Onde as Garças Voam
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Sobre este e-book
Durante toda a vida, Matilde procurou fugir das memórias opressoras da sua infância. Assim que atingiu a maioridade, partiu do Alentejo que a viu crescer rumo a uma Lisboa cheia de oportunidades.
Na capital, já adulta, constrói a vida com que sonhara: tem o seu próprio negócio e vive com o marido e os dois filhos, distante dos traumas de infância. Contudo, uma sucessão violenta de acontecimentos e de decisões tomadas em momentos errados ameaçam destruir a família de Matilde, e a única solução é voltar ao passado.
O regresso à casa dos pais e a dificuldade que estes têm em lidar com a neta com perturbação do espetro do autismo e com um genro que consideram incompetente vão pôr à prova a resiliência da família. O impacto deste reencontro com os pais — e com outras pessoas do passado — vai levantar o véu de memórias dolorosas que Matilde sempre tentou esquecer.
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Onde as Garças Voam - Elisabete Martins de Oliveira
Capítulo 1
Por muito que queiramos silenciar a voz do passado, ela está sempre lá. Essa voz, que queremos sufocar nas profundezas da nossa mente, volta para nos atormentar. G élida , propaga-se sem que a consigamos controlar, como grãos de areia que se escapam pelas fissuras das mãos.
A família deveria ser o primeiro lugar onde aprendemos a confiar. Dependemos dela para sobreviver. Sem questões. Sem condições.
Mas da minha família — dessa voz do passado — só guardo desconfiança.
Não quero que esse passado dite quem sou. Quero formar novas memórias com a família que criei.
Futuras memórias.
É o que tenho feito. E é isso que vou fazer hoje.
Inspiro devagar e concentro-me no som das ondas, que entra para dentro do meu carro.
Estaciono junto à carrinha, no parque de onde conseguimos avistar a praia do Dragão Vermelho. Ao meu lado, o Duarte sorri. É nele que vejo esta esperança para construir um futuro que possamos recordar. É com ele que vou concretizar um sonho antigo.
O meu rosto ilumina-se assim que saio do carro e fecho a porta. É ainda mais bonita ao vivo. Admiro-a, os meus olhos não conseguem desviar-se da sua composição perfeita — da forma arredondada, dos seus olhos abertos e redondos, do azul contrastante com os detalhes em branco, que desperta em mim tantas boas experiências. Boas memórias.
Memórias que ainda vou construir.
Os meus pais nunca tiveram uma carrinha clássica. Não uma como esta, nem nenhuma outra. Não esta Volkswagen T2 pão de forma lindíssima que estou prestes a comprar. O meu coração enche-se de uma alegria infantil, pulsante; a adrenalina de fazer uma compra avultada corre-me nas veias e faz-me oscilar.
Mas quem resiste a esta obra de arte?
Inspiro o aroma salgado, fresco, do mar do Atlântico que nos ladeia. Esta praia da Costa da Caparica presenteia-nos com o seu vento típico e as vozes que voam com ele, teias de conversas entrelaçadas algures no ar. Março não podia introduzir-nos à primavera de melhor maneira.
O Duarte olha-me com ternura. Sei que ele também sente o fervilhar do entusiasmo de umas férias longe da rotina com os miúdos. Vamos poder criar recordações que nunca tivemos nas nossas infâncias. Já nos imagino a percorrer a costa Vicentina nela. E também o Norte, o Sul e o além-fronteira. E, claro, nas minhas deslocações de trabalho.
— Esta menina ainda faz uns bons milhares de quilómetros. — O vendedor, o senhor Aristides, na casa dos sessenta, baixa-se e sai da carrinha. Pousa as mãos nas ancas e olha para ela, ao nosso lado. — Portou-se sempre muito bem. Claro que precisa de manutenção, mas disso todas as carrinhas antigas precisam. Verifiquem o óleo com regularidade, façam-lhe revisões, e não puxem muito por ela. — Olha para nós. — A pão de forma não é como um carro. Anda-se devagar.
Assinto e sorrio.
— Fez um excelente trabalho, senhor Aristides.
— Oh. — Ele encolhe os ombros, sorrindo. — Fiz muitas viagens com ela. Foi uma boa companheira durante uns bons anos, mas acho que está na altura de mudar para uma coisa mais confortável. As costas não perdoam!
As ondas vergastam as rochas, numa dança pendular sinfónica. Os nossos cabelos esvoaçam com o vento caloroso e, nessa dança, eu e o meu marido trocamos um olhar cúmplice.
— Nós gostamos dela, senhor Aristides — diz ele. — O preço é final?
— É. Vinte e cinco mil, como combinámos.
Respiro fundo e, como uma criança, estendo a mão empertigada na direção do vendedor.
— Temos negócio!
O senhor Aristides aperta-me a mão com vigor. Esboçando um sorriso debaixo do bigode branco, olha para mim e para o meu marido e diz-nos:
— Preparem-se para a maior aventura da vossa vida.
Inspiro aquela frase com todo o simbolismo que tem.
Depois de efetuarmos o pagamento e de preenchermos os documentos necessários, pego na chave da carrinha e fecho-a nas minhas mãos em concha. O Duarte olha-me:
— Como te sentes, agora que tens um clássico nas mãos?
Não consigo deixar de sorrir, e a nostalgia na minha voz liberta-se:
— Como se tivesse comprado o meu brinquedo de sonho.
Rimo-nos.
Todos temos sonhos que queremos realizar, mas que se encontram num plano longínquo, quase platónico. Este é um deles. Nunca pensei concretizá-lo.
Ter uma Volkswagen T2 está nos meus planos desde a minha adolescência, quando comecei a idolatrar o então extinto movimento hippie. Tê-la nas mãos aos 35 anos é uma verdadeira conquista.
O Duarte e eu entramos na carrinha e ambientamo-nos ao interior. Contemplamos o mar por instantes, o vento a entrar pelas frechas das janelas entreabertas. Vejo uma família a construir um castelo de areia — os pais e os filhos pequenos andam à volta a acertar os últimos detalhes de uma construção impressionante, erguida por mãos delicadas, baldes de areia, decorada com conchas e búzios.
A sua concentração quebra quando, ao longe, o pai avista uma onda. Ao fundo, essa onda cresce, escura, e alimenta-se da corrente. Aproxima-se demasiado depressa deles. Desfaz-se, engole e despedaça o castelo de areia que com tanto carinho aquela família ergueu.
Regressamos a casa pelo IC20, em direção a Lisboa. Seguro o volante da Volkswagen como se a minha vida dependesse disso. Ambiento-me, aos poucos, aos pedais, à aceleração mais lenta, ao ruído constante típico de veículo clássico. Tomo consciência de que tenho um sorriso parvo estampado. O meu coração palpita, irrequieto. Ainda sinto um pulsar inquieto no sangue por ter feito um dos maiores investimentos da minha vida a pronto. Tudo fruto do meu trabalho.
— Que tal? É como imaginavas? — pergunta o Duarte, olhando-me por entre os seus caracóis escuros. Adoro os caracóis dele. Sempre os teve assim, atraentes e volumosos. — Pela forma como sorris, acho que ficaste rendida.
Por segundos, não consigo dizer nada. Sinto o entusiasmo tomar conta de cada músculo. Tenho a cabeça às voltas com tantos pensamentos que não consigo formar um fio condutor. Mas todas estas sensações são boas. Excelentes.
— Ainda não acredito que a comprámos. — A voz sai-me num sussurro guinchado. — Imagina, Duarte, todas as férias que vamos poder fazer! Não vamos ter horas marcadas. Finalmente, vamos poder viver a aventura de uma vida!
— E os miúdos vão adorar. Vão delirar com a carrinha!
Rimo-nos, e o som ecoa pelo habitáculo. Um pensamento escapa-se para o centro, como que puxado por um íman, mas não o quero verbalizar já.
— E vamos poder fazer mais férias — continua o Duarte.
Olho para ele, com os olhos arregalados.
— A sério?
— Acho que o Fernando se está a preparar para me dar uma promoção.
O meu sorriso abre-se mais.
— Parece que se está tudo a alinhar. Que bom, meu amor!
— Ainda não tenho a garantia de que vai acontecer, mas tem havido reuniões lá na empresa. O Rui saiu, e eles estão à procura de uma pessoa para o substituir. Estão a pensar em mim…
Este dia não podia ser melhor.
— Estou tão feliz por ti! — Olho para ele por um segundo. — Tu mereces esta promoção. Tens trabalhado tanto!
Ele encolhe os ombros. Nunca reconhece o quão esforçado é. Essa humildade faz-me admirá-lo mais, a cada ano de casamento que vivemos.
— Tu também estás cheia de trabalho, senhora formadora!
Sorrio. Nunca tive tantas salas de formação cheias como agora. Há muitas pessoas interessadas em aprender mais sobre design e decoração de interiores. Ver tantas alunas dá-me a esperança de um futuro melhor.
— É desta que fazemos a proposta ao senhorio para comprar a casa — digo, convicta.
— Já está na altura, não?
Olhar com esperança para o mundo é dourá-lo. Quando sentimos que as coisas se estão a alinhar, as possibilidades expandem-se. Vejo essas possibilidades e quero agarrá-las.
— Tenho estado a pensar… — começo, com o pensamento a regressar da periferia para o centro da minha atenção.
— Sim?
A minha boca mexe-se, querendo soltar a ideia, mas essa sucumbe à timidez.
— O que achavas de…
— De…?
Respiro fundo.
— Termos outro filho?
Olho para ele e vejo-o arquear as sobrancelhas. Mil e um pensamentos atravessam-me a mente: terei sido demasiado impulsiva? Talvez devesse refrear o entusiasmo. Não quero que o Duarte se sinta pressionado.
Mas, por outro lado…
— Demasiado cedo? — arrisco perguntar.
À nossa volta, os carros abrandam para olhar para esta obra de arte azul. Buzinam, e os condutores sorriem para nós e cumprimentam-nos.
— Não, nada disso. Apenas… fiquei surpreendido. Acho que andamos a pensar no mesmo e nunca dissemos nada um ao outro.
Um riso de alívio, entrecortado pela surpresa, faz-se ouvir na pão de forma.
— A sério?
— Acho que é a altura perfeita.
As palavras dele ecoam na minha mente: talvez seja mesmo a altura perfeita.
Chegamos a casa. Estacionamos a carrinha no caminho de acesso à nossa vivenda, e fico a admirá-la durante um pouco antes de rodar a chave na fechadura de casa.
— Mãe! — O meu filho vem abraçar-me. Os abraços dele, meigos, são um verdadeiro antídoto ao final do dia.
— Olá, meu amor! Divertiste-te hoje?
— Sim! — exclama, divertido. — Estivemos a fazer desenhos com a Olívia.
A Olívia é um doce de pessoa. Não podíamos ter encontrado melhor ama para os miúdos. Nos seus cinquenta anos, tem uma jovialidade que me inspira. Trabalhou numa escola em Moçambique, adora crianças e tem uma paciência que invejo.
— Obrigada, Olívia. — Abraço-a. — Você é um anjo na Terra.
Ela sacode a mão e solta um riso rouco.
— A menina Matilde é sempre simpática — diz, pausadamente, no seu sotaque de Maputo.
— E a Constança, como é que ela se portou?
— Hoje, esteve sossegada. Desenhou aí com o irmão e brincou com os legos, comeu pouquinho, mas não dormiu.
Assinto. Parte de mim fica preocupada por a menina não ter dormido, mas procuro focar-me nas coisas boas.
— Obrigada pela sua ajuda. Vemo-la amanhã?
— Cá estarei.
Despedimo-nos. A casa enche-se com as gargalhadas do Vicente. O pai pega-o ao colo e fá-lo rodar no ar. Sorrio. O Vicente, com sete anos, já não pesa como quando era bebé, mas o pai é incapaz de deixar de fazer estas brincadeiras com ele. É por isso que ele é um miúdo feliz.
Subo as escadas e espreito pela porta entreaberta do quarto da minha filha. Os seus caracóis castanho-alourados brilham sob os feixes de luz da tarde. Abro a porta e encontro-a de cócoras a alinhar brinquedos pelo quarto. Filas verticais estendem-se por toda a parte — o chão assemelha-se a um campo de arroz, com fileiras perfeitamente paralelas. Com cinco anos, tem uma perseverança admirável.
A Constança vocaliza sons impercetíveis, como canções trauteadas, enquanto alinha as peças de lego pelo quarto. Ajoelho-me a seu lado, seguro-lhe a cabeça e dou-lhe um beijo.
— Olá, minha princesa.
Ela não olha para mim. Mantém-se concentrada na tarefa incansável. Admiro-a enquanto alinha os legos coloridos. Reina um silêncio neste quarto preenchido apenas pelos sons que a Constança produz. Gosto de pensar que esta é a sua forma de comunicar.
— Temos uma surpresa para ti, filhota — sorrio, desviando uma madeixa de caracóis do seu rosto carinhoso. — Anda ver!
Levanto-me com cuidado, mas, ao fazê-lo, desequilibro-me. A sensação é vertiginosa, e por pouco não tropeço nos brinquedos. Alguns legos são projetados para longe, desfazendo uma pequena fileira.
A Constança volta-se para a confusão enquanto me encosto à parede para não cair, e solta um grito. Um grito agudo, perturbado. De um salto, levanta-se e tenta, com as mãos trémulas e os olhos velados pelo pânico, reparar a sequência desfeita. Olho para os seus bracinhos tensos, as vocalizações mais graves e ansiosas. Repreendo-me por ter sido tão desastrada. Aproximo-me da minha filha, na tentativa de a consolar, mas ela exalta-se ainda mais.
Ajudo-a a compor as peças que desalinhei, e ela empurra-me o braço. Não quer que a ajude. Toda esta ansiedade não é boa para ela. Pego-a ao colo e ela começa a gritar. Volto-a para mim e vejo-lhe a tensão no rosto, agora vermelho do choro, e encosto-a a mim.
— Já passou, meu amor… — embalo-a, inspirando o odor a morango do champô do seu cabelo. — Já passou.
Nos momentos mais difíceis, como este, em que gostava de sofrer em vez da minha filha, em que gostava de ser eu a ter estes espasmos de dor incontrolável, gosto de imaginar o nosso futuro. Porque, muito em breve, vamos criar futuras memórias.
E essas memórias serão felizes.
Capítulo 2
Se há momentos que me fazem sofrer, são aqueles em que a Constança cobre os ouvidos com as mãozinhas e, no seu rosto, vejo o terror que os ruídos elevados lhe provocam. Em pleno sábado de manhã, o pior começa.
— Já passou, minha princesa — sussurro ao ouvido da minha filha, suplicando na minha mente para que a ambulância passe o mais depressa possível.
Mas não passa. Parece andar às voltas nesta capital caótica que é Lisboa. Vejo o lábio inferior da Constança tremer, o preâmbulo do choro.
Abraço-a. Sinto os seus soluços rebentarem contra o meu peito, uma aflição que ribomba dentro de mim, que extravasa até mim. Devagar, embalo-a no meu colo, no sofá da sala.
A Constança é sensível a mudanças. Não gosta de ruídos estridentes nem de comer coisas diferentes às terças-feiras. Adora o seu pijama do Bambi quentinho e os seus legos. Faço de tudo para que ela seja feliz. Porque, quando a minha filha se sente feliz, mostra um sorriso que lhe desenha covinhas nas bochechas, e os olhos azuis iluminam-se-lhe. É o meu amor mais profundo, o que sinto por ela.
O Duarte e eu trocamos um olhar de compaixão. Ver a nossa filha sofrer desta maneira é mais doloroso do que julgávamos algum dia ser. Por isso, quando a ambulância desaparece, decido mudar o rumo dos humores — mesmo com a família toda em pijama.
— Querem ver o nosso novo presente? — Olho para a Constança e para o Vicente, ainda com os cabelos encaracolados despenteados.
Ele arregala os olhos em espanto e abre um sorriso contagiante:
— Siiim!
Os quatro saímos para o exterior, a menina no meu colo. O choro da Constança cessa mal ela vê a pão de forma estacionada na entrada.
— Uau, mãe! — O Vicente arregala os olhos no seu entusiasmo inocente de criança. — É nossa?
— É! Comprámo-la ontem.
A Constança indica com a mão que quer descer do colo, e eu pouso-a no chão. No pijama branco, parece um anjinho. Aproxima-se da carrinha e começa a emitir vocalizações alegres. Encanta-se com o azul. É a sua cor favorita.
Também é a minha.
— Posso entrar lá dentro? — pergunta o Vicente.
— Podes! — O Duarte abre a porta de correr, e os miúdos aventuram-se pelo interior.
Junto-me aos miúdos e entro também, sentando-me no banco.
— Constança, olha aqui — chamo, e mostro-lhe um cartão PECS com o desenho de uma carrinha. Ela senta-se a meu lado e observa o desenho com a palavra escrita. — Esta é uma carrinha. Car-ri-nha.
A Constança imita o som da divisão silábica e aponta para o desenho e, depois, para a janela da Volkswagen.
— Isso mesmo! É a nossa carrinha. — Aponto para mim, para ela, para o Vicente e para o Duarte.
Esta é a forma como comunicamos: ela mostra-nos um cartão PECS, e nós damos-lhe o que ela pretende. Ou, como agora, mostramos-lhe um cartão para introduzir novo vocabulário.
Este momento conduz-me a uma memória não muito longínqua. Sentados no gabinete da Dr.ª Lara, psicóloga da Constança, eu e o Duarte temíamos o futuro. A nossa filha ainda não falava, e era-nos muito difícil saber o que ela pensava, sentia e queria.
— Existem outras formas de comunicarem com a vossa filha — tranquilizou-nos a Dr.ª Lara. — Na nossa prática profissional, recorremos muito ao sistema PECS.
— PECS? — perguntei. — O que significa isso?
— PECS significa Picture Exchange Communication System. É um sistema desenhado para ajudar pessoas com dificuldades na comunicação verbal a comunicarem com as pessoas à sua volta. No fundo, aprendem o vocabulário através de cartões, que contêm imagens e palavras, como veem aqui — demonstrou, apontando para os cartões ilustrados em cima da secretária —, e mostram-nos às pessoas para dizerem o que pretendem.
— Então, a Constança vai falar através dos cartões? — perguntou o Duarte.
— Sim. É um sistema que requer aprendizagem por parte da Constança e da família, e que proporcionará muito mais autonomia à menina. Ela vai ser capaz de mostrar o que quer a cada momento, sem terem de adivinhar o que está a pensar ou a sentir.
Há dois anos, éramos pais assustados. Mas lembro-me de sorrir, de lágrimas nos olhos, e de a Dr.ª Lara me retribuir o sorriso.
Agradeço todos os dias termos conhecido o sistema PECS.
A Constança reconhece o cartão, levanta-se do banco e vai explorar a pão de forma com o irmão. Sentam-se nos bancos da frente e acenam-nos. Saio para o exterior e pouso o braço sobre os ombros do meu marido, aninhando a cabeça no pescoço dele. Sinto a barba aparada fazer-me cócegas no cocuruto.
— Achas que valeu a pena? — segreda-me ele.
— Só por este momento, valeu cada cêntimo.
Na Ponte 25 de abril, várias pessoas passam por mim e buzinam, acenando-me com sorrisos. Aceno de volta, apercebendo-me de que, pelo menos, já seis pessoas admiraram a pão de forma. Sinto-me uma criança com um brinquedo que todos querem ter, e rio-me. O meu coração enche-se de luz ao recordar o fascínio do Vicente e da Constança pela carrinha. Já imagino os lugares onde vou levá-los a passear.
Ao olhar para o trânsito no sentido contrário, para Lisboa, arrepio-me. Pelo menos, não há trânsito para onde eu vou.
Ao som do rugir deste motor clássico, chego à casa da minha cliente. Costumo dar formações, mas adoro trabalhar com empresas e clientes particulares. A Helena é uma delas, que me contactou para renovar a sua casa. Estaciono a carrinha no parque de estacionamento e toco à campainha. A Helena vem receber-me. Mal entro em casa, o seu filho desce as escadas a correr.
— Matilde!
— Olá, Santiago! — digo, ao envolvê-lo num abraço caloroso. — Cresceste tanto desde a última vez que te vi.
— E amanhã vou estar ainda maior! — E dá um salto no ar.
Soltamos uma gargalhada. Com apenas dez anos, este miúdo é um refúgio de amor. Faz-me lembrar o meu Vicente. Depois, ele volta-se para a mãe, cujo perfume inunda a sala.
— Mãe, posso ir ter com o Elias? Ele vai pintar as esculturas dos animais, e eu quero ajudá-lo.
A Helena suspira.
— Tu não paras um segundo em casa. Mas vai lá. E vem almoçar a casa!
— Okay! — diz ele, a correr para o portão.
A Helena abana a cabeça com um sorriso.
— São muito amigos, ele e o vizinho — observo.
— Ele idolatra o Elias. Desde que nos mudámos para aqui, ainda eu e o Afonso… — interrompe, pigarreando. Depois, junta as mãos: — Mas, bom, vamos então ver as peças?
— Vamos a isso!
Dirijo-me ao porta-bagagens e retiro as caixas com as peças decorativas que a Helena pediu — desde jarras de vidro a gaiolas douradas, desenhei-as todas para ela. A Helena procurava mudar o aspeto da casa, torná-la mais sua.
Percorremos as várias divisões e seguimos os planos que traçámos no início, nas nossas reuniões. A mobília em madeira clara, os cortinados novos e até as estátuas de metal dourado conferem à casa um tom mais elegante. Plantas brotam dos seus vasos, preenchendo as paredes e dando mais vida à casa, que deixa entrar a luz do sol. Falta apenas adicionar as peças decorativas finais.
O quarto do filho, que mantivemos intacto à exceção do acrescento de uma nova estante — o Santiago lê muitos livros —, é um cantinho do paraíso. Quero que os meus filhos leiam tanto quanto ele.
Saímos para a varanda — a última divisão —, onde mudamos as almofadas das cadeiras para tons pastel, a combinar com os tons delicados da casa. A Helena e eu ouvimos gargalhadas da casa ao lado e olhamos para o jardim da casa do vizinho. Sorrio ao ver o Santiago a semicerrar os olhos ao pintar animais esculpidos com tanta minúcia. O vizinho, Elias, de gorro na cabeça, fá-lo também, e dou por mim a admirar as peças que já pintou. Um artista autêntico.
Apercebendo-se da nossa presença na varanda, olham para cima. Aceno-lhes, a sorrir. Os meus olhos comovidos não resistem a esta amizade bonita.
— É incapaz de estar longe dele. — Sussurra a Helena, enquanto os admiro. — Para o Santiago, o Elias é como um avô. E, depois de tudo o que aconteceu… — a Helena suspira —, tenho de reconhecer que ele nos salvou.
Arrepio-me. Não conheço a história deles, mas as palavras da Helena — o tom com que as diz — fazem-me refletir sobre o que terá acontecido.
Por outro lado, sinto-me uma sortuda por poder conhecer os meus clientes tão de perto. Foi nos moldes do afeto que construí o meu negócio, e dar um pouco mais de luz e de cor à sua vida deixa-me mais feliz.
Olho de novo para os amigos, e recordo-me de algo que o Duarte me diz sempre: se estás feliz, porque não partilhas essa felicidade com os outros?
Capítulo 3
A aragem fresca de março da Serra da Arrábida, sob um céu azul resplandecente, é um remédio para todos os males. Fecho os olhos por breves instantes e inspiro-a. O Sol acalenta-nos, trazendo a primavera consigo.
Sento-me de lado no muro de pedra de um dos miradouros, contemplando os tons de azul do Sado. O Vicente aproxima-se de mim e, com os seus cabelos claros e ondulados, espreita para o portinho da Arrábida:
— Espera lá! Aquilo ali em baixo são barcos?
— São, pois!
— São tão pequeninos!
O Duarte caminha pelo miradouro de mão dada com a Constança. Ela solta espasmos do choro que há pouco cessou. Não queria sair de junto dos seus legos, mas estávamos todos a precisar de um passeio de fim de semana. E nada como atravessar a ponte e visitar o lugar mais bonito do distrito de Setúbal.
Trazer a Volkswagen T2 para um passeio em família foi uma ótima ideia. Já dei uns retoques no interior — limpei-a toda por dentro, comprei almofadas e estou a pensar pôr cortinas amarelas com padrões.
Como qualquer carrinha com várias décadas, esta precisava de ajustes. E, como designer de interiores, não podia deixar passar uma oportunidade para abraçar este nosso novo projeto.
Seguimos caminho. Desta vez, é o Duarte que conduz. Rocket Man, de Elton John, ecoa da coluna portátil. A música não está muito alta, para não incomodar a Constança. Não queremos perturbar-lhe o humor com ruídos elevados: a carrinha já os produz amiúde.
As estradas estreitas da Arrábida serpenteiam serra acima. Com os óculos de sol postos, estendo o braço para fora da janela. Pelo espelho de pontas arredondadas, vejo os meus filhos. O Vicente mostra à Constança um brinquedo. Embora não olhe o irmão nos olhos, admira o brinquedo, um carro dos bombeiros. Sorrio. A cumplicidade deles é bonita de ver. Sinto que nada se iguala à amizade entre irmãos — não o sei bem explicar, porque sou filha única, e sempre tive inveja das minhas amigas que tinham irmãos.
— Em que estás a pensar? — O Duarte desvia o olhar para mim. Os óculos de sol assentam-lhe bem.
Indico-lhe, com um inclinar de cabeça, os miúdos lá atrás. Ele ergue o queixo e olha para a cena bonita através do espelho retrovisor. Sorri.
— São tão amiguinhos — diz.
Logo a seguir ao Duarte dizer estas palavras, um grito ressoa, alto, pelo habitáculo. Volto-me para trás, retirando os óculos de sol.
— Mãe! — grita o Vicente.
— O que foi?
— A Constança não me dá o meu carro dos bombeiros!
Vocalizações ansiosas brotam da garganta da minha filha quando o irmão lhe tenta retirar o brinquedo.
— Vicente… deixa a mana brincar com o carrinho.
— Não! — E tenta arrancar o carro dos bombeiros à irmã. — É meu!
— Vicente, tens de partilhar. — Tento explicar-lhe, num tom calmo, com as sobrancelhas arqueadas.
— Mas, mãe, o carro é meu!
— Constança — chamo-a —, brincas só um bocadinho com o carro, e, depois, dás ao mano, está bem?
Ela não responde. Pelo canto do olho, vejo o menino cruzar os braços com força. Tem os lábios torcidos.
— Vicente, é só por um bocadinho…
— Mas o carro é meu… — A voz sai-lhe trémula. Volta ao ataque e, desta vez, consegue retirar o carro das mãos da irmã.
A Constança solta um grito tão alto que sinto os meus ouvidos zunir.
— Vicente, partilha — pede o pai, olhando para ele pelo espelho retrovisor.
Vejo o meu filho atirar o carro dos bombeiros à cara da Constança, que começa a chorar.
— Vicente! — Olho para ele em choque.
Em andamento, desaperto o cinto e passo para o banco de trás.
— Se não vão partilhar, não há brinquedo para ninguém. — Arrumo o carro debaixo do banco da frente.
Sento-me no meio deles. A Constança chora, e eu sento-a ao meu colo, confortando-a. O Vicente desliza no banco corrido até à janela oposta, encosta a cabeça e põe o braço por cima para que não possamos ver a sua expressão desiludida. O meu coração parte-se um bocadinho.
Eu e o Duarte trocamos um olhar triste pelo espelho retrovisor. Sabemos como o Vicente se ressente por darmos mais atenção à Constança. Ele não compreende que a menina precisa de um cuidado e atenção diferentes. Só espero que, um dia, ele não nos culpe por isso.
Dou um beijo de boa noite ao meu filho e cubro-o com os cobertores. Arrumo O Livro da Selva, que ele adora que lhe leia antes de dormir, e encosto a porta. Entreabro a porta do lado, do quarto da Constança, e ouço a sua respiração profunda. Encosto-a e desço as escadas. Sento-me no sofá, ao lado do Duarte, e encosto a cabeça à dele. O odor quase extinto do seu perfume consola-me. Cheira a casa, a conforto.
— Como é que vai ser o futuro da Constança? — A pergunta salta-me da boca sem que eu a consiga travar.
O Duarte suspira, exausto depois de um dia de trabalho e do peso que esta pergunta nos traz.
— Não sei… Ainda tenho a esperança de que ela comece a falar, mas, como disse a psicóloga, ela já ultrapassou os três anos e ainda não falou…
A televisão passa imagens de uma série que conheço, mas cujo nome não recordo. Mal se ouve. Por contraste, os meus pensamentos gritam.
Não consigo deixar de pensar nas palavras do Duarte. Eu também estava presente nessa sessão com a psicóloga.
A Constança foi diagnosticada com perturbação do espetro do autismo aos três anos. A notícia devastou-nos.
— A perturbação do espetro do autismo reflete-se nas dificuldades na interação e comunicação com os outros — explicou-nos a Dr.ª Lara, numa sala pequena cheia de desenhos feitos por crianças com o mesmo diagnóstico que a nossa filha acabara de receber. Na altura, lembro-me de pensar que, pelo menos, a Constança aprenderia a desenhar. — A Constança sente dificuldades na comunicação. O atraso na linguagem e a falta de contacto ocular são manifestações da PEA, e os comportamentos repetitivos também. — desviou o olhar para a menina, que, sentada ao meu colo, retirava e alinhava os lápis e canetas que a psicóloga tinha num estojo.
Nessa sessão, o Duarte manteve-se silencioso, a processar o que acabara de nos ser dito, mas eu não contive as perguntas que logo surgiram. E a Dr.ª Lara respondeu a todas — continua a responder, de cada vez que a Constança tem uma sessão.
Durante meses, questionámo-nos sobre o futuro da nossa filha. Dois anos depois, continuamos a fazê-lo.
Continuaremos a questionar-nos daqui em diante? A resposta parece-me óbvia.
— Só de pensar que, daqui a um ano, ela vai começar a escola… — Estremeço perante esse cenário. — Com tantos meninos maldosos, tenho tanto medo de que ela sofra. A Constancinha numa escola cheia de miúdos a gritar, a fazer eco nos corredores… Não vai aguentar.
— Mas temos aqueles fones de ouvido com cancelamento de ruído — lembra o meu marido. — Podem ajudar.
Um pensamento ataca-me de imediato:
— E se os miúdos lhos tirarem?
Esse cenário dá-me a volta ao estômago. Imagino a minha filha aflita, a tapar os ouvidos, o rosto contorcido de dor. As lágrimas inundam-me os olhos. O Duarte repara e abraça-me.
— Não vamos pensar nisso — sussurra-me ele. — Pelo menos, para já.
Consigo controlar os espasmos do choro. Que mãe é que não fica angustiada perante o sofrimento de um filho? Já quando o Vicente nos contou que um menino o empurrou numa aula de ginástica e ele se magoou, tive de ir à escola conversar com a professora. Mas a Constança é diferente, mais frágil, mais indefesa… e não fala.
— Ainda temos um ano, Matilde. — Ele ergue o meu rosto na direção dele. Contemplo os seus olhos verde-turquesa emoldurados pelos óculos com armação redonda e grossa. — Até lá, temos tempo para considerar várias opções. E estamos a pensar no pior cenário. Quem sabe se a Constança não vai adorar ir para a escola?
Duvido que seja esse o caso. Mas, neste momento, não quero pensar nisto. Quero agarrar-me à esperança de que as coisas vão correr bem. Talvez o Duarte tenha razão: talvez estejamos a pensar no pior cenário.
Mas, em momentos como este, o futuro é uma incógnita assustadora.
Capítulo 4
— Bom dia, senhor Eurico. Como está?
«Viva, Matilde!»
Pouso o telemóvel sobre a mesa da cozinha em altifalante e olho para o Duarte, enchendo o peito de coragem. Há muito que andamos a pensar neste dia. E esse dia chegou.
— Senhor Eurico, sabemos que é sábado e não queremos roubar muito do seu tempo. Lembra-se de conversarmos sobre a possibilidade de comprarmos esta casa?
Depois de muita ponderação, eu e o Duarte chegámos à conclusão de que este é o passo certo: vivemos na capital, a curtas distâncias dos nossos trabalhos e da escola do Vicente. É também perfeito para a Constança, porque se manterá na casa que sempre conheceu.
O senhorio pigarreia.
«Lembro, sim. Ainda estão interessados?»
O Duarte avança:
— Temos ponderado esta opção, e, como já arrendamos esta casa há sete anos, achamos que está na altura de avançar com uma proposta.
«Certíssimo. Enviem-ma, então, por e-mail. Eu vou pensar no assunto».
— Obrigada, senhor Eurico. Você tem uma casa maravilhosa.
«Tive sorte com os inquilinos.»
Rimo-nos. Despedimo-nos do senhorio e eu respiro, por fim, a sorrir.
— Ufa! — expiro, abanando a cabeça, a processar o que acabou de acontecer. — Esta foi mais difícil que a compra da carrinha.
— Que oferta lhe devemos fazer?
— Não sei. Ando com uns valores em mente, mas acho que devíamos ver o que está no mercado.
Procuramos casas nos sites das imobiliárias no computador portátil, e a pesquisa leva-nos por valores que não imaginávamos possíveis. Uma realidade diferente salta-nos à vista sem aviso. Ainda há pouco tempo, os valores eram mais acessíveis. No entanto, animamo-nos: afinal, o senhor Eurico conhece-nos, e será mais fácil para ele vender-nos a casa do que continuar a arrendá-la. Desde que a vimos que sonhámos um dia fazê-lo. E vamos avançar com esse sonho.
Afinal, estamos a construir as nossas futuras memórias felizes.
Respiro fundo com um sorriso no rosto. Ao fim de quatro horas de formação, sento-me na minha cadeira e recordo as dez pessoas que ainda há pouco estavam aqui sentadas.
Mais um workshop que adorei dar.