Revista Pontos de Interrogação - Pos-Critica UNEB, 2018
O Dossiê “Estudando o Samba...” vem com a proposição de apresentar autores/as e estudos sobre os ... more O Dossiê “Estudando o Samba...” vem com a proposição de apresentar autores/as e estudos sobre os muitos sambas da Bahia, do Brasil em geral que constituem uma espécie de marca particular do Ser Brasileiro, uma “unidade simbólica elementar” (Serra, 2000, p. 99), embora ainda lhes falte o devido reconhecimento enquanto marcas das matrizes africanas que chegaram ao Brasil ao longo de séculos de escravidão negra. A bibliografia sobre os sambas brasileiros contabiliza inúmeros títulos no Brasil, com maior representatividade e visibilidade, a ponto de que este tema poderia ser um assunto resolvido e debatido, no que se refere à contextualização e historicidade na literatura conhecida. No entanto, nos últimos 20 anos surgiram publicações sobre o samba carioca e a percepção histórica e sociocultural dos agentes, comportamentos e das comunidades no processo dos saberes e fazeres do samba, que tem mudado o foco para novas paisagens temáticas da contemporaneidade: gênero, raça e feminismo, ações afirmativas, estéticas musicais e poéticas negras, juventudes negras ‘globais’, iniciativas sócio-educacionais e comunitárias, entre outros, que contribuem para o reconhecimento da performance musical do evento como um todo, da ritualidade, da participação fundamental das comunidades, juventudes e mulheres negras. A ameaça da dominação, domesticação, antropofagia, mercantilização e devoração, assim como o branqueamento do samba, enquanto musicalidade e performance negra ancestral que gera um discurso de autenticidade, também surge como preocupação a partir da politica cultural da patrimonialização do IPHAN, iniciado ha quase 20 anos. Ao longo dos processos de afirmação e empoderamento, percebe-se que a patrimonialização tem tecido um diálogo inusitado entre os diversos sambas nas regiões brasileiras: o ressurgimento do samba de roda como produção de conhecimento e cultura retorna com força para os centros urbanos, os produtores e fazedores dos sambas ‘autorais’, incitando novas reflexões a partir dessas práticas musicais, enquanto territórios de saberes e fazeres estéticos das comunidades negras, sejam elas urbanas ou/e rurais.
Este artigo propõe um novo conceito etnogeográfico para o samba de roda que inclui o semiárido da... more Este artigo propõe um novo conceito etnogeográfico para o samba de roda que inclui o semiárido da Bahia. Diante da ascensão do samba de roda enquanto objeto de estudo acadêmico e patrimônio do Estado, forma-se um senso comum em que este samba pertence particularmente ao Recôncavo baiano, o território por volta da Baía de Todos os Santos, e melhor reflete uma identidade baiana exclusiva às comunidades negras dessa região. A realidade do interior da Bahia - do Recôncavo até os sertões do Rio São Francisco - demonstra que o samba de roda é igualmente importante às comunidades rurais multirraciais de diversas regiões do estado, contudo, cria e reflete realidades distintas. Reconhecer isso envolve enfrentar fatos incômodos: a exclusão histórica do semiárido do discurso sobre a identidade baiana, a negação da influência da cultura afrobaiana no sertão e o incontável número de 'pequenos mundos de samba' que desafiam os inventários e classificações utilizados na construção do patrimônio do Estado.
This article proposes a new ethno-geographic understanding of samba de roda that includes the semi-arid region of Bahia. With the ascension of samba de roda as an object of academic study and national heritage, a conventional wisdom has taken hold in which this samba is viewed as cultural heritage specific to Salvador and the Recôncavo, the region surrounding All Saint's Bay, and most reflects an Afro-Bahian identity concentrated in the black communities from this region. The reality of the Bahian interior, however, from the Recôncavo to the sertões of the San Francisco River, demonstrates that samba de roda is equally important to multiracial rural communities spread throughout the state, where it creates and reflects distinct social contexts. Recognizing this involves facing up to uncomfortable facts: the historic exclusion of Bahia's semi-arid region from discourse on Bahian identity, the denial of Afro-Bahian cultural influence in the sertão, and the acceptance of an inexpressible number of "little worlds of samba" that defy the inventories and classifications that state institutions often use to define heritage.
Revista Pontos de Interrogação - Pos-Critica UNEB, 2018
O Dossiê “Estudando o Samba...” vem com a proposição de apresentar autores/as e estudos sobre os ... more O Dossiê “Estudando o Samba...” vem com a proposição de apresentar autores/as e estudos sobre os muitos sambas da Bahia, do Brasil em geral que constituem uma espécie de marca particular do Ser Brasileiro, uma “unidade simbólica elementar” (Serra, 2000, p. 99), embora ainda lhes falte o devido reconhecimento enquanto marcas das matrizes africanas que chegaram ao Brasil ao longo de séculos de escravidão negra. A bibliografia sobre os sambas brasileiros contabiliza inúmeros títulos no Brasil, com maior representatividade e visibilidade, a ponto de que este tema poderia ser um assunto resolvido e debatido, no que se refere à contextualização e historicidade na literatura conhecida. No entanto, nos últimos 20 anos surgiram publicações sobre o samba carioca e a percepção histórica e sociocultural dos agentes, comportamentos e das comunidades no processo dos saberes e fazeres do samba, que tem mudado o foco para novas paisagens temáticas da contemporaneidade: gênero, raça e feminismo, ações afirmativas, estéticas musicais e poéticas negras, juventudes negras ‘globais’, iniciativas sócio-educacionais e comunitárias, entre outros, que contribuem para o reconhecimento da performance musical do evento como um todo, da ritualidade, da participação fundamental das comunidades, juventudes e mulheres negras. A ameaça da dominação, domesticação, antropofagia, mercantilização e devoração, assim como o branqueamento do samba, enquanto musicalidade e performance negra ancestral que gera um discurso de autenticidade, também surge como preocupação a partir da politica cultural da patrimonialização do IPHAN, iniciado ha quase 20 anos. Ao longo dos processos de afirmação e empoderamento, percebe-se que a patrimonialização tem tecido um diálogo inusitado entre os diversos sambas nas regiões brasileiras: o ressurgimento do samba de roda como produção de conhecimento e cultura retorna com força para os centros urbanos, os produtores e fazedores dos sambas ‘autorais’, incitando novas reflexões a partir dessas práticas musicais, enquanto territórios de saberes e fazeres estéticos das comunidades negras, sejam elas urbanas ou/e rurais.
Este artigo propõe um novo conceito etnogeográfico para o samba de roda que inclui o semiárido da... more Este artigo propõe um novo conceito etnogeográfico para o samba de roda que inclui o semiárido da Bahia. Diante da ascensão do samba de roda enquanto objeto de estudo acadêmico e patrimônio do Estado, forma-se um senso comum em que este samba pertence particularmente ao Recôncavo baiano, o território por volta da Baía de Todos os Santos, e melhor reflete uma identidade baiana exclusiva às comunidades negras dessa região. A realidade do interior da Bahia - do Recôncavo até os sertões do Rio São Francisco - demonstra que o samba de roda é igualmente importante às comunidades rurais multirraciais de diversas regiões do estado, contudo, cria e reflete realidades distintas. Reconhecer isso envolve enfrentar fatos incômodos: a exclusão histórica do semiárido do discurso sobre a identidade baiana, a negação da influência da cultura afrobaiana no sertão e o incontável número de 'pequenos mundos de samba' que desafiam os inventários e classificações utilizados na construção do patrimônio do Estado.
This article proposes a new ethno-geographic understanding of samba de roda that includes the semi-arid region of Bahia. With the ascension of samba de roda as an object of academic study and national heritage, a conventional wisdom has taken hold in which this samba is viewed as cultural heritage specific to Salvador and the Recôncavo, the region surrounding All Saint's Bay, and most reflects an Afro-Bahian identity concentrated in the black communities from this region. The reality of the Bahian interior, however, from the Recôncavo to the sertões of the San Francisco River, demonstrates that samba de roda is equally important to multiracial rural communities spread throughout the state, where it creates and reflects distinct social contexts. Recognizing this involves facing up to uncomfortable facts: the historic exclusion of Bahia's semi-arid region from discourse on Bahian identity, the denial of Afro-Bahian cultural influence in the sertão, and the acceptance of an inexpressible number of "little worlds of samba" that defy the inventories and classifications that state institutions often use to define heritage.
Uploads
This article proposes a new ethno-geographic understanding of samba de roda that includes the semi-arid region of Bahia. With the ascension of samba de roda as an object of academic study and national heritage, a conventional wisdom has taken hold in which this samba is viewed as cultural heritage specific to Salvador and the Recôncavo, the region surrounding All Saint's Bay, and most reflects an Afro-Bahian identity concentrated in the black communities from this region. The reality of the Bahian interior, however, from the Recôncavo to the sertões of the San Francisco River, demonstrates that samba de roda is equally important to multiracial rural communities spread throughout the state, where it creates and reflects distinct social contexts. Recognizing this involves facing up to uncomfortable facts: the historic exclusion of Bahia's semi-arid region from discourse on Bahian identity, the denial of Afro-Bahian cultural influence in the sertão, and the acceptance of an inexpressible number of "little worlds of samba" that defy the inventories and classifications that state institutions often use to define heritage.
This article proposes a new ethno-geographic understanding of samba de roda that includes the semi-arid region of Bahia. With the ascension of samba de roda as an object of academic study and national heritage, a conventional wisdom has taken hold in which this samba is viewed as cultural heritage specific to Salvador and the Recôncavo, the region surrounding All Saint's Bay, and most reflects an Afro-Bahian identity concentrated in the black communities from this region. The reality of the Bahian interior, however, from the Recôncavo to the sertões of the San Francisco River, demonstrates that samba de roda is equally important to multiracial rural communities spread throughout the state, where it creates and reflects distinct social contexts. Recognizing this involves facing up to uncomfortable facts: the historic exclusion of Bahia's semi-arid region from discourse on Bahian identity, the denial of Afro-Bahian cultural influence in the sertão, and the acceptance of an inexpressible number of "little worlds of samba" that defy the inventories and classifications that state institutions often use to define heritage.