Mais forte do que nunca
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Sobre este e-book
Os problemas familiares não param por aí. As duas irmãs de Abner enfrentarão inúmeros desafios. Rúbia, a mais nova, engravida de um homem casado e é expulsa de casa. Simone, até então bem casada, descobre nos primeiros meses de gestação que seu bebê é portador de Síndrome de Patau: o marido Samuel, despreparado e fraco, se afasta e arruma uma amante.
Em meio a tantos acontecimentos, surge Janaína, mãe de Davi e Cristiano, que sempre orientou seus filhos na Doutrina Espírita. As duas famílias passam a ter amizade, Janaína orienta Rúbia e Simone, enquanto Cristiano começa a fazer o senhor Salvador raciocinar e vencer seu preconceito contra a homossexualidade.
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Avaliações de Mais forte do que nunca
3 avaliações2 avaliações
- Nota: 5 de 5 estrelas5/5Uma das raras literaturas espíritas sobre homossexualidade, contém explicações muito claras com exemplos enriquecedores. A história é muito bem escrita. O livro merece seu tempo.
- Nota: 5 de 5 estrelas5/5Livro espetacular, que discorre de maneira sublime sobre a homossexualidade, sua aceitação na família, dificuldades e a visão espiritual sobre essa condição. Além de abordar a deficiência e as responsabilidades que temos com quem de nós necessita. Imperdível.
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Mais forte do que nunca - Eliana Machado Coelho
amizade
1
A caminho dos sonhos
A SOMBRA do grande edifício em construção deitava-se sobre a luz intensa e radiante daquela manhã ensolarada.
Usando um capacete, empunhando uma prancheta em uma mão e a caneta em outra, o arquiteto conversava com o mestre de obras dando-lhe orientações precisas a seguir.
— Tá certo, doutor Abner. Vou fazer direitinho. Pode deixar.
— Obrigado, senhor Antônio — tornou o arquiteto educado.
Quase os interrompendo, o engenheiro, que visitava a obra junto com o colega, chamou-o:
— Abner! Você viu a fundação das garagens que ficarão sob as piscinas? — perguntou algo nervoso no tom de voz.
— Ainda não. O que tem? — indagou calmo como sempre.
— Teremos de desmanchar duas colunas que foram mal calculadas. Inferno! Juro que vou demitir o Zé. É a segunda vez que coisa desse tipo acontece.
— A que altura as colunas estão?
— Passam de um metro! — respondeu ainda nervoso. — Estão erradas. Eu fui bem claro. Era para calcular as vigas a partir do baldrame, mas ele não fez isso. Odeio gente burra!
— Calma. Vou até lá ver. De repente dá-se um jeito.
— Não tem jeito, Abner!
Tranquilo, o arquiteto foi até o lugar do qual o outro falava e passou a fazer novos cálculos, examinando atentamente as plantas em suas mãos. Enquanto isso, o colega não parava de reclamar, até Abner concordar:
— De fato, Ivan... Você tem razão. A medida está errada. Porém...
— Porém, o quê?! O sujeito é burro!
— Porém alguém deveria tê-lo acompanhado no momento da armação e colocação das ferragens. Ele não é engenheiro nem arquiteto. Só obedece ordens. Não estudou para isso.
— Mas calculou errado! Olha o prejuízo! — enervava-se Ivan.
— Não exija de quem não tem. A obrigação de acompanhar a armação das ferragens era sua.
— Não venha você querer...
— Calma, calma... — pediu em tom tranquilo, espalmando a mão na direção do outro. — Dê-me um dia. Está vendo aquela área ali onde será a rampa de acesso às garagens? — O outro acenou positivamente com a cabeça e Abner continuou: — Como aquela parte não foi feita, acho que tive uma ideia. Vou trabalhar nisso hoje e amanhã lhe trago para dar uma olhada. Acho até que teremos mais luz natural vinda dali — apontou.
O outro fez um ar de desdém, duvidando. Mas nada disse.
Nesse momento, o celular de Abner tocou e ele pediu, afastando-se:
— Com licença. — Em seguida atendeu, dizendo em tom alegre: — Fala, Rúbia! Tudo bem?
— Quase tudo. Você falou com o pessoal daquela empresa? — perguntou a irmã.
— Ainda não. Estou na obra. Daqui vou para o escritório e darei uma ligadinha para aquele meu conhecido.
— Ai, Abner... Não aguento mais ficar em casa. O pai tá uma coisa!...
— Calma, maninha... — riu. — Vou dar um jeito. O que é que eu não faço por você?! — riu novamente.
— É que não aguento mais. Você disse que iria falar com seu conhecido hoje.
Consultando o relógio, o rapaz expressou-se de um jeito engraçado:
— O dia de hoje vai até a meia-noite. Ainda são dez horas da manhã. Acho que tenho muito tempo, não é?
— Você sabe como sou. Estou ansiosa, nervosa... Não sei ficar sem trabalhar.
— Relaxa. Vai dar outra repassada no currículo. Entra na internet... Distraia-se um pouco.
— Desculpe-me por incomodá-lo.
— Você nunca me incomoda, Rúbia. Estou indo agora lá para o escritório. Mais tarde, se eu tiver alguma novidade, ligo para você. Certo?
— Está certo. Vou esperar. Obrigada... Um beijo.
— Outro. Tchau.
Após desligar, o rapaz viu que o mestre da obra parecia aguardá-lo terminar a ligação.
— Seu Abner?
— Sim, senhor Antônio.
— Olha... Acho que o seu Ivan se enganou um pouco — dizia enquanto caminhavam lado a lado.
— Por que acha isso?
— Eu mesmo vi quando ele mandou o Zé furar bem ali para as armações.
— Tem certeza, senhor Antônio?
— Tenho sim. É que o pobre do Zé não tá aqui, se não ele ia confirmar isso pro senhor. — Diante do silêncio do arquiteto, o homem comentou: — Não quero causar problema, mas acho injusto mandar o Zé embora pelo que ele não fez.
Chegando perto de onde seu carro estava estacionado, Abner repousou a mão no ombro do senhor e o tranquilizou:
— Não vai acontecer nada com o Zé. Fique sossegado. É que o Ivan está nervoso.
— É... Ele sempre está nervoso, né, seu Abner?
O outro sorriu, estapeou-lhe as costas e ainda disse:
— Pode deixar, vamos resolver isso. Não se preocupe. Até amanhã, senhor Antônio.
— Até...
Depois de entrar no veículo, colocar no banco ao lado a prancheta e as plantas, o rapaz seguiu para o escritório onde trabalhava e era sócio.
q
No final da tarde, Abner ligou para Rúbia que ficou eufórica:
— Nossa! Não acredito! Você conseguiu!
— Não consegui nada! Somente agendei uma entrevista para você amanhã cedo. Quem tem de conseguir apresentar-se bem para ocupar o cargo à disposição é você.
— Deixa comigo!
— Olha, Rúbia!
— Fala.
— A empresa, pelo que sei, é familiar, do tipo conservadora. Sei que se veste bem. Não me leve a mal dizer isso, mas... Só vou reforçar para que vá sem mostrar as pernas acima dos joelhos, os ombros, o colo... — riu. — Você entende?
— Lógico! Nem precisava falar. Mesmo assim, obrigada pelo lembrete. Não vou nem usar perfume — riu também.
— É... Bem lembrado. Uma colônia bem fraquinha cai bem. Não devemos incomodar os outros com nosso cheiro. Use pouco e quem gostar que chegue perto para sentir melhor o aroma.
A irmã riu gostoso e disse:
— Pode deixar. Sei me apresentar bem.
— Eu sei. Estou certo de que vai conseguir.
— Obrigada, Abner. Não sei como vou te pagar por essa.
— Eu sei! Pode deixar que eu sei muito bem como vai me pagar! — expressou-se em tom de brincadeira e molecagem na voz.
Continuaram conversando animadamente por mais algum tempo. Ela estava muito feliz com a oportunidade e começou a fazer mais perguntas sobre a empresa.
q
Rúbia, que era bem qualificada, conseguiu o emprego tão desejado. Nos últimos tempos, sentia-se realizada e muito feliz.
Era uma moça esperta, com seus vinte e nove anos. Bonita, alta, morena, um tipo de pele suave cuja cor era naturalmente bronzeada. Cabelos longos e cacheados, mas viviam lisos, pois ela gostava assim. Seus grandes olhos castanhos eram bem expressivos. Tinha uma bonita boca carnuda, onde sempre usava um batom marcante que ressaltava ainda mais sua beleza.
Desde o início em seu novo serviço, chegava a sua casa com viva expressão de alegria e animação.
Naquele dia, ao entrar na cozinha, viu Abner fazendo seu prato junto ao fogão, repleto de panelas.
— Oi, sumido! — cumprimentou-o, dando-lhe um beijo no rosto.
— Oi! Você é quem está sumida!
— Voltei a fazer academia, por isso, alguns dias, não chego cedo.
— E lá na empresa? Tudo bem?
Animada, ela respondeu:
— Se melhorar, estraga. Estou adorando. Tem muita coisa para ser feita. Eu gerencio uma equipe de vinte funcionários. A outra gerente que saiu, abandonou aquilo na maior bagunça. O pessoal estava perdido — riu.
Nesse momento, Rúbia levou a mão à panela e pegou um pedaço minúsculo de frango. Ia pôr na boca, quando sua mãe, entrando sem ser vista, estapeou-lhe a mão com força e reclamou:
— Tire a mão suja das minhas panelas!
— Ai, que susto, mãe! Nossa!... — exclamou e riu ao ver o pedaço de frango ir ao chão. — Após pegá-lo e jogá-lo no lixo, no instante seguinte, pediu: — A bênção, mãe.
— Deus a abençoe. Mas não seja porca, Rúbia. Chegou da rua, tá com a mão suja e vai querer comer desse jeito? Tenha dó! Vá se lavar, tomar um banho... Depois você come.
— É que o cheiro está me matando, mãezinha. Não estou resistindo — expressou-se com mimos.
— Então, pelo menos, vá lavar as mãos. O jornal, que seu pai está assistindo na televisão, está terminando e ele já vem jantar. Vamos comer todos juntos. Faz tempo que a gente não se reúne no jantar.
— Tá bom. Já volto — concordou e foi, voltando sem demora. — Estou morrendo de fome. Tomarei banho depois.
O senhor Salvador, já sentado à cabeceira da mesa, esperava dona Celeste acabar de fazer seu prato e reclamava:
— Políticos safados e sem-vergonhas. Prometem isso e aquilo, mas depois gastam o dinheiro do povo com uma comitiva de mais de quinhentas pessoas para viajar para fora do país. Enquanto os governantes de outros países, que também foram para a mesma convenção, levaram uma comitiva de cinquenta pessoas ou menos! Vejam que absurdo!
— Depois que você se aposentou, só sabe ver jornal e reclamar da política, do povo... Fique calmo, homem, e vê se come sossegado — argumentou a esposa servindo-lhe o prato fumegante.
— A comida está tão boa, mãe! Uma delícia. Vou até repetir — elogiou Abner, levantando-se.
Dona Celeste encheu-se de orgulho ao responder, tentando ser humilde:
— Ora, filho... O que é isso? A mãe fez o de sempre.
Ao passar por ela, Abner beijou-lhe o rosto e ficou esperando a irmã terminar de fazer o próprio prato.
Todos estavam sentados quando o rapaz perguntou:
— E lá, Rúbia? Como é trabalhar com o Geferson?
— Muito bom. É um diretor bem tranquilo.
— Conheço-o há pouco tempo. Parece ser uma pessoa bacana — tornou o irmão.
— Todo mundo é bacana pra você, Abner. Todo mundo — falou o pai em tom de crítica.
— É que ele não vê tanta maldade nas pessoas como você, Salvador — retrucou a esposa.
— Gente que não vê a maldade dos outros acaba sendo trouxa. Quebra a cara — replicou o senhor.
— Pai, estamos jantando em paz. Não começa... — pediu Rúbia em tom brando.
— Isso mesmo, vamos mudar de assunto — sugeriu dona Celeste animada.
— Vamos mesmo — concordou o senhor Salvador com a boca cheia. — E lá na empresa nova, você vai ganhar mais do que naquele banco, não vai?
— Quase a mesma coisa, pai. Não posso reclamar nem exigir nada ainda. Estou trabalhando há tão pouco tempo. Devo dar graças a Deus por ter arrumado um emprego tão bom. Fiquei desempregada por quatro meses. Não foi fácil para mim.
— É uma considerável empresa de propaganda e marketing. Grande, muito respeitada no mercado — disse Abner por sua vez.
— Você ganharia mais se não tivesse imposto retido na fonte. É um absurdo o que pagamos de imposto nesse país — tornou o pai, reclamando novamente ao falar de boca cheia.
— Se você deixasse de fumar e de beber, Salvador, pagaríamos menos impostos ainda — retrucou dona Celeste.
— Não enche, mulher. Não enche — resmungou, olhando para a esposa com insatisfação.
— Filha, você tem que ir comigo à igreja para pagar uma promessa que fiz à Nossa Senhora. Se arrumasse um emprego bom, nós duas iríamos lá levar flores no altar para ela. — Rúbia não se manifestou. Alguns minutos e, ao ver o filho se levantar e levar o prato à pia, a senhora perguntou carinhosa: — Quer pudim de leite, Abner? Fiz pensando em você, filho.
— Oba! Quero sim — respondeu ele satisfeito, exibindo largo sorriso.
— É só para o Abner que ela faz as coisas. Só pensa nele — reclamou o marido.
— É que quando eu faço um bolo, uma sobremesa ou qualquer comida pensando nele, não desanda. Dizem que quando fazemos as coisas pensando em alguém e dá certo, a pessoa em quem pensamos tem o coração bom.
— Então por que você não pensou em mim? — tornou o marido.
— Porque se eu fizer um bolo pensando em você, ele não cresce. Vira pedra.
— Ora!... Você é cheia de coisa mesmo. — Observando o filho saciar-se com o doce, pediu: — Vai... Vê um pedaço pra mim.
Dona Celeste deu um sorriso maroto e o serviu; foi quando Rúbia perguntou:
— Mãe, e a Simone? Ligou?
— Liguei para ela. Sua irmã disse que vai ao médico amanhã. Eles estão muito felizes.
— Já pensou, dona Celeste? Quando a senhora tiver o seu primeiro netinho, como é que vai ser, hein? Aí não vai fazer nem um bolo pensando em mim, só vai pensar nele — expressou-se Abner com ênfase, rindo a seguir.
— E você? Quando é que vai casar e nos dar netos? É o único que vai dar continuidade ao meu nome e de seu avô — interrompeu o senhor Salvador com jeito rude.
Tranquilo, o rapaz olhou-o firme e respondeu:
— Não penso em me casar, pai. Isso não está em meus planos.
Dizendo isso, ele colocou o prato de sobremesa sobre a pia e ia saindo da cozinha quando ouviu o pai dizer:
— Pensei que tivesse tido um homem, mas não.
— Salvador! Pare com isso! Já vai começar?! — esbravejou dona Celeste.
— O que querem que eu diga?! Esse cara está com trinta e cinco anos, não quer saber de casar e vive aqui às minhas custas!...
— Posso morar na sua casa, mas viver às suas custas não, pai — respondeu o moço firme e imediato. — Trabalho e ganho muito bem. Se essa casa dependesse só da sua aposentadoria... — Não concluiu a fala. Porém, após a breve pausa, desfechou: — Se minha presença o incomoda, fique sabendo que estou providenciando tudo para sair daqui.
Afirmando isso, virou-se e se foi.
Enquanto o senhor Salvador ainda reclamava:
— Vai para onde? Morar com quem? Pensa que a vida é fácil, é?
— Salvador!
— Pai!
Exclamaram mãe e filha ao mesmo tempo.
Não demorou, Rúbia foi até o quarto do irmão e bateu à porta.
— Entra — disse o rapaz deitado na cama, de costas, trazendo as mãos entrelaçadas na nuca.
Acomodando-se na beiradinha da cama, ao seu lado, de bruços, apoiou os cotovelos na cama e segurou o queixo com as mãos. Ao vê-lo pensativo, perguntou:
— Quando disse que ia sair daqui, você não estava falando sério, estava?
— Estava sim. Estou vendo um apartamento. Algo pequeno. Só para mim. Pretendo alugá-lo até que fique pronto aquele que comprei na planta.
— Se você for embora, quero ir junto. Não vou aguentar o pai. Hoje, viu como ele estava? E olha que não havia bebido. Quando bebe, ninguém o suporta.
— Ele tem razão, Rúbia. Tenho trinta e cinco anos. Sou bem grandinho. Posso me sustentar muitíssimo bem. Não há razão para eu continuar aqui. Na verdade, só não fui embora antes por causa da mãe. Tenho dó dela. Porém... É chegada a hora.
A irmã aproximou-se, encostou o rosto em seu peito e o abraçou pela cintura, dizendo baixinho:
— Terá um lugar para mim no seu apartamento?
— Um lugar fixo não. Você até poderá dormir lá, muito de vez em quando — apesar do tom de brincadeira na voz, foi sincero.
— Ai, Abner! Que egoísta! — reclamou com jeito mimado.
— Definitivamente, quero independência, maninha.
— Vai continuar ajudando aqui em casa financeiramente, não vai? — quis saber curiosa.
— Vou, claro. Mesmo que você os ajude, sei que não será o suficiente. O que o pai recebe de aposentadoria não dá. Não quero vê-los com qualquer dificuldade. Não vou abandonar vocês. Só preciso do meu canto, um espaço, entende?
— Para ser sincera... Às vezes penso em arrumar um cantinho para mim também. A ideia de independência me atrai muito. Contudo, tenho medo de alguma instabilidade financeira. Veja, fui demitida naquele corte de pessoal e fiquei quatro meses desempregada. Vai que alugo um apartamento, me ajeito e, de repente, perco o emprego. Com você é diferente. Sócio da empresa de arquitetura e engenharia que deu tão certo! Uaaauh!... — riu. — Em vez de Administração, eu deveria ter feito faculdade de Engenharia ou Arquitetura. Vejo que ganha tão bem e, daqui por diante, só vai prosperar. — Um momento e comentou: — Ai... eu te admiro tanto... Somos tão diferentes. Você é tão tranquilo, seguro, sabe o que quer da vida... Tudo o que faz dá certo.
— É curioso como os outros me enxergam. Ninguém sabe, realmente, o que se passa dentro de mim. Acham que sou sossegado, que não sofro, não fico triste, não tenho conflitos íntimos... Vocês me veem como se eu não fosse de carne e osso.
Afastando-se do abraço, a irmã sentou-se, olhou-o firme e afirmou:
— Há de concordar comigo que você é a criatura mais tranquila dessa família. Não — corrigiu-se —, é a pessoa mais tranquila e equilibrada que conhecemos.
O celular de Abner tocou nesse instante. Ele sentou-se rapidamente para pegá-lo, mas a irmã alcançou o aparelho antes, olhou o visor e informou ao lhe entregar:
— Davi.
O rapaz pegou o celular, conferiu o nome, mas não atendeu e desligou o aparelho.
— Não vai atender?
— Não. Amanhã falo com ele.
— Acho que o Davi é o único amigo que você tem e não conhecemos. Falando em amigos... O Ricardo está bem sumido, né?
— Devido àqueles problemas pessoais, ele se enterrou no serviço. Porém está bem, recuperou-se muito. Quanto ao Davi... Qualquer dia vão conhecê-lo. Vão gostar muito da mãe dele, a dona Janaína. Ela é um amor de pessoa.
Rúbia se aproximou, beijou-lhe o rosto e disse:
— Obrigada. Acho que ainda não lhe agradeci o suficiente por esse emprego.
— Faria o mesmo por mim — sorriu generoso como sempre.
— Vou tomar um banho e dormir. Amanhã tenho de levantar cedo. — Olhando-o firme nos olhos, disse enternecida: — Obrigada por tudo. Por ser o irmãozão que é — sorriu. — Deus não poderia ter me dado um irmão melhor.
— Pare com isso. — Levando a mão a seus cabelos, desarrumou-os ao brincar.
Ela o beijou novamente, levantou-se e se foi.
Minutos depois, Rúbia ia para o banheiro e passava frente à porta do quarto do irmão, que estava entreaberta, e ouviu-o dizer:
— Sou eu. Oi. Quando ligou minha irmã estava comigo. Não pude atender. — Breve pausa e quis saber: — Foi lá assinar os documentos? — Nova pausa. — É verdade. O pessoal estranha ainda. Não é comum um apartamento em nome de dois homens. É preciso que tudo seja feito em nome de nós dois. Melhor assim. É mais seguro. Contou para sua mãe?
Ao fazer a pergunta, Abner aproximou-se da porta para fechá-la e Rúbia rapidamente se afastou para não ser vista. Porém ficou intrigada. O irmão talvez estivesse falando com Davi. Foi o único que ligou enquanto estavam juntos. Por que a documentação do apartamento seria feita em nome de alguém estranho? Quem era esse amigo que ela nem conhecia? Seria o apartamento que estava alugando ou o outro que ele comprou e estava sendo construído?
Ruminando essas e outras perguntas, ficou planejando falar a respeito do assunto com o irmão. Precisaria encontrar uma oportunidade. Talvez até dissesse que ouviu a conversa sem querer.
q
A gravidez de Simone deixou todos bem felizes.
Era a filha do meio de dona Celeste. Tinha trinta e dois anos, casada há cinco anos com Samuel.
— Já sabe o que é, filha?
— Ainda não. É muito cedo. Não vejo a hora de confirmar o sexo para fazer o enxoval, decorar o quarto... Aaaaih... Vi em uma loja de roupas infantis, cada coisinha liiiinda! — expressou-se com jeito gracioso, mimoso. — A senhora tem que ver, mãe.
— Essas coisas modernas de saber o sexo da criança só atrapalham. Tiram a surpresa. Antigamente, quando não se tinha nada disso, era bem melhor — opinou o senhor Salvador.
— Ah, pai, será legal fazer o enxoval na cor certa, decorar o quarto, comprar brinquedos...
— É verdade. Há um tipo de brinquedo para menina, outro para menino. Outro dia eu vi uns papéis de parede para quarto de criança que eram tão lindos. Tinha um com carrinhos e pára-quedas com ursinhos para meninos, outros com moranguinhos, casinhas e bonequinhas para meninas. Tinha um que era só uma faixa, não era colocado na parede inteira. Era tão lindo! — animou-se dona Celeste.
— Eu já vi também. Por isso quero saber o que é — disse Simone.
— Se for menina eu vou dar os brinquinhos — tornou a senhora.
A filha riu e comentou:
— Brinco hoje em dia não é só para menina não, mãe.
O senhor Salvador aproveitou e opinou de forma grosseira, como sempre:
— É verdade. Tem um monte de sem-vergonha, que diz ser homem e tá de brinco. Coisa nojenta! Homem que é homem não usa essas indecências. Se eu pegar meu filho de brinco, rasgo as orelhas dele. Deixa, pra ver só!
— Salvador, deixa de ser besta, homem! Como você critica tudo o que vê. Não dá para falar nada perto desse homem, pois ele sempre tem algo ruim para acrescentar.
— É que eu falo a verdade. Por isso não gostam. Pra mim, homem de cabelo comprido, de brinco, não é homem. Só falta usar saia.
— Pai, Jesus tinha cabelos compridos e usava vestido. — O homem silenciou. Pareceu ser pego de surpresa. — A mãe tem razão. O senhor deve pensar que as pessoas não podem ser iguais. Elas têm o direito de ser diferentes. Ser diferente é ser normal. Cada um deve ser feliz a sua maneira, desde que não atrapalhe os outros.
— Não é bem assim. Se eu fosse dono de uma empresa, funcionário meu seria demitido se usasse brinco ou fizesse tatuagem. Isso é coisa de bandido, coisa que se faz na cadeia, coisa de presidiário.
— Pai, concordo que as tatuagens de antigamente, as feitas nas prisões, como o senhor diz, eram coisas de quem não fazia nada. Hoje em dia, existem tatuagens que são obras de arte e tem gente que quer expressar ou expor essa arte em seu corpo. Particularmente, eu não gostaria de ter uma em mim. Até agora, não penso em fazer uma. Não existe nada que eu queria expressar na minha pele pelo resto da minha vida. Quem faz algo desse tipo em seu corpo, deve se lembrar que é para o resto da vida. Não critico aquele que quer exibir, na sua pele, o que vai em seu interior, em sua mente, em seu coração. A tatuagem é como uma obra de arte onde cada artista demonstra o seu interior, suas ideias, seus desejos, sua vontade, sua forma de ver a vida. Só que na tatuagem a pessoa escolhe uma imagem e manda o tatuador fazer o que ela deseja expor.
— Outro dia eu vi uma moça com umas borboletinhas tão lindas nas costas — comentou a senhora.
— Tem pessoas, mãe, que querem demonstrar sua alegria pela vida e se tatuam com borboletas, estrelas, anjinhos, flores, fadinhas, coisas enigmáticas ou filosóficas como dragões, Buda, símbolos significativos... Outras, precisam exprimir coisas tribais, pois fazem parte de alguma tribo, de algum grupo de amigos. Agora, tem gente que quer mostrar sua revolta pela vida e tatua coisas que consideramos feias como caveiras, bichos horríveis, corpos humanos desesperados entre labaredas... Outros chegam a colocar chifres implantados sob a pele da testa e outras coisas agressivas à natureza humana. Cada um mostra, em seu corpo, através da tatuagem ou do que quer que seja, o que tem no coração. Todos, sem dúvida, serão responsáveis pelo que fazem. Assim como somos responsáveis pelo que falamos e pensamos, somos responsáveis pelo que exibimos em nosso corpo. Temos o poder de alegrar, entristecer ou agredir a vida a nossa volta.
— Pra mim, não importa. Tatuagem é tatuagem e pronto — protestou o senhor.
— Venha, Simone. Vamos lá pra cozinha. Deixa o seu pai aí vendo televisão e assistindo ao jornal. É só assim que esse homem não reclama. Não critica os outros.
Mãe e filha foram para a cozinha e, acomodada à mesa, Simone comentou:
— Cada dia que passa o pai parece pior. Tão intolerante!
— Vou passar um cafezinho pra nós.
— O pai não era assim, né, mãe?
— Ele sempre foi reparador. Reparava em todo mundo. Só que, nos últimos anos, ele começou a criticar, reclamar tanto... Como disse, cada dia está pior.
— Ele não se ocupa. Quase não sai, não tem amigos, não faz uma caminhada, não frequenta uma igreja...
— Não, filha. Ele não faz nada disso. Só sabe ficar na frente da televisão o dia inteiro vendo jornal, tragédia, crime... E no horário que não tem isso, assiste a filmes violentos. Já falei pra ele que isso faz mal. Mas seu pai não tem jeito.
— Assistir a um jornal, atualizar-se, faz bem. Mas do jeito obsessivo que ele faz... Está errado. Gostar de acompanhar notícias de crimes, violências, sequestros, tragédias e mais tragédias... Credo! Isso é prejudicial à mente e vai refletir no corpo, certamente. Vamos nos impregnando com energias ruins, negativas. Pouca gente sabe que, quando vemos ou ouvimos algo violento, agressivo, o nosso cérebro interpreta como se o ocorrido fosse perto de nós ou conosco, mesmo se é algo fictício como uma simulação, uma invenção. E nosso corpo reage com cargas hormonais violentas e desnecessárias causando grande estresse físico. Com isso, vamos nos desgastando. Daí que, quando acontecer uma situação, verdadeira, que nos deixa nervosos, poderemos ficar extremamente irritados, depressivos e esgotados, pois já nos estressamos desnecessariamente com coisas e situações simuladas.
— Seu pai não compreende isso. Quisera eu que aparecesse um anjo de bondade na frente dele para fazer esse homem entender e mudar. Depois que se aposentou, não para de fumar, está bebendo quase todo dia. Você viu as cortinas atrás do sofá onde ele senta pra ver televisão? — Antes de a filha responder, ela continuou: — Estão amarelas, horrorosas. O pior é que o encardido pela fumaça do cigarro não sai nem lavando.
— Acho que é o tipo de tecido.
— Imagine como estão os pulmões de seu pai. O pior é que eu acabo fumando sem ser fumante. Deveria ter uma lei que proibisse fumar dentro de casa, quando outra pessoa que vive junto, não fuma.
— Peça para ele ir fumar lá fora.
— E eu já não pedi? Seu pai não tem jeito. Se vou falar qualquer coisa, começa uma briga.
— Se pelo menos se ocupasse...
— Ele poderia me ajudar com o serviço da casa. Secar uma louça, recolher uma roupa do varal, pôr o lixo para fora, varrer um quintal... Mas que nada! Só ele se aposentou. Eu nunca vou me aposentar. Tem a mulher da limpeza que ajuda, mas você sabe que empregada não faz tudo.
— Já pediu para ele secar uma louça, por exemplo? Quem sabe o pai ajuda.
— Já pedi. Ele responde que está aposentado. Que já trabalhou o que precisava trabalhar. — Breve pausa e dona Celeste ofereceu-lhe uma xícara com café, dizendo: — Está uma delícia.
— Obrigada, mãe. — Bebericou o café e depois confirmou: — Tá uma delícia mesmo.
— Então conta, Simone — pediu sorridente, sentando-se frente à filha —, o Samuel está bobo por causa da sua gravidez, não está?
— Como está! A senhora tem que ver. Já contou para todo mundo lá na faculdade. — Riu ao comentar: — Não quer que eu suba escada, carregue peso... Parece bobo. — Sorriu e contou: — Toda noite, antes de dormir, ele fica conversando com o nenê.
— Você tem um marido muito bom. Acho que até demoraram muito para arrumar um nenê.
— Que nada. Foi tudo no tempo certo. Estou feliz como jamais estive em minha vida — afirmou Simone com um sorriso luminoso. Em seguida, perguntou: — Mãe, o Abner me disse que arrumou um apartamento para alugar e está indo embora daqui. Eu ri, não acreditei. É verdade?
— É sim. Você conhece seu irmão. Ajuda em tudo e a todos, mas é um moço muito reservado. Ninguém nunca sabe, de verdade, o que ele está pensando.
— O Abner sempre foi muito calmo, tranquilo. Só isso.
— Não, filha. Não é só isso. Acho seu irmão muito calado.
— É o jeito dele. Só acho estranho que saia de casa.
— Vai ver quer ter a vidinha dele sem dar satisfação a ninguém. Não é mesmo? — tornou a mãe, tentando encontrar uma justificativa para a situação.
Nesse instante, o senhor Salvador entrou na cozinha e reclamou:
— De lá da sala senti o cheiro de café. Fiquei esperando alguém me levar uma xicrinha, mas que nada. Todo mundo se esquece de mim.
— É impossível esquecer de você, homem. Eu ia levar. Só demorei um pouco — respondeu dona Celeste, pegando uma xícara para servi-lo.
— Eu ouvi você falando do seu irmão. Esse menino me preocupa muito.
— Não reclame dele, pai — defendeu Simone firme. — Até hoje o Abner nunca deu dor de cabeça para o senhor. Sempre trabalhou, estudou, não se envolveu em más companhias...
— Não sei não. Não sei não... Sinto que ele ainda vai aprontar alguma. Tudo tá dando muito certinho com ele. Estudou, se juntou com os amigos e montou a empresa de construção ou sei lá o que... Trabalha, ganha bem... Mas não sei não. Ele precisava era casar e ter filhos. Teria coisa importante para se preocupar. Assim, do jeito que está, sem ocupação na vida pessoal, ainda vai arrumar dor de cabeça.
Dona Celeste, acostumada aos comentários do marido, não deu importância. Serviu-lhe o café e procurou mudar o assunto.
2
A verdade sempre aparece
ALGUM TEMPO havia se passado desde que Rúbia começou a trabalhar no novo emprego. Ela sentia-se satisfeita com o serviço e com os novos colegas. Tudo caminhava bem. Havia estreitado amizade com Talita, uma gerente de outra seção e sempre estavam juntas.
Naquele dia, ao almoçarem, Talita perguntou:
— É hoje que a Silvana vai entregar aqueles cosméticos que compramos, não é?
— Hoje mesmo. Ah! Não vejo a hora de usar aquele batom. É tão bonito, não acha?
— Em uma boca como a sua, Rúbia, tudo fica bem — riu a amiga.
— Deixe-me perguntar uma coisa... — mudou o assunto. — O que você acha do Geferson?
— O diretor?
— É.
— Sei lá... Não o conheço muito bem não. É um homem reservado. Não sabemos muito sobre ele. O que sei dele é...
Foi interrompida.
— Acho que ele é um quarentão bonito — riu de um jeito engraçado.
— Bonitão, ele é mesmo. Acho que a mulher dele deve morrer de ciúme — concluiu Talita sorrindo.
— O Geferson é casado?! — estranhou surpresa.
— Penso que sim.
— Ele não usa aliança nem fala da família, da esposa...
— Ora, Rúbia, você acha que todo homem tem que usar aliança? Cai na real!
— Você acha que ele é...
— O quê? Casado?
— É.
— Por que o estresse, Rúbia? Levou alguma cantada? — brincou.
— Não... Só curiosidade.
As amigas continuaram conversando, porém aquele assunto fervilhava na mente de Rúbia.
Naquele início de noite de sexta-feira, Geferson estava com o carro estacionado em uma rua próxima à empresa onde trabalhava, quando Rúbia, apressadamente, correndo da chuva, abriu a porta do veículo rapidamente e sentou-se ligeira.
— Pensei que não viesse por causa do tempo — disse ele.
— Oi. Tudo bem?
— Tudo — respondeu ele, beijando-lhe rápido. Em seguida, perguntou: — Quer ir a algum lugar especial?
— Antes preciso conversar com você — falou encarando-o. Ela havia pensado muito a tarde inteira e desejava argumentar sobre o assunto de uma forma que ele respondesse exatamente a verdade. Então arriscou: — Eu soube, por uma pessoa da empresa, que você é casado.
Geferson pareceu esperar por aquela descoberta em algum momento. Ele sorriu por um instante e respondeu com tranquilidade na voz:
— Estou me divorciando. — Breve pausa em que abaixou o olhar entristecido, pegou nas mãos úmidas de Rúbia e expressou-se constrangido: — Justamente hoje, eu ia conversar com você sobre isso.
— Então você é casado mesmo! Eu não posso acreditar! — exclamou puxando as mãos que ele segurava e as esfregou no rosto num gesto aflitivo.
— Estou me divorciando, Rúbia. A situação está muito complicada. Eu já deveria ter saído de casa, mas...
— Eu vou embora.
Quando ia sair do carro, Geferson a segurou pelo braço e pediu generoso:
— Por favor, fica. Ouça-me primeiro.
— Não vou ser a outra! Não serei o motivo de sua separação.
— Não é por sua causa que estou me separando. Acredite! Além do mais, você não é a outra. Apesar de viver com ela na mesma casa, dormimos em quartos separados há muito tempo.
— Então por que não se separaram ainda?
— Por problemas com a família. Uma das razões é a minha mãe... Ela... Ela é uma pessoa com certa idade. Muito conservadora e mora conosco. Tem sérios problemas de saúde. Seu coração, principalmente... Eu... Eu... — gaguejava, mostrando-se comovido, vitimado. — Tentei conversar com ela, mas não deu. Tive de socorrê-la todas as vezes. Da última, ficou internada por duas semanas. Teve problemas renais, precisou fazer diálise... Não posso carregar a culpa com grave consequência para ela, por causa de meu divórcio. Você não pode imaginar como é difícil.
— Não posso acreditar nisso, Geferson. Além do que...
— Rúbia, eu te amo! Te adoro! Não esperava experimentar um sentimento tão forte assim por uma pessoa e... Você foi a melhor coisa que já aconteceu em minha vida! — expressou-se como se implorasse por compreensão. Tocando-lhe o rosto com carinho, ele a fez olhá-lo nos olhos e afirmou parecendo sincero: — Se eu sonhasse que iria encontrar uma pessoa como você, já teria me divorciado antes, mesmo com minha mãe sofrendo tanto. Essa minha situação mal resolvida será por pouco tempo.
— Então, primeiro você se divorcia e sai de casa. Depois...
Interrompendo-a, tornou-se sentimental:
— Pensei que me amasse e confiasse em mim, Rúbia.
— Eu te amo muito, mas...
— Peço que confie em mim e me dê um tempo. Dê-me um tempo em nome desse amor! — implorou novamente, afagando-lhe o rosto com as costas das mãos.
Rúbia estava confusa, trêmula e sem saber o que dizer. Seu coração apertava, doía.
Continuar comprometida com um homem que acabava de saber ser casado, era contra seus princípios. Seus valores morais clamavam que se afastasse de Geferson, mas, por outro lado, apreciava sua companhia e sentia-se muito sozinha. Não queria ficar só. Tinha medo de que a vida lhe reservasse a solidão.
Uma angústia apertou-lhe o peito ao dizer:
— Sempre repugnei a outra, a amante... Essa é uma condição detestável.
— Não é a sua condição. Você não é a outra — afirmava convicto. — Não tenho mais nada com ela a não ser uma situação ainda não resolvida no papel. — Alguns instantes e pediu com jeito comovido: — Por favor, Rúbia, acredite em mim. Confie em mim. É só isso o que lhe peço — Sem demora, ele ajeitou-se no banco, levou a mão ao bolso interno do paletó e tirou uma caixinha, declarando-se: — Eu amo você. — Entregando-lhe, pediu: — Abra. É uma prova de meu amor.
— Para mim?! — perguntou, esboçando leve sorriso ao pegar a pequena caixa. Ao abri-la, viu brilhar um lindo anel. Passando alguns segundos, delicadamente Geferson pegou a joia, tomou-lhe a mão fina e macia e deslizou o anel em seu dedo. Foi quando ela murmurou: — É lindo!
— É o símbolo do que sentimos. — Dizendo isso, aproximou-se com leveza e beijou-lhe os lábios com carinho. Em seguida, sugeriu: — Podemos jantar em um lugar muito especial, alongar a noite e...
Rúbia, apesar de estar feliz com o presente, sentia novamente seu peito apertar. Mesmo assim, sorriu e não disse nada. Satisfeito, ele ligou o carro e se foram.
q
Na manhã do dia seguinte, Abner bateu à porta do quarto da irmã e ela respondeu alto, em meio ao barulho do secador de cabelo:
— Entra! Está aberta!
— Bom dia! Nossa! — admirou-se ele, rindo e abanando o ar para dissipar o calor e o pouco de vapor que havia. — Você é quem está provocando o aquecimento global com esse secador de cabelo e essa chapinha.
— Ah! Não enche! — respondeu rindo e desligando o aparelho. — Se eu não fizer tudo isso, esse cabelo fica uma droga.
— Seus cabelos são bonitos quando naturais. Não exagera.
— Todos podem achar, mas eu não. Prefiro quando estão lisos.
— Vai acabar estragando-os por causa dessa chapinha.
— Não amola, Abner! Veio aqui para falar dos meus cabelos? — riu, passando a prancha quente nos cabelos. Sem esperar que o irmão respondesse, explicou-se: — Não encontrei vaga no cabeleireiro aonde costumo ir. Por isso estou fazendo tudo em casa.
— A mãe, outro dia, estava brava porque você queimou a colcha e o estofado da cadeira.
— Bobeei. Esqueci que estava quente.
— Rúbia... — Aguardou que a irmã o olhasse e comentou: — Vou me mudar hoje. O apartamento está quase todo pronto. Só faltam levar as últimas roupas e livros.
— Hoje?! — surpreendeu-se. — Pensei que fosse ficar mais uma semana.
— Também pensei, mas não. Está tudo arrumado. Só falta o técnico ir ligar o gás encanado. Ficarei sem fogão por alguns dias, mas isso não é problema. Quer ir lá comigo ver como está?
— Quero sim! — animou-se. Porém, pensando um pouco, titubeou: — Só que... Estou esperando uma ligação e...
— E?... Já vi que é namoro complicado — riu o irmão de modo simples.
— Como assim? Por que diz que é namoro complicado? — interessou-se ela, parando com o que fazia.
— Quando o namoro não é complicado, normalmente os dois estão livres nos finais de semana e um não precisa ficar dependendo do outro ligar para confirmar se vão sair ou não.
Rúbia ficou pensativa e com semblante bem sério. Aquele comentário de seu irmão a incomodou muito.
— Às vezes, a pessoa é livre, mas surgem coisas para fazer e... — ela tentou argumentar, mas não sabia o que dizer.
Enquanto Abner, mexendo com simplicidade no que havia sobre o móvel, pegou a pequena caixa com o anel e a abriu, admirando-se:
— Nossa! É de verdade?
— Não. É virtual. Não tem nada na sua mão. Não percebeu? — riu.
— Malcriada! — ele retrucou.
— Ganhei ontem.
— Sei... Ontem você chegou tarde e disse que saiu com os amigos para comemorarem o aniversário de alguém. Por acaso sobrou presente? — sorrindo, perguntou desconfiado.
— Não... É que... — Rúbia não sabia o que dizer, atrapalhando-se.
O irmão sorriu descontraído e pediu:
— Fique tranquila. Não precisa me responder nada. Não tenho nada a ver com sua vida. Só reparei que é uma joia bastante bonita e cara.
Mais relaxada, ela suspirou fundo e contou:
— Estou namorando. Comemoramos três meses de namoro