Desafio
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APAIXONADA pelo homem que ela não pode ter.
MARCADA pelo seu líder como rebelde. Em um mundo de perigos e mentiras, Rachel precisa arriscar tudo. O destino do seu mundo depende dela.
No interior das muralhas de Baalboden, à sombra do brutal Comandante da cidade, Rachel Adams guarda um segredo. Enquanto as outras garotas fazem vestidos e obedecem a seus Protetores, Rachel é capaz de sobreviver nas florestas e manejar uma espada com destreza. Quando seu pai, Jared, é declarado morto em uma missão, o Comandante designa para Rachel um novo Protetor — Logan, o aprendiz de seu falecido pai, o mesmo rapaz a quem Rachel declarou o seu amor há dois anos, e o mesmo que a rejeitou.
Aos 19 anos, Logan McEntire possui várias faces. Órfão. Rebelde. Inventor. Aprendiz do principal mensageiro da cidade, Logan se concentra em aperfeiçoar seus conhecimentos para escapar da tirania de Baalboden.
Mas seus planos não incluíam tornar-se responsável pela impulsiva filha do seu mentor. Logan está determinado a protegê-la, mas quando seu plano de fuga fracassa e Rachel é obrigada a suportar as consequências, ele percebe que há outros sentimentos em jogo que a simples decepção de Jared.
Certa de que seu pai está vivo, Rachel decide fugir e encontrá-lo por conta própria. Mas uma traição contra o Comandante tem um preço alto, e o destino que a aguarda nas Terras Ermas pode destruí-la.
Enquanto Rachel e Jared lutam para atravessar as Terras Ermas, perseguidos por um monstro que ninguém pode matar e por um batalhão de assassinos com sede de sangue, eles descobrem o romance, a decepção e a verdade que pode desencadear uma guerra latente há vários anos — e cada vez mais perto de explodir.
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Desafio - C. J. Redwine
SUMÁRIO
Capa
Sumário
Folha de Rosto
Folha de Créditos
Dedicatória
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
CAPÍTULO 53
CAPÍTULO 54
CAPÍTULO 55
CAPÍTULO 56
CAPÍTULO 57
CAPÍTULO 58
CAPÍTULO 59
CAPÍTULO 60
CAPÍTULO 61
CAPÍTULO 62
CAPÍTULO 63
CAPÍTULO 64
CAPÍTULO 65
CAPÍTULO 66
CAPÍTULO 67
CAPÍTULO 68
CAPÍTULO 69
CAPÍTULO 70
CAPÍTULO 71
AGRADECIMENTOS
TRADUÇÃO
IVAR PANAZZOLO JÚNIOR
Título original: Defiance
Copyright © 2012 by C. J. Redwine
Copyright © 2014 Editora Novo Conceito
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação sem autorização por escrito da Editora.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Versão digital — 2014
Produção editorial:
Equipe Novo Conceito
Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Redwine, C. J.
Desafio / C. J. Redwine; tradução Ivar Panazzolo Júnior. -- 1. ed. -- Ribeirão Preto, SP: Novo Conceito Editora, 2014.
Título original: Defiance.
ISBN 978-85-8163-438-8
1. Ficção de fantasia 2. Ficção norte-americana
I. Título.
14-01714 | CDD-813.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção de fantasia : Literatura norte-americana 813.5
Rua Dr. Hugo Fortes, 1885 – Parque Industrial Lagoinha
14095-260 – Ribeirão Preto – SP
www.grupoeditorialnovoconceito.com.br
Para Clint, que sacrificou alegremente o seu tempo livre para apoiar os meus sonhos.
Obrigada por acreditar em mim. Amo você.
CAPÍTULO 1
RACHEL
Opeso da piedade que eles sentem parece ser uma pedra amarrada ao redor do meu pescoço. Sinto isso quando me observam brevemente pelo canto do olho, a pele enrugada entre as sobrancelhas franzidas, os sussurros apressados que ecoam pelo céu roxo e acinzentado do crepúsculo como pequenas adagas que arrancam sangue das suas vítimas.
Ele não vai voltar para casa.
É difícil ignorar os poucos cidadãos que ainda estão perto do portão que leva às Terras Ermas, os guardas postados ao lado da entrada e o corpanzil forte e resoluto de Oliver a meu lado, mas eu preciso fazer isso. Não me atrevo a deixar que qualquer sombra de dúvida tome conta de mim.
Olhando para além do perímetro de cinquenta metros de terras calcinadas que mantemos ao redor da Muralha, examino a floresta em busca de algum movimento. As Terras Ermas são um emaranhado de árvores, trepadeiras e escombros de cidades que já não existem mais. Está tudo coberto pelo verde brilhante e escorregadio do início da primavera e os aglomerados de pinheiros e freixos prateados que não nos deixam esquecer de nossa própria fragilidade. Em algum lugar nas profundezas daquela floresta, bandidos rebeldes procuram objetos que possam vender nas cidades-estado. Em algum lugar abaixo dela, o Maldito vagueia, buscando devorar o pouco que resta de uma civilização que outrora já foi grande.
Não me importo com nada disso. Tudo o que quero é que meu pai volte para casa a tempo.
— Garota Rachel — diz Oliver, com a pele negra de seus dedos salpicados de farinha envolvendo gentilmente o meu braço, como se estivesse me preparando para aquilo que de fato quer dizer.
— Ele vai chegar.
— Eu não creio que...
— Ele vai. — Cravo as unhas em minhas palmas e me esforço para tentar ver algum movimento na escuridão que cresce cada vez mais, como se eu pudesse trazê-lo para casa utilizando apenas minha força de vontade.
Oliver aperta meu braço, mas não diz nada. Sei que ele acha que meu pai está morto. Todo mundo está pensando a mesma coisa. Todo mundo, menos eu. A ideia de que sou a única com essa convicção faz com que um espasmo de dor corra pelo meu corpo, e, subitamente, eu preciso que Oliver entenda.
Preciso que ele concorde.
— Ele não é somente um mensageiro, você sabe. — Olho para os ombros largos de Oliver, que criam uma sombra grande no chão, e sinto saudade dos dias em que eu era pequena o bastante para subir nas costas dele, sentir o ribombar de sua voz em minha pele enquanto íamos até o portão encontrar meu pai após outra viagem completada com sucesso. — Ele também é um rastreador. O melhor homem do Comandante. É impossível que tenha sido pego de surpresa nas Terras Ermas.
A voz de Oliver continua firme quando ele diz:
— Ele é bom no que faz, garota Rachel. Mas alguma coisa deve ter... Alguma coisa provavelmente o atrasou. Ele não vai voltar para casa a tempo.
Dou as costas para ele, tentando enxergar o ponto onde o perímetro termina e as Terras Ermas começam, mas o sol não é nada além de uma miragem flamejante abaixo da linha das copas das árvores agora, e as sombras já começaram a tomar conta de tudo.
— Último chamado! — grita um dos guardas, flexionando os ombros sob o azul-escuro de seu uniforme enquanto estende a mão para tocar o puxador de ferro a seu lado, e começa a cerrar o portão. Estremeço com um gemido quando ele bate e se fecha com um estrondo de metal contra metal. Os guardas colocam correntes grossas e reluzentes ao redor dos portões, trancando-os até que os guardas do turno da manhã cheguem com a chave para abri-los novamente.
Por um momento nós ficamos ali observando o portão, que agora está fechado. Em seguida, Oliver passa um braço ao redor de mim e diz:
— É hora de irmos.
As lágrimas ardem em meus olhos e eu aperto os dentes com tanta força que eles rangem uns contra os outros. Não vou chorar. Não agora. Mais tarde, depois que meu pai for oficialmente declarado morto e meu Protetorado for transferido para Oliver, vou me permitir sentir a dor de ser a única pessoa que está disposta a acreditar que Jared Adams, o melhor rastreador de Baalboden, ainda está vivo.
Uso o caixote de madeira para subir na carroça que nos aguarda e estendo a mão para ajudar Oliver a subir logo em seguida.
Conforme a carroça avança aos trancos e solavancos sobre os blocos de pedra-ferro que calçam as ruas que levam até o quartel do Comandante, enrolo os punhos fechados ao redor de meu manto e tento ignorar o ardor que sinto na barriga a cada vez que as rodas giram. Oliver estende a mão e tira a borda do manto de meu punho. Sua palma envolve a minha por completo, com a pele morna e o aroma de xarope de plátano e uvas-passas dos pães doces que ele assa. Encosto-me nele, pressionando o rosto contra o linho áspero de sua túnica.
— Lamento — diz ele.
Por um momento, sinto vontade de me enterrar ali. Receber o conforto que Oliver oferece e fingir que ele é capaz de fazer com que eu me sinta melhor. Em vez disso, eu me sento com a coluna ereta, do jeito que meu pai me ensinou.
— Ele não voltou hoje, mas isso não significa que nunca mais vai voltar para casa. Se existe alguém que sabe sobreviver nas Terras Ermas, esse alguém é o meu pai. — Minha voz fica estrangulada por uma onda repentina de agonia, um medo sombrio e secreto de que minha fé nas habilidades de meu pai não será justificada, e que acabarei ficando sozinha. — Não é justo que o declarem morto.
— Provavelmente serei eu quem deve lhe dizer que a vida não é justa, mas imagino que você já saiba disso. — Sua voz é firme, mas seus olhos estão entristecidos. — Por isso, vou lhe dizer que a esperança é uma coisa preciosa, e que você tem razão em não desistir de acreditar.
Olho nos olhos dele, desafiando-o a me contar uma mentira, a dizer que ainda acredita. — Mesmo quando parece que todos já desistiram?
— Especialmente quando parece que todos já desistiram. — Ele dá tapinhas carinhosos em minha mão enquanto a carroça para com um rangido, balançando mesmo depois que as rodas já pararam de se mover.
O condutor vem até a traseira da carroça e abre a portinhola de lona com um puxão. Desço da carroça e observo ansiosamente enquanto Oliver me acompanha. Embora haja apenas algumas rugas suaves lhe marcando a fronte escura, seu cabelo é mais cinzento do que negro, e ele se move com a precisão cuidadosa da idade. Estendendo a mão na direção dele, enlaço meu braço ao redor do dele enquanto ele desce do caixote pesado que usa como degrau. Juntos, nos viramos para encarar o quartel.
Assim como a muralha que cerca a cidade de Baalboden, o quartel é uma parede enorme de pedras cinzentas castigadas pelo tempo e reforçadas por tiras de aço. Janelas escuras foram recortadas no exterior maciço como olhos eternamente abertos e que nunca piscam, e o teto sustenta várias torres de vigília com guardas, cuja única tarefa é retalhar quaisquer invasores antes que eles cheguem a vinte passos de distância.
Não que qualquer cidadão de Baalboden seja estúpido o bastante para desafiar o homem que nos governa com uma ferocidade cujo único equivalente é aquilo que nos aguarda nas Terras Ermas.
Antes que o guarda que vigia o portão com espigões de aço possa abri-lo, outra carroça se aproxima ruidosamente e para atrás da nossa. Olho por cima do ombro e sinto um calor queimar meu rosto quando Logan McEntire vem em nossa direção. O sol poente tinge seus cabelos loiros de dourado.
Espero que a palidez de minha pele não traia meus sentimentos, e tento fingir que não o vi. Já passei tanto tempo, hoje, esperando que meu pai enfim voltasse das Terras Ermas que nem me dei conta que a leitura de seu testamento naturalmente incluiria a presença de seu aprendiz.
Não há problema nisso. Desde que eu não tenha de falar com ele.
— Oliver. Rachel — diz Logan quando chega a nosso lado. Sua voz tem a mesma calma, o eterno tom de aposto-que-consigo-encontrar-um-algoritmo-para-consertar-isso, e eu sinto um desejo súbito de provocá-lo para arrumar uma briga.
Exceto pelo fato de que isso daria a impressão de que eu me importo com o fato de ele estar aqui.
E isso não é verdade.
Sua presença não vai mudar nada. Meu Protetorado será dado a Oliver, Logan assumirá os deveres de mensageiro que eram do meu pai, e eu continuarei contando os dias até que ele volte para casa, quando a vida poderá voltar ao normal.
Oliver dá um tapinha amistoso nas costas de Logan.
— Que bom que veio — diz ele. Como se Logan tivesse escolha. Como se qualquer um de nós tivesse escolha.
— Parece que tudo aconteceu rápido demais — diz Logan em voz baixa enquanto o guarda abre o portão e faz um sinal para entrarmos. — Jared é forte. Deveríamos dar a ele mais do que os sessenta dias depois da data em que deveria retornar antes de sermos forçados a declará-lo morto.
Olho para Logan, surpresa, e encontro seus olhos azuis fitando os meus, e a convicção feroz neles é exatamente igual àquela que queima dentro de mim. Meus lábios se curvam em um pequeno sorriso antes que eu me lembre de que não vou agir como se me importasse com ele.
Já me importei com Logan McEntire o suficiente para preencher uma vida inteira.
Desvio os olhos e entro no quartel sem qualquer outra palavra.
Oliver e Logan seguem em meus calcanhares. Um dos empregados, vestido de preto, nos conduz até uma sala quadrada e pede licença em voz baixa, saindo e fechando a porta por trás de si.
Cadeiras de madeira com espaldar reto cercam uma mesa longa e encerada, e seis tochas repousam em archotes de ferro enegrecido contra paredes pintadas de branco. O ar daquela sala cheira a fumaça e parece que não é renovado há um bom tempo, mas não sei se o sentimento de sufocação em minha garganta vem da falta de oxigênio ou do fato de o governante de Baalboden, Comandante Jason Chase, estar nos observando na cabeceira da mesa.
A luz das tochas reflete nos galões dourados trançados sobre seu casaco militar engomado, passando pelas dobras da cicatriz que corta caminho de sua têmpora esquerda até sua boca, e morre na escuridão implacável de seus olhos.
— Sentem-se — diz ele.
Obedecemos. Nossas cadeiras se arrastam contra o chão de pedra, um rangido estridente que indica o desconforto. Há dois homens sentados perto da cadeira do Comandante, um de cada lado. Um deles examina, com dedos nervosos, uma pilha de pergaminhos que está à sua frente. O outro exibe uma expressão concentrada, segurando uma pena sobre um tinteiro e uma folha de pergaminho em branco desfraldada sobre a mesa.
O Comandante examina cada um de nós individualmente antes de sentar-se em sua cadeira, mantendo a coluna ereta enquanto observa. Sem ao menos dar uma olhada para os dois homens que o ladeiam, ele diz:
— Oliver James Reece, Logan McEntire e Rachel Elizabeth Adams, vocês foram convocados para tratar de assuntos relativos à morte de Jared Nathaniel Adams.
Inclino-me para a frente com um movimento brusco ao ouvir aquelas palavras, passando na frente de Oliver para olhar nos olhos do Comandante, mas Logan agarra meu braço e me puxa para trás.
— Shhhh — diz ele, contra meu ouvido.
Puxo meu braço da mão dele e engulo o protesto que implora para ser vociferado. Não estamos aqui porque meu pai está morto. Estamos aqui porque o Comandante não nos dará mais tempo para provar que ele está vivo. A raiva borbulha sob minha pele.
O Comandante prossegue.
— Como ele não retornou da missão de mensageiro em que foi enviado a Carrington, invoquei o período de sessenta dias de tolerância até que ele voltasse. Esses sessenta dias terminaram hoje.
O homem gordo escreve furiosamente em seu pergaminho, sem derramar uma única gota de tinta pelo bico da pena. Quero falar. Fazer com que ele registre meu protesto. Qualquer coisa poderia ter dado errado nas Terras Ermas. Meu pai pode ter adoecido. Ou pode ter sido sequestrado por bandidos. Afastado do caminho de volta pelo Maldito. Nenhum desses eventos é necessariamente fatal. Precisamos apenas lhe dar mais tempo. Meu corpo vibra, a tensão se acumulando dentro de mim até ter de forçar minha boca a continuar fechada para não interrompê-lo.
— Assim, pelo direito de governante e guardião das leis em Baalboden, eu agora declaro que Jared Nathaniel Adams está morto.
O homem pequeno de dedos nervosos organiza a pilha de papéis que está à sua frente, pigarreia e começa a ler o testamento de meu pai. Deixo que as palavras passem por mim, desejando apenas que ele ande logo com isso para podermos ir embora. Mas, quando ele subitamente fica em silêncio e franze a sobrancelha, começo a prestar atenção.
— Algum problema? — pergunta o Comandante, num tom de voz que deixa claro que é melhor não haver nenhum.
— Isso está... ah... só um pouco irregular. Bem, bastante irregular. — Os dedos do homem agarram o pergaminho, apertando suas bordas até que elas começam a se esfacelar.
— Continue — ordena o Comandante.
Sinto um nó apertado se formar no fundo de meu estômago.
— Em relação à questão do Protetorado da minha filha, Rachel Elizabeth Adams, eu indico que seu Protetor... — Outro pigarro. Uma olhada rápida em minha direção.
Não, não em minha direção. Na direção de Logan.
Agarro a borda da mesa com dedos úmidos e sinto meu mundo desabar quando o homem diz:
— Eu indico que seu Protetor, até o dia em que ela seja legalmente Tomada, deve ser meu aprendiz, Logan McEntire.
CAPÍTULO 2
LOGAN
Demora um segundo até que eu consiga absorver a notícia. Até que eu me dê conta de que ele disse o meu nome. Não o de Oliver. O meu.
Enquanto ainda me recupero do baque, do pânico e do frio na barriga, já começo a tentar formular algum plano. Algo com o qual todos podem concordar que é razoável e justo. Um Protetor é um homem, parente ou marido. Não um órfão de dezenove anos que conseguiu sair de uma vida de pobreza e desamparo para se tornar o aprendiz do melhor rastreador de Baalboden.
Talvez o Comandante intervenha e nos diga que isso é um absurdo. Talvez reconheça que eu não tenho condições de assumir a guarda de uma garota de dezesseis anos. Não quando um homem com a idade e a reputação de Oliver está disposto e tem condições de fazê-lo.
Em vez disso, o Comandante olha por sobre a longa mesa que nos separa e sorri, um leve encurvamento de sua boca que não ajuda a mitigar o desafio do predador que há em seus olhos.
Ele não vai intervir, a menos que eu implore por isso. Pressiono meus lábios um contra o outro, uma linha fina que reflete minha rebeldia. Prefiro combinar todos os elementos da tabela periódica e assumir os riscos pelo resultado a me humilhar perante o Comandante. Mesmo pela causa nobre de dar a Rachel e Oliver aquilo que sei que eles querem. Vou ter de encontrar outra maneira de fazer com que Oliver assuma a guarda de Rachel. Talvez, como seu novo Protetor, eu tenha o poder de delegar a responsabilidade por ela a outra pessoa.
Antes que eu possa seguir essa linha de raciocínio, Rachel se levanta com um salto e diz:
— Não!
Oliver tenta contê-la, puxando-a de volta à sua cadeira, mas ela se desvencilha.
— Não? — O Comandante alonga a palavra intencionalmente, olhando para Rachel com atenção pela primeira vez desde que entramos naquela sala. O medo toma conta de mim quando ele a come com os olhos, como se apreciasse a ideia de lhe ensinar a ficar de boca calada.
Eu já vi aquela expressão nos homens que frequentam os becos escuros da região de South Alley. Nunca indica que coisas boas acontecerão com a mulher que eles selecionaram como sua presa.
A voz de Rachel treme.
— Ele não... eu não posso... isso é loucura.
Eu a agarro pelo braço e a obrigo a se sentar outra vez antes que ela diga algo que pode lhe causar problemas — especialmente problemas dos quais não poderei salvá-la.
— Ela quer dizer que tudo isso é muito inesperado.
— O que eu quero dizer é que não há qualquer possibilidade nesta vida de que eu me submeta a você por livre e espontânea vontade. — Ela me olha com uma expressão dura, mas suas palavras estão entremeadas pelo pânico.
Entendo o que ela sente. Não sei agir como um Protetor. Especialmente, não sei agir como o Protetor de Rachel. E não sei quais palavras posso usar para que ela odeie menos essa situação.
— Você se atreve a ir contra os desejos do seu pai? — O Comandante se inclina para a frente, pressionando as palmas das mãos contra o tampo da mesa.
— Não, ela não está fazendo isso.
— Sim, eu...
— Você não vai se atrever. — Encaro o olhar de Rachel e tento indicar, com minha expressão, que ela deve ficar quieta e deixar que eu cuide disso. Não que eu espere que a filha geniosa de Jared fique quieta em relação a qualquer coisa. Mas só pensar no que o Comandante pode fazer com ela caso Rachel o irrite provoca um medo tão forte em mim que quase me faz enjoar.
Ela me olha com uma expressão de absoluto desprezo, puxa o braço até conseguir soltá-lo e olha para o Comandante.
— Ele tem só dezenove anos. Um homem com a idade e a experiência de Oliver não seria uma escolha melhor?
As palavras de Rachel machucam, uma dor súbita e cortante que me atinge de surpresa. O fato de que eu estava prestes a sugerir a mesma coisa não ajuda a diminuir o ardor do golpe.
— Seu pai discorda — diz o Comandante em tom desdenhoso, desviando o olhar como se ela não tivesse mais nada de importante a dizer.
— Mas... eu já tenho quase a idade para ser Tomada. Faltam só três meses. Com certeza, tenho idade suficiente para não precisar ficar sob o teto do meu Protetor oficial...
O Comandante se ergue e faz Rachel se calar apenas com um olhar severo.
— Primeiro você questiona a sabedoria do seu pai sobre o seu destino. Agora está questionando também as leis de Protetorado de Baalboden?
— Senhor, ela está apenas um pouco abalada agora. Foi um dia difícil para ela. — A tranquilidade da voz de Oliver não consegue sobrepujar um toque de nervosismo que ainda está audível.
A expressão no rosto do Comandante faz com que o medo que toma conta de mim se transforme em rocha. Oliver não é capaz de acalmá-lo. Rachel também não, mesmo que tente. Sou o único que resta. Entre o líder que me odiou durante toda a minha vida e a garota que acha que me odeia também.
— Questionar a lei de Baalboden é questionar a mim. — O Comandante transforma cada palavra em uma arma cortante. — Tem certeza absoluta de que quer fazer isso, menina?
Afastando-se da cadeira, ele marcha em direção a nós com o passo deliberadamente vagaroso. As tochas pintam sombras grotescas em seu rosto quando ele passa pelos archotes, e eu me coloco em guarda.
Na Melhor das Hipóteses: tudo o que ele quer é dar um sermão em Rachel, e eu mal posso esperar até que isso termine antes de insistir discretamente, no papel de seu Protetor, que a levemos para casa.
Na Pior das Hipóteses: ele pretende castigá-la fisicamente por se atrever a questioná-lo, e eu terei de intervir. Prometer aplicar-lhe o castigo quando chegarmos em casa. Transferir a atenção dele para mim. É o que um verdadeiro Protetor faria neste momento.
Não tenho mais a falsa esperança de encontrar algum modo de delegar essa função a Oliver. O Comandante não vai permitir, não depois disso. Jared confiou a pessoa que mais amava no mundo a mim. Não a Oliver, que ela considera um avô. Não a Roderigo Angeles, o pai da sua melhor amiga. A mim. O aprendiz órfão que ela disse que amava, certa vez. Não entendo por que Jared achou que isso seria o melhor para ela, mas não tenho que entender. Ele ofereceu um lugar à sua mesa a um garoto de rua rejeitado por todos. Não apenas como empregado, mas como amigo. Tenho uma dívida com ele, e tenho de cuidar de Rachel da melhor maneira que puder.
E, por entender qual é a sensação de ter o alicerce sobre o qual sua vida se construiu ser arrancado de você, eu tenho uma dívida com Rachel, também.
O Comandante agora está atrás da cadeira de Rachel, segurando o encosto com os dedos esbranquiçados pela força com a qual o agarra. Está começando a aparentar os setenta e poucos anos que tem. Ainda assim, ele é bem musculoso, e se move com a elegância e leveza de um guerreiro experiente. Apenas um idiota o subestimaria.
— Se não fosse por mim, os sobreviventes dos primeiros ataques do Maldito, há cinquenta anos, continuariam vivendo nas ruínas de suas cidades. Sem uma liderança. Sem esperança. Ou você se esquece de que, enquanto o monstro pode devastar outros lugares, ele nunca invade a Muralha de Baalboden?
O Comandante se aproxima ainda mais, a luz da tocha rebrilhando em sua pele para refletir seus tons dourados nos cabelos de Rachel. Suas palavras são tapas ardidos contra o ar.
— Se não fosse por mim, o Maldito teria queimado esta cidade até transformá-la em cinzas há várias décadas. — Sua voz está se exaltando, os dedos fechados com força ao redor do espaldar da cadeira de Rachel, como se quisesse quebrá-lo em dois. — Não vou tolerar insubordinação. Não vou tolerar desobediência.
Ele a agarra pelos cabelos e a força a encará-lo. Eu fecho os punhos e me preparo para defendê-la se ele passar desse limite. Ela sibila um rápido gemido de dor, mas olha em seus olhos sem se abalar.
— E não vou tolerar uma reles menina falando comigo como se estivéssemos no mesmo patamar. Você está viva porque eu permito que esteja. Nunca se esqueça disso.
Deliberadamente relaxando os pulsos, abro a boca para oferecer ao Comandante todas as garantias possíveis para que ele se acalme, mas Rachel se adianta.
— Não vou esquecer.
Ela fala como se estivesse realmente assustada e humilhada, embora, se eu a conheço bem, é possível que ela tenha descoberto como mostrar ao Comandante o que ele quer ver. Ele solta os cabelos de Rachel, esfrega a mão no tecido da calça como se houvesse tocado em uma coisa suja, e se vira abruptamente na minha direção.
— Que isso seja uma lição sobre como controlar a sua protegida. Parece que Jared foi um pouco omisso em sua educação.
Ele não faz ideia do quanto Jared foi omisso na tarefa de fazer com que Rachel se rendesse à obediência dócil e meiga que se espera de uma mulher em Baalboden. Tudo o que consigo fazer é assentir rapidamente com um movimento de cabeça, como se estivesse grato pelo conselho.
— É melhor eu levá-la para casa agora — eu digo, esforçando-me imensamente para dar a impressão de que não sinto nada em relação a todo aquele procedimento.
— É verdade — diz Oliver, estendendo o braço para envolver a mão de Rachel. Sua voz está tão tranquila quanto a minha. Nós dois sabemos que não é bom demonstrar emoções na frente do Comandante. — Precisaremos buscar as coisas dela. Ou você está pensando em se mudar para a casa de Jared?
Vai ser muito difícil me ajustar a conviver com Rachel sob o mesmo teto. Acho que não vou conseguir suportar a situação se também tiver de me ajustar a deixar a solidão de meu pequeno sobrado para trás.
— Ela virá morar na minha casa.
Rachel se afasta como se eu houvesse lhe dado um tapa. Naquele momento, ocorre-me que talvez ela não seja capaz de suportar a ideia de abandonar sua casa, também, mas é tarde demais para voltar atrás. Demonstrar dúvidas ou indecisão diante do Comandante é uma das tolices mais extremas que alguém pode cometer. O arrependimento por minhas palavras se mistura com a raiva de ser forçado a assumir uma posição em que minhas únicas escolhas sejam abrir mão de tudo ou esperar que Rachel o faça. Não existe uma resposta certa. Não existe uma solução fácil que, de algum modo, torne isso suportável para nós dois. O peso da nova responsabilidade me dá a impressão de ser enorme, o bastante para me esmagar.
— Podemos ir? — pede Oliver ao Comandante.
Com os olhos escuros brilhando, o Comandante diz:
— Podem. — Mas, quando empurramos nossas cadeiras para longe da mesa e nos levantamos, ele se aproxima de Rachel e olha para mim, com a malícia reluzindo em seu olhar. — Diga-me, menina. Por que você detesta tanto o seu novo Protetor? E não se incomode em tentar mentir. — Os olhos dele deixam de prestar atenção em mim e se concentram nela. — Isso me obrigaria a castigá-la.
O Comandante não parece se incomodar com essa ideia.
Rachel me observa rapidamente, com os olhos azuis implorando. É o mesmo olhar que eu vi há dois anos, na manhã do seu décimo quinto aniversário, quando tudo mudou entre nós. Eu acabara de conquistar o posto de aprendiz de Jared, e ele saiu em uma missão para levar mensagens a Carrington, uma cidade-estado que fica vários dias a leste da nossa. Oliver estava hospedado na casa, como sempre acontecia quando Jared se ausentava, e estava ocupado na cozinha preparando o bolo de limão favorito de Rachel para seu aniversário. Sentei-me com Rachel na varanda dos fundos quando ela pediu. Achei que ela queria apenas falar sobre as saudades que sentia de Jared, ou de sua mãe, algo que era comum a nós dois.
Em vez disso, ela se sentou a meu lado, com as faces coradas, o olhar insistindo em não cruzar com o meu, e disse que estava apaixonada por mim. Percebi a esperança vibrante em suas palavras, ouvi o modo como sua respiração ficou presa na garganta quando eu demorei demais para responder, e me senti desajeitado e idiota.
Ela olhou para mim enquanto eu estava sentado, sentindo o calor do sol do início do verão, tentando encontrar alguma coisa para dizer; algo que não a magoasse, mas que não estimulasse o impossível. Tentei explicar. Dizer a ela que não conseguia pensar em um romance quando tinha de passar por tantas provações. Fazer com que ela percebesse que Jared não hesitaria em acabar com meu aprendizado se pensasse que havia alguma coisa imprópria entre nós. Confirmar que ela ainda era jovem, e que haveria outros rapazes.
As palavras saíram desajeitadas e entrecortadas, e eu não sabia onde colocar as mãos ao perceber a esperança nos olhos dela se transformar em súplica, até finalmente se desfazer por trás de uma muralha de fúria. Estendi o braço, encurtando a distância entre nós como se eu fosse capaz de diminuir os danos, mas ela se pôs de pé com um salto e me deixou ali sentado, sem nada além do eco de minha promessa, dizendo que ela acabaria por me esquecer.
Ela passou cada segundo desde aquele dia provando que eu estava certo. Não consegui vislumbrar qualquer coisa sob a independência feroz que ela usava como uma segunda pele, até agora. Agora, com o Comandante exigindo saber os detalhes que eu sei que humilharam, ela se vira para mim. E eu não pretendo decepcioná-la.
— Receio que me comportei de maneira pouco apropriada com a Senhorita Adams no passado — eu digo, colocando-me um pouco à frente de Rachel, para que o Comandante tenha de lidar comigo ou ser o primeiro a recuar. — Não posso culpá-la por esperar que um bom homem como Oliver fosse a escolha de seu pai.
Ele me estuda com um sorriso torto.
— Há duas possibilidades aqui. Ou Jared não se importava com esse comportamento pouco apropriado, ou nunca soube a respeito.
Faço um sinal afirmativo para o Comandante com a mais leve indicação de respeito antes de me virar para Rachel.
— Vamos buscar suas coisas?
Seu rosto está muito pálido. Até mesmo a luz das tochas se recusa a lhe dar um pouco de cor. Endireitando as costas, ela ergue um escudo feroz de independência, colocando-o de volta em seu lugar e diz:
— Tudo bem. Mas somente até o meu pai retornar. — Em seguida, ela sai da sala.
Começo a segui-la, mas a mão do Comandante se move e agarra meu ombro.
— E quando é que Jared planeja retornar? — pergunta ele.
— Como é?
O tom de voz do Comandante é cruel.
— Ela disse até o meu pai retornar
. Quando vocês esperam que ele retorne? — Sua outra mão repousa na empunhadura da espada, e os dedos pressionam meu manto como se ele quisesse me arrancar sangue.
— Não esperamos o retorno dele — eu digo calmamente, embora minha mente esteja funcionando em alta velocidade. Se o Comandante realmente acha que Jared morreu enquanto viajava pelas Terras Ermas, por que está tão interessado no fato de Rachel acreditar que seu pai vai voltar? — Rachel apenas gostaria que as coisas fossem diferentes.
— Se você sabe alguma coisa que eu não sei a respeito do retorno fracassado de Jared, conte-me agora.
— Não sei de nada.
— Nem pense em mentir para mim — diz o Comandante, com a malícia escorrendo de cada uma das palavras.
A tensão faz com que o silêncio entre nós fique denso. O Comandante não pensa que Jared teve problemas durante sua última missão. E ele certamente não pensa que Jared está morto. Não sei exatamente o que está acontecendo, mas sei, com toda a certeza, que o líder de Jared representa um perigo muito maior para ele do que qualquer coisa que exista nas Terras Ermas.
— Não estou mentindo — eu digo.
O Comandante se aproxima, soltando as palavras como se estivesse disposto a cuspi-las em meu rosto.
— Se eu descobrir que isso é mentira, vou castigar a garota primeiro. Você, entre todas as pessoas, é capaz de entender isso.
A súbita lembrança do corpo de minha mãe jazendo sem vida aos pés do Comandante faz com que seja quase impossível dizer:
— Eu entendo.
Ele solta meu ombro lentamente, e eu me viro para sair da sala, com a cabeça erguida. As costas eretas. O rosto treinado para exibir uma máscara sem qualquer expressão, como se as fogueiras gêmeas do pânico e da fúria não houvessem acendido num