Intervenções grupais: O psicodrama e seus métodos
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Intervenções grupais - André Marcelo Dedomenico
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Intervenções grupais [recurso eletrônico] : o psicodrama e seus métodos/ organização Maria da Penha Nery, Maria Inês Gandolfo Conceição. - 1. ed. - São Paulo : Ágora, 2012.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7183-169-8 (recurso eletrônico)
1. Intervenção (Psicologia). 2. Psicodrama. 3. Psicoterapia de grupo. 4. Sociodrama. 5. Livros eletrônicos. I. Nery, Maria da Penha. II. Conceição, Maria Inês Gandolfo.
06/07/2015 06/07/2015
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INTERVENÇÕES GRUPAIS
O psicodrama e seus métodos
Copyright © 2012 by autores
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Editora assistente: Salete Del Guerra
Coordenação editorial: Betina Leme
Capa: Acqua Estúdio Gráfico
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A solidão não está mais aqui.
Brindemos, pois, ao encontro!
Dedicamos a todos os que produzem a alegria no viver;
aos que não deixam o grito da indignação calar;
aos que no cotidiano tentam construir, com o outro, um mundo melhor.
Sumário
Prefácio
Introdução
1. Teoria dos grupos e sociatria
MARIA CÉLIA MALAQUIAS
2. Estratégias terapêuticas grupais
ANNA MARIA ANTONIA ABREU COSTA KNOBEL
3. Psicoterapia psicodramática grupal
MARIA DA PENHA NERY
MARIA INÊS GANDOLFO CONCEIÇÃO
4. Psicodrama grupal
SERGIO PERAZZO
5. Sociodrama
MARIA DA PENHA NERY
6. Introdução ao teatro espontâneo
MOYSÉS AGUIAR
7. Jogos dramáticos
MARIA INÊS GANDOLFO CONCEIÇÃO
8. Role-Playing – Um método socionômico
YVETTE DATNER
9. Psicodrama público e direção de grandes grupos
CIDA DAVOLI
MARCIA ALMEIDA BATISTA
SHE NILSON
10. Pistas contemporâneas em socionomia
ANDRÉ MARCELO DEDOMENICO
CLÁUDIA CLEMENTI FERNANDES
11. Metodologia sociodramática de ensino
MARIA DA PENHA NERY
ANDRÉA CLAUDIA DE SOUZA
12. Psicodrama bipessoal
LUÍS FALIVENE ALVES
13. Aplicações dos métodos sociátricos
HELOISA JUNQUEIRA FLEURY
MARLENE MAGNABOSCO MARRA
14. Como mediar conflitos grupais?
MARIA DA PENHA NERY
MARIA INÊS GANDOLFO CONCEIÇÃO
Prefácio
Estas páginas, em linhas gerais, são ofertadas a quem se interessa por embarcar num voo panorâmico sobre o território do psicodrama. Contêm uma gama representativa dos modos de intervenção grupal em múltiplos campos. Desde o trabalho com uma pessoa em psicoterapia bipessoal - e o leitor compreenderá por que está aqui inserido - até o psicodrama público.
A cada capítulo os autores esclarecem, de modo didático, aspectos essenciais de uma proposta específica de ação que o psicodrama contempla. Não descuidam de subsidiá-la teoricamente e, ao mesmo tempo, compartilham experiências, avaliam processos, descrevem exemplos práticos e sinalizam referências bibliográficas. Pela visão proporcionada, organizadores e escritores desta espécie de livro-guia
conseguiram ser estratégicos e eficazes nesta empreita pretendida e realizada.
Mas atenção: dois avisos aos passageiros. O primeiro é que, por vezes, investe-se nalguns mergulhos rasantes, e não rasos, por meio dos quais algumas paisagens são esmiuçadas. Segundo, e ainda mais importante, é que este livro, apesar de apontar caminhos, não deve ser tomado como um mapa sagrado. Até porque, entre outros argumentos, são capítulos escritos por vários dos significativos psicodramatistas brasileiros, que não deixam de, também, apresentar opiniões divergentes – a respeito de algumas categorias classificatórias ou sobre localizações da teoria/técnica, nas considerações entre os campos socioeducacional (não clínico) e clínico ou na concepção de protagonista, para ficar apenas nesses. Um leque é oferecido onde algumas diversas leituras podem ser cartografadas. Ainda, afirmo que alguns conceitos ou práticas aqui delineadas ganhariam graus mais à direita ou à esquerda, um pouco acima ou mais abaixo, na sua condução, caso manejados por outros pilotos.
Acredito que esta é uma maneira de construir o conhecimento: o aluno pode ganhar com as variações de rota e, depois de certo número de horas planando, estará de posse de sua própria experiência. Seus registros terão chance de estar mais nítidos uma vez que ele tenha sobrevoado observando as alterações.
Essa possibilidade aponta para um método e uma vivência pulsantes. Denota contraposição diante de leis ou atos deterministas e fechados. Assim, esta introdução às intervenções grupais, pelo psicodrama, inevitavelmente leva a transitar por altitude de onde se vislumbra o já construído. Mas, simultaneamente, pode abrir traçados ao que está por vir. Uma alternativa que só pode gravitar na órbita de uma obra aberta, com seus claros e escuros, como o é a criaturgia moreniana.
Creio que esta é uma das funções fundamentais do professor: apresentar uma carta que contenha as concepções existentes e disponibilizar seu pensamento. Proporcionar àquele que deseja o saber condições de exercitar sua escolha. Se concordamos que um dos modos de iniciar o processo de aprendizagem é por identificação com modelos, que eles sejam em número diverso, a suscitar futuros posicionamentos críticos - e não unitários, que levem a uma pretensa e uniforme verdade. Obviamente, uma amostragem por demais conflitante entre seus ingredientes provocaria dificuldades de apreensão em um iniciante. Não é disso que aqui se trata.
Lanço mão do papel do professor porque o estímulo dos organizadores provocou a veia pedagógica dos autores. Quem ganha são os alunos de psicodrama. Mas não só. Os professores-leitores são brindados com uma importante obra, que os municia em suas indicações bibliográficas introdutórias aos temas aqui abordados. Um vento a favor de novas leituras.
Desatem os cintos, liguem suas conexões e boas viagens! Pode ser apenas o primeiro voo sobre o palco psicodramático, esse horizonte infindo para a cocriação.
Luiz Contro
Introdução
Depois de duas grandes realizações em minha vida, meus livros Vínculo e afetividade e Grupos e intervenção em conflitos, senti necessidade de dar continuidade a elas e convidei a amiga e excelente psicodramatista Maria Inês Gandolfo Conceição para uma nova aventura.
Após inúmeras conversas, concluímos que seria importante proporcionar aos neófitos da socionomia um guia que abrisse caminhos para a mediação e a intervenção em conflitos grupais. Ao concluir o projeto, com a ajuda de experientes psicodramatistas, afirmamos que esta se tornou uma obra para pessoas e profissionais que estudam, trabalham ou têm interesse em trabalhar com grupos.
Este livro, Intervenções grupais – O psicodrama e seus métodos, apresenta os métodos socioterapêuticos de ação por meio dos quais o coordenador de grupos luta em prol do desenvolvimento social. Tenta-se, por exemplo, amenizar dores e sofrimentos coletivos, atualizar potenciais criativos, distribuir afetividade, fomentar o diálogo empático nas famílias, instituições, escolas, empresas, contribuir para a justiça, a igualdade e os exercícios democráticos de poder em diversos contextos sociais.
Trata-se de um labor fundamental para que a cultura da paz seja instituída. Demanda o esforço de sairmos do papel de espectadores de problemas e conflitos grupais, acreditando que é possível contribuir para o bem coletivo e para a transformação social.
Jacob Levy Moreno, criador dos métodos de ação, afirmou que o estudo de grupos e a intervenção terapêutica social seriam o mote do século XXI. Vislumbrava a importância de trabalhar os proletariados terapêuticos
, grupos e indivíduos que sofriam com os diversos tipos de marginalização – de fanatismos identitários e religiosos a conflitos violentos de poder.
O convite para o profissional que trabalha com grupos é o seguinte: vamos dar mais vez ao agir que resulta em cocriação? Esse foi o fundamento filosófico e teórico de Moreno, apresentado aqui por profissionais da área no Brasil.
Tivemos a honra de coconstruir com psicodramatistas competentes, que nos dão trilhas dos diversos métodos de ação que compõem a ciência do tratamento grupal: a sociatria. Não temos a pretensão de esgotar o assunto; nosso objetivo foi mostrar, refletir e demonstrar, para iniciantes e profissionais interessados na área, possíveis perspectivas, sempre abertas à construção conjunta do saber. Por isso, este livro é uma introdução ao assunto, uma orientação inicial, para que possamos avançar nos estudos e aperfeiçoar nossa prática socioterapêutica.
Agradecemos muitíssimo:
a Maria Célia Malaquias, por nos trazer os fundamentos socionômicos, a sessão sociátrica e as técnicas psicodramáticas;
a Anna Maria Knobel, que nos apresenta as estratégias terapêuticas grupais, fundamentais para o uso dos métodos de ação;
a Sergio Perazzo, que apresenta uma reflexão sobre a prática de psicodrama grupal, diferenciando a atuação clínica (terapêutica) da não clínica (socioeducacional);
a Moysés Aguiar, um expert em teatro espontâneo, que nos alerta sobre o papel da criatividade do diretor e da construção coletiva;
a Yvette Datner, por nos trazer sua experiência com empresas e organizações por meio do role-playing;
a Cida Davoli, Marcia Batista e She Nilson, que abordam o psicodrama público por meio da primorosa e exemplar experiência no Centro Cultural de São Paulo;
a Cláudia Fernandes e André Dedomenico, que, com jovialidade e competência, nos apresentam métodos criativos e atuais com grupos;
a Andréa Claudia de Souza, que trouxe suas experiências com o método sociodramático de ensino e seu primor em desenvolver a cocriação em sala de aula;
a Luís Falivene, que aborda o psicodrama bipessoal com enfoque nas relações grupais do cliente e nos brinda com preciosos exemplos de sua prática;
a Heloisa Fleury e Marlene Marra, que são ótimos nomes para nos trazer as mais variadas aplicações dos métodos sociátricos.
Também apresentamos aos leitores reflexões sobre nossas práticas relacionadas à psicoterapia psicodramática grupal, ao sociodrama e aos jogos dramáticos.
Finalizamos a obra refletindo sobre mediação e intervenção em conflitos, o papel do coordenador de grupos e como os métodos de ação podem contribuir para sua práxis.
Esperamos que estudantes interessados em trabalhos com grupos e profissionais que são ou que desejam se tornar socioterapeutas tenham neste livro um guia ou um suporte que os instigue a aprofundar-se nos métodos de ação e a treiná-los.
Maria da Penha Nery e
Maria Inês Gandolfo Conceição
1. Teoria dos grupos e sociatria
MARIA CÉLIA MALAQUIAS
Trabalhadores sociodramáticos têm a tarefa de organizar encontros preventivos, didáticos e de reconstrução na
comunidade em que vivem e trabalham.
(Moreno, 1992, v. 1, p. 214-15)
Vivemos a era da globalização, de agrupamentos, de composições diversas, desde as grandes corporações aos grupos de internautas, vizinhanças, agremiações, sindicatos, associações de escolas, de pais, de bairro e muitas outras. Macro e microassociações, quer por questões ideológicas, quer por sobrevivência, pautam sua existência pela vida em grupo. Por outro lado, observamos um grande contingente de pessoas solitárias, queixosas da falta de tempo para se encontrar com as outras, impossibilitadas de conciliar suas agendas, muitas vezes desejosas de se sentir pertencentes a determinados grupos.
Segundo Holanda Ferreira (apud Russo, 1999, p. 16), grupo é uma pequena associação ou reunião de pessoas unidas para um fim comum
. Essa é uma definição básica; porém, necessitamos aprofundá-la devido à complexidade dos fenômenos e processos grupais envolvidos no conceito.
A socionomia é uma ciência criada por Moreno (1975) para estudar os grupos e propor métodos de intervenções socioterapêuticas. Abarca as teorias relacionadas à sociodinâmica, tais como as dinâmicas dos grupos; à sociometria, ou seja, a formação e a organização dos grupos; e à sociatria, ou tratamento dos grupos.
Nery (2010, p. 20) aponta, com base na obra de Moreno, que grupo é um conjunto de pessoas, articuladas por papéis e por objetivos sociais comuns, no qual os estados (coconscientes e coinconscientes) dos indivíduos formarão padrões e dinâmicas relacionais próprias
. Esses padrões e dinâmicas compõem-se, entre tantos fatores, de encontros, processos afetivos, conflitos e práticas de poder nos grupos e entre grupos.
De acordo com Nery (2010, p. 16),
os objetivos almejados em nossos projetos de intervenção grupal – dentre eles melhorar as relações humanas, conviver com as diferenças, diminuir a violência social, promover direitos humanos, desenvolver redes sociais favorecedoras do declínio da desigualdade social, incrementar a justiça social, melhorar a qualidade de vida no ambiente de trabalho, mediar conflitos familiares, contribuir para que sujeitos desenvolvam seu papel de cidadãos – vêm carregados de nossas boas intenções
. Sabemos que a boa intenção, por si só, não nos ajuda a atingir tais objetivos.
Entendemos, conforme a metodologia socionômica que norteia nossas práticas, que o coordenador do grupo está a serviço do grupo e, para tanto, faz-se necessário perguntar e responder quais os objetivos e a finalidade do trabalho proposto. É importante termos, constantemente, consciência sociocrítica: trabalhamos a serviço de quem e para quem? (Contro, 2011).
MORENO E A SOCIONOMIA
Ao pensar num guia prático para intervenções grupais, visamos contribuir para aqueles interessados no trabalho com grupos. Nessa perspectiva, procuramos apresentar noções básicas da teoria e prática e alguns aspectos da vida de Moreno.
Jacob Levy Moreno, criador do psicodrama, da sociometria e pioneiro em psicoterapia de grupo, nasceu em 1889 em Bucareste, Romênia. Foi médico psiquiatra, com interesse por sociologia, psicologia social e antropologia. Afirmava que um procedimento verdadeiramente terapêutico deve ter por objetivo toda a espécie humana
(Moreno, 1992, p. 119).
Já na juventude, Moreno envolveu-se em trabalhos com grupos carentes de atenção social. Reunia grupos de crianças nos jardins de Viena para, de maneira criativa e espontânea, encenarem suas histórias. Ao trabalhar com as prostitutas, após ficar sensibilizado com o drama vivido por elas, procurou ajudá-las a se organizar como grupo e elaborar leis que pudessem protegê-las.
Emigrou para os Estados Unidos, em 1925, onde trabalhou com grupos de prisioneiros, na prisão de Sing Sing, visando à melhoria no relacionamento daquela comunidade prisional. Outro importante trabalho que Moreno realizou com população marginalizada foi a profunda pesquisa sociométrica, com base em análise qualitativa e quantitativa das relações, com um grupo de moças internas em uma escola em Hudson. Tal escola era um reformatório feminino, mantido com o intuito de reintegrá-las à sociedade. Nesse trabalho, Moreno procurou criar um método para determinar a posição e a função psicológica que cada moça tinha no grupo perante as demais colegas e em relação à encarregada
(Knobel, 2004, p. 120-1).
Tinha vocação para o trabalho com teatro, interessava-se pelo teatro do improviso. Cria o teatro terapêutico em Beacon, Nova York.
Moreno (1975) concebe o indivíduo como um ser em relação
, ou seja, numa relação dialógica, envolvido numa rede social. É no pertencimento aos grupos sociais que se dá o processo de constituição do sujeito, sua identidade. O eu
surge dos papéis que desempenhamos na sociedade. Papel social é a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos
(p. 27). Por sua vez, o papel pode ser definido como uma unidade de experiência em que se fundiram elementos privados, sociais e culturais
(p. 53).
Para o autor:
O grupo normal deve ser distinguido do grupo terapêutico organizado. São características de um grupo normal a integração entre os membros, interesses e atividades comuns, mas também o mínimo de coesão interna e diferença dos status. O grupo terapêutico, pelo contrário, necessita maior liberdade e espontaneidade dos membros, de que um grupo normal. Sua constituição deve ser terapeuticamente mais favorável do que a de um grupo real. (Moreno, 1974, p. 31)
Ao estruturar didaticamente seu arcabouço teórico, Moreno cria e desenvolve a socionomia, a qual está alicerçada no tripé sociodinâmica, sociometria e sociatria, que são suas ramificações. Portanto, de forma sintética, temos:
Socionomia. Ciência que estuda as leis sociais que regem o comportamento interpessoal. Desenvolve as teorias que nos ajudam a ler os processos e fenômenos grupais, dentre elas: teoria da espontaneidade-criatividade, dos fenômenos teletransferência, dos papéis e dos vínculos. Utiliza-se de diversos conceitos, entre eles: coinconsciente, matriz de identidade, conserva cultural, complementaridade dos papéis, projetos dramáticos, lógicas afetivas de conduta, dinâmicas de poder.
Sociodinâmica. Investiga as dinâmicas dos grupos sociais, a maneira como os indivíduos estão organizados em função de seus papéis estabelecidos no grupo. Estudo das leis e dos momentos grupais – será explicitado no Capítulo 2 deste livro, de autoria de Anna Maria Knobel.
Sociometria. Estudo da organização grupal. O pesquisador utiliza o teste sociométrico ou jogos dramáticos específicos, que o ajudam a investigar a posição socioafetiva do indivíduo num determinado grupo, em um período de sua constituição. Procura detectar e compreender os padrões afetivos que organizam os grupos sociais e as características das correntes psicossociais da população, uma infraestrutura psicossociológica inconsciente
(Nery, 2010, p. 22).
Sociatria. São as intervenções socioterapêuticas em que são utilizados métodos de ação – descritos nos capítulos deste livro. Esses métodos também são instrumentos de pesquisa-ação-intervenção para o aprofundamento das teorias e dos conceitos socionômicos.
A sociometria estuda a hierarquia socionômica, o valor da afetividade como requisito de poder nas subdivisões grupais. A expansividade emocional, o átomo social dos indivíduos e, junto do inevitável processo de subdivisões grupais, os exercícios de poder nas relações e os conflitos grupais.
Como este livro não pretende ser uma introdução teórica ao tema, alertamos para a importância do estudo da obra moreniana e de autores contemporâneos da área, imprescindíveis para a adequada leitura dos fenômenos grupais e da intervenção terapêutica.
SOCIATRIA
Sociatria é a ciência do tratamento das relações sociais e, de certa forma, é o resultado prático/metodológico da socionomia. Sociatria, palavra de origem latina e grega, traz o conceito de socius (o outro, o companheiro) e iatreia (cura). Segundo Moreno (1994, p. 235):
O início da ciência da sociatria coincide com a crítica situação histórica da humanidade, na metade do nosso século. Os objetivos desta nova ciência são a profilaxia, o diagnóstico e o tratamento da espécie humana, das relações grupais e intergrupais e, particularmente, a investigação de como podemos formar grupos que possam se impulsionar à realização, via técnicas de liberdade, com o auxílio da sociatria ou da psiquiatria. O ideal secreto da sociatria, como o de todas as ciências, é ajudar a humanidade na concretização de suas metas e, ao final, tornar-se desnecessária e perecer.
A sociatria propõe tratar os grupos por meio dos métodos de ação, entre eles a psicoterapia de grupo, o psicodrama, o sociodrama, o teatro espontâneo, o role-playing, os jogos dramáticos e o teatro espontâneo. Atualmente, os psicodramatistas, em especial os brasileiros, desenvolveram e ampliaram o leque de possibilidades de métodos teatrais e sociopsicodramáticos.
O principal objetivo deste livro é apresentar esses métodos de ação, apontando alguns exemplos de seu uso na prática socioterapêutica.
No Brasil, temos o livro Técnicas fundamentais do psicodrama, organizado por Monteiro (1998), no qual vários autores descrevem as técnicas psicodramáticas. Sugerimos a leitura desse livro a quem se interessar em complementar sua compreensão sobre os métodos de ação nos quais essas técnicas são aplicadas.
A SESSÃO SOCIÁTRICA
Todos os métodos de ação seguem a composição e as etapas da sessão sociátrica, que ajudam o socioterapeuta na leitura dos fenômenos grupais e no manejo técnico. Os métodos de ação consideram três contextos:
Contexto social. A cultura na qual os sujeitos estão inseridos, o tempo cronológico, o espaço real. As respostas ao onde, quando, quem e com quem definem os papéis sociais e os sofrimentos dos membros do grupo.
Contexto grupal. São os participantes do grupo, o diretor e os egos-auxiliares. Também as relações envolvem papéis sociais específicos, porém num contexto de continência próprio à vivência terapêutica.
Contexto dramático. É o espaço demarcado para a ação dramática, é o lugar do como se
. Acontece no palco psicodramático. As relações se estabelecem por meio de personagens, ou seja, de papéis psico e sociodramáticos. Esses papéis dão vida aos relatos e experiências dos participantes do grupo, possibilitando o atuar da fantasia, no campo do imaginário. Trata-se de gerar um plus de realidade, ou seja, a realidade suplementar, na qual todos tentam conjuntamente dar novas respostas aos conflitos.
ELEMENTOS DA SESSÃO SOCIÁTRICA
São cinco os elementos de uma sessão sociátrica. Gonçalves (1988, p. 99) nos diz: Os elementos ou instrumentos são os meios empregados na execução do método e das técnicas psicodramáticas
. São eles: o diretor, o ego-auxiliar, o protagonista, o palco e a plateia.
Diretor. É o coordenador do grupo, treinado em métodos de ação. Ele é o responsável pela produção do encontro. Com base em sua leitura da sociodinâmica, segue as etapas da sessão, intui e constrói hipóteses terapêuticas para propor o uso das técnicas, a vivência do drama grupal e do protagonista, e para promover a cocriação.
Ego-auxiliar. É a pessoa que está a serviço do diretor e do grupo. O ego-auxiliar pode ser um membro do grupo que desempenha um determinado papel do mundo interno ou externo do protagonista. Também pode ser um socioterapeuta treinado em métodos de ação e que forma uma unidade funcional com o diretor, com papéis sociais diferenciados. O ego-auxiliar contribui para que a vivência seja o mais terapêutica possível, representando personagens, indo a fundo em suas emocionalidades e ajudando o grupo a se expressar.
Protagonista. É a pessoa que representa o grupo, que dá voz a seus dramas. Por meio de seu sofrimento privado, fala do sofrimento coletivo e o representa. O protagonista pode ser um personagem na cena, além de um subgrupo que apresenta um tema ou uma cena que reflita o sofrimento e as necessidades do grupo e as respostas a eles.
Palco. É o lugar definido para que a ação dramática aconteça, o espaço do como se
, no qual os papéis psicodramáticos são jogados.
Plateia. É composta de todos os membros do grupo presente. O diretor e o ego-auxiliar aquecem a plateia de tal forma que ela se torne observador-participante e autor do evento.
Cada um desses elementos contribui para que a cocriação ocorra, por meio do desvelar dos estados coinconscientes presentes nas interações dos participantes do grupo.
FASES DA SESSÃO SOCIÁTRICA
As fases dos métodos de ação são: aquecimento, dramatização e compartilhar (em alguns contextos específicos, há também a fase do processamento).
Aquecimento. É a fase inicial de preparação do grupo e do protagonista. Constitui-se de: aquecimento inespecífico, que são as falas, os movimentos e as expressões iniciais, cujo propósito é iniciar os preparativos para o encontro; e aquecimento específico, que, como o próprio nome diz, tem a intenção de aquecer os participantes para o trabalho socioterápico.
Dramatização. É o desenvolvimento da cena criada pelo protagonista (grupo ou indivíduo) que representa no contexto dramático. O conflito interno, o conflito grupal ou o tema do grupo são presentificados no espaço do como se
, que é o espaço entre o real e o imaginário
(Knobel, 2004, p. 94).
A dramatização possibilita ao indivíduo e ao grupo, por meio do desempenho de papéis psicodramáticos, uma nova organização dos mundos interno e externo. A dramatização é o grande mote dos métodos de ação. Trata-se da vivência liberadora da primeira; ou, nas palavras de Moreno (1984, p. 107): "Toda verdadeira segunda vez libera a primeira e provoca