Medo
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Medo - José Vicente De Andrade
MEDO
José Vicente de Andrade
CAPA
Rafael Aparicio Ronci de Andrade
(o primeiro de todos)
2015
Para Rafa, Dubi, Vi, Pikena,
Vovó e Gordo.
Caminhamos juntos,
Chegamos juntos
E estamos juntos.
Obrigado pelos passos.
medo
I
Um local escuro. Úmido. Silencioso. Catedraticamente sequioso. O som da porta da
cela se abrindo estala nas trevas. Ele abre os olhos. Um facho bastante pálido de uma luz alaranjada adentra pela fresta. Aos poucos ela invade o ambiente e é possível definir o físico de X. O homem arremessado ao chão. Troncudo, alto, extremamente forte, de
olhar atento e fixo, o couro cabeludo queimado por marcas do passado e um espesso
cavanhaque ruivo.
Ele está caído ao lado de sua cama. Uma plataforma metálica que mal sustenta seu
corpo, presa à parede por duas correntes enferrujadas e coberta por um colchão mofado e um travesseiro gasto. X, que veste calça e jaqueta laranja com sua numeração sobre
uma camiseta branca repleta de suor enegrecido, está descalço e maquiado de pó e
fuligem. Seu rosto apresenta leves hematomas e manchas de sangue seco.
Ele vira-se na direção da porta vagarosamente. É possível ver parte das grandes pedras que compõem a parede do corredor. A luz alaranjada que adentra o local provém de
uma lâmpada de emergência. É claro. A solitária sustenta seu ar tenebroso. Mas parte
desta escuridão se dá pelo fato de que as portas não contêm qualquer tipo de fresta, a não ser a entrada retangular para comida, que está sempre fechada, e a fresta de meio centímetro localizada abaixo da porta que permite que os ratos se aproximem atrás de
comida, mas não consigam entrar.
Como tudo por aqui. A falsa esperança.
Entre leves gemidos, ele vira-se para a porta e observa a fresta com atenção. Seu olhar fixo, anestesiado, imutável, como o de um tubarão, movimenta-se para cima e para
baixo. Com a ponta dos dedos do pé, X abre a porta por completo. Um gemido longo,
de juntas de metal que não são untadas há anos, se prolonga até que a porta para.
O corredor está vazio.
O silêncio se estende pelas pedras frias que seguram as paredes.
X levanta-se vagarosamente. Hesitante, dá um passo na direção da porta. Nem mesmo
uma leve brisa, um leve ruído de vento frio se locomove. O ar está pesado. A umidade
dá espaço para lampejos de suor. Está quente. Muito quente. Os exaustores estão
desligados. As comportas, fechadas. Algo aconteceu. O sistema central está morto,
como a alma deste local. X dá novo passo à frente. Está muito próximo agora. Sua visão periférica pode observar duas ou três celas ao lado e à frente da sua. Estão abertas.
Escuras. Moscas e larvas movimentam-se pelo ambiente. Algo ruim aconteceu por aqui.
1
O cheiro da morte espalha-se pelo local. Não há som. Não existe ar. A vida se esvaiu. X
dá um novo passo e se posta ao meio do corredor.
Nada. Som. Pessoas. Vento. O vazio é absoluto. Do lado esquerdo, a porta gradeada que separa os guardas dos monstros. Do lado direito, uma muralha de pedra ligada a um teto baixo que deixa os homens ainda mais enclausurados e impotentes. Por poucos
centímetros X não arrasta sua cabeça pelo teto. Sua altura certamente não foi
programada para um local como esse. Ele observa o local atentamente. Todas as celas
estão abertas. Mas não há ninguém. Por instinto de quem se encontra neste local há
anos, X caminha na direção das grades. Na direção da salvação. Os guardas podem estar escondidos. Um massacre pode ter ocorrido. Mas porque ele está ali, então? Como
sobreviveu? A passos lentos, sempre observando as frestas das celas às quais passam ao seu lado como em um sonho, X aproxima-se do bloco. Duas portas gradeadas que
separam os presos do subsolo aos presos da luz do dia. As duas estão abertas. Nem sinal dos guardas. Nem sinal de tiros, golpes ou de qualquer ação ou reação. Ao fundo do
corredor encontra-se a pesada porta maciça que seguraria até mesmo uma manada de
elefantes em meio a uma savana hostil. X é um homem forte, mas até ele possui limites.
A porta não move um único milímetro. Dentro do bloco, os controles estão danificados.
É claro. Esta porta se abre somente pela central, afinal, se houver uma rebelião, os
guardas certamente serão mortos pelos insanos. Mas estes mesmos insanos ficarão
presos debaixo de toneladas de terra. Até morrerem de fome.
X observa a estranha marca vermelha sobre o botão que abre as celas. Está escuro. É um local repleto de terra, poeira, fuligem. Poderia ser suor misturado. Mas não seria uma mancha de sangue? Uma mão ensanguentada que, em um momento de desespero
absoluto, até pensou em soltar os animais? Que diabos estaria acontecendo aqui?
X vira-se para o corredor fechado. Às vezes a saída se esconde no local inesperado. No caminho inverso. Ele caminha vagarosamente. Sempre atento. Com músculos prontos a
explodir e a revidar se algo fora do normal, ou ainda mais estranho do que o que se
passa por aqui, vier a acontecer. A parede é sólida. Desproporcionalmente sólida. Foi construída no início do século XX e projetada para aguentar disparos de canhão. O que estiver, ficará. Essa é uma certeza.
O som das moscas aumenta e o caminhar de roedores o leva a uma cela específica. X
aprendeu, desde criança, desde as surras com barras de ferro e cintas pontiagudas dadas 2
por seus pais: o silêncio é a