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Louco por você
Louco por você
Louco por você
E-book526 páginas8 horas

Louco por você

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Sobre este e-book

Farto de mulheres temperamentais e voluntariosas, Liam deseja mulheres mais maduras. Alguém que apreciasse um bom jantar, tivesse uma conversa agradável, que retribuísse o carinho e acolhimento de sua família e gostasse de crianças, principalmente de suas endiabradas sobrinhas gêmeas. Alguém em que a carreira fosse importante, mas não mais do que as pessoas que amava. Que achasse graça de suas piadas, mas que o fizesse rir também. Existiria alguém assim? Para ele soava improvável. Até conhecer Julienne e se dar conta de que ela era tudo isso. Ela carregava o frescor da juventude e inocência, mas também representava tudo o que ele pensava querer evitar no momento. No entanto, driblar a atração que ela exerce sobre ele não é fácil.... principalmente quando Julienne é tão irresistível e parece completá-lo de todas as formas. Liam tinha descoberto tarde demais o amor ou ainda haveria tempo de provar o quanto era louco por ela?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de mar. de 2017
ISBN9788568695715
Louco por você

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    Muito bom. Uma história que me prendeu do início ao final. Queria ler cada vez mais....

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Louco por você - Elizabeth Bezerra

Prólogo

Nota

A cidade de Peachwood e seus personagens são fictícios, quaisquer semelhanças com lugares, histórias e pessoas reais são meras consciências.

Prólogo

Seis anos atrás

ACORDO DESNORTEADO E SENTINDO COMO SE MINHA CABEÇA fosse explodir. Recuso-me a abrir os olhos, mas a fresta de luz atravessando o vão, entre as cortinas da janela em meu quarto, vem direto aos meus olhos. Eu gemo e viro para o outro lado. Mas o martelar em minha cabeça é tão forte que dificilmente conseguiria dormir outra vez.

Raramente eu bebo. Um estudante de Medicina não tem tempo para esses luxos. O curso é cansativo e requer muito empenho e dedicação. Eu só me permito relaxar nas férias. O que não vem sendo algo fácil, também. Minha vida tem sido uma grande merda. Culpa disso é Cecília, noiva do meu irmão.

Crescemos praticamente juntos. O quarteto feliz: Adam, Katty, Cecilia e eu. Nunca a tinha visto além de uma irmã, e o sentimento só se confirmou quando me rendi às suas investidas e fomos para a cama uma vez.

Achei que Adam também não nutrisse nenhum sentimento por ela, além de amizade. Foi um choque voltar para casa no semestre passado e descobrir que estavam noivos. Ele não a amava, disso tenho certeza. Não dessa forma. Acho que Adam só estava acostumado à brincadeira que nossos pais faziam quando éramos jovens, de casar os dois. Na verdade, foi a mãe dela a impulsionar essa ideia absurda. Nunca vi mal nisso, até agora.

E deixaria tudo quieto se, há dois dias, Cecilia não tivesse me procurado chorando e confessado, outra vez, que na verdade me ama. Que o namoro com Adam foi apenas uma tentativa de chamar minha atenção.

É claro que a merda toda fodeu comigo. Até retribuí seu beijo para ver se sentia alguma coisa. Não aconteceu. Até hoje só consigo vê-la como a garotinha de tranças que eu provocava e puxava o cabelo. Definitivamente, não rola. Eu até deixaria toda essa confusão de lado, se Adam não estivesse envolvido. Iludido ou não pelo o que acredita sentir por ela, são os sentimentos do meu irmão envolvido. Não posso traí-lo dessa maneira. Ele tem o direito de escolher se quer ou não ignorar tudo isso e continuar com ela.

Abro os olhos. Não tenho mais como prolongar o assunto. Falaria com ele hoje.

 — Porra! — salto da cama ao me deparar com a imagem da última pessoa que esperei encontrar ao meu lado na cama.

Cecilia, nua, emaranhada em meus lençóis.

 — Bom dia, querido — ela se espreguiça e me encara com um sorriso lânguido.

 — Que merda você está fazendo aqui, Cecilia?

Não há a confusão em seu rosto como a que vibra em meu cérebro; parece que ele está prestes a detonar uma bomba relógio em minha cabeça.

 Ao invés disso, Cecilia exibe um olhar vitorioso e satisfeito.

 — Eu sabia que seria perfeito — murmurou ela, exibindo um largo sorriso em seu rosto — Como a primeira vez que estivemos juntos.

Curvo meu corpo, apoiando as mãos nos joelhos, enquanto faço um exercício de respiração. Sinto que vou vomitar.

 — Que merda eu fiz?

Repito a pergunta sem parar.

Que merda eu fiz?!

Capítulo 1

Peachwood, Texas, 2012

OLHEI EM VOLTA DA OFICINA MECÂNICA DO VELHO IZZY e que agora pertencia ao seu filho, James. Ignorei a parede cercada de pôsteres de garotas seminuas e molhadas e fui em direção a uma das pilhas de pneus espalhadas por ali e sentei. Obviamente não tinha sido uma das melhores decisões que fiz em minha vida, já que não calculei com precisão o tamanho da abertura entre os pneus e minha pequena bunda. Afundei como fruta podre caindo do pé, fazendo com que o sorvete que eu tinha acabado de comprar, na sorveteira ao lado da oficina, fosse direto para o meu queixo, me apunhalando como o mais preciso e competente pugilista.

É, sou meio desastrada e muitas vezes desatenta também.

James deslizou o carrinho onde estivera deitado para examinar a velha caminhonete do meu pai e ergueu a cabeça, desejando saber o que causou a onda de risos histéricos em mim.

— Tudo bem aí? — ele uniu suas sobrancelhas e me lançou uma expressão caricata que só contribuiu ainda mais para minha gargalhada desenfreada.

Nós somos amigos desde a escola primária. James era o típico garoto franzino, introspectivo, que se sentia menos deslocado ao lado das meninas boazinhas, ou que ele acreditava ser boazinha, pois frequentemente eu colocava nós dois em alguma confusão.

Tínhamos muito em comum. James também tinha perdido a mãe muito cedo. A diferença era que eu tenho um pai e três irmãos controlando todos os meus passos, e ele mais cuidava do pai, que nunca mais foi o mesmo desde que a esposa faleceu, do que o contrário.

Os malvados da escola o chamavam de gay por andar ao meu lado; não poderiam estar mais enganados. Não que eu tenha comprovado o quanto homem ele é, mas metade das minhas ex-colegas de colegial recentemente tinham passado pela cama dele, quando começou a cuidar dos negócios da família e desenvolver mais o corpo, assim como sua desenvoltura diante das pessoas. E o garoto magrela, de pouca conversa e vergonhosamente desprezado na escola, tinha se tornado um belo homem, ainda introspectivo, mas isso parecia que atraía ainda mais as mulheres, da cidade ou não.

— James? —  desisti do sorvete e mirei na lata de lixo próximo a ele — Por que a gente nunca ficou?

Acompanhei seu olhar confuso, o mesmo que fazia quando eu tentava ensinar biologia a ele.

— Ou não namoramos agora? — insisti, revirando meus olhos — Eu sei que você tem a vida bem movimentada agora, mas...

Meus olhos caíram sobre uma embalagem de preservativo vazia, caída debaixo da mesa antiga e de pernas enferrujadas, que ele usava para fazer anotações provisórias.

— Aliás, muito bem movimentada — sorri para ele e vi suas bochechas ficarem coradas.

— Ora! — Ele me encarou com uma carranca — Porque nós somos como...

Apertei os meus olhos com uma expressão ameaçadora que o fez se calar.

— Se você disser irmão... — empinei o meu queixo e coloquei minhas mãos na cintura, batendo o pé. Sempre fazia isso quando estava irritada com algum dos meus irmãos, e teve o mesmo efeito sobre James, ou seja, nenhum — Eu juro que atiro na sua cabeça esse... esse...

 Apontei a ferramenta ao lado, chispando fogo pelos meus olhos.

— Torquímetro — ele alargou o sorriso, o que só me deixou mais irritada.

 — Que seja.

Respirei fundo e tentei que minha voz voltasse a sair calma e natural.

— Por que nunca tentou me beijar?

James se levantou e limpou as mãos calejadas em um trapo, que deixou seus dedos pior do que já estavam, mas ele não pareceu se incomodar com isso. Não tanto quanto eu havia ficado.

Não é que eu seja uma esnobe ou uma garota cheia de frescura. Mas viver cercada de homens desordeiros e um tanto machistas, que atribuíam o trabalho doméstico às mulheres, fez com que eu ficasse meio, digamos, paranoica por limpeza e organização. Ou isso, ou... seríamos escravas recolhendo e limpando a bagunça que aqueles quatro deixavam pela casa.

— Não acho que seus irmãos gostariam disso.

— Se há uma pessoa no mundo que meu pai e irmãos não se importariam que eu namorasse, James, esse alguém seria você.

Ele deu de ombros como se pedisse desculpas e voltou a sorrir.

— Deve ser por isso que nunca se opuseram de você andar comigo — disse ele, afagando minha bochecha — Não vai acontecer.

Sobre a primeira parte ele estava correto. Em hipótese alguma, meus irmãos cogitariam a possibilidade de James e eu ficarmos juntos.

— Mas eles podem estar errados.

— Não estão — ele me encarou, sério — Pode me bater com o torquimêtro, a chave de fenda ou o que mais achar por aqui, mas somos amigos, Jully, quase irmãos.

— Mas nós nunca nos beijamos. Como pode saber?

Ele arqueou a sobrancelha em resposta.

— Oras, então me beija — voltei a colocar a mão na cintura, mas me recusei a bater os pés como uma menininha de três anos — Vamos provar para todo mundo que estão errados.

Inclusive para nós mesmos, quase acrescentei, mas a frase ficou presa na garganta.

James fez uma cara cômica, que parecia ser o meu pai pedindo que o beijasse.

— Não! — cruzou os braços no peito e me encarou, sério — Seria como ser gay e ter que beijar uma mulher.

— Mas você não é gay! —Rebati.

— Nem você uma mulher — percebendo meu olhar fulminante, fez questão de se corrigir: — Não uma mulher que eu queira beijar.

Se eu fosse a flor delicada que meus irmãos e até mesmo James em algum momento acreditava que eu era, certamente sairia correndo com o coração despedaçado, por ter seu beijo desprezado por não ser vista como uma mulher completa. Mas eu não sou uma garotinha frágil, e também sabia que James não quisera dizer aquilo no sentido literal.

— Me beija logo, James!

Encarei-o com a mesma determinação de sempre. Com aquele olhar que ele sabia que não adiantaria resistir. Eu sempre vencia nossas discussões, afinal, foram anos treinando com quatro turrões metidos a valentões, ou seja, mais do que uma garota poderia suportar, por isso havia aprendido a impor minhas vontades.

— Sinto muito, Jully — James descruzou os braços e deu as costas para mim.

Foi aí que o alarme tocou em minha cabeça.

— Você prometeu? — Encarei suas costas, meu olhar estava abismado — James, você prometeu para eles, não foi?

Não era porque nós dois éramos amigos de infância que deixava meus irmãos tão confortáveis do tempo que eu passava com ele; era porque o desgraçado tinha prometido não me tocar.

Diminuí a distância que nos separava e o impedi de voltar para o carrinho esteira onde estivera deitado.

— Prometeu aos meus irmãos não me beijar?

— É, eu prometi — James desviou o olhar, fugindo do meu, furioso.

— Quando foi isso? — ponderei — Logo depois do desastre da formatura?

— Jully... — seu rosto torturado me lembrou do pequeno James que eu tinha obrigado a encarar um dos seus maiores temores: enfrentar um dos valentões da escola, aos oito anos. Claro que ele tinha apanhado, mas depois do medo inicial e dos meus irmãos em seguida ter afugentado o covarde, James adquiriu um pouco mais de confiança em si mesmo.

— Quando, James?

— Na primeira vez que fui à sua casa para estudar e brincar.

A cara que ele fez parecia que tinha quebrado algum código de confiança entre homens. Eu teria rido se não estivesse com tanta raiva.

— Mas erámos apenas duas crianças! — Proferi, indignada — Aqueles... aqueles...!

Abutres!

Foi o mais perto de um palavrão que consegui chegar. Embora conhecesse muitos, não tinha permissão para citá-los. Afinal, eu era uma dama.

— Eu jurei, Jully — ele me olhou pesaroso — Jurei nunca, em hipótese alguma, jamais beijar você ou ter pensamentos indecorosos.

Não havia nada pior do que alguém se desculpar por um beijo que nem ao menos lhe deu ou pensamentos sexuais que não teve.

— Mas, de qualquer forma, não foi necessário que me exigissem isso, nunca pensei assim sobre você.

— Não me acha bonita?

James sorriu, agora mais relaxado.

— Julienne, você é linda.

Disse isso com a mesma doçura que papai, Austin, Dallas e Clyde falavam comigo. Não havia o desejo ou a paixão que eu gostaria de ver brilhando em seus olhos castanhos.

— Bem, se não é minha aparência que o afasta, deve ser porque sou insuportável, como diz Clyde.

Pensei que fosse provocação de irmãos, mas talvez eu fosse realmente assim.

J, você é encantadora — continuou sorrindo.

— Eu tenho mal hálito?

— Jully!

Certo. Eu estava fazendo uma lista absurda de coisas que poderiam contribuir no desinteresse de James por mim. Realmente, não fazia sentido algum.

— Você nunca quis me beijar também — disse ele, balançando os ombros — Até entendo, eu era feio e insuportável.

— Não, eu que era uma bobona.

É que naquela época estava mais interessada nos bonitões do time de futebol ou no meu amor platônico pelo professor de artes bonitão, do que reparar em meu melhor amigo de infância. Obviamente não esclareci esse ponto a James, seu ego masculino já tinha sido abalado muitas vezes no passado.

— Já se perguntou por que nada rolou entre a gente? — indagou ele.

Porque éramos amigos. Admitir isso era o mesmo que aceitar que James estava certo. Nós dois chegamos no ponto em que passamos de superamigos para quase irmãos.

— Porque eu era uma garota idiota procurando coisas erradas, nos lugares errados? — perguntei — E também tudo mudou. Como saberemos, se nunca tentarmos?

— Porque é óbvio, Julienne!

Quanto mais James fugia, mais empenhada eu ficava. Sempre foi assim.

— Então, não haverá problema em um simples beijo.

— Não vou beijar você.

Nos enfrentamos com a mesma determinação de quando disputávamos o controle de TV ou a última fatia de pizza. Sorri docemente e coloquei minhas mãos em seus ombros, que só agora notei como tinham ficado largos.

— Se não me beijar, vou dizer ao meu pai que não apenas fez isso como confessou a promessa que fez aos meus irmãos. E que não me deseja mais porque agora sua cama nunca anda desocupada.

Pior do que ter Clyde, Austin e Dallas afugentando todos os meus prováveis namorados, era um pai cujo o coração frágil de sua filha estava partido.

James arregalou os olhos, e foi naquele momento que percebi que havia vencido.

— Você... você... — gaguejou, e por um segundo senti pena dele — Não faria isso!

Jamais usei meus irmãos ou meu pai contra ele. Mas também nunca tinha pensado em beijá-lo. A ideia só surgiu hoje, quando fui comprar sorvete. Ouvi Crystal Lany, a neta da dona da sorveteria, confessando à sua amiga que James tinha o melhor beijo que já experimentara na vida.

Uma explosão de sabores, foi o que dissera, animada.

O meu James?

Admirada, voltei correndo para a oficina. Nunca tinha pensado nele dessa forma. Menos ainda que ele fosse o rei do beijo. E já que naquela cidade nenhum rapaz tinha peito suficiente para enfrentar meu pai e as três feras, eu tinha que unir o útil com o agradável.

Primeiro, éramos amigos de longa data. Segundo, meus irmãos nunca se incomodaram de ver James ao meu lado. Embora só agora eu compreenda o real motivo, não seria um choque tão grande se anunciássemos um namoro. Por último e não menos importante, em uma das muitas conversas que tive com tia Lola, desde que se mudou para o Texas, a primeira base de um relacionamento era a cumplicidade, amizade e paixão envolvida.

Dois desses itens James e eu compartilhávamos. Só faltava a paixão, mas isso poderia ser trabalhado com o tempo.

— James, você sabe que eu faria — bati o martelo.

Ele bufou. Depois soltou um palavrão que eu já estava habituada a ouvir.

Fechei meus olhos e aguardei. Aguardei e aguardei o suficiente para notar que fazia biquinho com meus lábios. Exatamente como tinha feito no jardim da casa de Dylan Green, à espera do meu primeiro beijo, aos treze anos.

— Pronto! — James se afastou tão rápido como tocou meus lábios.

— Assim não, James! — Puxei-o de volta — Quero que me beije como beijou Crystal Lany.

Ignorei seu olhar surpreso, voltei a fechar meus olhos e esperei.  Esperei pelo momento que seus lábios tocariam os meus. Que o beijo lento se transformasse em um beijo apaixonado e descontrolado. Que meu coração saltasse em meu peito e nós dois descobríssemos algo que nunca havíamos notado — fomos feitos um para o outro.

Pelo menos sobre um dos meus devaneios eu acertei. O beijo iniciou lento e não dava sinais de que iria avançar. Era como se James beijasse uma porta. Ou que eu beijasse uma porta. Nem mesmo quando praticava em uma maçã ou no espelho do banheiro em meu quarto tinha sido tão sem graça. E molhado, não de um jeito nojento, mas eu não estava gostando. Parecia que eu deslizava minha boca em um melão sem sabor. E meu coração batia tão acelerado como uma senhora de noventa anos fazendo algo tão empolgante como crochê.

Fui eu que interrompi o beijo e me afastei.

Inicialmente tive receio de que James tivesse curtido mais do que eu. Por alguns segundos, não consegui encará-lo. Tive medo que minha insistência e teimosia idiota tivesse colocado nossa linda amizade em risco. Porque não importava quanto beijos déssemos, sempre seríamos isso: grandes amigos.

— Ei, Jully? — James aproximou-se de mim e ergueu meu queixo para que o encarasse — Será sempre a minha melhor amiga.

Retribuí seu sorriso ao notar que nada havia mudado.

— Desculpe, James — voltei para a pilha de pneus e, dessa vez, sentei apenas na borda — Achei que nós dois... talvez...

James retornou à esteira e me lançou um sorriso terno.

 — Você irá encontrar, Julienne — iniciou ele — Vai encontrar alguém que não irá se importar com a cara feia que seus irmãos possam fazer, porque ele irá saber o quanto você é valiosa e irá lutar por isso.

Foi bonito o que James disse para me confortar, mas era irritante também. Não queria ninguém que precisasse lutar por ela como uma virgem na mais alta torre. Não desejava um príncipe encantado como seus irmãos desejavam para ela. Queria ser normal, cometer e aprender com seus erros e escolhas. Não conseguiria isso se continuasse a viver debaixo de suas asas.

Enquanto James retornava para debaixo da caminhonete, meditou sobre isso. Precisava dar um jeito nisso ou acabaria como uma velha, solteirona e maluca.

— Não vai funcionar — disse James, arrastando-se pelo chão — Vou precisar trocar algumas peças. Tem um amigo do meu pai, em Austin, que só trabalha com carros antigos. Vou até lá esse final de semana.

— Posso fazer isso para você — sugeri, ao saltar dos pneus.

— Tem certeza? É uma boa viagem até lá.

James me olhou desconfiado. Ele sabia que eu odiava fazer viagens longas.

— Não há nada de interessante para fazer aqui ou na fazenda. Quem sabe outros ares me anime um pouco?

A realidade é que tinha outros planos rondando na minha cabeça. Se eu quisesse vencer essa guerra, precisava de aliados.

— Se seu pai não vir problema nisso...

— Ele não irá se importar — interrompi, meu coração mais acelerado em expectativa do que o beijo dele provocou — Apenas me dê o endereço e a lista do que precisa.

James foi em direção à mesinha e começou a escrever no bloco de notas:

— Se esperar mais algumas horas, posso te levar em casa.

— Tudo bem — guardei a folha no bolso do jeans — Preciso ir ao banco, ver a vó do Derek.

— Está saindo com o Derek? Eu vi vocês dois na praça, outro dia.

— Sair não é realmente o termo.

Derek é assistente de xerife do meu irmão, Dallas. Tão bonito como covarde, era mais provável que enfrentasse uma cela repleta de foras da lei do que encarar o olhar duro do xerife.

— Eu vejo você depois — me despeço, dando um beijo estalado em sua bochecha, e saio com um enorme sorriso em meu rosto.

Capítulo 2

Manhattan, Nova York, 2012

NÓS TÍNHAMOS ACABADO DE TRANSAR e eu não sentia nada de especial após isso. Nada além do esgotamento físico, seguido da sensação de relaxamento.  Foi bom. Sexo com Natalie ou Nicole, como preferia ser chamada agora que sua carreira como modelo começava a deslanchar, sempre foi algo prazeroso.

Somos compatíveis no sexo, ela é linda e atende minhas necessidades muito mais na cama do que fora dela. Era o único lugar que parecíamos ser compatíveis.

O problema é que ultimamente venho desejando mais. Algo como o que meus pais compartilhavam há anos. Como minha irmã Katty e Frank haviam construído em sua relação.  Amor e cumplicidade. 

Sentimentos que, desde meu envolvimento com Cecilia e seu fim trágico, eu havia esquecido como eram. Não me culpo pelo o que aconteceu, como Adam continuava a fazer. Aceitei que tinha sido uma fatalidade, uma das obras do destino no qual não temos controle.

Meu único e amargo arrependimento é não ter contado nada ao meu irmão, quando tive chance. O modo como tudo realmente aconteceu. Cecilia, eu e o bebê que poderia ter sido meu. Às vezes me via sentado ao lado dele, contando tudo. Eu tinha medo de que a admiração e o amor que ele sentia por mim virasse repulsa, desprezo por ter mantido esse segredo por tanto tempo.

Eu quis contar. Eu quis mesmo contar a verdade. Adiei porque Adam estava afetado demais pela morte repentina de Cecilia. Adiei porque ele precisava de mais tempo para se recuperar. Adiei outra vez porque já não sabia como contar.

O certo era que nunca deveria ter dado ouvidos a Celeste. A verdade fere, mas é a única coisa que poderia nos libertar.

Fechei os meus olhos e fiz um exercício de respiração. Um pouco mais calmo, dei mais atenção ao que acontecia no quarto. O movimento do colchão, o leve farfalhar do lençol ao ser afastado, os passos arrastos de Nicole no chão.

Encontrei-a em frente ao espelho estudando seu corpo. Ela sempre fazia isso quando acabávamos de transar. Eu a achava linda, mas ela sempre via alguma coisa para reclamar. Para mim, era magra até demais, mas ela se via gorda. Inicialmente, achei que fosse besteira de mulher, até convivermos mais.

— Sexta-feira é o aniversário de casamento dos meus pais — iniciei, vendo que começaria seus choramingos de quantas horas a mais precisaria gastar na academia — Vai ter um jantar e eles esperam que você vá.

— Sexta-feira agora? — ela ficou de lado, apertando a pele de sua cintura.

Eu via pele e osso; Nicole via gorduras localizadas que precisavam ser eliminadas com dietas absurdas que a deixavam irritada e chorosa, e isso, como médico, me preocupa, mas, para ela, todos os meus conselhos sobre saúde eram irrelevantes. Eu não entendia nada de moda, fora o que dissera a última vez que tentei.

— Sim.

— Tenho que ir para Madri, no sábado — ao menos virou-se para dizer isso — Peça que me desculpem.

Rangi os meus dentes. Sou conhecido por ser uma pessoa calma e bem-humorada, mas a indiferença de Nicole, com algo tão importante para mim, me tira o controle.

Não era segredo, para nenhum de nós dois, que quase todos de minha família não nutriam grandes amores por ela. Seria pedir muito que se esforçasse um pouco para mudar isso?

— Natalie...

Foi o suficiente para ter sua atenção em mim.

— Nicole!

— Não irá viajar no sábado! — saltei da cama e procurei minhas roupas espalhadas pelo chão — Acabamos de ficar noivos, então é importante para minha mãe que esteja presente no jantar.

— E eu acabei de assinar um contrato importante com a maior casa de moda do mundo — disse ela, com uma voz chorosa — A oportunidade da minha vida. Meu corpo é a minha vitrine. Pego o primeiro voo, e não posso chegar com olheiras gigantes...

Eu me desliguei do que ela discursava. Vesti a camisa, depois a calça, coloquei os sapatos e, quando dei por mim, me despedia com um beijo frio em sua testa.

— Liam, você entende, não é, meu amor? — o tom dessa vez era mais angustiado do que arrogante.

Algo no que falei, ou deixei de falar, parecia tê-la alertado que havia ido longe, arriscado demais em se mostrar tão desinteressada.

— Conversamos quando você voltar, Nicole.

Estava entre a porta e o corredor quando a senti me alcançar. Minha relação com Nicole, esse tempo todo, só pareceu perfeita devido às nossas profissões. Como médico, eu tinha uma agenda bem atribulada, e com ela não era muito diferente, tendo que viajar para tantos lugares do mundo, o tempo todo.

Antigamente era o sexo que nos prendia, agora nem isso parecia suficiente para unir nós dois. Eu já não queria levá-la ao jantar, não queria forçar sua presença à minha irmã e minhas sobrinhas, que não escondiam o desagrado em relação a ela.

Eu me pergunto se deveria manter esse relacionamento, já que está cada vez mais claro que tínhamos desejos e valores opostos.

***

Ainda tinha algumas horas até assumir meu plantão no hospital. Horas que eu tinha planejado passar com minha noiva. Ao invés disso, me vi jogado no sofá da casa de meu irmão. Ele deveria ser a última pessoa a quem eu pediria conselhos amorosos, mas talvez seu cinismo fosse exatamente o que eu precisaria nesse momento.

— Adam, o que você acha sobre o amor?

Aceitei a xícara de café que me ofereceu, quando na verdade gostaria de uma dose dupla do whisky que ele tinha na mão.

— Uma grande idiotice — ele sentou ao meu lado, jogando um dos pés sobre a mesinha de centro, em frente ao sofá.

— Papai e mamãe se amam — lancei essa verdade sobre ele —  Katty e Frank também.

Queria ver como Adam sairia dessa. Eu amava esse cara, mas ele havia ficado cínico e amargo demais ao decorrer dos anos. Além da família, a única coisa que realmente amava era o seu trabalho. Trocava de mulheres como trocava de terno. Enquanto eu me tornava cada vez mais consciente do que a vida poderia me oferecer, Adam rejeitava tudo.

— Quatro pessoas determinadas a romantizar normas e doutrinas de uma sociedade em decadência. E chamam isso de amor. Eu digo que é conveniência e troca de interesses. Os homens trabalham e as mulheres criam seus filhos. Simples assim.

— Não acredito isso. É cínico demais até para você. As mulheres hoje em dia são independentes e querem muito mais que um homem assinando o cheque.

— De qualquer forma, os únicos cheques que pretendo assinar —  seu sorriso alargou um pouco mais — são os do restaurante e do quarto de motel.

— Um dia verei esse sorriso arrogante sumir do seu rosto quando encontrar a pessoa certa — depositei o café mal tocado em cima da mesa e liguei a TV.

— E você encontrou?

Touché.

Quer vencer o inimigo, use as mesmas armas que ele.

— Talvez tenha — respondi, mais para mim mesmo do que para ele, exatamente — Mas, se não, vou continuar a procurar.

Quem sabe ela estivesse por aí. Esperando nossas vidas se cruzarem um dia, pensei.

Capítulo 3

Brooklyn Heights, Nova York

EU ERA UMA MENTIROSA PATOLÓGICA e agora ladra também. Pior que admitir isso para mim mesma, era não sentir o mínimo de culpa por isso.

Quando decidi vir até Nova York, visitar minha prima Penelope, achei a ideia brilhante. Só precisei dizer ao meu pai que iria até a cidade de Austin pegar as peças que James precisaria para consertar nossa velha caminhonete. Convencer meus irmãos que não havia nenhuma segunda intenção nisso foi uma tarefa árdua, principalmente quando Clyde sugeriu me levar até lá.

Mas o mais difícil de tudo foi enganar tia Lola, para conseguir pegar escondido uma cópia da chave do seu apartamento, onde Penelope morava. Eu tive que causar um pequeno probleminha em seu carro, que levou a um grande problemão que até a obrigou a passar a noite na fazenda.

Tia Lola, você não se perde com tanta chave, não?, perguntei, balançando o molho de chaves enquanto ela tomava seu chá e aguardava alguma informação do meu pai sobre o seu carro encalhado na estrada.

Na fazenda, às vezes, ainda estou me acostumando, disse ela, numerando uma a uma. "Essa aqui é de Nova York ...

Enquanto ela explicava cada uma, obviamente mantendo entre nós duas uma conversa tranquila e civilizada, meu plano foi ganhando forma em minha cabeça. Foi aí que me tornei uma ladra. Mas eu sempre ouvi dizer que os fins justificam os meios. Não se faz uma omelete sem quebrar os ovos, e por aí segue.

No amor e na guerra vale tudo, e claramente, nessa disputa, eu estava em desvantagem. Precisava de alguém que me entendesse. Que soubesse a importância de ser uma alma livre. Então, quando minha doce e tímida prima escreveu avisando que tinha se livrado do noivo, abandonado seus pais opressores e a cidade onde passou boa parte de sua vida, senti um misto de orgulho e inveja.

Penelope sempre foi mais obediente, recatada e dócil do que jamais tentei ser. Enquanto eu reclamava por ser oprimida por excesso de zelo e amor, ela se retraía em meio a críticas severas e falta de carinho. Meus tios nunca foram amorosos com ela, não que eu me lembrasse. As poucas vezes que os vi, tive uma imagem de um casal rígido e frio na criação de sua única filha. O que é completamente oposto do estilo de vida que adotaram ter. Eram religiosos fervorosos, sendo o pai dela o pastor da cidade onde viviam.

Em contrapartida, tinha eu. Sempre fui a princesinha da casa. Não do tipo mimada, mas superprotegida. Ao ponto de ter três garotos e um homem desesperado se eu soltasse uma lágrima por ter uma farpa no dedo.

No fundo, lá bem no fundo e um pouquinho mais, sei que tudo o que fazem por mim é porque me amam. Depois que minha mãe faleceu, dando à luz a mim, deve ter sido desesperador para eles se verem de repente com a responsabilidade de cuidar de uma garotinha.

O que um homem e três rapazes fariam com uma garotinha sapeca correndo pela fazenda?

Era um susto por eu ter passado por debaixo da cerca quando o treinador amansava um cavalo xucro. Outro quando eu quis descobrir onde a estrada da fazenda dava, andando quase uma hora sob o sol escaldante, pelo menos para uma garotinha de dois anos. Pavor quando pensei que uma cobra podia ser meu bichinho de pelúcia. Incredulidade quando enchi meu quarto de sapos esperando que algum deles virasse príncipe. E minha lista era mais extensa do que os muitos detentos que Peachwood tinha na delegacia. Mas o que mais apavorava todos eles, eram os homens. Depois do episódio do sapo, eu tive uma verdadeira aula sobre príncipes.

Fica longe deles, J.J. São encantadores de mocinhas inocentes para levá-las para longe de sua família e de todos que amam, dissera Dallas, ao colocar o último sapo na lata enquanto eu o presenteava com um olhar arregalado e atônito.

Foi como dizer em pleno natal que Papai Noel não existia. Ah, essa ladainha durou até eu começar a frequentar a escola. Conhecer meninos e fazer amizades. Então o caminho não era mais me amedrontar, era botar para correr qualquer garoto com ideias erradas, ou não, que se aproximava de mim.

Às vezes eu acho; não, tenho certeza, que meus irmãos só me protegem do jeito que protegem porque são uns grandes canalhas. Temem que façam comigo o que eles devem fazer com metade das mulheres da cidade. Não que sejam completamente canalhas. Mas pulam de uma cama para outra como as pulgas pulam no cachorro maltrapilho que ronda a fazenda.

Hipócritas filhos da mãe!

— Então? Como é estar apaixonada, Penelope? — afofei o travesseiro e o abracei, ficando em uma posição que ela fosse incapaz de fugir dos meus olhos questionadores.

— Eu não estou apaixonada — ela focou atenção na bainha do lençol, fugindo de mim.

Mesmo sob a luz fraca no quarto, iluminado apenas pelo abajur, pude notar suas faces coradas, e sabia que estava mentindo.

Um bom mentiroso reconhece outro. E ela não era tão boa assim.

— Eu cheguei aqui e achei que ele estava sugando sua alma pela boca. Depois teve aquele passeio no parque. Não desgrudava o olho de você, e você parecia presa no mesmo feitiço. Se isso não é estar apaixonada, tenho medo do que seja.

Ela gemeu, deitando na cama.

— Já te expliquei que não é tão fácil. Adam é amigo do meu chefe. O senhor Durant tem uma política rígida sobre isso. Bem, foi o que Aline me disse.

— Ele é o seu chefe e não o seu dono. Saiu das mãos de um ditador para entrar em outro? Ah, quanto desapontamento.

— Não é só isso... — ela suspirou — É que ele é meio assustador.

— Um encantador de mocinhas inocentes?

— Quê?

Relembrei o episódio dos sapos em meu quarto e a tentativa de Dallas de me assustar.

— É, acho que Adam é um encantador de mocinhas tolas e inocentes — concordou ela, rindo.

Balancei as mãos, fingindo sentir calor excessivo.

— Eu queria que ele me encantasse e...

O travesseiro em meu rosto abafou o que ia dizer. Começamos uma guerra de travesseiros. Éramos como duas adolescentes falando sobre os meninos bonitos da escola. Apesar de ter tido algumas amigas, nunca fomos assim tão próximas. Meu pai não deixava que fosse a festas de pijamas sozinha, e meninos estavam obviamente fora da lista. Também não levava amiguinhas para casa, seus pais eram, na maioria, conservadores demais para deixar suas meninas cercadas de garotos bonitos.

Com Penelope, não tinha sido muito diferente. As meninas de sua comunidade ou sentiam inveja de sua beleza ou viam sua timidez como prepotência. Era compreensivo que fôssemos tão próximas, mesmo com todos os quilômetros de distância separando nós duas.

Cansadas e rindo mais do que nossos lábios poderiam suportar, caímos esgotadas na cama.

— Vocês dois ficam lindos juntos — segurei sua mão e sorri.

O olhar que me devolveu não dava margem a dúvidas. Penelope estava apaixonada por Adam, mesmo que ainda não tivesse descoberto isso

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