Caminhando entre espinhos
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Caminhando entre espinhos - Elizabeth Bezerra
Copyright © 2017 Elizabeth Bezerra
Copyright © 2017 Editora Bezz
Título original: Caminhando Entre Espinhos
Revisão final/Preparação: Lucilene Vieira
Capa: Denis Lenzi/Depositphotos
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Bezerra, Elizabeth
Caminhando Entre Espinhos/ Bezerra Elizabeth. 1ª edição – São Paulo – Bezz Editora; 2017.
Índice
Agradecimentos
PARTE 1 - BRASIL
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
PARTE 2 - ESTADOS UNIDOS
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Epílogo
Prólogo: A Voz do Coração
Aviso
Agradecimentos
Como sempre um agradecimento especial para as minhas Betas Ana Rascado e Adriana Melo, que foram continuam sendo fundamentais no processo de criação dos meus livros. As minhas queridas Rosilene Rocha e Sirlene Dias e toda sua equipe de leitoras, que trabalharam arduamente na divulgação do livro, muito obrigada por tudo.
Lu, obrigada por sempre me socorrer, #Teadoro. Não poderia esquecer de Fabiana Mendes, obrigada por ter me convencido a não desistir.
E finalmente a todos os meus leitores mais do que especiais. Toda a minha inspiração vem de vocês. Contar a história de Fabiana foi muito importante para mim, obrigada por viajarem nesse sonho literário comigo.
PARTE 1
Brasil
Capítulo 1
Morro do Juarez, Rio de Janeiro.
As imagens de satélite indicam que uma camada de ar quente... a previsão para amanhã é de que chegue à máxima de 39º e...
Abri um largo sorriso quando a moça do tempo confirmou as minhas suspeitas para o dia seguinte. Seria um domingo quente e ensolarado, típico do Rio de Janeiro. Se bem que parecia que os dias ficavam ainda mais quentes a cada ano.
Não que eu devesse reclamar, dias como aqueles significam um dia produtivo e lucrativo. Eu tinha certeza de que venderia os vinte potinhos de salada de frutas antes do meio-dia.
— Mamãe? Acho que eu vou àquele supermercado que fica aberto até às dez — disse a ela, que estava sentada em sua poltrona, assistindo o jornal enquanto esperava a novela começar — Se comprar mais abacaxi e mais algumas caixas de morango, acho que dá para dobrar a receita.
Fiz o cálculo mentalmente. Vendendo cada porção de salada de frutas a cinco reais, arrecadaria duzentos reais. Excluindo os gatos com a passagem e os ingredientes que iria usar, ainda assim teria 50 reais a mais do que precisávamos para comprar os remédios de minha mãe.
— Eu não gosto que você desperdice seu único dia de folga trabalhando — ela disse, sem desviar os olhos da tela, não porque estivesse interessada no que o repórter falava, mas porque não tinha coragem suficiente de me encarar — Muito menos que ande sozinha a essa hora da noite. Está havendo muito assalto.
Minha mãe era o melhor exemplo de mulher guerreira que eu poderia me espelhar. Abandonada pelo companheiro quando nasci, não mediu esforços para criar a mim e ao meu irmão, agora falecido. Não tivemos uma vida de luxo, mas também nunca nos faltou nada.
De tudo o que se possa imaginar, ela tinha feito. Garçonete de boteco, atendente de padaria, empregada doméstica e diarista. Enquanto a saúde permitiu, cozinhava para fora e consertava roupas para as pessoas na favela onde morávamos. Acordava cedo e dormia muito tarde para que sempre tivéssemos um copo de leite e ao menos um pão com manteiga todas as manhãs antes de irmos para a escola.
Eu sabia que era duro para ela se ver confinada em uma cama, dentro de casa, vendo-me ser obrigada a assumir as responsabilidades da casa e, principalmente, sobre a saúde dela.
Só que eu não via aquilo como obrigação. Eu via como retribuição a todo amor e carinho que tinha recebido da minha mãe. Ela não me deixou como meu pai tinha feito. Mamãe tinha me mantido viva, segura e feliz. Cuidar dela era mais do que um dever para mim. Eu a amava muito e faria tudo por ela.
Como Lucas também tinha tentado fazer, só que de uma forma completamente errada. Ele tinha entrado para o crime, e a vida no crime o tirou de nós. Acho que foi a partir daí que a saúde da minha mãe só veio a piorar. O problema no coração, que sempre escondeu de nós, se agravou, quase a tirando de mim também.
Mamãe sentia muita vergonha do que Lucas havia se transformado, e eu tentava confortá-la sendo uma filha melhor.
— Ainda não são nem oito horas — murmurei, pegando minha bolsa — Vou rapidinho e já volto. E em relação ao meu dia de folga, sabe que eu sempre adorei a praia. Será até divertido.
Dei um beijo rápido em sua bochecha e saí antes que mamãe tivesse tempo de protestar de novo.
Não era aquele futuro que ela tinha sonhado para mim, mas a vida era assim mesmo, ninguém chega a nenhum lugar sem lutar. Trabalhar oito horas como camareira em um hotel, pegar duas horas de condução para ir e voltar do trabalho e passar cada domingo ou sábado de folga que tinha vendendo comida para turista na praia não era fácil, mas pagava as contas e nos fazia caminhar de cabeça erguida. Estava tudo bem para mim, os dois eram trabalhos honestos.
Não que eu fosse uma pessoa conformada. Sempre ouvi da minha mãe que eram os estudos e minha força de vontade que me fariam chegar a algum lugar. E eu queria muito ser alguém na vida e deixá-la orgulhosa. Cursar uma faculdade, como minha amiga Ana. Dar uma vida melhor para minha mãe, mas infelizmente a realidade da vida nos levava para outra direção.
Desde que descobrimos a doença cardíaca da minha mãe, eu tinha sido obrigada a crescer. Aos dezenove anos e sem experiência, achar um trabalho como camareira foi uma grande sorte. Tinha segurança profissional e um salário garantido todos os meses.
E tentava compensar ter deixado meus sonhos de lado, fazendo todos os cursos que a ONG que tinha na comunidade oferecia. Desde um curso básico de eletricista a secretariado.
Esse ano coloquei na cabeça que daria um jeito para conseguir fazer o cursinho de vestibular da comunidade e tentar uma vaga na federal. Foi com a ajuda do cursinho que Ana conseguiu passar em Nutrição. Ela sempre me incentivava. Só que, ao contrário de mim, Ana não tinha uma mãe doente para cuidar. Eram os pais dela que davam suporte a ela.
Mas eu não iria desanimar. Só precisava juntar um pouco mais de dinheiro para garantir os remédios que minha mãe precisava. Todos os meses era uma luta conseguir comprar os remédios que o sistema médico de saúde não oferecia e que eu tinha que conseguir de alguma forma.
— Vai sair, Fabi?
Desci o morrinho que era parte do quintal da minha casa e encontrei minha tia, Cícera, chegando à casa dela.
— Vou, tia Cícera. Disse no jornal que amanhã fará bastante sol, acho que vou ter sorte na praia, sabe, fazer um pouco mais de dinheiro — respondi a ela — A senhora pode ficar de olho na minha mãe? Vou até o supermercado aqui perto, mas prometo que volto logo.
A casa da minha tia era duas depois da nossa. Ela tinha um marido alcoólatra que passava mais tempo ao lado da garrafa do que fazendo companhia a ela. Para sobreviver e ajudar a pagar as contas, cuidava de crianças da comunidade, para que suas mães pudessem trabalhar. E sempre que podia dava uma olhada na minha mãe para mim.
— Eu só vou guardar minhas compras e faço companhia a Maria — ela sorriu, equilibrando as duas sacolas nos braços — Para variar, João está lá no boteco enchendo a cara, deve voltar só de madrugada.
Eu não entendia por que ela ainda continuava casada. Mas minha tia tivera aquela criação antiga e que achava que casamento, bem ou mal, era para a vida toda.
Desci a rua do morro, de pedra e cascalho. Encontrava algumas pessoas conhecidas e as cumprimentava sem parar de andar. Desviei dos garotos gritando e jogando bola na rua.
Avistei o João lá no boteco que minha tia Cícera tinha falado, mendigando bebida aqui e ali. Ninguém daria um litro de leite se ele estivesse precisando, mas cachaça, aquilo não faltaria nunca. Pois é, política de bar.
Dois carros estilizados passaram ao meu lado, tocando bem alto um funk proibidão
. Observei quando um grupo de garotas produzidas seguiram animadas para algum baile na favela. Tinha vários.
Algumas pessoas conversavam em frente de suas casas. Churrasqueiras eram preparadas em outras. Uma briga aqui, outra acolá, acontecendo durante o caminho.
O peculiar da favela é que se acontece de tudo. As pessoas pensam que só há bandidos e gente ruim. O que não é verdade. Tem gente de bem, trabalhadoras e honestas, como em qualquer lugar. Tem muita pobreza, mas tem alegria também. Animação e confusão era o que não faltavam.
Até podia dizer que eu gostava daqui. Foi onde cresci e conheci todas as pessoas que gostava. Perdi muitas delas, também. Uns para a vida louca, outros tinham conseguido ir embora.
O importante é que eu sabia viver. Onde poderia ou não andar, em quem deveria confiar ou me envolver e, acima de tudo, saber fazer as escolhas certas.
— E aí, Fabi! Tá de boa? — levei um susto quando vi o homem surgir de um dos barracos, acompanhado de seus homens armados — Tem um tempão que não colo contigo.
Eu tinha acabado de entrar na viela que dava ao córrego, limite entre a favela e a estrada que nos separava da cidade, e calculava mentalmente quanto tempo levaria para me livrar dele.
— Oi, Caveira — cumprimentei mais por obrigação e medo do que realmente vontade — Desculpe, mas eu estou com pressa.
Passei por ele, sentindo o coração batendo forte. O Caveira ‒ era assim que ele gostava de ser chamado ‒ era irmão do Betinho,