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O menino que descobriu o vento
O menino que descobriu o vento
O menino que descobriu o vento
E-book263 páginas5 horas

O menino que descobriu o vento

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Sobre este e-book

Quando uma terrível seca atingiu o pequeno vilarejo onde William Kamkwamba vivia, no Malaui, sua família perdeu todas as safras da estação, ficando sem ter o que comer ou vender, impossibilitando também a continuidade dos estudos de William. Assim, o garoto começou a explorar os livros de ciências na biblioteca de sua aldeia e foi lá que teve uma ideia que mudaria a vida de sua família para sempre: construir um moinho de vento. Construída com ferro-velho e peças usadas de bicicleta, a incrível criação de William levou eletricidade para casa, o que ajudou a família a bombear a água de que precisavam para cultivar a terra.
IdiomaPortuguês
EditoraPrincipis
Data de lançamento16 de out. de 2021
ISBN9786555526738
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    Pré-visualização do livro

    O menino que descobriu o vento - William Kamkwamba

    capa_menino_vento.jpg

    Texto © 2015 William Kamkwamba e Bryan Mealer

    Ilustrações © 2015 Anna Hymas

    Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução em todo ou em parte da obra.

    Esta edição foi publicada sob acordo com a Dial Books for Young Readers, um selo da Penguin Young Readers Group, uma divisão da Penguin Random House LLC.

    © 2021 desta edição:

    Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda.

    Esta é uma publicação Principis, selo exclusivo da Ciranda Cultural

    Título original

    The boy who harnessed the wind

    Texto

    William Kamkwamba

    Bryan Mealer

    Ilustrações

    Anna Hymas

    Design

    Mick Wiggins

    Lindsey Andrews

    Produção editorial

    Ciranda Cultural

    Tradução

    Eliana Rocha

    Editora

    Michele de Souza Barbosa

    Revisão

    Fernanda R. Braga Simon

    Diagramação

    Linea Editora

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

    K156m Kamkwamba, William

    O menino que descobriu o vento / William Kamkwamba; Bryan Mealer; traduzido por Eliana Rocha; ilustrado por Anna Hymas - Jandira, SP : Principis, 2021.

    192 p. : il.; 15,50cm x 22,60cm

    Título original: The boy who harnessed the wind

    ISBN: 978-65-5552-624-0

    1. Literatura africana. 2. Invenção. 3. Superação. 4. Moinho de vento. 5. Colheitas. 6. Netflix. 7. Fome. I. Mealer, Bryan. II. Hymas, Anna. III. Título.

    Elaborado por Lucio Feitosa - CRB-8/8803

    Índice para catálogo sistemático:

    1. Literatura africana 896

    2. Literatura africana 821.134.3(81)

    1a edição em 2021

    www.cirandacultural.com.br

    Todos os direitos reservados.

    Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada em sistema de busca ou transmitida por qualquer meio, seja ele eletrônico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização do detentor dos direitos, e não pode circular encadernada ou encapada de maneira distinta daquela em que foi publicada, ou sem que as mesmas condições sejam impostas aos compradores subsequentes.

    À minha família.

    – W.K.

    Prólogo

    A máquina estava pronta. Depois de tantos meses de preparação, o trabalho finalmente havia terminado: o motor e as pás estavam aparafusados e seguros, a corrente, bem esticada e cheia de graxa, e a torre, firme em suas pernas. Os músculos de minhas costas e braços haviam se tornado tão duros quanto uma fruta verde de tanto empurrar e levantar peso. E, embora eu não tivesse dormido na noite anterior, nunca me senti tão desperto. Minha invenção estava concluída. Parecia exatamente como eu a tinha visto em meus sonhos.

    Notícias sobre o meu trabalho haviam se espalhado por toda parte, e agora as pessoas começavam a chegar. Os comerciantes do mercado, que a tinham visto crescer a distância, fecharam suas lojas, enquanto os motoristas de caminhão deixaram seus veículos na estrada. Tinham cruzado o vale em direção à minha casa e agora se reuniam debaixo da máquina, olhando para cima, espantados. Reconheci seus rostos. Esses mesmos homens tinham zombado de mim desde o início e ainda murmuravam e até riam.

    Deixe­-os pra lá, pensei. Chegou a hora.

    Pisei no primeiro degrau da torre e comecei a subir. A madeira macia rangeu sob o meu peso. Quando atingi o topo, fiquei de pé, no mesmo nível da minha invenção. Seus ossos de aço estavam bem soldados, e seus braços de plástico, enegrecidos pelo fogo.

    Admirei as outras peças: as tampas de garrafa, as partes enferrujadas de um trator, o quadro de uma velha bicicleta. Cada uma contava sua própria história de descoberta. Cada peça se perdera e depois fora encontrada em uma época de medo, fome e dor. Juntos agora, estávamos todos renascendo.

    Com uma mão, agarrei uma pequena vara onde estava presa uma minúscula lâmpada. Então eu a conectei a dois fios que pendiam da máquina e me preparei para o passo final. Lá embaixo, as pessoas cacarejavam como galinhas.

    – Silêncio, todos – disse alguém. – Vamos ver até onde chega a loucura desse garoto.

    Nesse exato momento, uma rajada de vento assobiou entre os degraus e me empurrou para dentro da torre. Lá, destravei a roda giratória da máquina e vi que ela começou a girar. A princípio devagar, depois cada vez mais rápido, até que toda a torre balançava para a frente e para trás. Meus joelhos viraram geleia, mas eu aguentei firme.

    Eu implorava em silêncio: Não me deixe cair.

    Então agarrei a vara e os fios e esperei pelo milagre da eletricidade. Finalmente ela chegou, uma pequena centelha na palma da minha mão e, depois, uma magnífica incandescência. A multidão suspirou, e as crianças se empurraram para ver melhor.

    – É verdade! – disse alguém.

    – Sim – disse outro. – O garoto conseguiu. Criou o vento elétrico!

    Quando a magia governava o mundo

    Eu me chamo William Kamkwamba e, para entender a história que vou contar, é preciso primeiro conhecer o país onde fui criado. O Malaui é um pequeno país no sudeste da África. No mapa, ele parece uma minhoca cavando seu caminho através da Zâmbia, de Moçambique e da Tanzânia, à procura de um pequeno espaço. O Malaui costuma ser chamado O Coração Quente da África, o que não diz nada sobre sua localização, mas tudo sobre o povo que o chama de lar. Os Kamkwambas vieram do centro do país, de uma pequena cidade chamada Masitala, localizada na periferia da cidade de Wimbe.

    Vocês devem estar se perguntando como é uma cidade africana. Bem, a nossa tinha cerca de dez casas, todas feitas de tijolos de barro e pintadas de branco. Durante a maior parte da minha vida, nossos telhados eram feitos de bambus compridos que colhíamos perto dos pântanos, ou dambos em nossa língua chewa. Os bambus nos mantêm frescos nos meses quentes, mas, durante as geladas noites de inverno, o frio rasteja para dentro dos nossos ossos e dormimos debaixo de uma montanha de cobertores.

    Todas as casas em Masitala pertencem à minha grande família de tias, tios e primos. Em nossa casa, moramos eu, minha mãe, meu pai e minhas seis irmãs, além de algumas cabras e galinhas­-d’angola.

    Quando as pessoas ficam sabendo que sou o único menino entre seis meninas, costumam dizer "Eh, bambo, que significa Ei, homem, lamento por você!". E é verdade. A desvantagem de só ter irmãs é que frequentemente sou perseguido na escola porque não tenho um irmão mais velho para me proteger. E minhas irmãs estão sempre bagunçando minhas coisas – principalmente minhas ferramentas e invenções –, sem me dar nenhuma privacidade.

    Toda vez que eu perguntava a meus pais Por que temos tantas meninas?, sempre recebia a mesma resposta: Porque na loja de bebês estavam faltando meninos. Mas, como vocês verão nesta história, minhas irmãs na verdade são ótimas. E, quando você vive em uma fazenda, precisa de toda ajuda que possa conseguir.

    Minha família cultiva milho, que em nossa língua chamamos de chimanga. E cultivar chimanga exigia todas as mãos disponíveis. Em cada temporada de plantação, minhas irmãs e eu acordávamos antes do nascer do sol para cavar cuidadosamente as fileiras e depois enfiar suavemente as sementes no solo macio. Quando chegava a época da colheita, voltávamos a trabalhar muito.

    A maioria das famílias do Malaui é de agricultores. Passamos a vida toda no campo, longe das cidades, onde podemos cuidar de nossas lavouras e criar nossos animais. Onde vivemos não há computadores nem video games, e as televisões são muito poucas. Durante a maior parte da minha vida, não tínhamos eletricidade – só lâmpadas a óleo, que vomitavam fumaça e cobriam nossos pulmões de fuligem.

    Aqui os agricultores sempre foram pobres, e poucos podem custear sua educação. Consultar um médico também é difícil, porque a maioria de nós não tem carro. Na época em que nascemos, tínhamos muito poucas opções na vida. Por causa dessa pobreza e da falta de conhecimentos, os malauianos encontravam ajuda onde podiam.

    Muitos de nós recorríamos à magia – que é como minha história começa.

    Antes de descobrir os milagres da ciência, eu acreditava que a magia governava o mundo. Não a magia dos mágicos de tirar coelhos de cartolas ou serrar mulheres pela metade, o tipo de coisa que se vê na televisão. Era um tipo invisível de magia, que nos rodeava como o ar que respiramos.

    No Malaui, a magia se apresentava de muitas formas – a mais comum era a dos médicos feiticeiros, que chamávamos de sing’anga. Esses feiticeiros eram seres misteriosos. Alguns se mostravam em público, geralmente no mercado aos domingos, sentados sobre cobertores cheios de ossos, especiarias e pós que alegavam poder curar qualquer coisa, da caspa ao câncer. As pessoas pobres caminhavam quilômetros para ver esses homens, já que não tinham dinheiro para consultar médicos de verdade. Isso gerou muitos problemas, especialmente se a pessoa estivesse verdadeiramente doente.

    A diarreia, por exemplo. No campo, a diarreia é uma doença comum que surge quando se bebe água suja e que, se não tratada, pode levar à desidratação. Todos os anos, muitas crianças morrem de um problema que é facilmente curado com hidratação e simples antibióticos. Mas, sem dinheiro e sem fé na medicina moderna, os aldeões arriscavam a sorte com o diagnóstico do sing’anga:

    – Ah, eu sei qual é o problema – diz o feiticeiro. – Você tem um caracol.

    – Um caracol?

    ­– Tenho quase certeza. Precisamos removê­-lo imediatamente!

    O feiticeiro vai até sua bolsa de raízes, pós e ossos e puxa uma lâmpada.

    – Levante sua camisa – ele diz.

    Sem conectar a lâmpada em nada, ele a move lentamente sobre o abdômen do doente, como se iluminasse alguma coisa que só ele pode detectar.

    – Aqui está ele! Pode ver o caracol se mexer?

    – Ah, sim. Acho que consigo vê­-lo. Sim, ali está ele!

    O feiticeiro volta a procurar na bolsa alguma poção mágica, que espalha na barriga do doente.

    – Está melhor? – ele pergunta.

    – Sim. Acho que o caracol sumiu. Não o sinto se mexer.

    – Ótimo. São três mil kwachas.

    Por mais algum dinheiro extra, o sing’anga pode lançar maldições sobre seus inimigos – enviar inundações a seus campos, hienas a seus galinheiros ou terror e tragédia a seus lares. Foi o que aconteceu comigo quando eu tinha seis anos de idade – ou pelo menos penso que tinha.

    Eu estava brincando em frente à minha casa quando um grupo de meninos passou carregando um saco enorme. Eles trabalhavam cuidando das vacas de um agricultor vizinho. Naquela manhã, quando estavam conduzindo o rebanho de um pasto para outro, encontraram o saco no meio da estrada. Abrindo­-o, descobriram que ele estava cheio de chicletes. Podem imaginar um tesouro desses? Nem consigo dizer quanto eu adorava chicletes!

    Então, quando passaram por mim, um deles viu que eu brincava em um charco.

    – Vamos dar alguns para esse garoto? – ele perguntou.

    Não me mexi nem disse uma palavra sequer. Um pouco de lama pingou do meu cabelo.

    – Por que não? – disse o amigo dele. – Ele parece miserável.

    O garoto foi até o saco, apanhou um punhado de chicletes – de todas as cores – e os derramou nas minhas mãos. Assim que os meninos desapareceram, enfiei todos na boca. O suco doce pingou pelo meu queixo e manchou minha camisa.

    Eu não tinha feito nada errado, mas os chicletes pertenciam a um comerciante local que apareceu na nossa casa no dia seguinte. Ele contou ao meu pai que o saco tinha caído da sua bicicleta quando ele saía do mercado. Quando ele deu meia­-volta para procurá­-lo, o saco tinha desaparecido. Os moradores de uma aldeia próxima tinham lhe falado sobre o bando de meninos. E agora ele queria vingança.

    – Fui consultar o sing’anga – ele disse ao meu pai. – E quem comeu os chicletes vai se arrepender.

    De repente, fiquei apavorado. Eu sabia o que o sing’anga podia fazer com uma pessoa. Além de causar a morte e a doença, os feiticeiros controlavam exércitos de bruxas que poderiam me raptar durante a noite e me encolher ao tamanho de um verme! Eu tinha ouvido dizer que elas haviam transformado crianças em pedras, abandonando­-as para sofrer uma eternidade em silêncio.

    Eu já sentia o sing’anga me vigiando, planejando a maldade. Com o coração disparado, corri para a mata que ficava atrás da minha casa para tentar escapar, mas foi inútil. Senti o estranho ardor de seu olho mágico brilhar por entre as árvores. Ele me pegara. A qualquer momento, eu emergiria da mata como um besouro ou como um trêmulo camundongo prestes a ser devorado pelos falcões. Sabendo que tinha pouco tempo, corri para casa, onde meu pai estava debulhando um monte de espigas de milho e jogando­-as no colo.

    – Fui eu! – gritei, as lágrimas escorrendo­-me pela face. – Comi os chicletes roubados. Não quero morrer, papai. Por favor, não deixe que eles me peguem.

    Meu pai olhou para mim um instante e balançou a cabeça.

    – Foi você, é? – ele disse, sorrindo.

    Será que ele não entendia que eu estava encrencado?

    – Bem – ele disse, e seus joelhos estalaram quando ele se levantou da cadeira. Meu pai era um homem grande. – Não se preocupe, William. Vou procurar o comerciante e explicar. Tenho certeza de que vamos encontrar uma solução.

    Naquela tarde, meu pai caminhou oito quilômetros até a casa do comerciante e lhe contou o que tinha acontecido. E, embora eu só tivesse comido alguns chicletes, pagou ao homem pelo saco todo, que era quase todo o dinheiro que possuía. Naquela noite, depois do jantar, perguntei a ele se acreditava mesmo que eu estava em apuros. Ele ficou muito sério.

    – Ah, sim, cheguei bem na hora – ele disse, e depois começou a rir tanto que sua cadeira balançava. – William, quem sabe o que estava reservado para você?

    Meu medo dos feiticeiros e mágicos ficava ainda maior quando meu avô contava histórias. Se vocês conhecessem o meu avô, poderiam pensar que ele também era um feiticeiro. Era tão velho que não se lembrava do ano em que nascera. Estava tão enrugado que suas mãos e seus pés pareciam ter sido esculpidos em pedra. E suas roupas! Todos os dias meu avô insistia em usar o mesmo casaco e as mesmas calças em farrapos. Sempre que vinha do bosque, fumando seu charuto enrolado à mão, qualquer um podia pensar que uma das árvores tinha criado pernas e começado a caminhar.

    Foi meu avô que me contou a melhor história de magia que eu ouvi. Muito tempo atrás, antes que as imensas fazendas de milho e tabaco surgissem e devastassem nossas florestas, quando a gente não conseguia acompanhar o caminho do sol por entre as árvores, nosso país tinha muitos antílopes, zebras e gnus, além de leões, hipopótamos e leopardos. Vovô era um famoso caçador, tão habilidoso com seu arco e sua flecha que seu dever era proteger a aldeia e fornecer a carne de que ela precisava.

    Certo dia, quando meu avô estava caçando, deparou­-se com um homem que morrera envenenado por uma víbora. Ele alertou a aldeia mais próxima e, logo depois, seus habitantes voltaram com seu feiticeiro.

    O sing’anga deu uma olhada no morto, pegou sua sacola e jogou um ­punhado de remédios nas árvores. Segundos depois, centenas de cobras começaram a sair das sombras e se juntaram ao redor do cadáver, hipnotizadas pelo feitiço. O feiticeiro então subiu no peito do morto e bebeu uma poção que escorreu através de seus pés para o corpo sem vida. Então, para espanto do meu avô, os dedos do morto começaram a se mexer e ele se sentou. Juntos, ele e o feiticeiro examinaram as presas de cada serpente, procurando aquela que o mordera.

    – Acredite – disse­-me meu avô. – Vi isso com meus próprios olhos.

    Eu com certeza acreditei nisso, assim como em todas as outras histórias sobre bruxas e coisas inexplicáveis. Toda vez que percorria as trilhas escuras sozinho, minha imaginação corria solta e selvagem.

    O que mais de amedrontava eram os gule wamkulu, dançarinos mágicos que viviam nas sombras tenebrosas da floresta. Às vezes eles apareciam durante o dia, em cerimônias tribais quando os meninos chewa se tornavam homens. Diziam que eles não eram pessoas de verdade, mas espíritos de nossos ancestrais enviados para vagar pelo mundo. Tinham uma aparência sinistra: todos tinham o rosto e a pele de animais, e alguns andavam sobre pernas de pau para parecer mais altos. Certa vez, vi um deles fugir subindo por um mastro como uma aranha. E, quando eles dançavam, era como se mil homens estivessem dentro de seus corpos, cada um se movendo na direção oposta.

    Quando os gule wamkulu não se apresentavam dançando, viajavam pelas florestas ou dambos procurando meninos para levá­-los de volta aos cemitérios. O que acontecia lá eu nunca quis saber. Sempre que via um deles, mesmo numa cerimônia, eu largava tudo e corria. Uma vez, quando eu era muito pequeno, um dançarino mágico apareceu de repente em nosso pátio. Sua cabeça estava enrolada num saco de farinha, mas por baixo via­-se uma longa tromba de elefante e um buraco aberto como se fosse uma boca. Como minha mãe e meu pai estavam nos campos, eu e minhas irmãs corremos para o mato, de onde vimos o dançarino agarrar nossa galinha preferida.

    Ao contrário dos gule wamkulu ou do sing’anga no mercado, a maioria das bruxas e feiticeiros nunca revelava sua identidade. Nos lugares onde praticavam sua magia, o mistério predominava como um fenômeno climático estranho. Na cidade próxima de Ntchisi, homens carecas e altos como árvores caminhavam pelas ruas

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