Cronoanatomias De Meus Encantos
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Cronoanatomias De Meus Encantos - Claudionor Aparecido Ritondale
CRONOANATOMIAS DE MEUS ENCANTOS
Crônicas
Claudionor Aparecido Ritondale
2009
CRONOANATOMIAS DE MEUS ENCANTOS
Crônicas
Claudionor Aparecido Ritondale
2009
SUMÁRIO
SEI LÁ
9
MEU CURRICULUM VITAE
11
DOIS MUNDOS NO MESMO LUGAR
15
VERSÕES E PROSINHAS DE TANTO DAR
17
TENTO DAR
22
UM ESCRITOR NÃO CONSAGRADO, OU QUE PAREÇA JAMAIS VIR
A SÊ-LO, AOS OLHOS DA CRÍTICA
25
CONSELHOS PARA UM JOVEM ESCRITOR
27
ESTATUTO DA PERFEIÇÃO
29
OBSERVAÇÕES DE COTIDIANAS VIAGENS DE METRÔ
33
ONDE?
35
REVELAÇÕES DE UM ECTOPLASMA
41
DEZ COISAS QUE LEVEI ANOS PARA REAPRENDER
45
MINHA CRÔNICA DO TAMANHO DE UMA GOTA
47
O MUNDO PRÓXIMO E O DISTANTE
49
O ANALISTA DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO NUMA
GRANDE EMPRESA
55
ÉTICA, RARA FLOR?
59
DIVERSIDADE
61
RECOLHENDO FRAGMENTOS DA BUROCRACIA
63
ADMINISTRAÇÃO DO TEMPO OU DA FELICIDADE NO TEMPO?
67
CRÔNICA DA APOSENTADORIA ANUNCIADA
69
DÚVIDA
75
NÃO É UMA SIMPLES TROCA DE LETRAS
77
CHARLES CONRAD JÚNIOR FOI O PRIMEIRO?
85
APELO
89
A CONVICÇÃO SOBRE UMA EFEMÉRIDE
93
REALIDADES
95
O MELHOR DE UM CRONISTA, AGORA QUE ELE SE FOI
99
SUPERSTIÇÕES
101
ENRIQUECER DE SOLIDÃO
107
AMIGO SECRETO, LAÇOS INVISÍVEIS
111
CATEDRAIS DA ALMA
113
IDEIAS, CRÔNICAS E NADA
117
FELICIDADES
121
UM POUCO DO QUE É O AUTOR E DO QUE PRODUZIU
125
LIVROS E PARTICIPAÇÕES MAIS IMPORTANTES DE
CLAUDIONOR RITONDALE
130
SEI LÁ
O famoso – entre os do meio literário (quantos serão?) –
bloqueio de escritor cercou-me. Se famoso, não é inédito.
Drummond sentiu-o e explicitou-o no poema em que contemplava o
papel branco sem saber o que escrever, por não conseguir fazer as
palavras saírem do estado de dicionário à espera de virarem
escritos, como ele dizia. Outros também tiveram algo assim, talvez
por isso inventaram a metalinguagem, pois, se não tinham sobre o
que falar, falavam do fato de não ter o que falar, daí não falavam de
nada, quer dizer, falavam, sim, de sua falta do que falar, o que não
é rigorosamente o nada, mas algo que significa o nada, ou seja,
falavam do nada, embora estivessem falando de algo, justamente o
nada: entenderam alguma coisa?
Assim, na falta absoluta de assunto, reflito sobre ser
cronista, algo para os poucos que se atrevem a refletir sobre o
cotidiano e filar uns tostões dos donos de jornal, com o que ajudam
a sustentar-se, pobres herdeiros do duro ofício de escrever em
terras brasileiras. Um crítico afirmou, em entrevista a um repórter
global, destes que asseguram a si mesmos o direito de comandar
programas de televisão que se dizem culturais, que o Brasil não
possuía mais escritores em prosa, ou seja, novelistas, contistas e,
principalmente, romancistas; os escritores tinham desaparecido,
hoje só havia no Brasil cronistas.
É como dizer que crônica não é literatura, os demais gêneros
(se é que existe tanto rigor na delimitação de gêneros, hoje em dia)
é que são. E se surgirem crônicas de altíssimo nível, maravilhando o
mundo? Mas será que não existe poesia, teatro, literatura infantil,
novelas, contos e romances dignos de constar na grande
(o que
realmente é isto? quem determina?) literatura, no Brasil, hoje?
Façamos o seguinte: como estou sem assunto, depois que caí
na perplexidade diante de comentário tão genérico e desprovido de
racionalidade, procuremos o
caminho para a literatura. Vejamos
uns grandes temas: fim do socialismo real; globalização das
relações humanas; aumento da violência até em cidades rurais do
Amazonas com população majoritariamente de índios; desemprego
em contraste com a maior riqueza jamais vista dos países mais ricos
do mundo; superpopulação humana convivendo com a situação
irônica de ver quem está empregado trabalhando cada vez mais (se
9
existe tanta gente, para que trabalhar tanto?); imensa tecnologia ao
lado de grandes quantidades de tempo nos ambientes de trabalho...
Arrebatar, não apenas persuadir, deve ser o objetivo da arte,
diria um teórico latino da Antiguidade (conhecido como Longino,
embora há quem diga que não se sabe se o nome dele era esse). Há
arrebatamento possível nestes nossos tempos de tanta informação,
grande obviedade e pouco incremento de solução a tantos
problemas
que
agora
conhecemos
por
tantos
canais
ultracompetentes de divulgação?
À falta de assunto, uma proposta: seguir a linha do texto,
divagar, não se fiar em julgamentos anteriores ao texto, percorrer
visceralmente o cotidiano, fonte de tudo, base da crônica, do
poema, da novela, do ritual de fazer arte da palavra, que a crônica
sem assunto festeja, agora, achando-se afinal nela mesma: a
palavra, mesmo que vazia, mesmo que ela falte fazendo ver o vazio
que ela traz quando falta, mesmo que ela seja apenas a palavra
vazio
, arrancada de um dicionário para (quem sabe?) preencher-
se pelas vizinhas palavras, carregar-se de sentido para quantas
vidas procurarem sentir-se vivas ao ler um texto, mesmo que sem
assunto, num jornal qualquer, de um escritor aliviando o peso de
um cotidiano feito de tantos grandes temas, em formas as mais
insólitas, mas que apenas nos afoga na prisão da falta de assunto.
Salvemos os cronistas, reconheçamos todos os que escrevem, viva
a palavra, mesmo na ausência, porque não há vida sem palavra!
Pronto, fiz uma crônica!
10
MEU CURRICULUM VITAE
O resumo de minhas últimas experiências de vida, trabalhada
– e como! – pode e deve iniciar-se com meus últimos acessos de
riso, que foram exatamente há um minuto. Porém, nem sempre –
esse é um de meus defeitos – consigo rolar de rir.
Repito braçadas ao nadar, tal o prazer da descoberta de fazer
o novo e repeti-lo, entendendo o significado sempre renovado do
novamente
, não como uma redundância, no mau sentido, mas
como nova realização.
Tive muitas vezes que chorar até dormir, para meu conforto
e dos que acompanhavam minha tristeza, também para relaxar meu
rosto desfigurado, que só diminuiu sua angústia após um sono
reparador.
As coceguinhas nos meus irmãozinhos renderam-me muitos
dividendos, os mais preciosos deles foram as várias interrupções de
choros de criança.
Todas as vezes que a luz acabava, as velas sofriam para ser
acesas, e eu sofria por queimar-me ao tentar mantê-las acesas, ou
tentar apagá-las.
Chiclete? Masquei de monte, tentei e consegui fazer bolas,
mas as melecas do rosto não escondiam meus vexames de menino
irrequieto, eterno menino que não me esqueci de tão significativos
movimentos.
Tentei ser bruxo de brincadeira e introspectivamente falei
com todos os espelhos de casa – superstição é coisa de gente
pequena, então eu sou bem pequenino.
Quis virar bombeiro, mágico, equilibrista, até astronauta em
nossa terra, que não tem programa espacial – mas eu lá sabia
disso! (também eu queria ir para um mundo mágico só meu, onde
ser astronauta era possibilidade cotidiana).
Brinquei de me esconder dos vizinhos, atrás das limpas
cortinas de minha mãe, que, enfurecida, conseguia fazer-me o favor
de apontar aos meus perseguidores os pés para fora da cortina.
Imprudente sempre fui com meus trotes por telefone – ai! –
e meus banhos de chuva, tal qual um artista maluco de cinema,
rodopiando de ser feliz.
Roubar beijo é tão bom!
11
Mas, amigo, aquelas confissões que tu me fizeste, eu
também repeti, meio igualzinho, de minha parte, a ti, lembra-te?
Doído foi ver-te sofrer por sentires-te pequeno num mundo que te
oferece a chance de ser tão grande quanto tu és para mim.
Sofri de amar errado, peguei atalho sem fim certo, ando pelo
desconhecido como quem caminha por caminhos da consciência do
futuro, único tempo e lugar para onde se deve e se pode ir.
Raspar fundo de tacho é bom, principalmente se o doce de
goiaba estiver com aquele gostinho de fundo e finalzinho, uhn!
Não me lembro de quando foi a última vez que me cortei
tentando fazer barba, porque me decidi por manter minha
vintenária barba e porque, afinal, ela me envelhece um pouquinho,
dá-me um ar de menos garoto.
Chorei ao lembrar, quando ouvia a música nostálgica cantada
por uma de nossas musas da canção, um cara que morreu na
faculdade, pobre jovem que sonhava com um mundo de liberdade
que não viu.
Quando quis esquecer gente, vi a missão quase impossível
que é.
Busquei estrelas no meu teto de zinco, trepei em árvore para
roubar fruta, caí de escada perto de cachorros pouco amistosos, eu
que amo os cães, ai, doeu bem fundo!
Passei várias vezes pela morte, bem de pertinho que morri
de medo, então foi como se morresse um pouquinho.
Jurei eternamente, escrevi pichações, chorei no banheiro,
fugi e voltei, recriei meu instante com magia e sem magia.
Andei sem rumo, chateado da vida, chutando pedrinhas,
vigiando estrelas, sentinela da solidão.
Acudi doentes e chorões, corri para tentar salvar vidas, mas
nem sempre com sucesso.
Curti a solidão na multidão, o pôr do sol acima do
monumento-relógio da faculdade, a piscina preguiçosa do clube, o
uísque que me adormeceu o ânimo, a cidade do mirante mais alto,
que não acolhia o sonho mais simples.
Tive medo de ladrão, de escuro e de sorriso, fiquei irado,
estressado, natimorto de amor, renasci no sorriso de um bebê.
Se acordei no meio da noite e fui chato, peço desculpas pelo
medo de levantar ou de voltar para a cama.
Corri descalço, que prazer!
12
Consegui, sim, eu consegui, gritar de felicidade, muitas
vezes, na minha vida!
Quis e consegui roubar rosas daquele cobiçado jardim lindo,
deslumbrante como a pessoa a quem eu as entreguei.
As paixões vieram, nem todas para sempre, nem totalmente.
Vi a lua ceder o lugarzinho no céu para o sol, não sem antes
vê-la dividir a noite em dia, ladeando com o sol no espaço de meu
sorriso ao contemplá-los.
Chorei tantas partidas, vivi grandes chegadas: a razão de
tanto movimento nunca descobri.
A emoção sempre foi meu maior mérito em tantas fotografias
presenciadas em minha vida; afinal, o coração é a última coisa que
para num ser humano.
Se um formulário triste e pouco vivido, de tão óbvio, vem
agora me perguntar de minha experiência, posso gritar de volta:
sou plantador de alegria, isso serve? Se não servir, posso oferecer
minha colheita de ilusão de ser feliz: isso, afinal, não é uma
razoável