedimentos de granulação fina (silte e
argila). Fluxos de detritos não-coesi-
vos, caracterizados por porcentagem
baixa de sedimento de granulação
fina (< 10%), originam conglomera-
dos clasto-sustentados (ortoconglo-
A merados), muitas vezes com grada-
ção inversa (Figura 6-B), que podem
Perfil do canal apresentar imbricação indicativa do
sentido de transporte.
Ponto de intersecção Fluxos de detritos coesivos têm
Superior alta porcentagem de sedimentos de
granulação fina (> 10%). Apresentam
Inferior Médio comportamento plástico devido à bai-
xa viscosidade e o movimento interno
é mais laminar que turbulento. Formam
conglomerados matriz-sustentados
com seleção pobre e matriz lamosa
Facies distais: lago, planície de inundação ou dunas (paraconglomerados). Clastos maiores
Base Cabeceira de dimensões anômalas podem ocorrer
“flutuando” no interior do depósito ou
projetar-se acima do seu topo (Figura
Lobos de fluxo de detrito
Diques marginais de fluxo de detritos
6-A). Os depósitos de cada fluxo apre-
sentam espessuras variáveis, sendo co-
Depósitos de peneiramento
mum espessuras maiores que dois me-
tros.
Inuncitos e depósitos de canais antigos Os depósitos tendem a apresentar
Depósitos de canal aspecto maciço quando a viscosidade é
alta, mas quando a viscosidade é bai-
xa podem apresentar gradação normal
e alinhamento de clastos, devido a ci-
Figura 5: Modelo deposicional de leques aluviais (modificado de Spearing, salhamento interno penetrativo (Figura
1974; in: Nilsen 1982).
Figure 5: Model of alluvial fan sedimentation (modified from Spearing, 1974;
7). A parte basal do depósito pode apre-
in Nilsen 1982).
sentar gradação inversa, resultado de
processos de pressão dispersiva e pe-
neiramento cinético.
Depósitos de fluxos de gravidade ocorrem também Fluxos fluidificados apresentam comporta-
em climas úmidos, especialmente quando as chu- mento de fluido viscoso, com movimentos inter-
vas são concentradas em determinados períodos do nos laminares e turbulentos igualmente importan-
ano e existem solos espessos na área-fonte. tes. Produzem conglomerados clasto-sustentados
Depósitos de fluxos de gravidade, que cons- com gradação normal, dispostos em camadas
tituem fácies características deste tipo de leque tabulares ou canalizadas, em cujo topo podem
(Figura 5), são produzidos por movimentos de ocorrer arenitos estratificados depositados por
massa sedimento/água originados a partir de dois correntes geradas na dissipação do fluxo (Figura
processos básicos: 1) fluxo de detritos (debris 6-B), (Figuras 8 e 9). Segundo Nemec & Steel
flow), onde o peso do sedimento é > 80% do total (1984), depósitos deste tipo têm sido pouco
da massa; e 2) fluxo fluidificado (sediment fluidal reconhecidos no registro estratigráfico pois são
flow, Lowe 1979), onde o peso do sedimento se freqüentemente considerados produto de outros
situa entre 40 a 80% do total da massa (Figura 6). processos, tais como inundações torrenciais e
Fluxos de detritos (debris flow) são movi- efêmeras (streamflood: Steel, 1974; sheetflood:
mentos onde clastos de grandes dimensões (calhaus Nemec et al., 1980 e Wasson, 1979).
e matacões) podem ser transportados em massa, Um tipo especial de depósito pode se for-

56 Ambientes de Leques Aluviais - Assine


Cap.II
Conglomerado clasto-sustentado,
FLUXO podendo apresentar gradação inversa mar imediatamente a jusante
DE
DETRITOS do ponto de intersecção, devi-
do à súbita perda da capa-
cidade de transporte, com o
Dissipação do fluxo desconfinamento do fluxo, e à
Transporte de alta competência
acentuada infiltração de água.
CORRENTE
Denominados depósitos de
peneiramento (sieve deposits)
por Hooke (1967), constituem
Base erosiva pequenos lobos de cascalhos
FLUXO grossos clasto-sustentados.
DE Conglomerado matriz sustentado Embora observados em leques
DETRITOS matriz areia/ cascalho fino atuais, têm sido pouco reco-
nhecidos no registro estrati-
gráfico. Uma característica
Conglomerado matriz sustentado, importante deste tipo de depó-
clastos subhorizontais; matriz lama sito é a presença de clastos
ou areia
FLUXO de granulação mais fina pree-
DE enchendo os espaços entre os
DETRITOS
Megaclastos isolado
clastos maiores (Figura 10).
Fluxos de gravidade são
Pseudolaminação por cisalhamento na base
eventos catastróficos de ocor-
rência episódica, resultado da
CORRENTE conjugação de intensa preci-
Conglomerado muito compactado
pitação e disponibilidade de
Base erosiva
detritos nas escarpas adjacen-
tes e na bacia de drenagem.
Podem se passar muitos anos
sem que ocorram, períodos em
que predomina a ação de cor-
rentes de água (streamflow),
tanto confinadas nos canais
Arenito estratificado (depósito de fluviais quanto sob a forma de
dissipação do fluxo) inundações.
Nos canais alimentado-
res e distributários formam-se
barras de cascalho que dão ori-
gem a conglomerados clasto-
sustentados, maciços ou estra-
FLUXO tificados (Figura 11). Quando
FLUIDIFICADO domina a fração areia no supri-
mento sedimentar, a migra-
ção de barras arenosas produz
Conglomerado clasto-sustentado,
com imbricação incipiente, podendo depósitos com estratificações
apresentar estratificação cruzada mal cruzadas planar e acanalada
desenvolvida (Figura 12).
O volume de água que
desce pelo canal pode ser muito
grande durante grandes chuvas,
ocasionando transbordamento
Base erosiva com canais
e dando origem a fluxos ou
CORRENTE inundações torrenciais (shee-
tflow ou sheetflood), sobretudo
a jusante do ponto de intersec-
ção, dando origem a lençóis
de areia bem selecionada, com
estratificação plano-paralela ou
com ondulações de corrente. A
Figura 6: Fácies características das porções proximais de leques dominados por fração mais fina (areias muito
fluxos de gravidade (modificado de Nemec & Steel, 1984). finas, silte e argila) é carreada
Figure 6: Typical proximal facies of gravity flow dominated fans (modified from Nemec em suspensão, dando origem a
& Steel, 1984). depósitos heterolíticos delga-

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 52-71 57


Figura 7: Conglomerado matriz-sustentado com Figura 8: Conglomerados clasto-sustentados
orientação dos clastos, Bacia de Camaquã com gradação normal, Bacia Camaquã
(Guaritas), Rio Grande do Sul (foto: Paulo (Bom Jardim), Estado do Rio Grande do
S. G. Paim). Sul (foto: Paulo S. G. Paim).
Figure 7: Matrix-supported conglomerate with Figure 8: Normal graded clast-supported con-
clast-orientation, Camaquã Basin (Guaritas), glomerates, Camaquã Basin (Bom Jardim),
Rio Grande do Sul, Brazil (photo: Paulo S. Rio Grande do Sul, Brazil (photo: Paulo S.
G. Paim). G. Paim).

Figura 9: Conglomerados clasto-sustentados com gradação normal, Bacia de Jaibaras, Ceará (foto: Quadros, 1996).
Figure 9: Normal graded clast-supported conglomerates, Jaibaras Basin, Ceará, Brazil (photo: Quadros, 1996).

Figura 10: Conglomerados clasto-sustentados interpre-


tados como depósitos de peneiramento, Formação
Tombador (Mesoproterozóico), Chapada
Diamantina, Bahia (foto: Augusto Pedreira).
Figure 10: Clast-supported conglomerate interpreted as sieve
deposits,Tombador Formation (Middle Proterozoic),
Chapada Diamantina, Bahia, Brazil (photo: Augusto
Pedreira).

58 Ambientes de Leques Aluviais - Assine


Cap.II
dos e lateralmente contínuos na parte mais distal
do leque.
As associações de fácies mostram dimi-
nuição do tamanho de grão das cabeceiras para
a base em decorrência da redução no gradiente
topográfico, da diminuição da energia da corrente,
do desconfinamento do fluxo e da perda d’água
por infiltração e/ou evaporação. Na base há intera-
ção com outros sistemas deposicionais coetâneos
(Figura 5). Corpos d’água podem se formar nas
partes distais em conseqüência das inundações,
mas são efêmeros e os sedimentos depositados
por decantação podem sofrer ressecamento origi-
nando gretas de contração. Quando ainda úmidos,
nos sedimentos lamosos podem ficar preservados
diversos tipos de traços fósseis de animais terres-
tres (Figura 13).
Figura 11: Fácies de corrente: conglomerados clasto-susten-
tados e arenitos com estratificação cruzada (Terciário, 3 - Leques fluviais
Bacia de Taubaté), São Paulo (foto: Mário L. Assine).
Figure 11: Stream facies: clast-supported conglomerates and Leques fluviais são sistemas de baixo gra-
cross-bedded sandstones (Tertiary, Taubaté Basin), São diente, dominados por rios permanentes ou inter-
Paulo, Brazil (photo: Mário L. Assine) mitentes. Stanistreet & McCarthy (1993) distin-
guiram dois tipos básicos de leques fluviais: 1)

Figura 12: Arenitos grossos/conglomeráticos com estratificação cruzada acanalada, Bacia de Iguatu, Ceará. A foto de
baixo é um detalhe da superior (foto: Mário L. Assine).
Figure 12: Trough cross-bedded coarse-grained sandstones, Iguatu Basin, Ceará, Brazil. The photo on the botton is a detail
from the one on the top (photo: Mário L. Assine).

Figura 13: Fácies de lagos efêmeros (A) com pegadas de dinossauros (B), Bacia do Rio do Peixe, Paraíba (foto: Mário
L. Assine).
Figure 13: Playa lake facies (A) with dinosaur footprints (B), Rio do Peixe Basin, Paraíba, Brazil (photo: Mário L. Assine).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 52-71 59


leques de rios entrelaçados; 2) leques de rios de (Stanistreet et al., 1993). Um outro exemplo é
baixa sinuosidade / meandrantes. o leque Portage La Prairie, descrito por Rannie
Leques fluviais construídos por rios entrela- (1990).
çados podem ser formados em planícies de outwa- No Brasil há vários leques fluviais quaterná-
sh proglaciais por correntes derivadas de águas de rios. O mais notável é o megaleque do Rio Taquari
degelo, que retrabalham material depositado por no Pantanal Mato-grossense (Figura 17), que tem
geleiras (Figura 14). O padrão entrelaçado é con- forma quase circular e diâmetro de aproximada-
seqüência do fato de que as margens são facilmen- mente 250 km (Braun, 1977; Tricart, 1982). Pelas
te erodidas e os canais tendem a ser muito móveis. suas características, pode ser classificado como
A carga sedimentar destes rios é caracterizada por um leque construído por rios de baixa sinuosidade
porcentagem alta de cascalho, transportado por / meandrante, mas sua evolução é complexa, pro-
tração no leito dos canais. duto da construção e abandono de diversos lobos
Leques de rios entrelaçados se formam tam- (Assine & Soares, 1997; 2004).
bém em condições climáticas não-glaciais. Os rios Nos leques fluviais os canais se dividem
são perenes e a descarga fluvial é contínua nestes numa rede de distributários (Assine, 2005).
leques, embora ocorram inundações relâmpago Desenvolvimento acentuado de barras e deposição
(Dunne 1988). O padrão entrelaçado origina-se no canal reduzem a capacidade do rio transportar
do acúmulo de areias e cascalhos no leito, com água, causando rompimento de diques marginais
desenvolvimento de barras de vários tipos que durante as cheias e avulsão do canal. Mudanças
produzem fácies com estratifi-
cação cruzada. O canal princi-
pal é bem definido e pode ser
muito móvel, com mudanças
abruptas e freqüentes de curso.
Na Figura 15 são apresentados
um bloco-diagrama, que ilustra
as características deste tipo de
leque, e uma imagem do leque
do Rio Kosi, na Índia, cujas
características físicas e litológi-
cas são descritas em Singh et al.
(1993) e Wells & Dorr (1987).
Leques fluviais como o
do Rio Okavango, em Botswana
(McCarthy et al., 1991) não são
formados por rios entrelaçados.
Stanistreet & McCarthy (1993)
classificaram-nos como leques
de rios de baixa sinuosidade /
meandrantes (Figura 16), consi-
derando que são dominados por
cinturões de rios meandrantes.
Neste tipo de leque, vegetação
é um fator muito importante,
responsável pela estabilização
dos canais e descarga sedimen-
tar mais concentrada e contínua

Figura 14: A) leques de rios entrelaçados


(indicados por números) em planí-
cies de outwash no Alasca, EUA;
B) associações de fácies exibem
diminuição no tamanho de grão
da parte proximal para a distal.
(Boothroyd & Nummedal, 1978).
Figure 14: A) Braided fluvial fans (indica-
ted by numbers) in outwash plains,
Alaska, USA; B) facies associations
show grain size decrease towards
fanbase. (Boothroyd & Nummedal,
1978).

60 Ambientes de Leques Aluviais - Assine


Cap.II

Figura 15: Leques de rios entrelaçados: A) modelo (Stanistreet & McCarthy 1993); B) leque do Rio Kosi, Índia
(imagem Landsat, fevereiro de 1977, NASA).
Figure 15: Braided fluvial fans: A) model (Stanistreet & McCarthy 1993); B) Kosi fan, India (image Landsat, February
61
Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 52-71
1977, NASA).
Figura 16: Leques de rios de baixa sinuosidade / meandrantes: A) modelo (Stanistreet & McCarthy 1993); B) Leque alu-
vial do Rio Okavango, Botswana (imagem STS51I-33-0053 do ônibus espacial, de agosto de 1989, NASA).
Figure 16: Low sinuosity/meandering fluvial fans: A) model (Stanistreet & McCarthy 1993); Okavango fan, Botswana (space
shuttle image STS51I-33-0053, August 1989, NASA).

62 Ambientes de Leques Aluviais - Assine


Cap.II
Figura 17: Leque aluvial do Rio Taquari
no Pantanal Mato-Grossense, Brasil
(composição de imagens de satélite
Landsat TM, falsa cor, bandas R3/
G4/B7, outubro de 1990).
Figure 17: Taquari alluvial fan in the
Pantanal Mato-Grossense, Brazil
(composition of satellite images
Landsat TM, false color, bands R3/
G4/B7, October 1990).

tes semi-áridos e áridos, como,


por exemplo, o leque mostra-
do na Figura 1. Outro exemplo
é o leque do Okavango, que,
embora apresente feições “úmi-
das”, desenvolve-se numa região
semi-árida (observar dunas trans-
versais com cristas de direção
WNW-ESE na parte esquerda da
figura 16-B).

abruptas (shifting) de leito são muito comuns em 4- Tectônica e sedimentação


decorrência desses processos, o que resulta na
presença de centenas de canais abandonados na Sistemas de leques aluviais constituem elemen-
superfície do leque, como visto nas imagens dos to básico do preenchimento sedimentar de bacias com
leques dos rios Kosi e Taquari (Figuras 15-B e 17). bordas tectonicamente ativas. Formam-se nos blocos
No leque do Rio Kosi, mudanças sistemá- baixos de falha, sendo muitas vezes referidos como
ticas e significativas ocorreram entre os anos de cunhas de fanglomerados. Os leques aluviais podem
1731 e 1963 (Figura 18), tendo o canal se desloca- ser lateralmente contíguos e formados por diferentes
do cerca de 100 km para oeste no período. A partir rios alimentadores, chegando a formar rampas con-
da década de 60, obras de engenharia reduziram tínuas de leques coalescentes no sopé das escarpas
a migração do canal, que se mantém estável, ao (Figura 20).
menos por enquanto. Obras de engenharia são visí- Leques aluviais estão sempre presentes nos
veis em imagens de satélite, como, por exemplo, tratos deposicionais de bacias rifte (Figura 21).
um canal artificial aberto na margem esquerda do Constituem sistemas proximais adjacentes às falhas
rio no ápice do leque (Figura 15-B). que definem a geometria das bacias, sendo muito
Quando a descarga fluvial progressivamente comuns nas seqüências rifte das bacias cretáceas da
diminui e há perda acentuada de água por evapora- margem continental brasileira. Estão também pre-
ção e infiltração, a superfície do leque fica seca e sentes nos tratos deposicionais das bacias terciárias
sujeita ao retrabalhamento pelo vento. Isto ocorre do sistema de riftes continentais do sudeste brasileiro
principalmente em bacias interiores sob condições (Melo et al., 1985).
climáticas semi-áridas, onde somente episódios de Muitas bacias rifte têm lagos na sua por-
grandes cheias causam inundações na parte distal ção central. Quando o leque aluvial prograda e
do leque. Para leques com estas características, adentra nestes lagos, forma-se um leque aluvial
como é o caso do leque do Okavango, é utilizada a costeiro, sendo exemplo os depósitos da Formação
denominação leque terminal (terminal fan). Salvador do Eocretáceo da Bacia do Recôncavo-
Os leques fluviais são sistemas de dezenas Tucano (Figura 22 e 23). Dependendo do gradiente
a centenas de quilômetros de extensão, ao passo da superfície deposicional, os depósitos dos leques
que os leques dominados por fluxos de gravida- costeiros podem sofrer instabilização gravitacional e
de são sistemas de centenas de metros a poucos deslocar-se bacia adentro gerando sistemas turbidíti-
quilômetros de extensão (w9). Merece destaque o cos de água profunda.
fato de que o leque do Rio Taquari é maior que os Leques aluviais são também muito comuns em
leques dos rios Kosi e Okavango, utilizados como bacias pull-apart, cujas margens limitadas por falhas
modelos dos dois tipos de leques fluviais discu- transcorrentes são normalmente caracterizadas pela
tidos acima. Os leques fluviais têm sido também presença de íngremes escarpas de falha.
denominados leques úmidos (humid or wet alluvial Leques aluviais ocorrem também nas bacias de
fans), mas a associação com o clima é inadequada antepaís (foreland), adjacentes às frentes de cavalga-
porque muitos leques fluviais ocorrem em ambien- mento. Nas margens da bacia foreland de Ebro, na

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 52-71 63


Figura 18: Mudanças de curso do Rio Kosi nos últimos 300
anos (Gole & Chitale, 1966).
Figure 18: Shifting of the Kosi river during the last 300 years
(Gole & Chitale, 1966).

Figura 19: Comparação do tamanho de alguns leques aluviais atuais (modificado de Stanistreet & McCarthy, 1993).
Figure 19: A comparision of the sizes of recent alluvial fans (modified from Stanistreet & McCarthy, 1993).

64 Ambientes de Leques Aluviais - Assine


Cap.II

Espanha, Anadón et al. (1986) descreveram discor- 5 - Arquitetura estratigráfica


dâncias sintectônicas progressivas em depósitos de
leques aluviais, relacionadas a estruturas de soergui- Quando o rio deixa o vale encaixado na bacia
mento das frentes de cavalgamento. de drenagem e adentra numa planície, a deposição
Exemplos atuais de leques aluviais associa- ocorre em resposta à existência de espaço de aco-
dos a frentes de cavalgamento podem ser vistos na modação. Os leques primários, aqueles que estão
região de Xinjiang, no noroeste da China. A partir das no sopé das escarpas, são abandonados e leques
montanhas Kun Lun, que constituem uma frente de secundários se formam por progradação em dire-
cavalgamento para norte, decorrente da transmissão ção às áreas mais baixas. A repetição do processo,
de esforços compressivos da colisão da India com a de abandono de leques antigos e progradação de
Ásia, leques aluviais de gerações diferentes avançam novos, promove o preenchimento sedimentar do
para noroeste em direção às planícies do Deserto espaço de acomodação.
Takla Makan (Figura 24). O padrão de empilhamento estratigráfi-
A constatação de depósitos de leques aluviais co vertical dos depósitos de sistemas de leques
tem sido considerada muitas vezes evidência suficien- aluviais depende de fatores inerentes à dinâmi-
te para interpretar tectonismo contemporâneo à depo- ca (processos autocíclicos) e de fatores extra-
sição de muitas unidades estratigráficas. Entretanto, bacinais como clima e tectônica (processos alo-
é prudente buscar também outras evidências de tec- cíclicos). Desta forma, a origem das seqüências
tonismo sinsedimentar, pois os leques, especialmente em sistemas de leques aluviais é complexa e
os fluviais, podem não estar diretamente associados condicionada por muitas variáveis, discutidas em
a escarpas de falhas ativas (North et al., 1989). Além detalhe por Heward (1978).
disso, muitas vezes é difícil distinguir o papel relati- Das cabeceiras para a base do leque, as
vo de movimentações tectônicas e mudanças climáti- principais variações laterais decorrentes da dinâ-
cas na origem e evolução de leques aluviais. mica sedimentar, são: 1) redução no tamanho dos

A B

Leque aluvial Área-fonte


Área-fonte Aluvial fan Catchment area
Catchment area

Leques aluvias coalescentes


Leque aluvial
Coalescents aluvial
Aluvial fan
fans

Planície fluvial
meandrante
Meandenng
belt

Figura 20: Leques aluviais coalescentes no oeste da Argentina: A) em drenagem interior com campos de dunas eólicas;
B) em drenagem axial com rio meandrante (fotos: Mário L. Assine).
Figure 20: Coalescent alluvial fans, west of Argentina: A) interior dranage with eolian dune fields; B) with meandering fluvial channel
as axial drainage (photos: Mário L. Assine).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 52-71 65


clastos; 2) diminuição na espessura das camadas; tigos, no centro da imagem, estão dissecados e
3) decréscimo no número e na profundidade dos cortados por vales entrincheirados que alimentam
canais; 4) diminuição progressiva de fácies de leques aluviais mais jovens (secundários), cujos
fluxos de gravidade; 5) aumento dos locais onde canais alimentadores e partes distais estão sendo
a água infiltrada emerge. ocupados por empreendimentos humanos. Neste
Mudanças climáticas afetam o grau de in- exemplo do noroeste da China, a causa do aban-
temperismo, a disponibilidade em água e a taxa dono e entrincheiramento dos leques antigos está
de erosão na bacia de drenagem (área-fonte). relacionada a soerguimento dos leques primários
Mudança de um clima árido para um clima úmido em decorrência de tectônica na frente de caval-
promove aumento de energia hidráulica nos ca- gamento.
nais e rebaixamento do nível de base, provocan- Da interação entre tectônica e clima resul-
do erosão no leque primário, aprofundamento do tam seqüências com diferentes padrões de empi-
talvegue do rio alimentador e formação de vales lhamento vertical de fácies. Se o soerguimento
entrincheirados. O leque primário é abandonado, tectônico relativo da área-fonte excede a capaci-
ficando sujeito a processos erosivos, e os sedi- dade de dissecação do relevo pelos rios, o supri-
mentos são carreados pelo rio, dando origem a mento sedimentar é progressivamente aumenta-
leques secundários a jusante do ponto de inter- do, causando progradação dos leques em direção
secção (Figura 25).
Aumento substancial de
água no sistema, com o adven-
to de climas úmidos, pode oca-
sionar, por outro lado, soergui-
mento do nível de base, caso
lagos perenes forem formados
nas depressões para onde os
leques progradam. Neste caso,
pode haver elevação geral do
nível de base e agradação nos
vales entrincheirados, dando
origem a planícies fluviais me-
andrantes dentro do vale en-
trincheirado.
Movimentos tectônicos
na bacia de sedimentação, de-
rivados de basculamentos e/
ou soerguimentos diferenciais
de blocos, também podem pro-
duzir o mesmo fenômeno de
entrincheiramento e formação
de leques secundários. Um ex-
celente exemplo do fenômeno
pode ser visto na Figura 24,
onde leques aluviais mais an-

Figura 21: Modelos de preenchi-


mento de meio-grábens
de bacias rifte continen-
tais (Leeder & Gawthorpe
1987): A) Drenagem endor-
reica (números indicam
lobos sucessivos: ver figura
20-A); B) Drenagem axial
(ver figura 20-B).
Figure 21: Models for continental
half-graben rifts (Leeder &
Gawthorpe 1987): A) interior
drainage (numbers indica-
te successive fan lobes; see
figure 20-A); B) axial through
drainage (see figure 20-B).

66 Ambientes de Leques Aluviais - Assine


Cap.II

Figura 22: Trato de sistemas deposicionais da fase rifte da Bacia do Recôncavo, conforme concepção de Medeiros &
Ponte (1981). Leques aluviais são representados pelos conglomerados e arenitos da Formação Salvador.
Figure 22: Depositional tract systems during Early Cretaceous, rift phase of the Recôncavo Basin, Brazil (Medeiros & Ponte
1981). Conglomerates and sandstones of the Salvador Formation represent deposits of alluvial fans.

à planície, o que resulta numa megasseqüência


com granocrescência ascendente (Figura 26-A).
Se a taxa de dissecação do relevo pelos rios ex-
cede o soerguimento tectônico relativo da área-
fonte, ocorre rebaixamento do relevo, retração da
escarpa e redução no suprimento sedimentar. Ori-
gina-se assim uma megasseqüência retrograda-
cional, com granodecrescência ascendente, onde
as associações de fácies distais se superpõem às
proximais (Figura 26-B).
As megasseqüências progradacionais e re-
trogradacionais constituem ciclos estratigráficos
maiores, com espessuras de centenas a milhares
de metros, produto de fatores externos ao sistema
deposicional. São alociclos produzidos por flu-
tuações na intensidade relativa de movimentos
tectônicos entre a área-fonte e a bacia de sedi-
mentação.
Os efeitos da tectônica são particularmente

Figura 23: Fácies da Formação Salvador na localidade de Mont


Serrat, Salvador, Bahia: A) conglomerado de calhaus,
desorganizados ou com gradação normal (foto: Mário L.
Assine); B) detalhe mostrando a intecalação de arenitos
laminados, finos a grossos (foto: Joel C. Castro).
Figure 23: Fácies of the Salvador Formation, Bahia, Brazil: A)
disorganized and normal graded cobble conglomerates
(photo: Mário L. Assine); B) detail showing conglomera-
tes interbedded with laminated sandstones (photo: Joel C.
Castro).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 52-71 67


Figura 24: Leques aluviais na província Xinjiang no noroeste da China (imagem de radar PIA01796, obtida em 1994
pelo ônibus espacial Endeavour, NASA). Áreas em amarelo com reticulado regular: oásis vegetados com árvores
plantadas em fileiras.
Figure 24: Alluvial fans in the Xinjiang Province, Northwest China (radar image PIA01796 taken from the space shuttle
Endeavour in 1994, NASA). Areas in yellow with regular reticular: oasis vegetated with trees planted in array.

evidentes no arcabouço estratigráfico de bacias na porção média de leques aluviais, muitas vezes
transtensionais, condicionando a arquitetura das apresentam concentrações de minerais de impor-
associações de fácies produzidas por leques alu- tância econômica em depósitos de placer (cassi-
viais. Um trabalho de referência sobre o assunto terita, monazita, platina, ouro, diamante e outros).
é o de Steel & Gloppen (1980), que identifica- No Brasil há muitos exemplos, como os diaman-
ram ciclos de sedimentação de quatro diferentes tes encontrados nos conglomerados da Formação
ordens de magnitude em bacias devonianas do Tombador do Proterozóico da Chapada Diamantina
oeste da Noruega, cuja origem foi associada à na Bahia (Figura 27), considerados depósitos de
conjugação de três diferentes causas: migração leques aluviais (Pedreira, 1997).
lateral de depocentros, movimentos verticais do Importantes jazidas de ouro e urânio, asso-
assoalho da bacia e flutuação no soerguimento ciadas a fácies de leques aluviais de idade 2,0 a 2,8
das áreas-fonte. Ga, são encontradas em várias partes do mundo. O
As megasseqüências comportam ciclos me- exemplo mais conhecido é o dos depósitos auríferos
nores, de dezenas de metros de espessura, cons- de Witwatersrand na África do Sul (Minter, 1978;
tituídos de sucessões de fácies com granocres- Pretorius, 1976), considerados produto de deposi-
cência ascendente (Figura 26-C e D). Tais ciclos ção em leques aluviais costeiros com cerca de 45
são produzidos por progradação e abandono de km de extensão. Depósitos do tipo Witwatersrand
diversas gerações de leques, que podem resultar são constituídos de uraninita detrítica, o que pres-
tanto de flutuações climáticas e tectônicas, quan- supõe transporte em condições atmosféricas reduto-
to da dinâmica sedimentar em leques aluviais. O ras. No Brasil, são exemplos os depósitos da Serra
fenômeno de construção e abandono de leques se da Jacobina, na Bahia, onde o ouro está concentra-
repete dentro de cada leque com a construção e do em conglomerados com estratificação cruzada
abandono de lobos deposicionais. Cada lobo tem (Gross, 1968). Ocorrências de ouro e uraninita em
canais alimentadores, cujo preenchimento resul- depósitos do mesmo tipo são encontradas nos con-
ta em sucessões de fácies com granodecrescência glomerados da Formação Moeda no Quadrilátero
ascendente (Figura 26-E). Ferrífero em Minas Gerais (Villaça & Moura,
1985).
6 - Recursos minerais e energéticos Importantes jazidas de carvão foram forma-
das em ambientes de leques aluviais (Galloway &
Fácies de canal, presentes nas cabeceiras e Hobday, 1983). Subsidência intermitente em bacias

68 Ambientes de Leques Aluviais - Assine


Cap.II

Figura 25: Entrincheiramento e formação de leques secundários: A) vista em perfil (baseado em Heward
1978); B) vista em mapa (Denny, 1967).
Figure 25: Entrenchment and origin of secondary fans: A) as seen in profile (based on Heward 1978); B) as seen
in map (from Denny, 1967).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 52-71 69


Figura 26: Seqüência vertical de fácies em leques aluviais: A) granocrescência ascendente produzida por soerguimento
contínuo da área-fonte e progradação do leque (1 a 3); B) granodecrescência ascendente produzida por denudação
da área-fonte, retração da escarpa e retrogradação do leque (4 a 5); C e D) ciclos menores com granocrescência
ascendente devido à progradação de lobos em megasseqüências progradacional e retrogradacional; E) o padrão
granocrescente de progradação dos lobos pode ser interrompido localmente pela presença de sucessões de fácies
de canal (modified from Ethridge, 1985).
Figure 26: Vertical facies sequences in alluvial fans and their possible origin: A) coarsening-upward due to continuous uplift
of the area-source-area and fan progradation (1 to 3); B) fining-upward succession caused by fan retrogradation due
to lowering of relief in source-area and retreat of the scarp front (4 to 5); C and D) small-scale coarsening-upward
cycles due to progradation of lobes in pro- and retrogradational megassequences; E) The coarsening-upward pattern of
lobe progradation can be locally interrupted by small-scale fining-upward successions of channel facies (modified from
Ethridge, 1985).

70 Ambientes de Leques Aluviais - Assine


Cap.II
Figura 27: Conglomerado poli-
mítico clasto-sustentado
da Formação Tombador,
Lençóis, Bahia (foto:
Pedreira, 1997).

Figure 27: Polimitic clast-sup-


ported conglomerate of
the Tombador Formation,
Bahia, Brazil (photo:
Pedreira, 1997).

te na litologia não permi-


tem distinguir adequada-
mente sistemas de leques
aluviais. Por isso, mui-
tos depósitos de leques
aluviais antigos não têm
sido identificados como
tal, sendo interpretados
como depósitos de pla-
nícies fluviais de rios
entrelaçados, meandran-
tes e anastomosados.
tectonicamente ativas pode resultar em sucessões Fundamental para se reconhecer leques alu-
portadoras de camadas de carvão com substancial viais no registro estratigráfico é o estudo de paleo-
espessura (Long, 1981). correntes, que deve mostrar padrão radial distribu-
Leques não são sistemas favoráveis para a tário. Exemplo do emprego do método de análise
formação de intervalos portadores de rochas-fonte de paleocorrentes é o trabalho de Paim (1995),
para petróleo porque os ambientes são continentais que identificou um trato de sistemas composto por
e oxidados, mas há abundância em rochas-reser- leques aluviais laterais a uma planície fluvial axial
vatório. Condições favoráveis podem existir em na seqüência Guaritas da Bacia de Camaquã, no Rio
leques aluviais costeiros, onde pode haver migração Grande do Sul.
de hidrocarbonetos gerados em folhelhos lacustres Além disso, ao contrário dos sistemas fluviais
ou marinhos, lateralmente dispostos e geneticamen- tributários, nos leques fluviais há redução no tama-
te associados. No Brasil, há vários campos onde nho e na profundidade dos canais para jusante. Na
os reservatórios são conglomerados de leques alu- parte distal, os canais dão lugar a depósitos tabulares
viais, como é o caso de acumulações nas formações de fluxos não-confinados, como os depósitos em
Muribeca da Bacia Sergipe/Alagoas e Lagoa Feia da lençol de inundação torrencial (sheetfloods). Estes e
Bacia de Campos. outros critérios diagnósticos são discutidos em deta-
lhe em trabalhos como os de Friend (1978) e Kelly
7 - Considerações finais & Olsen (1993).
Os sistemas de leques aluviais constituem
Costuma-se interpretar paleoambientes de tema muito interessante e ainda pouco compreendi-
leques aluviais somente para as sucessões estrati- do. O entendimento mais aprofundado de sua dinâ-
gráficas com alta porcentagem em conglomerados. mica sedimentar é importante não só para reconsti-
Associações de fácies em que predominam ampla- tuições paleogeográficas mais realistas, mas também
mente arenitos, siltitos e folhelhos são freqüente- para uma ocupação humana mais racional destes
mente consideradas depósitos de planícies fluviais. ambientes de sedimentação. Para estudos mais apro-
Na maioria das interpretações paleogeográficas, fundados sugere-se a leitura de trabalhos específicos
segundo Nilsen (1982), interpretações deste tipo sobre o assunto, tais como os livros editados por
têm sido convenientes e aceitas pela comunidade Nilsen (1985) e Rachocki & Church (1990).
geológica.
Entretanto, como visto neste capítulo, os sis- Agradecimentos
temas de leques aluviais podem ser dominados tanto
por processos de fluxos de gravidade, quanto por O autor externa seus agradecimentos à
processos essencialmente fluviais. Podem, portanto, FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
ser construídos de materiais de qualquer tamanho de São Paulo) pelo apoio a projetos de pesquisa no
de grão. Além disso, suas dimensões são variadas, Pantanal Mato-Grossense (processos 99/00326-4 e
desde leques de centenas de metros até leques de 07/55987-3) e ao CNPq pela concessão de bolsa de
centenas de quilômetros (Figura 19). produtividade em pesquisa, fatores que muito con-
Assim, interpretações baseadas exclusivamen- tribuíram para a elaboração deste capítulo.

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