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A Mira
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E-book160 páginas2 horas

A Mira

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Sobre este e-book

Uma coleção de 13 Contos de Fadas para Adultos - alguns deles doces e comoventes, e alguns deles simplesmente cruéis e perturbadores.

Há o conto de amor encantadora entre Mabel e Abel, um casal idoso que procura os serviços de um assassino de aluguel como teste de seu amor; o conto de cortar o coração de Felicity, uma jovem na véspera de um aborto, desejando que fosse ontem; e uma recontagem de Chapeuzinho Vermelho, repleta de terror e reviravoltas de sangue.

Uma jornada surreal, como se o filho adotivo de Albert Camus, Stephen King e o Dalai Lama tivesse buscado, com o coração partido, perturbar tanto quanto encantar e iluminar.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de set. de 2023
ISBN9798215817957
A Mira
Autor

C. Sean McGee

"I write weird books."

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    Pré-visualização do livro

    A Mira - C. Sean McGee

    Charlie e a Grande Inundação

    Era uma vez uma pequenina gota de chuva que vivia em uma pequenina casa em uma pequenina cidade dentro de uma pequenina nuvem; uma que flutuava relativamente alto no claro céu azul. Charlie era o seu nome e ele era a gota de chuva mais feliz naquela nuvem, quiçá até mesmo em todo aquele céu.

    Charlie, querido, é hora de acordar!

    Aquela era a coisa favorita de Charlie em todo o mundo – acordar. Aquilo e ir para a escola – é claro. O quão fantástico era, portanto, que ele pudesse fazer ambos os todos os dias!

    Viva! Um novo dia gritou Charlie. Uhuuu! Estar vivo é incrível.

    Era como se, enquanto ele dormia todas as noites, alguém entrasse em seu quarto com um canudo e soprasse uma enorme bolha de alegria dentro dele, porque todas as manhãs, quando acordava, ele saltava ao redor de seu quarto, quase como se fosse um grande e velho balão. Acordar era fantástico, realmente era. Não havia sentimento melhor, exceto claro, ir para a escola – aquilo era o melhor!

    Veja bem, na escola, Charlie podia encontrar seus melhores amigos. Todos eram gotas de chuva assim como ele. Alguns deles eram grandes gotas de chuva e alguns eram pequenas gotas de chuva, porém como Charlie, todos eram feitos de água, e era aquilo que importava. Ele tinha tantos amigos, também – o suficiente para encher centenas de piscinas. Ele os amava e eles o amavam.

    Hoje é o grande dia, Charlie, disse a Mãe. Está animado?

    Charlie quase havia se esquecido. Hoje era o grande dia. Ele havia pensado que era apenas um dia normal.

    Sua mãe está certa, você sabe, disse o Pai. É um grande dia hoje.

    Aquilo o fez parecer tão assustador, como se não houvesse maneira alguma de ser divertido.

    Eu já te contei sobre o seu tio?

    Charlie sentou-se e prestou atenção em seu pai, exatamente como ele sempre fazia toda vez que escutava aquela história. O orgulho da família, seu pai o chamava. Uma história que ele contava centenas de vezes ao dia, todos os dias da semana. Era uma história que Charlie nunca se cansava de ouvir, assim como seu Pai nunca se cansava de contar.

    Ele era mais ou menos da sua idade, ele era – Tio Cliff. Ele era o orgulho nos olhos de meu pai também. De todos, realmente. O orgulho de nossa família, ele era. E ainda é.

    Sua Mãe repousou a mão no ombro de seu Pai e secou uma lágrima, e não era uma de tristeza.

    A gota de chuva mais corajosa da nuvem, disse o Pai. Você sabe do que ele era feito?

    Claro que ele sabia; da mesma coisa que era feito todas as outras vezes que ele contava aquela história.

    Do que, Pai? questionou Charlie, pretendendo não fazer ideia.

    Coragem, disse o Pai. Ele era feito de coragem.

    Coragem disse Charlie com admiração, como se estivesse escutando aquilo pela primeira vez. Uau.

    Isso mesmo. Seu tio não choveu em qualquer lago ou poça d'água velha, não como qualquer outra gota de chuva. Não senhor.

    O que ele fez pai? questionou Charlie, já na borda de sua cadeira. O que ele fez?

    O seu tio Cliff apagou o grande incêndio, disse o Pai.

    Uau.

    Isso mesmo. Ele não esperou. Ele não hesitou. Ele não estava nem um pouco assustado. Ele simplesmente pulou dessa pequena nuvem e caiu exatamente no topo daquele inferno borbulhante. E você sabe o que ele fez?

    O que pai?

    Ele salvou o dia. Seu tio, Cliff. O orgulho da nossa família.

    Charlie irradiava alegria. Ele amava escutar aquela história.

    Um dia nós estaremos contando uma história sobre você, disse a Mãe.

    Ela beijou-o na bochecha e o entregou seu lanche já embalado.

    Você acha? questionou Charlie. Você acha que eu poderia ser o orgulho da família também?

    Eu sei disso, disse a Mãe.

    Desde que nasceu Charlie sabia que um dia chegaria o momento em que teria que deixar sua pequenina casa, deixar sua pequenina cidade, e por mais louco que pudesse parecer deixar também a pequenina nuvem. Sim, isso mesmo! Eles esperavam que ele pulasse da nuvem!

    Louco, não é mesmo?

    Mas aquilo era apenas o que as gotas de chuva faziam. Era o que elas nasceram para fazer. Quando era chegado o momento, elas pulavam da sua nuvem com zilhões de outras gotas de chuva, em direção a Terra.

    Seja quem você está destinado a ser.

    Aquele era o lema. Era o que todos diziam – sua professora, sua mãe, seu pai; todos.

    Você pode ser alívio para um fazendeiro, talvez; um fazendeiro cujas plantações e gado estejam ressecados, sedentos e colocados à prova por uma longa e terrível seca; ou você pode ser um deleite para uma floresta; uma cujas copas das árvores chegam tão alto quanto as nuvens, enchendo córregos e rios que a serpenteiam trazendo sustento para todas as grandes e pequenas criaturas que vivem por ali; ou você pode ser alegria para uma pequenina criança em um parque, brincando em uma grande e velha poça de lama. Você pode ser qualquer coisa.

    Seja quem você está destinado a ser.

    Isso é tudo que todos sempre disseram.

    Seja quem você sempre esteve destinado a ser. Seja quem você está destinado a ser.

    Mas o problema era exatamente esse, pois veja bem; o pobre Charlie não sabia quem ele queria ser.

    E se eu não souber o que eu quero ser? ele questionou.

    Você saberá, disse a Pai, de modo críptico.

    Você irá descobrir, disse a Mãe, como se aquilo tornasse tudo melhor.

    E se eu não for alívio? disse Charlie. E se eu não for deleite?

    O pobre menino estava sobrecarregado com preocupações.

    E se eu não for Alegria?

    Aquele pensamento era absurdo. Aquilo era tudo o que lhe havia sido ensinado a ser. Era tudo o que ele poderia ser. No entanto, aqui estava ele, pensando em si mesmo no futuro e imaginando um cenário muito pior.

    E se eu for uma inundação? ele disse. 

    O pensamento por si só já era aterrorizante. Seu Pai, contudo, apenas sorriu.

    Você ficará bem, filho. Só permaneça na sua fila, fique junto com seus amigos e tudo sairá bem. Você vai ver. Não há motivo algum para se preocupar.

    Ele fez tudo soar tão fácil.

    É melhor irmos, disse a Mãe. Hoje é o grande dia e não queremos nos atrasar.

    E era mesmo. Hoje era o dia que Charlie iria pular da nuvem. Hoje era o dia em que ele iria descobrir quem estava destinado a ser. Deveria ser o dia mais feliz na vida dele, também. Deveria, mas não era.

    Eu queria que fosse ontem, disse Charlie. Eu realmente queria.

    Veja bem, Charlie não queria crescer. Ele não queria mudar. Tudo já estava perfeito daquele modo. A escola era divertida. Jogar pega-pega no pátio da escola era tão bom. Por que ele não podia ser uma criança para sempre?

    Bem? disse Mãe com toda sua sabedoria. Mesmo que fosse ontem, ainda assim continuaria a ser hoje.

    Charlie não entendeu muito bem o que ela quis dizer, porém o ajudou a parar de se preocupar.

    Olhe, ela disse. Lá estão todos os seus amigos.

    Ali, à beira da nuvem, se encontravam zilhões de gotas de chuva, todas elas pulando de um lado pro outro tentando espreitar por cima da borda; seu professor – o Sr. Gota – balançava os braços intensamente, tentando colocar todos em uma única fila.

    Charlie venha conosco, disse um grupo.

    Charlie venha conosco, disse outro.

    Cada grupo formou uma fila ao longo da borda da nuvem, cada um com um lugar e propósito diferente. Alguns deles iriam levar chuva para fazendeiros, aqueles cujo gado e plantações haviam sido ressecados por uma seca prolongada, enquanto outros iriam encher lagos e riachos, e saciariam a sede da mais bonita das flores e da mais alta das árvores. Alguns até fariam grandes poças, do tipo que as crianças adoravam brincar, para que pudessem ficar todas enlameadas e se divertirem.

    Charlie venha conosco, todos gritavam.

    Todos eles estavam tão felizes, tão seguros de quem eles iriam ser.

    Eu não estou preparado, disse Charlie.

    Ninguém nunca está preparado, disse a Mãe. Não importa o quanto planeje. Quando é chegada a hora, mesmo o mais corajoso – mesmo o mais preparado – deseja ter apenas mais um minuto.

    Mas e se eu não for como o Tio Cliff?

    Ele olhava para o seu Pai enquanto dizia. Tio Cliff era o orgulho da família. Ele era o orgulho de toda a cidade. Tudo que Charlie sempre quis foi deixar seu pai orgulhoso.

    E se eu não trouxer alívio? E se eu não trouxer deleite? E se eu não trouxer alegria? E se eu chover no desfile de alguém? E se eu não deixá-los orgulhosos?

    Você se preocupa demais. Você se sairá bem, disse Mãe. Seu Pai ama você. Ele só quer ver você feliz. Nós dois queremos. É apenas uma escolha.

    E se eu cometer um erro? questionou Charlie, soando mais que incerto; soando totalmente assustado. E se eu escolher errado? E se eu não souber quem eu quero ser?

    Mãe sorriu e beijou-o na bochecha.

    Você é quem você é, ela disse. E esse é quem você será para sempre.

    Novamente, Charlie não fazia ideia do que ela queria dizer, porém de novo o ajudou a parar de se preocupar.

    Eu te amo, querido, ela gritou enquanto ele seguia para se juntar com seus amigos.

    Charlie não ousou olhar para trás, pois sabia que se olhasse, ele iria apenas chorar e desejar ir para casa. Ao invés disso, ele pretendeu ser tão bravo e corajoso quanto Tio Cliff.

    Eu queria que fosse ontem, ele disse para si mesmo.

    Dez segundos, gritou Sr. Gota.

    Ele havia passado a vida inteira preparando-os para este momento, o Sr. Gota; moldando-os nas gotas de chuva que eles eram, e nas gotas de chuva que logo se tornariam. Se ele estava orgulhoso, fez um grande trabalho escondendo. Seu rosto tinha o formato de uma pistola de largada e a sua voz, enquanto gritava a cada fila para se preparar e se posicionar, soava como o apito de um árbitro.

    Cinco segundos, ele gritou.

    Charlie espreitou-se sobre a borda da nuvem. Abaixo dele, era possível ver centenas de outras nuvens, e nas bordas dessas nuvens, gotas de chuva como ele, todas alinhadas e não apenas prontas, mas ansiando pular – todas elas tão completamente seguras de quem eram e de quem queriam ser.

    Todavia, tudo que Charlie queria era mais um minuto.

    Um segundo!

    Era tão distante dali. Tão, tão distante.

    Deixe-me orgulhoso, gritou Pai.

    E foi isso que assustou Charlie e o fez tropeçar e cair da nuvem. Ele nem sequer estava na fila. Sr. Gota nem sequer havia gritado ‘Pulem’. E no momento que ele o fez, Charlie já estava caindo – solitário.

    Eu queria que fosse ontem, berrou Charlie, enquanto ele caia do céu.

    Era uma longa descida. De fato, era tão longa que, antes mesmo de chegar

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