Anos 40: Quando o mundo, enfim, descobriu o Brasil
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Sobre este e-book
Ao chegar na estação, o aroma dos quibes, esfirras e bolinhos de bacalhau e o retrato do velho no mesmo lugar mostrarão que o Brasil é uma só aquarela, onde o rei é Momo, o je t'aime vira i love you e nem um blecaute tira o brilho da Princesinha do Mar.
Humor, memórias e acontecimentos curiosos temperam esse roteiro desenhado por Ricardo Amaral.
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Anos 40 - Ricardo Amaral
Copyright © 2017, Rara Cultural
Copyright © 2017, Ricardo Amaral
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É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.
Coordenação editorial
Bárbara Anaissi
Edição de texto
Renato Lemos
Assistente editorial
Laura Souza
Capa, projeto gráfico e diagramação
Sergio Campante
Ilustração de capa
Maurício Planel
Consultoria
Clóvis Bulcão, Denilson Monteiro e Raquel Oguri
Pesquisa
Bruno Agostini, João Baptista Ferreira de Mello, João Perdigão, Raquel Oguri e Renato Lemos
Copidesque
Juliana Caetano
Revisão
Luana Balthazar
Administração do projeto
Gustavo Lacerda
Isabella Pacheco
Produção do arquivo ePub
Booknando Livros
RARA Cultural
Rua Gal. Garzón, 22, sala 504, Lagoa – Rio de Janeiro – RJ – 22470-010
Tel.: (021) 2512-0348 – rara@raracultural.com.br
PATROCÍNIO
A485a
Amaral, Ricardo, 1941-
Anos 40: Quando o mundo, enfim, descobriu o Brasil / Ricardo Amaral. - Rio de Janeiro: Rara Cultural, 2017.
312 p. : il. ; 16x23cm.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-67863-12-2
1. Brasil – História – 1930-1945. 2. Brasil – Vida intelectual. I. Título.
CDD: 981.07
Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos direto para o Paraíso, íamos todos direto no sentido contrário […].
Um conto de duas cidades, Charles Dickens
COM A PALAVRA,
A SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA
Desde que foi criada, em 1989, a Secretaria de Estado de Cultura se empenha em contribuir para a realização de projetos que contemplem todas as áreas das artes e da cultura. No vasto campo do conhecimento, desenvolvemos ações voltadas para o livro e a leitura, dando suporte às bibliotecas públicas e a outros espaços de leitura nos municípios e na capital do estado, por meio da Superintendência da Leitura e do Conhecimento e do Sistema Estadual de Bibliotecas. Além da implantação das bibliotecas-parque, uma das iniciativas mais importantes da Secretaria é o Prêmio Rio de Literatura, que anualmente premia obras publicadas e novos autores fluminenses.
Com grande alegria o Governo do Estado do Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Cultura, por meio da Lei de Incentivo, patrocinam agora este Anos 40: Quando o mundo, enfim, descobriu o Brasil, escrito por Ricardo Amaral, um dos maiores empresários do entretenimento e da cena cultural do Brasil. Sem dúvida, uma publicação que, ao retratar um período tão efervescente da nossa cultura e da nossa política, confere significante contribuição para a história do Rio de Janeiro.
André Lazaroni
Secretário de Estado de Cultura
COM A PALAVRA, A LIGHT
Há mais de 110 anos a Light tem um estreito relacionamento com o Rio de Janeiro, contribuindo para o desenvolvimento da sua área de concessão e para o bem-estar da população.
Com o olhar para o futuro, mas respeitando e preservando a história, a Light se conecta a projetos que mantêm viva essa memória.Patrocinar o livro Anos 40: Quando o mundo, enfim, descobriu o Brasil é ajudar a recontar um importante período do Brasil, no qual a empresa se fez presente, promovendo transporte e luz para a modernização do Rio de Janeiro.
COM A PALAVRA,
A SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA
A Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro tem muito orgulho de apresentar um projeto aprovado e apoiado pela Lei Municipal de Incentivo Indireto à Cultura, via Lei do ISS. A importância deste tipo de iniciativa, por parte do poder público, demonstra o quanto a cultura vem, cada vez mais, ocupando o lugar central do ponto de vista estratégico na formação de um legado de memória e de pesquisa artística.
O livro Anos 40: Quando o mundo, enfim, descobriu o Brasil tem esses requisitos, pois se coloca como uma peça a mais para montarmos, sem maniqueísmos, uma década de acontecimentos intrincados, muitas vezes esquecidos ou apenas vistos sob a penumbra da falta de informações mais precisas.
Num momento da história em que as notícias, verdadeiras ou falsas, pululam nas redes sociais e parecem nos atropelar numa velocidade incontrolável, tornam-se imprescindíveis obras que nos ajudem a dissecar o passado e entender o presente que nos rodeia. No tempo da leitura, quem sabe, não consigamos pensar no futuro.
Uma bela meditação a todos!
Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro
COM A PALAVRA, A SEADRILL
A Seadrill é uma empresa de perfuração de poços de petróleo fundada na Noruega que possui uma das frotas de sondas mais modernas, jovens e seguras da indústria. Atuando no Brasil desde 2008, nossa maior meta é a inovação e o estabelecimento de novos padrões, sobretudo de segurança, objetivando oferecer os serviços de perfuração mais seguros disponíveis no mercado. Visamos sempre o bem-estar dos nossos empregados e do meio ambiente, ofertando a nossos clientes performances operacionais seguras e eficientes.
Focamos no aperfeiçoamento constante das nossas operações por meio de processos frequentes de capacitação dos nossos empregados. Além do estabelecimento de padrões operacionais e de segurança, assumimos no território brasileiro o compromisso com a promoção da cultura local, buscando assim fomentar o desenvolvimento cultural no país. Apoiar a publicação de um livro como este, que recupera e promove a memória do Rio de Janeiro, é para nós um prazer.
AGRADECIMENTOS
Há tempos eu desejava me dedicar a este projeto: escrever sobre os anos 40 no Rio de Janeiro, mas sem esquecer São Paulo. Além do fator afetivo – pois foi a década em que nasci –, gosto de reunir boas histórias e esse período é riquíssimo delas e farto de casos para se contar.
Pois bem! Destino definido, eu precisava de um parceiro nessa expedição. E foi aí que entrou Renato Lemos, que mergulhou comigo na década marcada por dores e delícias, tristezas e alegrias, renascimentos e transformações. A dor da guerra, do racionamento, das dificuldades políticas, do inesperado, da incerteza do que estava por vir; mas também a delícia da música, do cinema, do teatro, do rádio e de toda uma cultura tão prolífera.
Nos anos 40, o brasileiro provou que se reinventa e vê o lado bom em tudo, que aqui a felicidade é "for all" (ou seria forró?) e que se as luzes forem apagadas, tiraremos um sarro no escurinho! É ou não é uma década com muita história para contar?
Encontrei no Renato o gás que faltava! Ele foi o estopim para dar vida a este projeto, fruto de uma pesquisa incrível e que resultou num texto deliciosamente leve (com umas pitadas de acidez aqui e ali, é claro!). Eu não poderia ter parceiro melhor nessa aventura.
Embarque com a gente e boa viagem!
Ricardo Amaral
COM A PALAVRA, RENATO LEMOS
Ainda que a chatice da lógica possa negar, uma década não é exatamente o conjunto de horas, dias e meses que formam dez anos. Não mesmo. Na verdade, uma década – se é uma década que merece ser lembrada como tal – jamais caberá nos dez anos em que se espreme. Uma década é feita dos fatos, claro, mas também de lembranças vagas, invenção, perfume, música, sonho, tragédia, mentiras, emoção, gente e paixão. Mais ainda: uma década só vai dizer a que veio pelas marcas que conseguir deixar pelo caminho, tempos depois.
Quando Ricardo Amaral vasculhou o Brasil dos anos 40 – não por acaso o autor nasceria quando ela se iniciava – não estava se importando muito com as datas registradas nos documentos oficiais e nos livros de história. Ele queria outra coisa. Queria juntar, como em um almanaque dos antigos, tudo o que leu, o que viveu, o que imaginou e o que só ouviu falar. Amaral queria guardar o tempo. E o seu tempo, a sua década de 1940, é tudo aquilo que ele até hoje carrega enfiado no bolso, gravado em seu calendário afetivo.
Pelo calendário particular de Ricardo Amaral, um fato determinante na história da humanidade, como o fim da Segunda Guerra Mundial, pode ter o mesmo peso que o primeiro show de Carmen Miranda no Brasil, depois de sua passagem pelos Estados Unidos: duas bombas atômicas. Ou um personagem como o presidente Dutra pode perder em cartaz para o fenômeno Heleno de Freitas, um misto de galã e herói que assombrou os campos de futebol do país naquela época. Está tudo isso – a guerra, a cantora, o presidente e o jogador – na mesma nuvem de memórias. Por isso, o picadinho lançado em uma madrugada na Vogue pode ter virado, tempos depois, a feijoada do Amaral. É tudo farofa do mesmo saco.
Através das páginas que se seguem, o leitor poderá fazer uma viagem à uma década sem internet, sem TV a cabo, sem rock and roll, sem bebidas diet e – pecado dos pecados – sem Copa do Mundo. Mas seria também a década em que o Brasil começaria a botar a cabeça de fora para o mundo inteiro enxergar. Os anos 40 de Ricardo Amaral são um convite para o leitor entrar em uma época de charme, malandragem, vedetes de pernas compridas, orquestras de gafieira, sorvete no palito, chiclete de bola, polêmicas, arte, inteligência e muita festa. E festa, a gente sabe, Ricardo Amaral faz como ninguém.
Renato Lemos
SUMÁRIO
1 • Da arte de pegar o bonde andando
2 • A guerra da política e a política da guerra
3 • Disseram que voltei americanizada
4 • Deixa a vida me levar: costumes e boemia
5 • Uma década não se faz em dez anos: famílias que mudaram o século no Brasil
6 • A moda em tempos de guerra: luxo e racionamento
7 • Cenas de cinema
8 • Antes de Nelson, depois de Nelson
9 • Nas ondas do rádio
10 • O Brasil em aquarela
11 • No reinado de Momo
12 • Mistura de sabores: as novidades na gastronomia
13 • Cartas na mesa: a capital do jogo
14 • A década sem Copa do Mundo
15 • Chatô apresenta suas armas
Bibliografia
Convidar os leitores para embarcar em uma viagem aos anos 40, sem ao menos refrescar-lhes a memória acerca do final da década anterior, poderia soar deselegante – mas não é uma tarefa difícil. O brasileiro, especialmente o nascido na primeira metade do século XX, desenvolveu a especial arte de, como se diz, pegar o bonde andando. Talvez por ser um país relativamente novo – descoberto quando a maior parte das nações do mundo já estava pra lá da terceira idade –, tudo por aqui exige rapidez de raciocínio, adaptação, jogo de cintura, inteligência emocional e o tal jeitinho.
Enquanto a maior parte dos cidadãos no mundo espera, civilizadamente, que o bonde pare no ponto para poder embarcar, o brasileiro vem lá de trás, meio atrasado, como quem acaba de tomar a última saideira no botequim, e vai, de um jeito ou de outro, colocar o péno estribo, se pendurar na balaustrada, dar um drible no cobrador e conseguir seguir viagem. Para chegar ao bonde dos anos 40, portanto, basta ele recuar um pouquinho, dez anos no máximo, e ficará a par de toda a história. A nossa, começa mais ou menos assim.
É possível que a década de 1940 tenha sido prematura. Reza a lenda que Getúlio Vargas, saído da posse do Governo Provisório no Palácio do Catete, foi em disparada até o Centro do Rio de Janeiro, capital do país, a tempo de ver parte dos soldados gaúchos, que o apoiavam, amarrarem seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco (gesto simbólico que representou a tomada do poder). Era novembro de 1930.
Vargas permaneceria no poder por 15 anos ininterruptos, marcando definitivamente as décadas seguintes. A de 1940 seria apenas a primeira delas, ao herdar o comecinho da Segunda Guerra Mundial, o boom do cinema colorido, o surgimento das cantoras de rádio, os sambas praieiros de Caymmi, os desfiles inaugurais das escolas de samba no Rio, e o barulhinho bom dos balangandãs de Carmen Miranda.
Quinze anos, afinal, não são 15 dias: nunca na história deste país um presidente passou tanto tempo no cargo. E o tempo deixou marcas bem maiores do que a lama largada pela cavalaria no monumento da Cinelândia. Vargas – daqueles políticos diante de quem é impossível ficar indiferente, desperta amor ou ódio – virou a política brasileira de cabeça pra baixo. Criou empresas estatais, leis para os trabalhadores, namorou o nazismo alemão e o imperialismo americano, perseguiu adversários, virou tema de marchinhas e de anedotas do Teatro de Revista, colecionou inimigos quase na mesma proporção das amantes de coxas roliças. Deu nome a uma era: a era Vargas. Durante seus anos de poder, o mundo e, por tabela, o Brasil mudaram. A primeira metade da década de 1940, em que se respirava a guerra, foi o retrato inicial dessas mudanças.
À época, a elite brasileira, rendida definitivamente ao american way of life, deixava para trás a influência francesa, presente tanto no Brasil imperial quanto no republicano, materializada na reforma feita por Pereira Passos no Rio de Janeiro, então capital federal. Houve uma transformação generalizada no país: política, arquitetura, costumes, música, teatro, cinema, moda… Tudo ganhou um temperinho – ou vírus, se o leitor preferir – do Tio Sam! O je t’aime perdeu para o sedutor I love you. Walt Disney aumentou a turma de personagens com o Zé Carioca que, de quebra, estrelou dois filmes ambientados no Brasil! Chiclete e Coca-Cola viraram espécie de arroz com feijão no nosso dia a dia.
A guerra também marcou a ferro e fogo essa década. Do Estado Novo de Getúlio à eleição direta de Eurico Gaspar Dutra, em 1945, o país esteve em cima do muro, três anos após entrar na Segunda Guerra Mundial. O povo, que acompanhava o conflito pelos cinejornais da Atlântida, sentia na pele o racionamento de comida, de combustível e até de luz. No Ceará e no Rio Grande do Norte, as tropas americanas estavam por todo canto, fazendo ponto de passagem para a África e a Europa – além de caírem no forró nas horas de folga! Até alguns botecos cariocas mudaram de nome para evitar represálias dos aliados americanos. Era como aprender uma lição de arte da guerra: a melhor defesa brasileira era o ataque.
A polêmica peça teatral Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, as carrocinhas da Kibon, a malandragem de pegar o bonde andando (e saltar dele), as crônicas de Antônio Maria, o footing, e a abertura do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) foram alguns dos legados memoráveis de um período histórico duro, mas também ousado, corajoso e absolutamente delicioso. E tudo isso se iniciaria 15 anos antes, enquanto os cavalos de Vargas ainda relinchavam na Rio Branco.
UM PERSONAGEM DITA A
POLÍTICA DO PAÍS: GETÚLIO VARGAS
Não dá para descartar a herança histórica de Getúlio Vargas no comando do país (1930-1945 e 1951-1954). Até hoje ele mantém o recorde de permanência no poder, considerando o Brasil República (o Brasil Império não vale, porque D. Pedro II ganharia disparado…). O reinado de Vargas pode ser dividido em três fases:
De 1930 a 1934, quando esteve à frente do Brasil como Chefe do Governo Provisório;
De 1934 a 1937, ao liderar o país como presidente do Governo Constitucional;
De 1937 a 1945, após golpe político que o levou ao comando do Estado Novo.
Mas não parou por aí. Atendendo aos acordos do jogo político e ao clamor da população (Bota o retrato do velho outra vez/bota no mesmo lugar, dizia a marchinha cantada por Francisco Alves), ainda conseguiu retornar em um segundo período, dessa vez por meio de voto direto. Assim, comandou a nação brasileira por mais três anos e meio, entre 1951 e 1954. O suicídio, com um tiro no peito, deixou um furo em seu pijama listrado – em exposição no Museu da República, no Palácio do Catete – e muitos viúvos do getulismo. Alguns saudosos até hoje…
BRECHA PARA O CHIMARRÃO
Mesmo que bonde de verdade não ande de marcha a ré, não custa nada dar uma olhada para trás para ver como as coisas chegaram aonde chegaram.
Em março de 1930, após anos e anos da política do café com leite, que alternava o poder entre Minas Gerais e São Paulo, chega a hora do bye bye para a República Velha e um novo poder se instala: o poder do chimarrão.
A oportunidade se dá quando o então presidente da República, Washington Luís, roubou a vez de Minas – o leite – ao indicar de forma consecutiva o paulista Julio Prestes (o café) para sucedê-lo. A traição fez o presidente mineiro, Antonio Carlos Ribeiro Andrada, aliar-se ao Rio Grande do Sul (leia-se Getúlio Vargas) e à Paraíba (leia-se João Pessoa) na Aliança Liberal, criada para concorrer, ou melhor, combater o candidato paulista nas eleições de 1930.
Mesmo com as alianças formadas em torno da candidatura de Vargas (então governador do Rio Grande do Sul), Julio Prestes foi eleito com 59,39% dos votos. Ganhou, mas não levou: a chapa perdedora, a Aliança Liberal, recusou-se a aceitar o resultado, alegando que a vitória de Júlio Prestes era decorrente de fraude.
O imbróglio político se agravou com a chegada de uma notícia pra lá de extraordinária: o assassinato de João Pessoa, vice de Vargas. Aliás, para quem acha que vice é sinônimo de zero à esquerda, este era importante: deu nome à única capital do Brasil batizada em homenagem a uma personalidade.
Juntando a alardeada suspeita de fraude ao trágico desfecho de João Pessoa, estava montado o palco perfeito para a Revolução de 1930, que depôs o então presidente Washington Luís, além de impedir a posse do presidente eleito, Julio Prestes, e, na sequência, levou Getúlio Vargas – e seus soldados montados a cavalo – ao poder. Foi o fim da República Velha.
Em 1935, ainda sob comando de um Getúlio Vargas pressionado pelos movimentos sociais e pela insatisfação dos militares nos quartéis, assistimos à Intentona Comunista. Dois anos depois, nova reviravolta – ou um novo golpe – instala o Estado Novo. Com esse arranjo – endurecimento no trato político, esvaziamento dos movimentos sindicais, aproximação das tendências nacionalistas em ascensão na Europa e repressão – Vargas se manteve no poder até 1945.
A VIDA
COMEÇANDO NOS 40
Dizem os astrólogos que o ano de 1941 decorrerá sob a influência da Lua… É como se dissessem que será o ano dos lunáticos. Se os de 39 e 40, que não tiveram tão extravagante influência, já foram tão surpreendentes nos seus acontecimentos, que poderemos nós, outros mortais desse mundo sublunar, esperar de 1941?
Nas páginas do Diário Carioca, o jornalista Maurício de Medeiros definiu assim o ano que batia à porta, prestes a iniciar uma nova década.
A Europa, que mal juntara os próprios cacos depois da Primeira Guerra Mundial e da crise de 1929, se encontrava novamente em meio a um conflito devastador. Desde 1939, quando a Alemanha de Adolph Hitler invadiu a Polônia, dando início à sua sede de expansão territorial, o Velho Mundo andava de pernas para o ar. Na véspera do ano novo, o comandante nazista mandou uma mensagem ao povo alemão: Até agora, Deus aprovou nossa luta. Se continuarmos cumprindo o nosso dever com lealdade e com valentia, Ele tampouco nos abandonará no futuro.
E Hitler não estava sozinho…
Paul Joseph Goebbels, ministro da propaganda que dizia que uma mentira repetida várias vezes se torna verdade, acrescentava: Este ano está findo, um novo começa. Façamos ardentes votos para que este seja de bênçãos da sorte e da vitória final.
Mas os países vítimas da destruidora ambição germânica não podiam imaginar ver a Alemanha sair abençoada e vitoriosa.
Na Inglaterra, principal nação que resistia aos nazistas, Londres sofria mais um bombardeio. A França contabilizava as perdas em 1940. Os jornais também noticiavam bombas jogadas do céu da Irlanda pela Luft Fav, a temível força aérea alemã.
O Brasil, que mantinha uma postura ambígua diante do conflito, não demonstrando para qual lado iria pender, sabia desses acontecimentos somente pelas páginas dos jornais ou pelas ondas de rádio. Apesar de as batalhas estarem distantes, os reflexos não deixavam de cruzar os mares e chegavam até o país. Havia racionamento de combustível e os preços dos alimentos ficavam cada vez mais altos. Além disso, a liberdade era um assunto relativo, uma vez que, como vimos, desde 1937, o país vivia sob o Estado Novo, com Getúlio Vargas demonstrando bastante disposição para ficar mais tempo.
Do microfone do Departamento de Propaganda e Imprensa, o temido DIP, implacável na marcação aos meios de comunicação, o gaúcho de São Borja também fez discurso à nação, no alvorecer do novo ano, transmitindo sua mensagem aos brasileiros:
Senhores, o espírito de todos os brasileiros nesta hora augural do ano novo deve elevar-se num pensamento puro e intenso de amor e dedicação à pátria. Espero, também, que o voto de quantos partilham do nosso sossego e do nosso trabalho seja pelo maior incremento do nosso progresso e continuação da fase de tranqüilidade, que desfrutamos em meio aos sobressaltos, restrições e amarguras que assombram a vida de grandes e nobres povos.
FESTAS DA GEMA
Um Ano Novo não podia ser feito somente com palavras de seduzidos pelos podres poderes, também era preciso ter festa – e isso o brasileiro sempre soube fazer muito bem. Embora o dia da confraternização dos povos não passasse de mera expressão, o povo ainda se satisfazia em comemorar a data.
Joaquim Rolla, o Rei da Roleta, nas páginas de O Cruzeiro.
No Rio de Janeiro, os melhores salões da capital da República trataram de providenciar isso. O grill-room do Cassino da Urca saudava a chegada de 1941 com a tradicional e mais do que aguardada noite de comemoração, tida por todos como o verdadeiro início do Carnaval. Na casa do Rei da Roleta, Joaquim Rolla – voltaremos a esse monumental personagem mais adiante – a sociedade carioca e inúmeros turistas, encantados com as belezas da Cidade Maravilhosa, desfrutavam dos potentes e providenciais refrigeradores. O implacável verão carioca, mesmo com o salão lotado, dava lugar ao clima de montanha por toda a noite. A orquestra regida pelo maestro Vicente Paiva tocava Aurora
, marcha de Roberto Roberti e Mário Lago, que já virara sucesso no rádio.
Se você fosse sincera
Ôôôô, Aurora!
Veja só que bom que era
Ôôôô, Aurora!
O Cassino da Urca, em seu auge: quintal da elite carioca.
O mundo inteiro – e não apenas a Aurora – não era lá muito sincero naquele momento… O brasileiro apertava o cinto de um lado para, literalmente, apostar na música, nas festas e nas roletas. Os mais ricos, então, pareciam viver em outro mundo, longe da guerra, da dor e da recessão.
Voltando ao Rio, em Copacabana, no Posto 6, outro cassino abria suas portas para a chegada do primeiro ano da nova década. No Cassino Atlântico, também havia o sempre bem-vindo ambiente refrigerado, luz feérica e uma maravilhosa ceia. Sem contar as duas orquestras regidas por nada mais, nada menos que Ary Barroso, com a participação dos cantores Gilberto Alves, Diamantina Gomes, Oswaldo Vianna, e do caboclinho querido, Silvio Caldas. O autor de Aquarela do Brasil
interpretava novíssimas marchas e sambas que havia preparado para o Carnaval de 1942.
Coristas do Cassino da Urca.
Quem esteve no grill do Atlântico pôde ouvir, em primeiríssima mão, composições como A batucada começou
, O passo do vira
, Ke-ke-ke-re
, Blum, blem, blum
, Só a saudade não passa
, A baiana saiu de espanhola
, e Os quindins de Iáiá
, que se tornaria um dos maiores sucessos do compositor.
Os quindins de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Os quindins de Iaiá
Cumé?
Cumé que faz chorar
Os zóinho de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Também contando com duas orquestras, o Réveillon do palacete colonial da avenida Venceslau Braz, sede do Botafogo de Futebol e Regatas, todo decorado com flores naturais, recebia homens trajando vistosas casacas ou summer-jackets e mulheres com belos vestidos longos ou elegantes fantasias. Vestida da mesma forma, no Hipódromo da Gávea, a gente fina da capital federal compareceu à boate da tradicional agremiação. A poeta Adalgisa Nery e o marido Lourival Fontes, jornalista e diretor do DIP; o presidente da Central do Brasil, Napoleão de Alencastro Guimarães; além de João Borges Filho, presidente do Jockey Club, eram alguns dos presentes a celebrar e aguardar o primeiro ano da nova década.
FESTAS DA GAROA
Os paulistanos despediram-se de 1940 no baile Sonho de uma noite de verão
. Realizado no Estádio Municipal, o evento foi organizado por Ademar de Barros, o interventor colocado por Getúlio Vargas para administrar o estado, e sua excelentíssima esposa, dona Leonor de Mendes Barros. Nos salões da maior praça desportiva da América do Sul, a elite da cidade compareceu para comer, beber e dançar ao som das orquestras Colúmbia e Mário Silva, vindas