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Antigamente

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Faculdade Câmara Cascudo

Professora Corina de Sá Leitão Amorim


Análise Linguística

ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas.


Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões,
faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam
tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam,
antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para
colher maduro e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes,
esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava,
dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca e
também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais
tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de
pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os
burros n’água.
HAVIA OS QUE tomaram chá em criança e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam
cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei
presente”. Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso
Senhor Jesus Cristo”, ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado”. E os eruditos,
se alguém espirrava — sinal de defluxo —, eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem
saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário e, com isso, metiam a
mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava
sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso.
Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da
igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias.
ANTIGAMENTE, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a
boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas
perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não
sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam
qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um cabrito,
não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa que, andando por ceca e meca, trazia
novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de
presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para
vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssimos
tratantes.
ACONTECIA o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o
doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a
phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações; os meninos, lombrigas;
asthma, os gatos; os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma; a casimira tinha de ser superior
e, mesmo em X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam:
descansavam.
MAS TUDO ISSO era antigamente, isto é, outrora.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Antigamente. In: Quadrante (1962), obra coletiva. Reproduzida em Caminhos de João Brandão
José Olympio, 1970.

Veja se consegue descobrir o significado destas palavras:


1) Janota:
a) Pequena jaqueta de couro que estava na moda naquela época.
b) Rapaz muito elegante
c) Árvore frutífera
2) Fazer pé-de-alferes:
a) Poupar dinheiro para casar
b) Elogiar
c) Construir casa popular
3) Ficar debaixo do balaio:
a) Ser desprezado
b) Ficar à espera
c) Esconder-se.
4) Animatógrafo e Cinematógrafo:
a) Cinema
b) Festa dançante
c) Bares
5) Altéia
a) Hortelã
b) Menta
c) Doce

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