Tempo de Helena
De Reila Campos
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Tempo de Helena - Reila Campos
A infância
A pequena Helena presta atenção à conversa da mãe com a costureira.
— Ela sabe? — Pergunta a costureira.
— Não! — Diz Doraci.
Helena não entende, mas sente algo diferente no ar, como se fosse um segredo a ser desvendado. A pequena Helena tem dois irmãos, Flávia e Flávio. Os três crescem em um ambiente saudável, estudam em escola particular e têm uma vida diria invejável para a época, início dos anos 80. Doraci não trabalhava fora e sua única missão era cuidar da casa e dos filhos, enquanto Joventino trabalhava duro como caminhoneiro. As crianças cresciam e Doraci, por ter sido formada com uma criação onde a agressão física era medida de correção, aplicava agressões principalmente na filha mais velha, Helena. As agressões eram por motivos variados, desde Helena não conseguir cuidar dos irmãos menores até pela tarefa escolar que não conseguia fazer sozinha.
Nas férias Helena e os irmãos iam passear na casa dos avós paternos, e a diversão era garantida, principalmente com a presença de vários primos e primas. Eis que, na fazenda dos avós, Helena também percebia um clima de mistério na conversa dos adultos, mas o que mais a incomodava era a forma como era tratada diferente. Um rótulo foi lhe colocado, como, por exemplo, você é muito custosa
e por isso não merecia alguns mimos, como ganhar bicicleta junto aos outros netos, ou receber alguma joia. Sempre havia motivos para que Helena não tivesse garantido seu presentinho de natal ou qualquer outro mimo que os demais netos recebiam, mas a menina não entendia o real motivo.
Helena foi ficando mocinha e o interesse por rapazes foi crescendo ainda na adolescência. O seu despertar foi incentivado por mulheres mais velhas como tias e pessoas próximas com perguntas do tipo:
— Já está mocinha! Tem namoradinhos?
— Já tem peitinhos, não pode deixar os rapazes pegar.
Os comentários eram variados e o rubor sempre subia as faces de Helena. Eis que Doraci e Joventino tinham um casal de amigos, seus compadres que também tinham três filhos, e as famílias viviam juntas. Em um dos almoços de domingo, Doraci deixou as crianças para trás na casa da comadre para brincarem.
Foi então que a vida de Helena mudou para sempre. O pai das amiguinhas atraiu Helena para a sala, sentou-a em seu colo e levou as mãos às partes íntimas de Helena, que, assustada, não se mexeu. Era uma sensação estranha, mas ao mesmo tempo ruim. Helena, ao chegar em casa, contou para a mãe o que tinha acontecido. A mãe de Helena não acreditou nela, frustrada Helena decidiu se calar e não tocar mais no assunto.
As férias chegaram e Helena, Flávia e Flávio foram para a fazenda dos avós. Era incrível como aquele lugar era mágico para Helena. A fazenda tinha tudo, curral, galpão, uma casa imensa, plantação de café, um quintal cheinho de pés de frutas variadas, um lindo pomar, onde Helena e os primos brincavam o dia todo. Um feriado nas férias trouxe uns parentes da cidade em Minas Gerais para a fazenda; junto deles um primo, meio distante, já adulto, veio também.
No intervalo das brincadeiras, Helena gostava muito de assistir à televisão, e um dia, na sala, sentada no sofá ao lado do primo, esse começou a acariciá-la. Helena já conhecia aquela sensação e ficou estática. Um misto de medo e nojo se formou na cabeça e no estômago dela, que na primeira oportunidade saiu correndo. Nunca mais Helena chegou perto dos primos e se tornou uma criança introspectiva e chorona. O retorno das férias era sempre marcado por tristeza em deixar aquele lugar mágico. Mas o retorno às aulas era gratificante. Helena sempre foi boa aluna, sempre gostou de estudar, ao contrário do seu irmão Flávio, que dava muito trabalho para ir e permanecer na escola.
Como Helena havia se tornado uma criança chorona e agressiva, sua mãe Doraci já não sabia mais o que fazer com ela, e foi então que sua cunhada pediu para que ela passasse um final de semana em sua casa na companhia de seus filhos, pois isso faria bem a Helena. O marido da mulher, valendo-se da oportunidade de encontrar Helena sozinha na cozinha, aproximou-se, tocou-a e disse para Helena que fosse até o porão, que ele queria lhe mostrar uma coisa. Helena percebeu imediatamente quais eram as intenções do homem e, num misto de medo, nojo e desespero, pegou sua sacola e fugiu. Chegando à casa, inventou para a mãe uma mentira, que foi imediatamente desmascarada pela tia ao telefone. Helena ficou de castigo e naquele ano reprovou na escola, o que fez que sua mãe Doraci tomasse a decisão de tirá-la da escola particular e colocá-la na escola pública como forma de punição. Helena buscou atenção e colo com sua avó Filó, com quem convivia muito. Os avós maternos eram sua paixão.
Filó sempre muito carinhosa e atenciosa, dava o carinho de que Helena necessitava, conversava com ela e trazia muitos ensinamentos da igreja católica, enquanto a avó paterna era espírita e lhe ensinava coisas sobre a doutrina. Helena cresceu no meio das duas religiões, apreciando a seu modo os ensinamentos que recebia das avós. Foi assim que Helena ouviu e viu Chico Xavier pela primeira vez, ainda na infância, aos 12 anos. Como Helena havia reprovado de ano, um de seus castigos foi não ir para a fazenda dos avós paternos, passando as férias com os avó maternos. O que Doraci mal sabia era que Helena também era feliz naquela fazenda, portanto, para Helena, não era castigo nenhum estar ali na presença de Filó.
Filó era uma mulher sofrida, casara-se com José em um casamento arranjado, o que naquela época era muito comum, e tivera seis filhos. Helena era apaixonada pela avó Filó, admirava-a e respeitava-a. Sempre que fazia orações, pedia a Deus para nunca levar sua avó embora. Filó era muito gentil, falava sempre mansamente, tinha muitos conselhos bons, mas foi pouco ouvida por Helena, que na adolescência ficara rebelde.
Helena ajudava nos afazeres da casa na fazenda, cuidava da horta junto de sua avó e aprendeu cedo os dotes culinários da avó. Uma das coisas que mais encantava Helena eram os pés de morango que a avó plantava. Depois de colhidos ela fazia geleia. A casa cheirava a morangos e isso enchia Helena de felicidade. O avô José também pedia ajuda da pequena Helena para os afazeres do campo e ela juntamente de Márcia, sua tia da mesma idade, viviam a vida despreocupadamente: iam para a lagoa se banhar, brincavam com os bezerros mais novos e corriam pelos campos. Ali, naquele lugar ao lado de José e Filó, Helena estava segura. Filó por ser uma mulher praticante da doutrina católica ensinava a Helena rezas, cantos e a leitura da bíblia. Fazia nas redondezas muitas reuniões de oração, denominadas novenas, encontros em que havia a participação de todos os vizinhos de fazenda.
As férias terminaram e Helena voltou para casa, a nova escola a esperava. A escola era pública, próxima à sua casa, então ela iria caminhando sozinha todos os dias pela manhã. Helena estava já com 12 anos e sua mãe a colocara na catequese. O que Doraci não sabia era que Helena odiava a catequese e a freira que ministrava os ensinamentos. Isso porque Helena via como era rude a forma de falar de Deus e como a freira colocava Deus e Jesus como pessoas más, que puniam por tudo.
Helena estava habituada a ouvir de Filó e da avó paterna sobre um Deus de amor e de misericórdia, um Deus de refrigério, não aquele ser que iria punir por tudo. Mesmo resistente, Helena concluiu a catequese. Concomitantemente à catequese, Doraci matriculou as filhas na aula de dança, mas Helena mais uma vez se sentia deslocada. Era incrível como Helena tinha a sensação de deslocamento. Na família era sempre aquele clima de mistério, na escola se dava melhor com os meninos do que com as meninas, na dança estava sempre à direita enquanto o restante da turma estava à esquerda. Não conseguia se encontrar na dança, o que fez com que sua mãe a tirasse das aulas.
Helena estava ficando mocinha. Um belo dia percebeu que estava sangrando, eis que era um momento muito aguardado, pois suas colegas já estavam menstruadas e ela ainda não. Ao chegar perto da sua mãe e mostrar-lhe a situação, a mãe secamente pediu que abaixasse a calcinha. Helena não se sentiu