A outra
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7 avaliações2 avaliações
- Nota: 5 de 5 estrelas5/5Transformador, gratidão a Deus, por essa obra ???☺️☺️ lindo emocionante
- Nota: 5 de 5 estrelas5/5QUANTOS CONTEÚDOS MARAVILHOSOS PODEMOS EXTRAIR DESSE LIVRO. AMEI A LEITURA!!!
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A outra - Maurício de Castro
CAPÍTULO 1
— Não aguento mais que me trate desse jeito, enquanto é só amores para aquela vadia. Qualquer hora, desapareço no mundo com nossa filha, e você nunca mais a verá. Um homem como você só merece desprezo, nojo e traição. É isso! Por que não pensei nisso antes? Vou me entregar ao primeiro que aparecer, e aí saberá o que é a dor de uma traição.
Ploft! Ploft! Ploft!
Foram os únicos sons que Lara escutou depois de a mãe ter dito aquelas palavras furiosas. Sons muito bem conhecidos. De bofetadas, tapas. No rosto, nos braços, na cabeça e onde mais ele pudesse e quisesse bater. Depois, o costumeiro som da porta batendo com estrondo, no claro sinal de que o pai havia saído espumando de raiva, e em seguida outro som também conhecido: o dos soluços do pranto doloroso de Marisa, a que, atirada na cama, braços cruzados sobre o peito, se entregava por quase uma hora.
Lara habituara-se àquela situação havia quatro anos, desde que Marisa, sua mãe, descobrira que Sérgio, seu pai, estava tendo um romance, ou um caso
, como ela costumava dizer, com uma mulher da periferia.
Agora, aos quatorze anos, Lara não sabia se sentia pena ou raiva da mãe. Pena, porque não achava justo um homem bater numa mulher, e raiva, porque a mãe não reagia; só ia até o nível das ameaças.
Sempre que aquela já tão conhecida discussão começava, Lara pegava sua boneca Teresa e recolhia-se em seu quarto, contíguo ao da mãe. Outras vezes, ia para a sombra de um belo abacateiro que havia no quintal. Preferia, no entanto, ficar ali, encolhida a um canto da parede, abraçando Teresa com força, temendo que um dia o pai fosse além das bofetadas e matasse Marisa. Em seu raciocínio, ficar no quarto ao lado era uma forma de inibir Sérgio de fazer o que ela tanto temia: assassinar sua mãe, e ela ter de ir morar com a amante do pai ou com sua tia Odete. Tremia de medo ao pensar nas três hipóteses: ver Marisa assassinada, morar com Rosa ou ser forçada a morar com a tia.
Sacudiu duas vezes a cabeça, como se tentasse espantar os pensamentos negativos, jogou Teresa sobre a cama e foi para o quarto da mãe. Era outra rotina: assim que o pai saía, sua mãe começava a chorar, e ela ia consolá-la.
Entrou no quarto e deitou-se ao lado da mãe sem nada dizer. Sempre era Marisa quem começava.
— Está vendo o monstro que é seu pai? Viu o que ele me fez mais uma vez?
Lara assentiu com a cabeça, e Marisa prosseguiu:
— Qualquer dia desses, cumpro minha promessa: sumo com você daqui, e nunca mais ele nos verá.
Lara também ficava assustada e angustiada com aquela possibilidade.
— Mamãe, não há outro jeito de resolver isso?
— Que jeito? E por acaso há jeito? — perguntou Marisa quase gritando. — O único jeito possível é seu pai deixar a vagabunda com quem se meteu e voltar a ser quem era antes de ela aparecer. Lembra como seu pai era carinhoso, meigo e gentil conosco, antes dessa mulher entrar em nossas vidas?
Lara calou-se. Sentia vontade de dizer que Sérgio nunca fora um homem gentil, carinhoso e meigo, não da forma como sua mãe dizia. Com ela, Sérgio sempre fora um ótimo pai, amava-o, mas ele sempre fazia questão de tratar Marisa com certa rispidez e até frieza. Lara, muito inteligente desde pequena, percebeu isso cedo. Resolveu não dizer nada, pois podia piorar o estado emocional da mãe.
Marisa, como se a filha tivesse respondido afirmativamente, prosseguiu:
— Sérgio transformou-se em outro homem desde que foi enfeitiçado por aquela vadia, mas, no dia que eu e você desaparecermos, ele com certeza se arrependerá e virá correndo nos procurar, humilhando-se para que eu o perdoe.
Marisa calou-se. Não tinha tanta certeza do que dizia, por isso nunca realizava suas ameaças. Sérgio parecia estar cada vez mais apaixonado por Rosa, e isso a destruía por dentro. Parecia que sua alma estava partida em vários pedaços, e a cada dia um deles morria.
A voz de Lara interrompeu os pensamentos de Marisa.
— Não quero ir embora. Eu amo o papai.
Sempre que a filha dizia aquilo, Marisa sentia outro tipo de dor envolvê-la: a do remorso. Por causa de sua raiva por Sérgio, estava sempre jogando a filha contra o pai, na tentativa de a menina também odiá-lo. Não sabia separar as coisas, e isso a atormentava.
Enxugou as lágrimas que ainda escorriam pelo rosto, levantou-se da cama e convidou a filha:
— Vamos para a cozinha. Vou fazer aquela sopa de que você tanto gosta. Não vamos mais falar sobre isso.
Lara levantou-se junto com a mãe e não conteve a pergunta:
— A senhora vai ficar assim desse jeito?
— Que jeito?
— Assim, como se nada tivesse acontecido. A senhora não vai reagir?
Marisa empalideceu.
— Que ousadia é essa, menina? Como se atreve a falar assim comigo?
— Não estou fazendo por mal, mamãe, mas não acho certo ele lhe bater, e as coisas ficarem por isso mesmo todas as vezes.
— E o que você quer que eu faça? Que parta para a agressão também? Quer ver seu pai e sua mãe travando uma luta corporal, em que apenas um sairá vivo?
Lara queria dizer outra coisa, mas preferiu calar-se. Tinha ideias maduras para sua idade e, sempre que se atrevia a expô-las, acabava sendo mal interpretada.
Percebendo que a filha ficara calada e retraída, Marisa foi até o banheiro. Lara dirigiu-se à sala e ligou a televisão, mas não estava prestando muita atenção ao programa. Olhava de soslaio a mãe no banheiro, lavando o rosto e arrumando os cabelos, na tentativa de parecer que nada havia acontecido. Seu pensamento vagava por alguns instantes e depois parava numa frase que Marisa sempre dizia no meio das discussões: Você me trata mal desse jeito, mas com ela é só amores
. Como sua mãe sabia disso? Como poderia dizer com tanta firmeza que o pai era amoroso com a amante? Teria visto alguma cena? Alguém a informava? Mas o que a deixava mais intrigada era o fato de Sérgio ser ríspido, grosseiro e violento com Marisa, que era sua esposa, e amoroso com Rosa, que era a outra
, como sua mãe costumava se referir a ela.
O que levava um homem a agir assim? Era o que ela, a partir daquele dia, tentaria descobrir. Via o sacrifício da mãe para manter a casa em ordem, lavando, passando, cozinhando, economizando e até vendendo produtos naturais de porta em porta para melhorar o orçamento, enquanto o pai só vivia arrumado, perfumado e certamente gastando o dinheiro que ganhava como mecânico com Rosa, que era a amante. Havia algo errado ali, e ela tinha de descobrir.
Marisa foi para a cozinha preparar a sopa, e Lara acabou entretendo-se com o filme que estava sendo exibido na TV. Passava das seis da tarde, quando sua mãe lhe pediu que fosse tomar banho e se preparasse para o jantar.
Todas as noites após o jantar, Lara sentava-se à mesa da copa para fazer a lição de casa. Embora tivesse concluído o Ensino Médio, Marisa não aprendera o suficiente, e Lara só conseguia fazer muitas atividades com a ajuda de Murilo, filho da vizinha. Quando não conseguia resolver algum cálculo ou problema matemático, interpretar um texto ou decifrar os enigmas dos textos de História, ela ia até a casa dele e chamava-o para ajudá-la. Murilo tinha doze anos e já cursava o 7º ano, enquanto ela, com quatorze, ainda cursava o 5º ano. Por alguma razão, nunca lhe explicaram por que ela começara a estudar um pouco mais tarde do que as outras crianças. Murilo e Lara estudavam na mesma escola, e, mesmo em classes diferentes, mantinham grande amizade, o que levava alguns colegas a suspeitar que namoravam, o que a irritava profundamente.
Naquela noite, a lição era de Ciências Naturais, disciplina que Lara dominava, por isso não teria dificuldades. Ainda assim, chamaria Murilo a pretexto de ajudá-la e, mais tarde, quando fosse levá-lo até o portãozinho de ferro, teria uma conversa séria com ele. Tinha certeza de que o amigo a ajudaria muito.
CAPÍTULO 2
Todas as noites, Marisa era tomada de um grande tédio. Assim que terminava de lavar a louça do jantar, nada mais tinha a fazer além de se jogar no sofá da sala e assistir à televisão. Assim que a novela das nove terminava, ela desligava o aparelho e, depois de fazer um lanche leve junto com a filha, recolhia-se para dormir. O sono, contudo, não chegava fácil. Enquanto Lara ressonava no quarto ao lado, Marisa ficava insone, olhos fixos no teto, tomada de intensa solidão.
Naquela noite, não foi diferente, e ela começou a relembrar.
Antes de Sérgio iniciar o romance com Rosa, ambos assistiam à TV juntos. Ele adorava filmes e era com prazer que trazia os mais recentes para verem na companhia um do outro. Nos dias em que as emissoras transmitiam jogos, a noite virava uma festa. Sérgio convidava alguns amigos para assistirem às partidas com ele, e, com satisfação, Marisa preparava petiscos e servia a cerveja sempre geladinha para que eles tomassem. Algumas amigas suas odiavam aquele comportamento dos maridos e não gostavam do barulho que os homens faziam a cada lance mais dramático ou quando o time preferido fazia um gol, mas para ela tudo era divertido. Até Lara participava vibrando alegre e abraçando o pai quando seu time predileto ganhava a partida. Agora tudo mudara. Era só solidão.
Naquelas noites insones, Marisa sempre se recordava da mudança rápida pela qual Sérgio passara. O marido simplesmente começou a chegar mais tarde em casa, e ela percebeu que algo estava errado. Ele passou a chegar cheiroso, como se tivesse acabado de tomar banho, e obviamente não vinha da oficina mecânica. Sérgio normalmente chegava sujo de graxa e bastante suado. Quando Marisa questionou o marido, ele desculpou-se dizendo que estava tomando banho num banheiro improvisado na oficina e por isso estava levando uma muda de roupa quando saía para trabalhar.
Como ele não mudara em casa nem na cama, Marisa acabou relaxando e não se importou mais com o fato. Uma noite, contudo, Sérgio não voltou do trabalho, e ela, preocupada, acreditando que algo tivesse acontecido, ficou a noite toda acordada, temendo o pior. Perto das oito da manhã, ele chegou limpo, cheiroso e com roupas diferentes. Afirmou que fora assistir a um jogo na casa de um amigo que possuía TV a cabo e acabara ficando por lá. Por mais que Marisa tivesse insistido, a resposta foi a mesma. Queria averiguar com o tal amigo, mas Sérgio recusava-se a dizer o nome, alegando que a esposa estava insegura à toa.
Na semana seguinte, no sábado, o fato aconteceu mais uma vez, tornando, assim, rotina. Sérgio começou a passar mais noites fora de casa do que no lar e, a cada amanhecer, dava uma desculpa pior que a outra. Com a certeza de que ele estava com uma amante, Marisa começou a esbravejar, xingar, ameaçar, mas nada adiantou.
Numa manhã, ao chegar em casa, Sérgio esperou Lara tomar o café e ir para a escola e simplesmente disse:
— Você está certa. Tenho outra mulher. Aconteceu sem que eu pudesse prever. Conheci Rosa por acaso, fomos fazendo amizade até que tudo ocorreu. Como esta cidade é pequena, e logo você iria saber de um jeito ou de outro, resolvi lhe contar. Estou gostando da Rosa, pois ela me dá o que você não me proporciona. Gosto de você, Marisa, e não quero me separar por causa da Lara... Desejo, no entanto, que compreenda e não vá até a casa dela fazer escândalos. Isso de mulher casada ir até a casa da amante do marido para agredi-la verbalmente e até fisicamente está fora de moda. Peço que se dê valor, se respeite e deixe Rosa em paz. Ao contrário do que possa pensar, não foi ela quem me seduziu. Eu que o fiz. Desejo e vou continuar meu casamento com você por causa da Lara, mas não pretendo deixar Rosa e não responderei por mim caso faça algo contra ela.
À medida que ouvia aquelas palavras, Marisa sentia-se desfalecer aos poucos e teria caído se Sérgio não a amparasse e a fizesse sentar-se no sofá.
Lágrimas copiosas de sofrimento rolaram em profusão pelo rosto de Marisa, que, tomada pela surpresa, ficou muda. Não sabia o que dizer.
Sérgio foi à cozinha, pegou um copo com água e deu-lhe para beber. Ela, com o copo seguro pelas mãos trêmulas, pensou em atirar seu conteúdo no rosto do marido, porém, se conteve. Bebeu o líquido aos poucos e foi se acalmando.
Quando Marisa terminou de beber a água, percebendo que ela estava mais calma, Sérgio finalizou:
— É tudo que tenho a lhe dizer. Espero que entenda e procure tornar nossa vida mais fácil possível. Lembre-se de que temos uma filha ainda criança, e o que menos desejo é que ela sofra com isso.
Sérgio virou as costas e ia se dirigindo à porta da frente, quando ouviu um grito estridente e o barulho de cacos de vidro se estilhaçando. Olhou para trás e viu Marisa completamente transtornada gritando:
— Pensa que é fácil assim?! Como me diz isso com esse cinismo canalha, típico de homens vagabundos como você? Como joga na minha cara que tem uma amante e ainda quer que eu compreenda, não faça nada, a não ser fingir que está tudo bem e como sempre? Quem você pensa que eu sou?
Dizendo isso, Marisa avançou sobre Sérgio com força multiplicada, enchendo-o de pequenos socos e tapas, mas foi contida pela força do marido, que, segurando-a pelos punhos, retrucou com raiva:
— Se não fizer exatamente isso, irei embora desta casa e não voltarei mais. Não me faça perder a consideração e o respeito que ainda lhe tenho. Não quero que Lara sofra! Só por isso não quero me separar. Mas, se for para conviver com uma mulher histérica e neurótica como você, sempre gritando desse jeito, fazendo cobranças a todo instante e provocando discussões como esta, tenha certeza de que sairei por aquela porta para morar com Rosa e ainda encontrarei uma maneira de tirar a Lara de você. Afinal, nenhuma criança merece viver ao lado de uma mulher num estado lamentável como o seu.
Enquanto ouvia tudo aquilo, Marisa não teve outra reação a não ser deixar-se cair no chão, segurando as pernas de Sérgio, como a suplicar que ele voltasse a ser como antes ou dissesse que tudo aquilo era mentira.
— Levante-se, Marisa! — disse Sérgio enérgico. — Você não precisa se humilhar tanto. Tenha dignidade! Não adianta fazer escândalo nem me agredir. Nada vai mudar em minhas decisões.
Marisa fez o que Sérgio pediu e voltou a sentar-se no sofá.
— Você é minha felicidade, Sérgio. Nossa família é a razão do meu viver. Como quer que eu aceite isso? Como vou encontrar a felicidade sem você?
— Se quiser, pode arrumar um amante, desde que ninguém desconfie. Faça bem-feito.
Marisa não acreditava no que estava ouvindo.
— Por quem me toma? Por uma ordinária como sua amante? Você me conheceu numa casa de família honesta! Fui criada dentro de princípios de moral e honra, que certamente faltaram a você. Jamais eu teria um amante!
— Então, procure ser feliz criando nossa filha, dedicando-se a ela.
— Uma mulher não vive só disso.
— É sexo que você quer? Mas eu nunca lhe neguei sexo. Faz tempo que estou me relacionando com Rosa, porém, nunca a deixei insatisfeita na cama. Se está se referindo a isso, posso lhe dar quantas relações sexuais quiser, sempre que eu dormir aqui.
Aquela conversa estava machucando muito Marisa, mas ela não conseguia parar.
— Sexo qualquer um pode me dar! O que desejo é seu amor, seu companheirismo. Queria aquele jovem que conheci, amoroso e sensível. Dispenso seu sexo. Guarde-o para Rosa. Só espero que, com o tempo, não deixe de vir aqui completamente. Como você disse, Lara é criança, precisa de sua presença e o ama muito. Não conhece o canalha que você é.
Um breve silêncio se fez, e Sérgio finalmente bateu a porta e saiu.
Marisa não soube calcular quanto tempo ficou ali sentada, chorando desconsolada. Quanto mais olhava para sua casa arrumada com capricho, tudo limpo e organizado com dedicação, roupas lavadas e passadas, jardim bem-cuidado, cujas plantas ela mesma tratava com esmero... quanto mais se lembrava de toda a dedicação e de todo o amor que dera para aquele homem ao longo de todos aqueles anos, que ele agora retribuía com traição e ingratidão, mais sentia vontade de chorar e morrer.
Morrer... Era aquilo que ela queria, mas não tinha coragem. Não tinha coragem de acabar com tudo.
Então, Marisa foi vivendo como podia desde aquela descoberta. Havia mais de dois anos que estava naquela situação. Vez por outra, entregava-se a Sérgio, e faziam amor. Depois, chorava arrependida, sentindo-se humilhada, tratada como objeto. Com o passar do tempo, Sérgio foi tornando-se cada vez mais ríspido, grosseiro, mal-educado, e a tratava como uma verdadeira empregada. Até o dia em que, durante mais uma das inúmeras discussões provocadas por ela, veio o primeiro tapa, depois outro, outro e outro.
Desde cedo, Lara percebia tudo o que acontecia, para espanto de Marisa e de Sérgio. Ela reagiu à situação com maturidade e muitas vezes até se atrevia a mandar a mãe reagir e não ser tão passiva. Marisa não sabia de onde a filha tirava aquelas ideias, mas às vezes concordava com ela.
Como poderia mudar tudo aquilo? O que ela mais queria no mundo era ter seu Sérgio de volta, mas não havia jeito. Rosa o conquistara verdadeiramente. Algumas vezes, a vira à distância. Era uma morena bonita, jovem, bem-feita de corpo, cabelos pretos, longos e lisos, bem-vestida. Sempre aparecia na sociedade acompanhada por uma senhora já idosa, que descobriu ser a avó da moça. Perguntava-se por que uma jovem como Rosa se sujeitava a uma vida como aquela. Afinal, apesar de tudo, Sérgio nunca a assumira publicamente, não saía com ela nem passava as festas de fim de ano, aniversário ou feriados prolongados em sua companhia, preferindo ficar com ela e Lara. Ele, contudo, dava a entender que era somente por causa da filha.
Às vezes, Marisa duvidava e chegava a pensar que, de alguma forma, o marido ainda gostava dela. No entanto, tirava logo aquele pensamento da cabeça. Não sentia Sérgio envolvido emocionalmente quando a amava. Era um ato mecânico e até grosseiro, que ela muitas vezes desejava recusar.
Depois de tanto pensar e assim que viu Lara sair para procurar Murilo, desligou a TV e foi para o quarto tomar um calmante e relaxar. Ainda assim, os pensamentos continuaram a fervilhar em sua mente.
Sérgio saiu de casa agoniado. Não gostava de bater em Marisa. Quando ela o provocava demais, perdia o controle, o que, infelizmente, vinha acontecendo com mais frequência. Acabava ficando com remorso, com vergonha de si mesmo e principalmente de Lara, que ouvia tudo. A filha deveria pensar que, além de adúltero e mulherengo, o pai era um marginal que batia na mãe, uma mulher traída e indefesa que não podia se defender.
Já na rua, não sentiu vontade de ir para a casa de Rosa. Queria andar, movimentar o corpo para ver se aquietava os pensamentos. Andou a esmo por mais de meia hora, quando sentiu vontade de beber. Foi até o bar que ficava na esquina de sua casa, sentou-se e pediu a Manoel:
— Me dê três doses de uísque, sem gelo.
— Já vi que quer afogar mágoas — tornou Manoel, brincando. — Rosa ou Marisa? Qual delas foi a culpada dessa vez?
Sérgio riu. Manoel sempre conseguia fazê-lo bem. Era um amigo em quem confiava muito.
Assim que a bebida foi servida, Sérgio pediu:
— Sente-se comigo aqui. — Puxou uma cadeira ao seu lado. — Aproveite que o movimento está fraco para me dar um pouco de seu tempo.
Manoel sorriu. Era um negro alto e robusto. A brancura de seus dentes contrastava com sua tez escura, sempre brilhosa. Sérgio gostava de Manoel porque ele tinha um papo interessante, parecia ser inteligente e até sábio.
Manoel puxou a cadeira, jogou o pano branco de algodão no ombro e perguntou:
— O que o está atormentando hoje? Faz tempo que não o vejo assim, amigo.
— Bati em Marisa de novo.
Manoel não mudou a expressão. Continuou fixando-o atentamente.
— Mas dessa vez foi diferente... quer dizer, eu me senti diferente. Senti mais arrependimento do que o habitual. Na verdade, nunca senti tanto remorso como hoje. Quero parar com isso.
— Já lhe disse que essa atitude não é boa, mas nunca quis julgá-lo. Muitas vezes, as emoções nos dominam, porém, é preciso aprender a vencê-las. Talvez você tenha chegado a um momento de sua evolução em que esse comportamento não tenha mais razão de ser. Quando o arrependimento nos bate forte, machucando o peito, nos provocando remorso, é realmente hora de mudar.
— Você nunca falou assim comigo...
— Porque você nunca havia chegado assim aqui. Sinto que é hora de perceber que sua forma de agir só está lhe trazendo ainda mais sofrimento.
Sérgio pousou o copo sobre a mesa e ia falando, quando Manoel o interrompeu:
— Por que você deixou de gostar de Marisa? Entendo que Rosa é uma bela mulher, mas Marisa não fica atrás.
— Sabe que nunca fui a fundo nessa questão? A verdade é que, após dois anos de casamento, Marisa mudou muito. Aliás, ela mudou já nos primeiros meses de casada. Aquela mulher jovem, bonita, cheia de ideias, criativa, cheirosa e arrumada, transformou-se. Tornou-se uma dona de casa sem graça, sem viço, sem vontade de aprender algo novo, ir pra frente. Acho que foi por isso. A Marisa de agora não é a mesma mulher com a qual me casei quinze anos atrás. Você se lembra disso, pois estava em nosso casamento e sabe como tudo começou.
Manoel coçou o queixo e deixou que Sérgio prosseguisse em seu desabafo.
— Você sabe como sou. Sou um borracheiro, um mecânico, mas nunca descuidei de mim. Sempre fui vaidoso, gostei de estar arrumado, de cabelos cortados à moda, de sair, passear, trocar de perfume, comprar sapatos novos. Até limpeza de pele eu faço. — Riu. — Você já viu algum mecânico de automóveis fazer limpeza de pele?
Manoel respondeu rindo:
— Até agora, só você!
Sérgio continuou:
— Eu esperava que Marisa continuasse a ser quem era depois que se casasse. Esse foi meu erro. As mulheres sempre mudam depois do casamento.
— Nem todas. Veja minha Joana. Vaidosa como ela só. Tenho que pagar empregada cara, dou um duro danado para manter suas vaidades, mas a amo muito.
— Será que, se sua esposa tivesse se desleixado, você teria o mesmo interesse por ela até hoje?
— É possível que não. Mas a Marisa não mudou tanto. Pode não ser tão vaidosa, tão arrumada, mas continua muito bonita.
— Mas não é só isso, Manoel. No dia a dia, ela ficou diferente, muito formal. Não conversava mais como no início, estava sempre ocupada com nossa filha e com a casa. Não sei... Talvez eu esteja querendo dar uma desculpa para minha infidelidade. No fundo, não sei o que aconteceu. Só sei que, quando Rosa começou a passar na frente da oficina se insinuando, jovem, cheia de vida, cheirosa, corpinho violão, não resisti. Hoje, posso dizer que não viveria sem ela.
— Já pensou que se separar da Marisa possa ser a melhor saída? Ela poderia encontrar um homem que a amasse e a aceitasse do jeito que ela é.
— Mas há a Lara. Ela sofreria muito com a separação.
— Amigo, você e Marisa já estão separados desde que você iniciou seu novo romance. Lara me parece uma menina diferente, madura. Acredito que ela ficaria muito melhor sem as brigas no lar, sem as queixas da mãe, que espera que um dia você deixe Rosa e volte pra ela.
O bar começou a ficar movimentado. Vários jovens chegaram ligando o som dos carros em volume alto, o que incomodou Sérgio. Ele decidiu:
— Ponha na conta aí, amigo. Obrigado pela prosa. Vou voltar para casa, tentar me desculpar com Marisa. Pela primeira vez, estou sentindo vontade de lhe pedir perdão por tudo o que fiz.
— Vá com Deus.
Sérgio levantou-se, e Manoel, ao vê-lo ganhar a rua e partir, sentiu um forte aperto no peito. Resolveu rezar.
CAPÍTULO 3
Lara abriu o pequeno portão de madeira da casa vizinha, percorreu uma pequena distância que ia do portão até a varanda e bateu na porta repetidas vezes.
Olga abriu a porta com cara de sono e perguntou com má vontade:
— O que você quer?
— Falar com Murilo. Preciso de ajuda numa atividade.
— Murilo já está dormindo. Não vou acordá-lo.
Olga já ia fechando a porta com impaciência, quando a voz do menino se fez ouvir lá de dentro.
— Não estou dormindo; estou apenas deitado.
Vendo que o filho iria sair para ajudar Lara, Olga retorquiu:
— Vê se não demora. Você tem dormido tarde e vem passando da hora de acordar para ir à escola. Não quero ouvir reclamações de dona Matilde.
Murilo concordou com a cabeça e seguiu com Lara.
Quando iam entrar na casa de Lara, ela disse:
— Na verdade, não preciso de ajuda com meus deveres. Queria conversar com você sobre uma situação que está me deixando muito triste. Vamos para a pracinha?
— Vamos.
Era sempre com muita alegria que Murilo acompanhava Lara, fosse para ajudá-la com as tarefas da escola, fosse para passeios ou para qualquer outra coisa. Ele nunca tivera coragem de revelar, mas era apaixonado pela amiga e queria namorá-la. Murilo, contudo, tinha muito medo de contar. Temia, além de receber um não, perder-lhe a amizade, por isso contentava-se em ser seu amigo e estar sempre ao seu lado.
Murilo era um adolescente de doze anos muito bonito. Moreno claro, tinha olhos castanhos, cabelos levemente aloirados e lisos e, apesar da pouca idade, possuía um corpo bastante desenvolvido, o que o fazia parecer mais velho do que era. Também era perspicaz, inteligente e autoconfiante, o que fazia praticamente todas as meninas da escola o paquerarem, muitas vezes com insistência. Ele, no entanto, não tinha olhos para ninguém que não fosse Lara, justamente a única que jamais o vira de outra forma, a não ser como amigo.
Chegaram a uma pequena praça iluminada, onde um chafariz derramava água em uma pequena piscina. Algumas pessoas estavam sentadas conversando nos bancos de cimento, dispostos em semicírculo, em torno do chafariz.
Sentaram-se num dos bancos, e Lara começou a falar:
— Hoje aconteceu de novo. Meu pai e minha mãe discutiram, e ele bateu nela outra vez. Não aguento mais. Preciso fazer alguma coisa.
Murilo sentiu que ela estava triste como nunca a vira antes e tornou:
— Acho que você não deve se meter nisso. A vida é deles, Lara. Eles devem decidir o que fazer.
— Diz isso porque seu pai era bom, honesto, fiel e carinhoso com sua mãe. Se você tivesse visto dona Olga apanhar quase todos os dias, e o agressor fosse seu próprio pai, pensaria diferente.
— Não se ofenda. Não disse isso por mal. Sei que é difícil para você, mas é sua mãe quem precisa reagir. Nós somos praticamente crianças. Não sabemos como interferir nesses assuntos.
Lara pensou um pouco e respondeu:
— Você tem razão. É minha mãe quem precisa reagir, porém, ela não faz nada. Há horas em que sinto muita raiva dela por ser assim tão boba, mas também tenho pena. Um homem jamais deveria bater numa mulher. O homem é maior, tem mais força. Isso é um ato de covardia.
Vendo Lara falar daquele jeito, o coração de Murilo disparou. Admirava a maturidade da amiga, que, apesar de ter apenas quatorze anos, pensava como uma adulta.
— O que eu acho é que você deve pedir a seu pai para não fazer mais isso. Converse com ele, diga tudo o que pensa. Diga o que expôs aqui. Que acha covardia um homem bater numa mulher e que não vai mais permitir que ele aja com violência outra vez.
— Tenho medo de papai — confessou com olhos marejados. — Antes de a amante aparecer, ele era amoroso comigo, me cobria de presentes, me dava atenção, conversava, era um verdadeiro pai. Mas, depois que ela surgiu em nossas vidas, ele mudou tanto que nem parece ser a mesma pessoa. Aquela mulher destruiu nossa família.
Murilo sabia que era de Rosa que Lara falava. A amiga prosseguiu:
— Nunca vou entender por que um homem deixa a mulher em casa para procurar uma amante. A mulher faz tudo para ele, enquanto a amante é uma pessoa perdida, que não faz nada e ainda recebe carinho, atenção e até presentes.
— Eu também não entendo isso. Sua mãe é uma mulher muito bonita, igual a você... Se eu fosse casado com uma mulher bonita assim, nunca a trairia nem trocaria por outra.
Lara não percebeu a declaração velada do amigo e replicou:
— Você diz isso agora, pois é quase uma criança e nunca namorou. Quando casar, fará o mesmo que os outros homens. Mamãe está certa! Nenhum homem presta.
— Assim você me ofende. Sou homem e sou seu amigo. Eu também não presto?
Lara corou.
— Não quis dizer isso. Você é um ótimo amigo; é como se fosse um irmão. Sei que há homens bons. Estou me referindo a namoro e casamento. Parece que todos têm essa tendência à traição. E essas mulheres que se tornam amantes? Será que não pensam no sofrimento que levam aos lares e às famílias dos homens com quem se relacionam? Veja em que minha casa se transformou depois que Rosa se envolveu com meu pai: uma casa triste, cheia de discussões. Minha mãe está deprimida, sem vontade de viver, fazendo as coisas sem vontade. Essas mulheres têm de pagar pelo que fazem.
Murilo pensou em não dizer, mas acabou falando:
— Será que as amantes são as únicas culpadas?
— Como assim?
— Lara, acho que as mulheres casadas contribuem com isso de alguma forma.
— Como assim? — Ela repetiu a pergunta, sem entender.
— Não sei dizer. Minha mãe costuma falar que os homens só buscam mulheres fora de casa quando as esposas não lhes oferecem o melhor que podem.
— Sua mãe deve estar enganada. Não concordo com isso. Minha mãe sempre fez de tudo para meu pai. Não, não é por isso.
Lara parou por alguns segundos e, como se tivesse tido uma grande ideia, tornou:
— Murilo! Você precisa me ajudar com uma ideia que tive. Quero que vá à casa de Rosa comigo. Agora.
Murilo estremeceu.
— Que loucura é essa?
— Não é loucura. Quero conhecer essa mulher de perto, saber como ela é e o que pensa.
— Isso não tem sentido, Lara. Você poderá se prejudicar. Uma mulher, que é capaz de destruir um lar sem remorso, pode destruir você também.
— Pois quero pagar pra ver! Sempre tive curiosidade de conhecer Rosa e farei isso agora!
— Mas já passa das nove!
— Não tem importância. Está cedo, e esta cidade é pequena. Nada acontece aqui. Não há perigo. E eu sei onde Rosa mora.
— Sabe? Como descobriu?
— Numa das discussões que teve com minha mãe, meu pai comentou. Ela mora a quatro quadras daqui, na rua do fundo da Escola Sagrada Família. Vamos lá?
— Realmente, não é tão longe. Mas, se souber que você foi até lá, seu pai não vai gostar. Ele pode até lhe bater.
— Aconteça o que acontecer, irei até lá. Se não quiser ir comigo, irei só. — Lara levantou-se do banco e já ia partindo, quando Murilo disse:
— Espere. Eu irei com você.
— Obrigada mais uma vez. Agora, vamos.
Foram caminhando por ruas desertas e solitárias, algumas mal-iluminadas, até que chegaram em frente à referida escola e dobraram a esquina, indo para a rua do fundo.
Entraram em uma rua comprida, onde havia muitas casas, umas coladas às outras, sem separação. Como saber onde Rosa morava?
Parecendo adivinhar-lhe os pensamentos, Murilo disse:
— O único jeito é batermos na porta de qualquer casa e perguntar onde mora Rosa.
— Ótima ideia.
Aproximaram-se de uma casinha verde com apenas uma porta e uma janela brancas e bateram. Em poucos minutos, uma senhora bastante idosa abriu.
— O que desejam?
— Queremos saber onde mora Rosa. Sabemos que a casa fica nesta rua, mas não sabemos qual é.
A senhora franziu o cenho, observou melhor as duas crianças e, concluindo que não haveria perigo em informar, disse:
— É naquela casa cor-de-rosa ali, quase no meio do outro lado da rua. A fachada é rosa e as janelas são brancas. Mas o que vocês querem com ela? Rosa é rude, mal-humorada e não gosta de receber ninguém na casa dela. Se não fosse a dona Emília, que é uma flor de pessoa, ninguém aqui olharia para a cara dela.
Lara ficou curiosa.
— Quem é dona Emília?
— É a avó de Rosa. Rosa vive com ela. Não sabiam disso?
Lara meneou a cabeça negativamente.
— E então? Não vão me dizer o que querem com ela?
Num ímpeto, Lara soltou:
— Rosa é a amante de meu pai, e eu vou falar com ela sobre o assunto.
A idosa empalideceu.
— Você é filha de Sérgio?
— Sim.
— Minha filha, não vá até lá. Rosa é perigosa. Pode agredi-la.
— Não tenho medo. Além disso, Murilo pode me defender.
A mulher olhou para o rapaz e disse:
— Não sei, não. Seria melhor que não se metesse nessas coisas. Não seria mais correto sua mãe vir aqui?
— Me desculpe, senhora, mas preciso ir. Muito obrigada por tudo.
Dona Felícia ficou extremamente curiosa e resolveu observar tudo pela janela de sua casa. Não perderia aquilo por nada.
Andaram alguns metros e aproximaram-se da casa, que era como todas as outras da rua: geminada. Em todas elas havia um arbusto enfeitando a calçada e portas e janelas que davam direto para a rua. Não tinham varanda, jardim ou hall de entrada.
Aproximando-se mais, Lara e Murilo viram que uma das janelas estava aberta. Fazia calor, e, como a cidade era pacata, muitos não se importavam em deixar as janelas abertas até mais tarde. Observaram melhor e viram duas mulheres na sala. Uma era morena e jovem, muito bem arrumada e parecia entretida com um programa de televisão. Certamente, era Rosa. A outra era uma senhora de meia-idade, que estava igualmente entretida, mas com uma revista de palavras cruzadas. Lara concluiu que era a avó de Rosa.
As duas tomaram um leve susto ao ouvirem a vozinha feminina e quase infantil de Lara dizer:
— Boa noite!
Rosa levantou-se do sofá imediatamente e foi até a janela.
— O que querem? Isso são horas de pedir esmola?
— Não estamos pedindo esmola. Vim aqui para conhecê-la e conversar com você. Quero lhe pedir que abra a porta e me deixe entrar.
Rosa enraiveceu-se.
— Mas que petulância! Por que quer me conhecer?
— Se abrir a porta e nos deixar entrar, eu responderei. — O coração de Lara batia acelerado. Já não estava tão certa de que ir até ali fora uma boa ideia. A vontade que tinha era de deixar Rosa falando sozinha, puxar Murilo pelo braço e sair correndo, mas, já que estava ali, precisaria criar coragem para ir até o fim.
A senhora deixou a pequena revista em cima do sofá e, intrigada com a criança que falava com sua neta, aproximou-se da janela.
Com raiva, Rosa continuou a falar:
— E por que acha que eu abriria a porta de minha casa e a faria entrar?
Lara respondeu direta:
— Porque sou a filha do seu amante.
Rosa empalideceu rapidamente, mas logo recobrou o domínio sobre si.
— Muito bem! Então, você é Lara. Não sabia que estava tão crescida.
— Crescida a ponto de vir até aqui falar com você. Abra a porta, por favor.
Rosa trocou olhares com a avó, que a encorajou a abrir a porta.
— Entrem. Sentem-se aqui — disse indicando a poltrona maior. Depois, sentou-se com elegância e desenvoltura e perguntou com olhos inquisidores e maliciosos: — Muito bem. O que quer comigo? É algum recado de sua mamãezinha?
Lara sentiu indignação ao ouvir Rosa referir-se a Marisa com ironia e cinismo. Conteve-se e respondeu:
— Não lhe trago nenhum recado. Vim saber por que uma mulher como você invade a vida de uma família feliz e a destrói. Não sente nenhum arrependimento? Por que, em vez de se casar ou namorar um homem solteiro, fica feliz em ser apenas amante?
Rosa trocou outro olhar significativo com a avó e exclamou:
— Bravo! Você é muito inteligente. Seu pai me disse que você era uma menina de quatorze anos, mas vejo que já deve ter nascido velha, pois pensa como uma.
Lara não revidou a provocação e insistiu:
— Por quê? Não vai me responder?
— Eu podia meter a mão em sua cara, lhe dar várias bofetadas e expulsá-la daqui, mas, em consideração a seu pai, homem a quem muito amo, vou lhe responder. — Rosa olhou para todos os lados de sua sala, como se a estivesse observando, e depois perguntou para Lara: — Está vendo como esta sala é bonita e arrumada? Olhe para os quadros na parede, esta belíssima mesinha de centro, o moderno aparelho de som, a poltrona caríssima na qual está sentada, a pintura caprichada na parede, esse lindo espelho oval, caríssimo por sinal, em que admiro minha beleza diariamente e essa televisão. Olhe só para essa televisão... Enorme, a cores. A cores, tá? Você é uma menina inteligente e sabe que só pessoas com bom dinheiro têm uma dessas em casa. Olhe para lá! — Apontou para uma mesinha onde havia um telefone: — Como deve saber, aquilo é um telefone. A linha está paga. Não devo nenhuma prestação. Sabe de onde veio tudo isso? Do seu pai. Tudo aqui é presente dele.
Mesmo sabendo que o pai dava presentes a Rosa, Lara jamais poderia imaginar que ela vivesse com tanto luxo. Para uma pessoa pobre como seu pai, que lutava o dia inteiro na oficina para se manter, aquilo era luxo.
Notando o constrangimento da menina, dona Emília expressou-se pela primeira vez:
— Pare, Rosa! Já chega! Pare de humilhar a menina.
— Mas, vovó, foi ela quem me procurou! Ela veio saber a verdade, então, vai saber. Venha aqui, Lara. Siga-me.
A menina levantou-se, e Murilo acompanhou-a. Passaram por um pequeno corredor atapetado, Rosa abriu a primeira porta.
— Veja! É meu quarto! Entre. Veja só como é lindo. Cama de madeira de lei. Aliás, todo o quarto foi encomendado por seu pai na melhor fábrica de móveis da região. Note a qualidade do guarda-roupa, da penteadeira e do roupeiro. Agora, veja a melhor parte deste quarto! — Rosa abriu as portas do móvel e começou a tirar todas as roupas que estavam nos cabides, nas gavetas e nos demais compartimentos, jogando-as na cama. Quando terminou, disse: — Vestidos, saias, blusas, camisetas, calças, sobretudo, saídas de banho etc., tudo de muita qualidade e beleza. Não acha que tenho bom gosto?
A menina olhava para tudo estupefata. Percebendo que sua atuação estava causando o efeito esperado, Rosa continuou sem piedade:
— Agora, me siga até a copa e a cozinha.
Lá chegando, Rosa prosseguiu:
— Duvido que em sua casa haja um fogão de seis bocas como este. E essa geladeira? Último lançamento da Consul! Pode tocar. Saiu da loja há menos de um mês. E ali — apontou para um pequeno recinto — é a área de serviço. Como pode ver, há uma lavadora de roupas. Eu disse lavadora de roupas! Não é tanquinho. É ali onde as minhas roupas e as de minha avó são lavadas. E agora chega. Voltemos para a sala.
Quando os três retornaram à sala e se sentaram novamente ao lado da senhora Emília, que se mantinha calada, Rosa perguntou:
— Entendeu agora por que estou com seu pai?
Lara, mesmo entristecida e magoada por dentro, respondeu:
— Entendi que você é uma mulher interesseira e preguiçosa, que está destruindo minha família por causa de móveis, roupas, televisão, aparelho de som, telefone e lavadora de roupa. É isso?
Rosa, sem se abalar, prosseguiu cínica:
— Também, também por isso. Mas o principal não são as coisas materiais, minha querida. O principal é o amor do seu pai. Nossa... que homem carinhoso, delicado, meigo, amoroso. Ele me cobre de mimos todos os dias em que vem me ver. Se seu pai não me amasse tanto, eu certamente não estaria com ele. Por mais coisas materiais que me desse, não estaria.
— Então, por que você não se casou e construiu uma família normal como todas as outras? Você é nova e muito bonita, Rosa. Por que escolheu logo um homem casado, sendo que outro, solteiro, poderia lhe dar tudo isso aqui, além de uma vida digna?
— Você é mesmo muito inteligente! Eu diria que você tem trinta anos, não quatorze. Quer mesmo saber? Está preparada para a verdade?
Dona Emília interrompeu-a, pegando levemente nos braços da neta:
— Por favor, poupe a menina disso. Ela não merece. Por mais madura que seja, ela é só uma criança.
— Calma, vovó. Não é a senhora quem vive dizendo que a verdade liberta? Então, vou libertar a Lara com a verdade.
E continuou olhando fixamente para a menina.
— Não escolhi um homem solteiro porque nunca quis me casar. Do amor eu só quero o melhor, que é o namoro, o sexo, o companheirismo nos bons momentos vividos, os presentes, os passeios, as viagens. O casamento é uma prisão horrorosa que não desejo para minha vida. Não nasci para ser escrava ou empregada de homem. Não nasci para fazer comidinha pra homem nem para lavar suas cuecas. Também não nasci para aturar suas manias, suas doenças e suas reclamações. Do relacionamento só quero a melhor parte. Sua mãe, coitada, está com a pior. É casada e tem que se acabar pra fazer tudo para Sérgio: comidinha, merendinha, limpar a casa, lavar suas roupas, lavar suas cuecas, suportar seu mau humor, suas manias, a televisão alta nos jogos horripilantes de futebol, suportar uma vida insípida, rotineira e sem graça. Entendeu agora?
Lara pareceu levar um choque. A força daquelas palavras teve uma ação sobre ela como a de amortecimento, ao mesmo tempo em que tudo aquilo se alojara em seu subconsciente como se fosse a maior verdade da vida. Agora entendia por que seu pai fora procurar uma mulher como Rosa: jovem, bonita, sempre arrumada e