Vários Mundos: Burle Marx além das paisagens
De Paula Browne
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Sobre este e-book
Para ajudá-la na tarefa de investigar a trajetória do paisagista e artista de múltiplos talentos, Violeta conta com a ajuda de sua tia Isabel, irmã de seu pai e sobrinha-neta de Burle Marx. Quando criança, tia Bebel costumava frequentar o Sítio Santo Antônio da Bica, em Barra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, com a avó Helena, irmã do "excêntrico" tio Roberto, como a menina o chamava. Lá, Burle Marx recebia familiares e amigos para animados almoços, exercitava sua criatividade, que se fazia presente em cada detalhe da decoração da casa e, principalmente, cultivava as mais variadas espécies da flora brasileira, que inebriavam os sentidos de Bebel com suas formas, cores e aromas. O sítio, hoje patrimônio cultural, foi escolhido a dedo pelo paisagista. Depois de visitar mais de cem terrenos, Burle Marx se apaixonou por aquele pedaço de terra que guardava ruínas de cerca de 1600 e apresentava as condições ideais para desenvolver o trabalho que ele queria.
Sobrinha-neta de Roberto Burle Marx (1909-1994), a escritora Paula Browne homenageia seu tio-avô em Vários mundos – Burle Marx além das paisagens. Mesclando realidade, ficção e memórias, o livro apresenta para a garotada um pouco da vida e da obra de Burle Marx.
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Vários Mundos - Paula Browne
autora
UMAS PALAVRAS DA AUTORA
Quando eu era garota, frequentei o Sítio Santo Antônio da Bica (RJ), com a minha avó Helena. Íamos de Kombi e, naquela época, demorava-se muito para chegar. O que hoje se tornou um passeio era uma verdadeira viagem. Eu tinha a sensação de que subíamos uma montanha imensa e de que a estrada de terra que pegávamos era interminável e cheia de curvas. Não havia o acesso rápido que, agora, liga o Recreio dos Bandeirantes à Barra de Guaratiba.
A minha avó é irmã do Burle Marx, que vem a ser o meu tio-avô e a quem sempre chamei de tio Roberto. O Sítio Santo Antônio da Bica, antiga residência deles, hoje conhecido como Sítio Roberto Burle Marx, é patrimônio cultural.
O tio Roberto nasceu no dia 4 de agosto de 1909, era leonino como a minha avó. Acho que por isso se davam tão bem!
Naqueles tempos de menina, o tio Roberto me era tido como um tio excêntrico; eu o admirava com os olhos da infância. Seu nome Burle Marx
me parecia mais um adjetivo abstrato do que propriamente um sobrenome. Com meus poucos anos, não conseguia entender direito toda aquela importância que girava em torno dele, nem conseguia ligar a pessoa que eu via com a roupa toda suja de tinta àquele homem a quem todos pareciam fazer uma espécie de reverência. Eu ficava imaginando que o homem
a quem reverenciavam era o que eu não via, ou seja, um tipo de identidade secreta que ele tinha quando eu não estava por perto. E também me era confuso compreender como alguém, um único alguém, podia fazer tantas coisas diferentes!
Mas foi justamente o meu convívio com o mundo dele ou, mais precisamente, com seus vários mundos, que despertou em mim uma qualidade de olhar que me capacitou a ver beleza sem ser artista, poesia sem ser poeta. E que me influenciou, no final das contas, a ser um pouco artista, um pouco poeta.
Embora a história da Violeta seja uma fantasia, as partes que se referem ao tio Roberto foram registradas com base em pesquisas, em histórias familiares e em memórias pessoais.
PAULA BROWNE
"Na entrada, a Kombi aguardava um funcionário do sítio abrir os portões.
Chegamos. Minha avó sorria e eu já pedia para ficar ali mesmo.
Gostava de entrar no sítio a pé. Descalça, de preferência.
A Kombi sumia da minha vista, subindo pela estrada que ia dar na casa principal, e eu ficava ali a contemplar o imenso lago de vitórias-régias com meu par de tênis na mão.
Amava assistir àquelas bandejas flutuantes com suas flores solitárias, brancas ou rosas, reinando no centro.
Tudo muito lindo. Sentava na beira e respirava.
Sim, sobretudo eu respirava, pois o perfume que o sítio exala é o mais inesquecível.
A mistura de fragrâncias e aromas das plantas, das árvores, das flores, da terra, do lago, não tem só cheiro, tem sabor, tem cor."
– ISABEL LEWIS MARX
CAPÍTULO UM
Moro em São Paulo, uma megalópole gigante que vista de cima parece um tapete de prédios; neste exato momento estou no parque do Ibirapuera, um oásis de verde no meio de um oceano de cimento, fuligem e asfalto, e que, por ironia do destino, é um dos pontos de maior concentração de gases poluentes da cidade!
– Violetaaa!
– O quê, mãe?
– Vem aqui um pouquinho...
– Já vou.
Violeta sou eu. Aproveito a interrupção da minha mãe para apresentar-me: chamo-me Violeta Valdeville Marx. Tenho quinze anos, sou filha única, moro em São Paulo e estou no nono ano do colégio. Gosto de cinema, música, televisão e poesia.
Sentada em um banco pegado a uma árvore, eu redigia uma redação. Levantei e espreguicei meu corpo, que já havia adquirido o formato do tronco no qual estava confortavelmente recostado. Eu me estiquei toda. E, assim, caminhei em direção ao outro banco do gramado para saber de perto o que minha mãe queria comigo.
– Minha filha, veja que luz bonita está batendo sobre aquele bambuzal!
– Mãe! Eu não acredito que você me chamou aqui só para isso!
– Mas, filha, não está lindo?
– Tá.
– O.k., interrompi alguma coisa?
– Bom, eu poderia dizer que não, que eu estava, apenas, mergulhada em um parágrafo de uma redação chata sobre o meio ambiente que a professora de português mandou de lição para a próxima a aula que, ops! Será amanhã! O que você acha?
– Acho que você está estressada!
– Concordo.
– Posso ajudar?
– Não sei.
– Que tal dar uma paradinha e irmos atrás de uma água de coco ou de um sorvete?
– Sorvete.
– Então, cata seu caderno e vamos.
– É pra já. Mãe?
– O quê?
– Essa ideia foi ótima!
Take 1
O CARRO DÁ A PARTIDA. LENTAMENTE A ÁREA VERDE DO PARQUE VAI FICANDO PARA TRÁS.
(FIM DE TARDE.)
A LUZ DO SOL, QUE PENETRA PELA JANELA DA DIREITA DO AUTOMÓVEL, SE REFLETE NO CABELO CASTANHO-CLARO DA GAROTA.
(ZOOM.)
SEUS OLHOS QUASE PRETOS BRINCAM PASSEANDO PELAS LINHAS QUE SE FORMAM CONTRA O CÉU, MEIO NUBLADO.
(A CÂMERA ABRE PARA A PAISAGEM, PARA O QUE ELA VÊ.)
A TRILHA QUE TOCA VEM DO SEU I-POD. A MÚSICA VAI DIMINUINDO DE VOLUME. O SINAL FECHA.
(A CÂMERA VOLTA PARA DENTRO DO CARRO E O SOM EXTERNO ENTRA.)
O AUTOMÓVEL ESTÁ DE FRENTE PARA A LINHA DE PEDESTRES.
Violeta estava no carro ao lado da mãe. O passeio no parque lhe abrira o espírito para a contemplação. Gostava de olhar pela janela em movimento e se deixar absorver pelas imagens que a sua vista captava e por outras que ela mesma imaginava. O som plugado em seus ouvidos era a trilha perfeita para aquele momento. A música acabou e, no pequeno intervalo que se fez, antes de iniciar a próxima, sua mãe lhe perguntou:
– Filha, o que você pensa da vida?
– Nesse momento, não penso nada – Violeta respondeu sinceramente. No mundo em que estava não havia espaço para reflexões.
– E pensar sobre a vida tem hora, Violeta?
– Ah... mãe, com certeza tem. Pensar sobre a vida dá muito trabalho. Agora, por exemplo, eu só quero existir!
Minha mãe riu da resposta. Gosto do humor dela. Já estávamos próximas de casa.
– Depois de uma tarde tão linda, o céu está ficando encoberto... Será que o tempo vai virar?
– Não sei, mãe. Parece que sim.
– Gostou do passeio?
– Gostei. E que delícia aquele sorvete, hein?
– Estava bom mesmo! Podemos repetir outras vezes...
– Por mim, tudo bem.
A porta da garagem abriu e entramos no prédio. O carro do papai estava no estacionamento.
– Oba! O meu pai já chegou!
– Que bom!
Meu pai chama-se Thomas. Ele é engenheiro e sócio da firma na qual trabalha. Passa horas entre reuniões, clientes, uma viagem aqui e outra ali. É sempre uma surpresa vê-lo em casa cedo, pois ele nunca tem horário para deixar a empresa, embora sempre tenha para entrar lá!
– Pai! Você sai do escritório tão tarde, por que não pode, de vez em quando, chegar um pouquinho atrasado também?
– Minha filha, entenda uma coisa, além de eu ter o compromisso, tenho que dar o exemplo.
Isso é bem meu pai.
Minha mãe é fonoaudióloga. Divide com mais duas colegas um consultório. Seus horários são bastante flexíveis e ela usa as horas vagas
para cuidar de si, da casa, de mim e, sobretudo, para estudar.
– Mãe! Você já fez vários anos de escola, já terminou a faculdade, por que ficar ainda estudando? Liberte-se!
– Meu amor, estudar para mim é um prazer. Divirto-me lendo esses livros. Você deveria estudar mais também!
Isso é bem minha mãe. O nome dela é Juliana.
CAPÍTULO DOIS
Moro em São Paulo, uma megalópole que vista de cima parece um tapete de prédios. O parque do Ibirapuera é uma extensa área verde dentro da cidade. Surpreendentemente, nele se concentra uma imensa quantidade de gases poluentes.
Reescrevi o que havia começado no parque, redigi mais dois parágrafos e, quando estava assinando meu nome, o sinal anunciando o fim do recreio soou. Olhei para a minha amiga ainda debruçada sobre seu caderno e falei:
– Vamos, Lu, senão a gente não entra na sala!
– Um segundo. Estou acabando.
– ...
– Pronto! Vamos!
Estávamos sentadas nos degraus da escada e em dois lances já disputávamos espaço pelo corredor lotado de alunos retornando para suas turmas. Um grupo de garotos esbarrou em mim fazendo com que meu estojo caísse no chão.
– Ei! Vocês não olham para frente não, é?
Gritei enfurecida enquanto me abaixava para pegá-lo. Os meninos, dando risadas, nem se deram ao trabalho de me responder. Exceto um.
Take 2
A GAROTA VAI PELO CORREDOR DA ESCOLA, LOTADO DE ALUNOS, CARREGANDO SEU MATERIAL PRESSIONADO CONTRA O CORPO.
(CÂMERA COM VISTA AÉREA ACOMPANHA O MOVIMENTO. SOM EXTERNO DA ALGAZARRA.)
GRUPO DE GAROTOS VINDO DA DIREÇÃO OPOSTA COLIDE COM ELA.
(A CÂMERA SE APROXIMA E FILMA OS CABELOS DA GAROTA VOANDO EM CÂMERA LENTA. O SOM QUASE DESAPARECE.)
O GRUPO IGNORA O ACIDENTE. EXCETO UM.
(ZOOM.)
O MENINO OLHA NOS OLHOS DELA E ENSAIA UM TÍMIDO PEDIDO DE DESCULPAS. PORÉM, QUANDO VAI DIZÊ-LO, A VOZ SOME-LHE NA BOCA.
A GAROTA PERCEBE.
(TUDO EM CÂMERA LENTA.)
MAS, ANTES DE PERCEBER QUE PERCEBEU, PRAGUEJA EM VOZ ALTA:
(FIM DE CÂMERA LENTA.)
EI! VOCÊS NÃO OLHAM PARA FRENTE NÃO, É?
Violeta ficou com os cabelos em desordem. Em desordem também aparentava estar o seu humor. Ainda com certa dose de indignação ela abaixou-se para recolher seu material que havia caído no chão.
Enquanto recompunha seu estojo, recompunha a si também.
Ainda agachada, olhei para frente. Minha amiga já quase sumia de vista. Recolhi as canetinhas que tinham se espalhado e gritei:
– Luuu!!!
Ela não me ouviu. Nem viu o que tinha acontecido no meio da confusão. Saí correndo e entrei na sala esbaforida. A Lu, já sentada na carteira, olhava para a porta com um ar de interrogação. Antes que eu pudesse explicar qualquer coisa, o professor Martin entrou na classe com aquele ar sisudo de sempre. Eu havia acabado de chegar ao meu lugar quando ele disse:
– Buenos dias, chicos!
Suspirei. Os próximos cinquenta minutos seriam de puro tédio em espanhol.
– O que aconteceu, Viola?
Na escola o pessoal me chamava assim.
– Quando olhei para o lado, você tinha sumido!
– Também, Lu, você disparou! O meu estojo caiu no corredor e abriu todo!
– Mas você, hein, Violeta?
– Eu o quê? A culpa não foi minha!
– Sei...
– É sério! Quase me derrubaram!
A aula do