A casa do escritor
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A casa do escritor - Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho
1993
Capítulo 1
A colônia de estudo
Como foi diferente o estado de alegria que senti quando chegou o momento de iniciar nova etapa de estudo. Um profundo júbilo preencheu toda minha alma, à revelia do meu controle mental. Veio-me à memória o dito do grandioso Nazareno aos seus discípulos. Trechos que tirei, para meditar, do Evangelho de João, dos capítulos 14 e 15. Eu vos dou a minha paz, vos dou a alegria, para que completa seja vossa paz, repleta a vossa alegria.
Que paz e alegria eram essas? Pois foram dadas por um homem que não possuía nada, não desfrutava de bens mundanos. E, mais ainda, foram ditas antecedendo horas de muitas dores e tristezas, fatos e dificuldades que Ele iria enfrentar.
A paz e a alegria que Jesus distribuía não estavam ligadas ao nosso modo de ver e viver. E, no entanto, eram vividas por um homem de carne, osso e espírito como nós.
Quando encarnados, nossa alegria está ligada a sensações e prazeres dos sentidos, e até à satisfação de uma conquista mental, seja de força ou de erudição. A felicidade que buscamos no plano físico é sinônimo de ociosidade, prazer e ausência de dificuldades. Não conseguimos compreender que as dificuldades, quando não criadas por nós mesmos, são por via de regra instrumentos da natureza que não nos deixam cair na inatividade, pois a monotonia é a própria morte. A natureza é vida que se renova incessantemente.
Como num acender de luzes, compreendi que a alegria perene não pode estar ligada a pessoas ou coisas. Não pode depender de estímulo nenhum para que aconteça. É um estado de ser em ventura, sem limites, por saber compreender. É viver a vida pela vida e não para ganhar alguma coisa ou atingir um fim.
Conheci a felicidade real.
Dois anos se passaram, nos quais fiquei aprendendo na Colônia de Estudo Casa do Saber. Foi um período maravilhoso em que muito aprendi, fiz novos amigos, amadureci espiritualmente. Recordo que, ao chegar à Casa do Saber, emocionei-me até as lágrimas e exclamei comovida:
– Esta colônia é linda! Que lugar de encantos e sonhos!
De fato, a Casa do Saber é um lugar que, para os encarnados, só poderia comparar-se a encantadores sonhos.
Antônio Carlos, meu amigo querido, acompanhou-me. Volitamos tranquilos.
– Patrícia, vamos agora devagar. Observe a colônia, é ali, naquele ponto radiante.
Vi um ponto luminoso branco e logo já distinguia os prédios e jardins. A colônia não é cercada. É fantástico vê-la quando estamos volitando. Meu amigo me esclareceu:
– A colônia de estudo não tem sistema de defesa. Todos que nela habitam vibram numa mesma intensidade, sustentando-a. E só consegue vê-la quem vibra igual.
A colônia está suspensa no ar, como que em cima de uma grande e sólida nuvem. Para os encarnados, no lugar não existe nada, não é perceptível à visão deles e, também, dos desencarnados que não se sintonizam com suas vibrações.
Descemos no círculo que está em sua volta. Para que me entendam: na parte sólida em que está a colônia, há um beiral de alguns metros e logo depois estão seus prédios e pátios.
Sorri encantada e atendi ao convite do meu cicerone.
– Vamos entrar, Patrícia. Primeiramente iremos cumprimentar o diretor da casa.
Caminhamos. Não há diferença do solo das outras colônias. A Casa do Saber é uma colônia pequena e está dividida por ruas. Andamos tranquilos, nada de desconfiança. As pessoas que encontramos sorriam cumprimentando-nos. Olhava tudo curiosa. Tudo tão lindo! O ar, perfumado; a brisa, suave; os prédios, harmoniosos. É uma colônia encantadora, na qual poderia passar horas só olhando o conjunto, a colônia em si.
Paramos em frente de um prédio e entramos. Numa porta, com uma placa escrita Diretoria
, meu amigo bateu e logo ela foi aberta. Antônio Carlos abraçou efusivamente um senhor de agradável aspecto, que em seguida veio até mim.
– Esta é Patrícia de quem lhe falei.
– Sou Alfredo. Encantado por tê-la conosco. Já escutei falar muito de você. Então, gostou da nossa colônia?
– Oh! parece-me encantadora. O prazer é meu de estar aqui, sou grata pela acolhida. Amo aprender. Estar aqui é tudo o que almejo no momento.
Alfredo é muito agradável, olhar inteligente e sorriso amável. Por alguns momentos, os dois passaram a trocar notícias de amigos comuns. Enquanto isso, observei a sala da diretoria: tudo ali exprimia paz. Era espaçosa, com móveis claros, bonitos quadros na parede e vasos com flores. Bem atrás da escrivaninha estava bordada a Oração de São Francisco de Assis, tão conhecida de todos nós. Em todos os lugares onde há equilíbrio, onde se cultiva a paz e harmonia, há um encanto especial, tudo se torna maravilhoso. E por toda a colônia reina a alegria de se estar bem consigo mesmo.
– Patrícia – disse Alfredo, gentil –, vou pedir a Rosely que a acompanhe numa excursão pela colônia para que a conheça.
Tocou suave campainha e uma moça loura, muito bonita, sorriso franco, entrou na sala.
– Oi, sou Rosely.
– Eu, Patrícia.
Sorrimos, foi como se a conhecesse há muito tempo. Antônio Carlos me elucidou:
– Patrícia, aqui terá sempre esta sensação de conhecer todos. É uma união por vibração. Estou contente, pois vejo que está a vibrar em harmonia com todos aqui.
– Venham comigo, terei um enorme prazer de mostrar a colônia para vocês.
Despedimo-nos de Alfredo e emocionados acompanhamos nossa jovem cicerone.
A colônia não é grande. Conhecemos sua parte externa em meia hora, representando-nos minutos que passei extasiada. Acompanhava as explicações de Rosely.
– Este prédio é o da Orientação. Aqui estão os gabinetes dos professores e da diretoria. Este outro é o das salas de aula, da biblioteca e das salas de vídeos. Aí estão as salas de palestras.
Devido às muitas palestras que podem ocorrer ao mesmo tempo, são várias as salas, tendo uma bem grande para maior número de assistentes e que serve também para o teatro. Este prédio é simples, bem decorado, tendo lindos quadros e muitas flores. As cadeiras são giratórias e muito confortáveis. É tudo harmonioso, convidando à meditação e à prece.
– Este aqui é o prédio destinado aos alunos. Venham, vamos entrar.
É uma construção de quatro andares, toda dividida em gabinetes. Tudo muito limpo e claro. Não posso denominar este espaço particular a cada um de quarto. Aqui não se dorme e nem se alimenta. É um cantinho onde se estuda, se medita, se ora etc. Rosely nos levou ao que me foi destinado. É uma sala grande, arejada, que chamarei de gabinete.
– Que lugar encantador! – exclamei comovida.
Emocionei-me e fiquei alegre por ser ali o lugar em que passaria horas, no longo período que permaneceria na Casa do Saber. Havia uma escrivaninha toda trabalhada, linda. Uma estante, dois sofás e uma mesinha, onde estava um lindo vaso com florzinhas azuis. A janela dava para o pátio todo florido. Estranhei por não haver abajures, lustres, ou algo que demonstrasse haver luz artificial. Antônio Carlos, como sempre lendo meus pensamentos, sorrindo, tratou de esclarecer-me.
– Aqui não escurece. A luz do sol brilha sempre. Colônias nesta dimensão não seguem a rotação da Terra. Estão fixas e recebem os raios benéficos do nosso astro rei o tempo todo.
– Então, não é como a Colônia São Sebastião, que está sempre no espaço da cidade de São Sebastião do Paraíso? – indaguei curiosa.
– Não, colônias de estudo, e também algumas outras, não estão vinculadas a determinados lugares, embora estejam no espaço da Terra, no todo. Aqui existem algumas colônias que são para servir ao povo brasileiro, logo depois estão as de outros países; muitas são para todos os terráqueos, que se comunicam pelo esperanto e pelo pensamento.
– Sensacional! Não verei a noite! – exclamei.
– A noite tem seu encanto – disse Antônio Carlos. – Mas você a verá, sempre que visitar a Terra, os familiares e as colônias de socorro.
– E como saberei quando é noite lá na Terra? – indaguei novamente.
– Para ter um controle no calendário, a colônia segue o horário, com o dia e hora do Brasil. Temos também aqui a sala do relógio, nesse local há o horário de todos os países da Terra.
– Antônio Carlos – quis saber curiosa –, como achou a colônia entre tantas? Veio tão fácil!
– Pela sintonização, mentalizei a Casa do Saber e vim pela vibração. Logo aprenderá a usar este processo, porque irá se locomover muito, e sozinha. Já é bem grande e autossuficiente para sair sozinha.
Rimos com a brincadeira.
Trouxe poucos objetos, que deixei sobre a escrivaninha. Quando fiquei só, organizei-os. Coloquei alguns livros na estante, cadernos de anotações na escrivaninha e as fotos de meus familiares na parede e na minha mesa de trabalho. Não trouxe nada de pessoal. Não trocava mais de roupa. Visto calças compridas largas e camiseta azul-clara. Sinto-me bem assim.
Fomos conhecer o restante da colônia.
– Aqui é a parte mais bonita – disse Rosely.
Parei deslumbrada com a encantadora paisagem. Tudo parecia brilhar, como se o local fosse pontilhado com centenas de estrelinhas. Sentia-me leve como uma nuvenzinha a bailar com a brisa suave. À minha frente estava o harmonioso e fenomenal jardim da Casa do Saber. Muitas árvores, todas perfeitas, sadias e floridas. As variedades são tantas que não há duas árvores da mesma espécie. Estão sempre floridas. Suas flores de diversas cores e perfumes dão à visão total uma combinação de tonalidades que encanta. As árvores parecem desfilar tranquilas, ensinando-nos a ser equilibrados e harmoniosos para o bem de quem nos vê. Muitos são os canteiros entre as árvores, onde existem flores delicadas, coloridas, que brilham. Formam frases e figuras convidando a reverenciar o Criador. Muitos bancos estão espalhados por todo o jardim e são confortáveis: alguns de balanço e outros embaixo de caramanchões floridos.
– Aqui, também, costumamos ouvir palestras de convidados de outras esferas, que sempre nos brindam com seus ensinamentos – disse Rosely, chamando-me de volta à realidade, porque, diante de tanto encanto, pareceu-me por instante que eu fazia parte da própria natureza, comungando por momentos com as belezas que via ali. Antônio Carlos sorria ao me ver deliciando.
– É tão bom estar em um lugar de paz, hein, Patrícia!
Sorri, concordando. Qualquer opinião minha seria pouco para descrever tanta harmonia.
– Neste recanto – disse Rosely, mostrando a ala direita – estão o lago e a cascata.
Um pequeno rio brota do solo, corre uns cinquenta metros e forma um pequeno lago. Suas águas claras e cristalinas deixam ver, no fundo, suas pedras de diversos tamanhos e cores. Não resisti e coloquei minhas mãos n’água. Sua temperatura é como o ambiente, agradável, e é tão leve que não nos molha; levei-a aos lábios e não pude compará-la à mais pura das águas do planeta Terra, é bem melhor. Dei um suspiro, que fez meus companheiros sorrirem, e exclamei extasiada:
– Que beleza!
Do outro lado do lago está a cascata, a água desce entre plantas e flores, e depois entra no solo, desaparecendo.
– Aqui é o lugar predileto para as meditações e o preferido dos pensadores – disse Rosely. – Agora vou levá-la à sala, onde sua turma está tendo a primeira aula.
– Despeço-me de você, Patrícia – disse Antônio Carlos. – Agora já conhece sua nova morada.
– Estou encantada e agradecida, Antônio Carlos. Obrigada por tudo.
Abraçamo-nos com carinho.
Entramos, Rosely e eu, no prédio das salas de aula; sentia-me emocionada. Atravessamos vários corredores e paramos diante de uma porta na qual minha cicerone bateu levemente. A porta se abriu e um senhor de agradável aspecto nos cumprimentou, sorrindo.
– Boa tarde! Sou Leonel.
– Boa tarde! Sou Patrícia.
Uma nota curiosa: na Casa do Saber usa-se muito o cumprimento A paz esteja convosco
ou A paz seja convosco!
Às vezes, costumam dirigir-se um ao outro com um oi ou um olá. Como