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Leibniz-Vida e Obra

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Vida e Obra Gottfried Wilhelm Leibniz nasceu em Leipzig, a 1 de julho de 1646, filho de um professor de filosofia moral.

Desde muito cedo, teve contato, na biblioteca paterna, com filsofos e escritores antigos, como Plato (428-347 a.C.), Aristteles (384-322 a.C.) e Virglio (c. 70-19 a.C.), e com a filosofia e a teologia escolsticas. Aos quinze anos comeou a ler Bacon (15611626), Hobbes (1588-1679), Galileu (1564-1642) e Descartes (1596-1650), passando a dedicar-se s matemticas. Ainda aluno da Universidade de Leipzig, escreveu, em 1663, um trabalho sobre o princpio da individuao; depois foi para Iena, a fim de seguir os cursos do matemtico Ehrard Wigel. Desde essa poca, Leibniz se preocupou em vincular a filosofia s matemticas escrevendo uma Dissertao Sobre a Arte Combinatria. Nesse trabalho procurou encontrar para a filosofia leis to certas quanto as matemticas e esboou as premissas do clculo diferencial, que inventaria ao mesmo tempo que Newton. Por outro lado, no estudo da lgica aristotlica, Leibniz encontrou os elementos que o levaram idia de uma anlise combinatria filosfica, vislumbrando a possibilidade de cria um alfabeto dos pensamentos humanos, com o qual tudo poderia ser descoberto. Nos anos seguintes, doutorou-se em direito na Universidade de Altdorf e, em Nuremberg, filiou-se Sociedade Rosa-Cruz. O ingresso nessa Sociedade valeu-lhe uma penso e, ao que tudo indica, permitiu que ele se iniciasse na vida poltica. A partir de ento, a vida de Leibniz, segundo o historiador Windelband, apresenta muitas semelhanas com a de Bacon: Leibniz sabia mover-se agilmente em meio s intrigas da corte a fim de realizar seus grandes planos, sendo dotado tambm daquela "ardente ambio que levara Bacon runa". Em 1667, Leibniz dedicou ao prncipe-eleitor de Mogncia um trabalho no qual mostrava a necessidade de uma filosofia e uma aritmtica do direito e uma tabela de correspondncia jurdica. Por causa desse trabalho, foi convidado para fazer a reviso do" corpus juris latini". Em 1670, foi nomeado conselheiro da Alta Corte de Justia de Mogncia. Com esse ttulo, Leibniz foi encarregado de uma misso em Paris, em 1672. Pretendia convencer o rei Lus XIV a conquistar o Egito, aniquilando, assim, a Turquia e protegendo a Europa das invases "brbaras". Esperava, desse modo, desviar as atenes do rei e evitar que ele utilizasse sua potncia militar contra a Alemanha. Seu projeto foi rejeitado, mas os trs anos de estada em Paris no lhe foram inteis. Entrou em contato com alguns dos mais conhecidos intelectuais da poca: Arnauld (1612-1694), Huygens (1629-1695). Em 1676, Leibniz descobriu o clculo diferencial, situando-se entre os maiores matemticos da poca.

Fora, no entanto, precedido por Newton, que, desde 1665, j inventara, embora sob ponto de vista diferente, um novo mtodo de clculo, o mtodo das fluxes. Em Newton, as variaes das funes so comparadas ao movimento dos corpos, sendo, portanto, a idia de velocidade que fundamentava seu clculo. Leibniz, ao contrrio, parte de uma colocao metafsica, introduzindo a noo de quantidades infinitamente pequenas, o que o leva a empregar o algoritmo. Em 1676, Leibniz encontra-se em Amsterdam com Espinosa, com quem discute problemas metafsicos. No mesmo ano torna-se bibliotecrio-chefe em Hanver, cidade na qual passaria ao restantes quarenta anos de sua vida. Saiu de Hanver apenas para percorrer, durante trs anos, a Alemanha e a Itlia, realizando pesquisas em bibliotecas e arquivos destinadas a fundamentar suas misses diplomticas. Em 1711, viajou para a Rssia a fim de propor ao czar Pedro, o Grande, um plano de organizao civil e moral para o pas. Em seguida, esteve em Viena, onde conheceu o prncipe Eugnio de Savia, ao qual dedicaria a Monadologia. Nessa poca, realizou seus principais trabalhos filosficos. De volta a Hanver, Leibniz encontrou diminudo seu prestgio, com a morte de sua protetora, a princesa Sofia, apesar de ter sido um dos maiores responsveis para que Hanver se transformasse em eleitorado e para que fosse criada a Academia de Cincias de Berlim. Relativamente esquecido e isolado dos assuntos pblicos, Leibniz veio a falecer a 14 de novembro de 1716. Racionalismo e Finalismo Apesar de sua intensa e agitada vida pblica, Leibniz deixou uma obra extensa, em que trata de quase todos os assuntos polticos, cientficos e filosficos de seu tempo. Dentre seus escritos destacam-se: Sobre a Arte Combinatria, Monadologia, Discurso de Metafsica, Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano, Sobre a Origem Radical das Coisas, O que Idia, Clculo Diferencial e Integral, Caracterstica Universal, Correspondncia com Arnauld, Correspondncia com Clarke, Sobre o Verdadeiro Mtodo em Filosofia e Teologia, Sobre as Noes de Direito e de Justia, Ensaio de Teodicia, Consideraes Sobre o Princpio da Vida, Sobre a Sabedoria, Sobre a Liberdade eCorrespondncia com Padre Bosses. Parte considervel da obra de Leibniz e constituda por escritos de circunstncia, com os quais segundo muitos historiadores tentava apenas obter favores dos governantes, fazendo todas as conciliaes possveis. Dilthey, ao contrrio, considera que Leibniz perseguia um sincero ideal de sntese de todos os conhecimentos e das diferentes confisses religiosas de seu tempo.

Outra parte (a volumosssima correspondncia e os trabalhos publicados somente aps sua morte) revela segundo Russel e outros um pensador bastante diferente do Leibniz pblico Acrescentando-se a essa dupla face de seus escritos o fato de que muitos deles sequer foram concludos, torna-se bastante difcil uma interpretao da filosofia leibniziana que no d margem a dvida e no suscite polmica. De qualquer modo e embora Leibniz tenha criado um amplo sistema de idias dotado de "mltiplas entradas" , pode-se tomar para ponto de partida da compreenso da sua filosofia dois temas provenientes de fontes distintas: um da filosofia de Descartes, outro de Aristteles e da escolstica medieval. Descartes forneceu-lhe o ideal de uma explicao matemtica do mundo; a partir dessa idia, Leibniz pretendia lanar as bases de uma combinatria universal, espcie de clculo filosfico que lhe permitiria encontrar o verdadeiro conhecimento e desvendar a natureza das coisas. De Aristteles e da escolstica, Leibniz conservou a concepo segundo a qual o universo est organizado de maneira teleolgica, ou seja, tudo aquilo que acontece, acontece para cumprir determinados fins. As duas doutrinas foram sintetizadas pela filosofia de Leibniz, aparecendo unificadas na concepo de Deus. Para Leibniz, a vontade do Criador (na qual se fundamenta o finalismo) submete-se ao Seu entendimento (racionalismo); Deus no pode romper Sua prpria lgica e agir sem razes, pois estas constituem Sua natureza imutvel. Conseqentemente, o mundo criado por Deus estaria impregnado de racionalidade, cumprindo objetivos propostos pela mente divina. Essa sntese entre o racionalismo cartesiano e o finalismo aristotlico apresenta como ncleo uma srie de princpios de conhecimento, dos quais se poderiam deduzir uma concepo do mundo e uma tica dotada inclusive de implicaes polticas. O primeiro desses princpios o de razo. O princpio de razo consiste em submeter toda e qualquer explicao ou demonstrao a duas exigncias. A primeira funda-se no carter no-contraditrio daquilo que explicado ou demonstrado; a razo necessria ou princpio de no-contradio. A Segunda exigncia consiste em que, alm de explicado ou demonstrado no ser contraditrio (e sendo, portanto, possvel sua existncia), a coisa em questo tambm existe realmente; a razo suficiente. O princpio de razo afirma, portanto, que uma coisa s pode existir necessariamente se, alm de no ser contraditria, houver uma causa que a faa existir.

Para Leibniz, alm da causa eficiente que produz as coisas segundo o princpio de razo (no-contadio e suficincia), intervm tambm nessa produo a causa final. A primeira de tipo matemtico e mecnico, a Segunda dinmica e moral. O fim da produo das coisas a vontade justa, boa e perfeita de Deus, que deseja essa produo. O finalismo que sustenta o princpio do melhor: Deus calcula vrios mundos possveis, mas faz existir o melhor desses mundos. O critrio do melhor sobretudo moral; com ele Leibniz pretende demonstrar que o mal a simples sombra necessria do bem. O finalismo sustenta, desse modo, o otimismo leibniziano do melhor dos mundos possveis. Alm dos princpios de razo (no-contadio e suficincia) e do princpio do melhor, que do conta da produo das coisas, Leibniz faz com que intervenham tambm os princpios da continuidade e dos indiscernveis. O princpio da continuidade afirma que a natureza no d saltos; assim como no h vazios no espao, assim tambm no existem descontinuidades na hierarquia dos seres. Leibniz afirma, por exemplo, que as plantas no passam de animais imperfeitos. O princpio dos indiscernveis daria conta da multiplicidade e individualidade das coisas existentes. Leibniz afirma que no h no universo dois seres idnticos e que sua diferena no numrica nem espacial ou temporal, mas intrnseca, isto , cada ser em si diferente de qualquer outro. A diferena de essncia e manifesta-se no plano visvel das prprias coisas. Os princpios do melhor, da no-contradio, da razo suficiente, da continuidade e dos indiscernveis so considerados, por Leibniz, constitutivos da prpria razo humana e, portanto, inatos, embora apenas virtualmente. Nos Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano, Leibniz rejeita a teoria empirista de Locke (1632-1704), segundo a qual a origem das idias encontra-se na experincia, apenas uma "tabula rasa", uma folha de papel em branco. Para Leibniz, ao contrrio, a experincia s fornece a ocasio para o conhecimento dos princpios inatos ao intelecto: "No se deve imaginar que se possa ler na alma, sem esforos e sem pesquisa, essas eternas leis da razo, como o dito do pretor lido em seu caderno; mas bastante que as descubramos em ns por um esforo de ateno, uma vez que as ocasies so fornecidas pelos sentidos". Os empiristas teriam razo ao afirmar que as idias surgem do contato com o mundo sensvel, mas errariam ao esquecer o papel do esprito. Por isso, Leibniz completa a frmula de Locke "Nada h no intelecto que no tenha passado primeiro pelos sentidos" com o adendo "a no ser o prprio intelecto".

Os Fundamentos da Monadologia Os princpios do conhecimento formulados por Leibniz levaram-no a uma concepo do mundo oposta cartesiana. Enquanto Descartes formula uma concepo geomtrica e mecnica dos corpos, Leibniz constri uma concepo dinmica. Nesse sentido, explica os seres no como mquinas que se movem, mas como foras vivas: "Os corpos materiais, por sua resistncia e impenetrabilidade, revelam-se no como extenso mas como foras; por outro lado, a experincia indica que o que se conserva num ciclo de movimento no como pensava Descartes a quantidade do movimento, mas a quantidade de fora viva". A partir da noo de matria como essencialmente atividade, Leibniz chega idia de que o universo composto por unidades de fora, as mnadas, noo fundamental de sua metafsica. Essa noo, contudo, no se esgota na adio do atributo fora ao conceito da matria, formulado por Descartes. Leibniz chega tambm noo de mnada mediante a experincia interior que cada indivduo tem de si mesmo e que o revela como uma substncia ao mesmo tempo una e indivisvel. As notas que caracterizam as mnadas leibnizianas so a percepo, a apercepo, a apetio e a expresso. Pela percepo as mnadas representam as coisas do universo; cada uma de per si espelha o universo todo. A apercepo a capacidade que a mnada espiritual tem de auto-representar-se, isto , de refletir; a mnada a conscincia. A apetio consiste na tendncia de cada mnada de fugir da dor e desejar o prazer, passando de uma percepo para outra. Finalmente, as mnadas, no tendo "portas sem janelas", no recebem seus conhecimentos de fora, mas tm o poder interno de exprimir o resto do universo, a partir de si mesmas; a mnada um ponto de vista. Cada representao por parte das mnadas um reflexo obscuro, jamais havendo conscincia clara de todas as impresses. Isto se deve ao fato de que o universo mltiplo e infinito, enquanto toda a substncia, isto , toda mnada, com exceo de Deus, necessariamente finita. Portanto, no possvel "que nossa alma (mnada superior) possa atingir tudo em particular". O corpo humano, para Leibniz, afetado, de alguma forma, pela mudana de todos os outros; todos os seus movimentos correspondem certas "percepes" ou pensamentos mais ou menos confusos da alma. Assim, a alma tambm tem algum pensamento de todos os movimentos do universo. " verdade", diz Leibniz, "que no nos apercebemos distintamente de todos os movimentos de nosso corpo, como por exemplo o da linfa (...), mas preciso que eu tenha alguma percepo do movimento de cada vaga de um rio, a fim de poder me aperceber daquilo que resulta de seu conjunto, isto , esse grande rudo que se escuta perto do mar". A percepo consciente (apercepo) resulta do conjunto das "pequenas percepes", como o rudo do choque de duas gotas de gua, que se deve ouvir

mesmo sem ter conscincia. Isso explicaria a conservao das lembranas, o trabalho da imaginao nos "bastidores da conscincia", assim como a realidade dos sonhos, mesmo quando esquecidos no estado de viglia. Dessa forma, os estados sucessivos da alma estariam ligados uns aos outros e a todo universo. O inconsciente seria inerente a todas as substncias criadas e seus diferentes graus seriam paralelos aos graus de perfeio dessas substncias; a continuidade existente entre os seres no anula a diferena de natureza entre as simples mnadas e os espritos. Leibniz afirma ainda que existem dois tipos de inconscientes: o inconsciente de percepo, prprio das simples mnadas enquanto so apenas "espelhos do universo", e o inconsciente da imitao, pertencente apenas aos espritos enquanto no so apenas espelhos, mas espelhos dotados de reflexo. A razo dessa diferena, encontra-se no fato de que as mnadas no possuem o mesmo grau de perfeio: acima das"mnadas nuas" (corpos brutos que s tm percepes inconscientes e apeties cegas) existem "mnadas sensitivas" (animais dotados de apercepes e desejos) e as "mnadas racionais" , com conscincia e vontade. O Melhor dos Mundos Possveis O racionalismo leibniziano tende constituio de um saber globalizador, de uma mathesis universalis. Do ponto de vista lgico, o sistema de Leibniz estrutura-se como um conjunto de mltiplas sries que convergem e se entrecruzam; cada ponto de uma das sries definido, dentro da complexa teia, por seu lugar, sua posio; por conseguinte, o conjunto todo organiza-se numa topologia. A noo de ordem, em Leibniz, assume feio diferente da que possua em Descartes: desliga-se da de nexo linear e passa a se vincular noo de "situao" (as situaes resultantes das diversas sries que se entrecruzam). O sistema todo, assim estruturado, conduz possibilidade de traduo de uma ordem em outra. O pluralismo das sries convergentes que constituem o universo pode assim apresentar-se como pluralismo conciliado e harmnico. Em Leibniz, revive o modelo estico: o universo concebido semelhana de um organismo pleno, cujas partes convivem numa harmonia natural e onde tudo anlogo a tudo. Para Leibniz, os atos de cada mnada foram antecipadamente regulados de modo a estarem adequados aos atos de todas as outras; isso constituiria a harmonia preestabelecida. A doutrina leibniziana da harmonia preestabelecida sustenta que Deus cria as mnadas como se fossem relgios, organiza-os com perfeio de maneira a marcarem sempre a mesma hora e d-lhes corda a partir do mesmo instante, deixando em seguida que seus mecanismos operem sozinhos. Assim, Deus teria colocado em cada mnada, no instante da criao, todas as suas percepes, criando-as de tal modo

que cada uma se desenvolve como se estivesse s; seu desenvolvimento, todavia, corresponde, a cada instante, exatamente ao de todas as outras. Graas a essa harmonia preestabelecida, os pontos de vista de cada mnada sobre o universo concordariam entre si. Ao mesmo tempo, Deus escolhe o melhor dos mundos dentre todos aqueles que se apresentam como possveis. Coloca-se ento a questo: como explicar a presena do mal no mundo? Leibniz tentou responder a esse problema, afirmando inicialmente que o mal se manifesta de trs modos: metafsico , fsico e moral . O mal metafsico seria a fonte do mal moral, e deste decorreria o mal fsico. O mal metafsico a imperfeio inerente prpria essncia da criatura, pois se ela no fosse imperfeita, seria o prprio Deus. A imperfeio metafsica original de definiria, assim, apenas como uma no-perfeio, metafsica original se definiria, assim, apenas como uma no-perfeio, um no-ser, retomando Leibniz a concepo neoplatnica e agostiniana. O mal metafsico a raiz do mal moral, pois aquilo que perfeito pode contemplar o Bem, sem possibilidade de erro, mas uma substncia imperfeita no capaz de aprender o todo, tem percepes inadequadas e se deixa envolver pelo confuso. No se deveria, contudo, responsabilizar o criador pela existncia do mal, porque Deus proporciona a todos as mesmas graas, mas cada um pode se beneficiar delas de acordo com sua limitao original. Leibniz afirma que, assim como a correnteza a causa do movimento do barco, mas no de seu atraso, assim tambm Deus a causa da perfeio da Natureza, mas no de seus defeitos. Ao produzir o mundo tal como ele , Deus escolheu o menor dos males, de tal forma que o mundo comporta o mximo de bem e o mnimo de mal. Na prpria origem das coisas, diz Leibniz, exerce-se uma certa matemtica divina, ou mecnica metafsica, responsvel pela determinao do mximo de existncia, to rigorosa quanto as dos mximos e mnimos matemticos ou as leis do equilbrio. O mal fsico entendido por Leibniz como conseqncia do mal moral, podendo ser considerado, ao mesmo tempo, uma conseqncia fsica da limitao original e uma conseqncia tica, isto , punio do pecado. Em decorrncia da harmonia preestabelecida, a dor fsica seria expresso da dor metafsica, que a alma experimenta por causa de sua imperfeio. Segundo Leibniz, Deus autoriza o sofrimento porque este necessrio para a produo de um Bem Superior: "Experimenta-se suficientemente a sade, sem nunca se ter estado doente? No preciso que um pouco de Mal torne o Bem sensvel, isto , Maior?" A teoria do Mal, formulada por Leibniz, concluiria assim sua tentativa de sntese sistemtica de uma filosofia que concebe o mundo como rigorosamente racional e como o melhor dos mundos possveis. Algumas passagens das obras do prprio Leibniz, contudo, deixam uma rstia de dvida sobre seu otimismo: "Pode-

se duvidar se o mundo avana sempre em perfeio ou se avana e recua por perodos. (...) Pode-se pois questionar se todas as criaturas avanam sempre, ao menos no final de seus perodos, ou se existem tambm aquelas que perdem e recuam sempre, ou, enfim, se existem aquelas que realizam perodos no final dos quais percebem no ter ganho nem perdido; da mesma forma que existem linhas que avanam sempre, como a reta, outras que voltam sem avanar ou recuar, como a circular, outras que voltam e avanam ao mesmo tempo, como a espiral, outras, finalmente, que recuam depois de terem avanado, ou avanam depois de terem recuado, como as ovais".

Gottfried Wilhelm von Leibniz Primeiro de Julho de 1646, em Leipzig, Saxnia (atual Alemanha) 14 de novembro de 1716, em Hannover, Hanover (atual Alemanha)

Gottfried Leibniz era filho de Friedrich Leibniz, professor de filosofia em Leipzig. Sua me chamava-se Catharina Schmuck, filha de uma advogado e terceira esposa de Friedrich. Leibniz foi criado praticamente pela me, pois seu pai morreu quando ainda tinha 6 anos de idade. Aos 7 anos, Leibniz entrou na escola Nicolai, em Leipzig. Embora Latim tenha sido uma das matrias que lhe foi ensinada na escola, Leibniz foi autodidata em Latim avanado e Grego at os 12 anos. Sua motivao maior parece ter sido a vontade de ler os livros do pai. Conforme progredia nos estudos, foram-lhe ensinadas tambm lgica Aristotlica e teoria de categorizao do conhecimento. Leibniz mostrava-se claramente insatisfeito com o sistema de Aristteles e comeou a desenvolver suas prprias idias em como melhor-lo. Em um perodo posterior de sua vida Leibniz reconheceu que nesta poca ele estava tentando achar a ordem por trs de verdades lgicas, o que, ainda que ele no reconhecesse como tal, eram as idias por trs de provas matemticas rigorosas. Em 1661, aos 14 anos, Leibiniz entrou para a Universidade de Leipzig. Pode nos parecer que ele tenha entrado na Universidade excepcionalmente jovem, mas justo dizer que, apesar de realmente jovem, havia outros na mesma faixa etria. Ele estudou Filosofia, matria bem ensinada em Leipzig, e Matemtica, no to bem ensinada. L Leibniz estudou retrica, latim, greco e hebraico. Ele graduouse bacharel em 1663 com a tese De Principio Individui (Sobre os Princpios do Indivduo) que: ... enfatizava o valor existencial do indivduo, que no deve ser explicado pela matria simplesmente ou pela forma to pouco, mas pelo seu completo ser.

Aps graduar-se Leibniz foi a Jena, passar as frias de vero. L conheceu o professor de Matemtica Erhard Weigel. Weigel era tambm um filsofo e com sua ajuda, era o Leibniz conceito sobre comeou a entender do Em a importncia e de suas 1663 do mtodo matemtico de demonstrao em assuntos como lgica e filosofia. Weigel acreditava que o nmero fundamental Leibniz. Universo outubro idias tiveram volta considervel a Leipzig, de influncia grau Leibniz

recomeando seus estudos em direo a um doutorado em legislao. Ele recebeu o de Mestre e em Filosofia estudando por uma as dissertao que entre estes combinava aspectos assuntos com Filosofia lei, relaes idias

matemticas aprendidas com Weigel. Sua me morreu poucos dias aps Leibniz apresentar sua dissertao. Aps obter o ttulo de bacharel em leis, Leibniz trabalhou em sua habilitao em Filosofia. Seu trabalho foi publicado em 1666 como Dissertatio de arte combinatoria (Dissertao sobre a arte da combinatria). Neste trabalho Leibniz afirmava reduzir todo o raciocnio e descoberta a uma combinao de elementos bsicos tais como nmeros, letras, sons e cores. Apesar de sua crescente reputao, foi-lhe recusado o grau de doutor em leis em Leipzig. No muito claro porque isto aconteceu. provvel que, como um dos mais jovens candidatos e tendo apenas doze professores em leis disponveis, ele deveria esperar outro ano. Contudo, h tambm uma histria que a esposa do encarregado pela Universidade persuadiu-o a argumentar contra Leibniz, por alguma razo obscura. Leibniz no estava preparado para aceitar qualquer tipo de atraso e foi imediatamente para a Universidade de Altdorf, onde recebeu o ttulo de doutor em leis em fevereiro de 1667, por sua tese De Casibus Perplexis. Leibniz recusou a promessa de uma cadeira em Altdorf porque tinha outros planos em mente. Ele trabalhou como secretrio para a Sociedade Alqumica de Nuremberg por algum tempo tendo ento encontrado o Baro Johann Christian von Boineburg. Em novembro de 1667 Leibniz estava vivendo em Frankfurt, empregado por Boineburg. No correr dos anos Leibniz envolveu-se em uma grande variedade de projetos diferentes (cientficos, literrios e polticos). Ele levou em frente sua carreira nas leis, trabalhando na corte de Mainz antes de 1670. Um dos objetivos de longo prazo (a vida toda, talvez) era organizar todo o conhecimento humano. Certamente ele viu seu trabalho como legislador como parte deste ideal. Ainda com este intuito, tentou unificar os trabalhos das sociedades cientficas, de forma a coordenar a pesquisa. Leibniz comeou a estudar o movimento, e embora ele tivesse em mente o problema de explicar os resultados de Wren e Huyghens sobre colises elsticas, ele comeou com idias abstratas de movimento. Em 1671 ele publicou Hypothesis Physica Nova (Novas Hipteses Fsicas). Neste trabalho afirmou, como Kepler, que o movimento depende da ao de espritos. Ele entrou em contato com Oldenburg, o secretrio da Royal Society of London, e

dedicou alguns de seus trabalhos para a Royal Society e para a Paris Academy. Leibniz tambm matinha contato com Carcavi, o bibliotecrio real em Paris. Leibniz desejava visitar Paris para fazer mais contatos cientficos. Ele havia comeado a desenvolver uma mquina calculadora que, ele imaginava, despertaria algum interesse. Ele criou um plano poltico para tentar persuadir a Frana a invadir o Egito. Em 1672 Leibniz foi a Paris com o patrocnio de Boineburg para tentar usar seu plano e dissuadir Luis XIV de atacar reas da Alemanha. Seu primeiro objetivo em Paris era fazer contato com o governo Francs mas, enquanto esperava por esta oportunidade, Leibniz fez contato com matemticos e filsofos, em particular Arnauld e Malebranche, discutindo com Arnauld diversos tpicos, particularmente a unificao da Igreja. Em Paris Leibniz estudou Matemtica e Fsica sob a tutela de Christiaan Huygens, comeando em 1672. Seguindo seus conselhos, Leibniz leu o trabalho de SaintVincent sobre sries e fez algumas descobertas nesta rea. Ainda no outono de 1672, o filho de Boineburg foi mandado a Paris para estudar sob a orientao de Leibniz, o que significava que seu suporte financeiro era seguro. Acompanhando o filho de Boineburg estava seu sobrinho em misso diplomtica para tentar persuadir Luis XIV a criar uma comisso de paz. Boineburg morreu em 15 de dezembro mas Leibniz continuou sendo financiado por sua famlia. Em janeiro de 1673 Leibniz e o sobrinho de Boineburg foram a Inglaterra tentar a mesma misso de paz, j que a francesa havia falhado. Leibniz visitou a Royal Society, e exibiu sua calculadora, ainda incompleta. Ele tambm falou com Hooke, Boyle na e Pell. da Quando Royal exps Society seus em resultados 15 de a respeito Nela de sries a Pell, alguns descobriu que eles j existiam em um trabalho de Mouton. Leibniz no compareceu reunio fevereiro. Hooke traou comentrios desfavorveis a respeito de sua mquina de calcular. Leibniz conclui que seu conhecimento de Matemtica era menor do que ele gostaria que fosse e redobrou seus esforos. A Royal Society of London aceitou Leibniz em suas fileiras em 19 de abril de 1673. Leibniz conheceu Ozanam e resolveu um de seus problemas. Tambm reencontrou Huygens, que deu-lhe uma lista de leitura, incluindo trabalhos de Pascal, Fabri, Gregory, Saint-Vincent, Descartes e Sluze. Ele comeou a estudar a geometria dos infinitesimais e escreveu a Oldenburg na Royal Society em 1674. Oldenburg respondeu que

Newton e Gregory haviam chegado a mtodos mais gerais.

Leibniz no estava, contudo, com suas melhores relaes com a Royal Society, j que havia prometido terminar sua mquina calculadora e no o fizera. Tampouco sabia Oldenburg que Leibniz havia transformado-se de um matemtico comum em um gnio criativo. Em 1675 chegou a Paris Tschirnhaus, que acabou por tornar-se amigo ntimo de Leibniz. Esta parceria foi matematicamente lucrativa para ambos. Foi durante este perodo em Paris que Leibniz desenvolveu as noes bsicas de sua verso do Clculo. Em 1673 ele ainda estava batalhando para desenvolver uma

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boa notao para seu Clculo e suas contas eram confusas. Em 21 de novembro de 1675 ele escreveu um manuscrito usando a notao f(x) dx pela primeira vez. No

mesmo manuscrito a regra para o produto da diferenciao apresentada. No outono de 1676 Leibniz descobriu a regra familiar d(xn) = n xn-1 dx para n inteiro ou fracionrio. Newton escreveu uma carta a Leibniz, mas ela levou algum tempo para chegar. A carta listava muitos dos resultados de Newton, mas no descrevia os mtodos. Leibniz respondeu imediatamente a Newton, que sem perceber que sua carta havia atrasado muito, levou seis semanas para responder. Certamente uma das conseqncias da carta de Newton foi alertar Leibniz da necessidade de publicar seus mtodos. Newton escreveu uma segunda carta a Leibniz em 24 de outubro de 1676, que s chegou a ele em junho de 1677, pois Leibniz havia se mudado para Hanover. Nesta segunda carta, embora polida, Newton deixava claro sua crena de que Leibniz havia roubado seus resultados. Na resposta, Leibniz deu alguns detalhes sobre os princpios de seu Clculo, incluindo a regra para a diferenciao de funes compostas. Newton afirmou, justamente, que ... nem um nico problema previamente sem soluo foi resolvido ... Mas a abordagem de Leibniz mostrava que o formalismo era vital no

desenvolvimento posterior do Clculo. Leibniz nunca pensou na derivada como um limite. Isto no aparece at o trabalho de d'Alembert. Leibniz desejava permanecer havia um em Paris, na Academia de de Cincias, mas e j como considerava-se que nmero suficiente estrangeiros,

conseqncia disso, nenhum convite lhe foi feito. Relutantemente Leibniz aceitou uma posio de bibliotecrio na corte de Hanover, onde viveria o resto de sua vida (exceto pelas muitas viagens que fez). Seus trabalhos como bibliotecrio eram "mundanos", mas ele desenvolveu uma srie de outros projetos pessoais. Por exemplo, um dos maiores comeou em 1678-79 e envolvia a drenagem de gua das minas nas montanhas de Harz. Sua idia era utilizar a fora dos ventos e da gua para operar bombas. Ele projetou diversos tipos de bombas e engrenagens era devido mas todos terminaram em fracasso. Leibniz seus acreditava que isto ao medo dos trabalhadores de perderem

empregos para o progresso. Uma das grandes conquistas de Leibniz em Matemtica foi o desenvolvimento do sistema binrio de aritmtica. Ele aperfeioou seu sistema por volta de 1679, mas no publicou nada at 1701, quando ele enviou o trabalho Essay d'une nouvelle science des nombres Academia de Paris para marcar sua entrada na Academia. Outra grande conquista de Leibniz foi seu trabalho em determinantes,

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resultado de sua pesquisa em sistemas de equaes lineares. Embora ele nunca tenha til. publicado Um este trabalho, ele desenvolveu de 22 diversas de abordagens de 1684 de para o problema com diversas notaes diferentes, tentando encontrar qual era mais trabalho a o no publicado datado seu a janeiro na contm 1680, sobre resultados muito satisfatrios. Leibniz tentando continuou reduzir aperfeioar raciocnio de sistema uma metafsico do et dcada lgebra pensamento. Leibniz

publicou Meditationes Em fevereiro de

Cognitione,

Veritate

Ideis (Reflexes

Conhecimento, Verdade e Idias) que esclarecia sua teoria sobre o conhecimento. 1686 Leibniz escreveu seu Discours de mtaphysique (Tratado sobre Metafsica). Em 1684 Leibniz publicou detalhes de seu Clculo Diferencial em Nova Methodus pro Maximis et Minimis, item que Tangentibus... em Acta Eruditorum, um jornal estabelecido em Leipzig apenas h dois anos. O trabalho continha a notao j familiar notao "d", as regras para o clculo da derivadas de potncias, produtos e quocientes. Contudo no continha demonstraes e Jacob Bernoulli chamou aquilo de enigma e no de explicao. Em 1686 Leibniz publicou, na Acta Eruditorum, um trabalho . sobre o Clculo

Integral com a primeira apario impressa da notao Os Principia de

Newton apareceriam no prximo ano. O mtodo das fluxes de

Newton foi escrito em 1671, mas Newton falhou em t-lo publicado. Este trabalho ficaria desconhecido at 1736, quando John Colson produziu uma verso traduzida para o Ingls. Este atraso na publicao gerou a disputa entre Newton e Leibniz. Em 1710 Leibniz publicou Thodice, um trabalho filosfico, onde tentava explicar o problema do mal em um mundo criado por um Deus bom. Leibniz afirmava que o Universo tinha de ser imperfeito, para poder ser distinto de Deus. Tambm afirmava que era o melhor Universo possvel, sem ser perfeito. Em 1714 Leibniz escreveu Monadologia que sintetizava as idias de Thodice. Muitas das atividades matemtica de Leibniz em seus ltimos anos envolveram a disputa sobre a inveno do Clculo. Em 1711 ele leu um trabalho de Keill na Transactions of the Royal Society of London que acusava-o de plgio. Leibniz exigiu uma retratao dizendo que ele nunca havia ouvido falar do clculo de fluxes at ter lido os trabalhos de Wallis. Keill respondeu que as cartas de Newton davam todas as indicaes necessrias para que Leibniz chegasse aos seus resultados. Leibniz escreveu de novo a Royal Society pedindo a eles que corrigissem o mal produzido pelas afirmaes de Keill. Em resposta a esta carta, a Royal Society indicou um comit para avaliar a situao. Naturalmente a opinio deste comit era completamente desbalanceada, j que Leibniz nunca foi chamado a dar sua verso dos fatos e o relator era o prprio Newton!

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A disputa no arrefeceu nem quando Leibniz escreveu a Newton detalhando seus resultados e descobertas sobre o Clculo Diferencial. De 1715 at a sua morte, Leibniz correspondeu-se com Samuel Clarke, patrocinador de Newton, sobre tempo, espao, livre arbtrio, atrao gravitacional atravs do vcuo, entre outros tpicos.

PRINCPIOS DA FILOSOFIA OU A MONADOLOGIA G.W.Leibniz (T. = Teodicia) 1. A Mnada, da qual vamos falar aqui, no seno uma substncia simples, que entra nos compostos. Simples, quer dizer, sem partes (T. 10). 2. necessrio que haja substncias simples, visto que h compostos; pois o composto outra coisa no que um amontoado ou aggregatum dos simples. 3. Ora, onde no h partes, no h extenso, nem figura, nem divisibilidade possveis. E tais Mnadas so os verdadeiros tomos da Natureza e, em uma palavra, os Elementos das coisas. 4. Tampouco h dissoluo a temer e no h como se conceber um modo pelo qual uma substncia simples possa perecer naturalmente (T. 89). 5. Pela mesma razo, no h modo pelo qual uma substncia simples possa comear naturalmente, j que no pode ser formada por composio. 6. Portanto, pode dizer-se , que que s as Mnadas s podem por comear e e acabar por

instantaneamente,

isto

podem

comear

criao

acabar

aniquilamento, ao passo que o composto comea e acaba por partes. 7. Tampouco h meios de explicar como uma Mnada possa ser alterada ou

modificada internamente por qualquer outra criatura, pois nada se lhe pode transpor, nem se pode conceber nela qualquer movimento interno que possa ser excitado, dirigido, aumentado ou diminudo l dentro, tal como ocorre nos compostos, onde h mudana entre as partes. As Mnadas no possuem janelas atravs das quais algo possa entrar ou sair. Os acidentes no podem destacar-se, nem passear fora das substncias, como faziam outrora as espcies sensveis dos Escolsticos. Assim, nem substncia, nem acidente podem entrar em uma Mnada a partir do exterior. 8. Todavia, as Mnadas precisam ter algumas qualidades, do contrrio nem mesmo seriam entes. E se as substncias simples no diferissem por suas qualidades, no haveria modo de apercebermos qualquer modificao nas coisas, j que aquilo que est no composto s pode vir de seus ingredientes simples, e se as Mnadas

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carecessem de qualidades, seriam indistinguveis umas das outras, j que tambm no diferem em quantidade; e, conseqentemente, suposto o pleno, cada lugar receberia sempre, no movimento, s o Equivalente do que antes havia tido, e um estado de coisas seria indiscernvel de outro. 9. mesmo necessrio que cada Mnada seja diferente de qualquer outra. Pois nunca h, na natureza, dois seres que sejam perfeitamente idnticos e nos quais no seja possvel encontrar uma diferena interna, ou fundada em uma denominao intrnseca. 10. Dou tambm por aceito que todo ser criado est sujeito mudana, e, conseqentemente, tambm a Mnada criada e inclusive que tal mudana contnua em cada uma delas. 11. Segue-se, do que acabamos de dizer, que as mudanas naturais das Mnadas provm de um princpio interno, posto que uma causa externa no pode influir em seu interior (T. 396; 400). 12. Porm, tambm necessrio que, alm do princpio da mudana, haja um detalhe daquilo que muda, que produza, por assim dizer, a especificao e a variedade das substncias simples. 13. Este detalhe deve envolver uma multiplicidade na unidade ou no simples. Pois como toda mudana natural ocorre gradativamente, alguma coisa sempre muda e outra sempre permanece. Conseqentemente, necessrio haver uma pluralidade de afeces e relaes na substncia simples, embora ela no possua partes. 14. O estado transitrio que envolve e representa uma multiplicidade na unidade, ou na substncia simples, outra coisa no seno o que se denomina Percepo, que se deve distinguir da apercepo ou da conscincia, como adiante se ver. Nisto que os cartesianos se equivocaram ao desconsiderarem as percepes que no so apercebidas. Isso tambm os conduz a crer que apenas os Espritos so Mnadas e que no h Almas dos Irracionais nem outras com a Entelquias, morte no e a confundir, com o vulgo, um prolongado atordoamento sentido

estrito, o que, novamente, os conduz erroneamente ao preconceito escolstico das Almas completamente separadas e mesmo a confirmar a crena da mortalidade das almas pelos espritos mal orientados. 15. A ao do princpio interno que provoca a mudana ou a passagem de uma percepo a outra, pode ser denominada Apetio. verdade que o apetite no pode sempre alcanar completamente toda a percepo qual tende, mas sempre obtm alguma coisa, chegando a percepes novas. 16. Ns prprios experimentamos uma multiplicidade na substncia simples, quando verificamos que o menor pensamento do qual nos apercebemos envolve uma variedade no objeto. Portanto, todos aqueles que reconhecem que a Alma uma substncia

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simples, devem reconhecer essa multiplicidade na Mnada. E Bayle no deveria, nisto, ter encontrado dificuldade alguma, como encontrou em seu Dicionrio, no artigo Rorarius . 17. Ademais, deve-se confessar que a Percepo e aquilo que dela depende inexplicvel por razes mecnicas, isto , por figuras e movimentos. Imaginandose que h uma mquina cuja estrutura a faa pensar, sentir e perceber, poder-se, guardadas as mesmas propores, conceb-la ampliada de sorte que se possa nela entrar uma como em um moinho. Admitido essa isso, l no encontraremos, ser se a na visitarmos por dentro, seno peas impulsionando-se umas s outras, e nada que explique percepo. Portanto, explicao deve procurada substncia simples e no no composto ou na mquina. Por isso, na substncia simples no se pode encontrar nada alm disso: percepes e suas modificaes. Tambm s nestas podem consistir todas as Aes internas das substncias simples. 18. Poder-se-ia dar o nome de Entelquia a todas as substncias simples ou Mnadas criadas, pois contm em si uma certa perfeio ( chousi t entels ); e tm uma suficincia ( autrkeia ) que as torna fontes de suas aes internas e, por assim dizer, Autmatos incorpreos (T. 87). 19. Se quisermos denominar Alma a tudo aquilo que possui percepes e apetites no sentido geral que acabo de explicar, todas as substncias simples ou Mnadas criadas poder-se-iam denominar Almas. Mas, como o sentimento algo mais que uma simples percepo, concordo que o nome geral de Mnadas e Entelquias suficiente para as substncias simples que s possuem esta percepo e que se denominem Almas somente aquelas cuja percepo mais distinta e acompanhada de memria. 20. Pois experimentamos em ns mesmos um estado no qual no nos recordamos de nada e no possumos qualquer percepo distinta, como quando camos desfalecidos ou quando sucumbimos em um sono profundo sem sonho. Neste estado a alma no difere sensivelmente de uma simples Mnada; mas, como este estado no duradouro e a alma dele emerge, ela alguma coisa mais (T. 64). 21. Disto absolutamente percepo. no se segue que a substncia pelas simples razes exista sem

qualquer

Isto

mesmo

impossvel,

anteriormente

mencionadas; pois nem poderia perecer, nem mesmo subsistir sem alguma afeco, que outra coisa no que sua percepo. Porm, quando h uma grande quantidade de pequenas percepes onde nada h de distinto, fica-se atordoado, do mesmo modo quando damos, continuamente, muitas voltas em um mesmo sentido, da sobrevindo uma vertigem que nos pode fazer desmaiar e que no nos permite distinguir coisa alguma. Por um tempo, a morte pode dar este estado aos animais.

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22. E como todo estado presente de uma substncia simples naturalmente uma continuao de seu estado anterior, assim tambm o presente est prenhe do futuro (T. 360). 23. Portanto, posto que despertada do atordoamento, [a substncias simples] apercebe-se das suas percepes, necessrio hav-las tido imediatamente antes, embora sem perceb-las na ocasio; pois uma percepo no pode naturalmente provir seno de uma outra percepo, assim como um movimento no pode provir seno de um movimento. 24. Donde se v que, se nada tivssemos de distinto e, por assim dizer, elevado e de um mais alto gosto em nossas percepes, permaneceramos em constante atordoamento. E este o estado das Mnadas nuas. 25. Vemos, tambm, que a Natureza dotou os animais de percepes elevadas, pelos cuidados que teve em dot-los de rgos que recolham vrios raios de luz ou vrias vibraes de ar, para os tornar mais eficazes pela sua unio. H algo semelhante no olfato, no paladar, no tato e, qui, em muitos outros sentidos que nos so desconhecidos. Em breve explicarei como o que ocorre na Alma representa o que acontece nos rgos. 26. A memria fornece uma espcie de Consecuo s Almas, que imita a razo, mas que dela deve distinguir-se. o que vemos quando os animais, tendo a percepo de alguma coisa que os incomoda e de que antes tiveram uma percepo semelhante, aguardam, pela representao de sua memria, que ocorra outra coisa que esteve unida percepo um pau, anterior e recorda-se se sentem da dor impelidos a causou, experimentar os e corre (T. mesmos Disc. sentimentos que experimentaram anteriormente. Por exemplo, se a um cachorro mostra-se que late preliminar 65). 27. A imaginao forte, que os incomoda e agita, provm quer da magnitude quer do nmero das percepes precedentes. Pois, freqentemente, uma impresso forte produz subitamente o efeito de um velho hbito ou o de muitas percepes fracas reiteradas. 28. Os homens agem como os irracionais na medida em que as consecues de suas percepes apenas se executam com base na memria, assemelhando-se a mdicos empricos, que s possuem a prtica sem a teoria. E somos exclusivamente empricos em trs quartas partes das nossas aes. Por exemplo: quando se espera que haja dia amanh, age-se como Empirista, pelo fato de que, sempre, at hoje, ter sido assim. S o astrnomo julga segundo a razo. 29. Mas o conhecimento das verdades necessrias e eternas o que nos distingue dos simples animais e nos faz possuidores da Razo e das cincias, nos elevando a um conhecimento de ns mesmos e de Deus. isto que, em ns, denomina-se Alma Racional ou Esprito.

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30. ainda pelo conhecimento das verdades necessrias e pelas suas abstraes que somos elevados aos atos de reflexo, que nos fazem pensar no que se chama o Eu e a considerar que isto ou aquilo est em ns. E assim, ao pensar em ns mesmos, pensamos no Ser, na Substncia, no simples e no composto, no imaterial e mesmo em Deus, concebendo como aquilo que em ns limitado, n'Ele sem limites. E tais atos de reflexo nos do os objetos principais de nossos raciocnios (T. prefcio 27 4 a). 31. Nossos raciocnios fundamentam-se em dois grandes princpios: o da

contradio, em virtude do qual consideramos falso o que envolve contradio, e verdadeiro aquilo que oposto ou contraditrio ao falso (T. 44; 169). 32. E o de Razo suficiente, em virtude do qual consideramos que nenhum fato possa ser tomado como verdadeiro ou existente, tampouco nenhum Enunciado [ser considerado] verdadeiro, sem que haja uma razo suficiente para que assim seja e no de outro modo, ainda que, na maioria das vezes, essas razes no possam ser conhecidas por ns (T. 44; 196). 33. Tambm h dois tipos de Verdades: as de Razo e as de Fato. As verdades de Razo so necessrias e seu oposto impossvel; e as de Fato so contingentes e seu oposto, possvel. Quando uma verdade necessria pode encontrar-se-lhe a razo por meio da Anlise, decompondo-a em idias e verdades mais simples, at alcanar as primitivas. 34. assim que entre os matemticos, os Teoremas de especulao e os Cnones da prtica so reduzidos pela anlise a Definies, Axiomas e Postulados. 35. E h, enfim, idias simples, cuja definio no se pode dar; h tambm Axiomas e Postulados ou, em uma palavra, princpios primitivos que no podem ser provados e que, alis, no tm necessidade disto; so os Enunciados idnticos, cuja oposio envolve uma contradio expressa. 36. Mas a razo suficiente deve encontrar-se tambm nas verdades contingentes ou de fato, isto , na seqncia das coisas dispersas pelo universo das Criaturas, em que a resoluo em razes particulares poderia alcanar um nmero ilimitado de detalhes, por causa da variedade imensa das coisas na Natureza e da diviso dos corpos ao infinito. H uma infinidade de figuras e de movimentos presentes e passados que entram na causa eficiente do meu [ato] presente de escrever; e h uma infinidade de pequenas inclinaes e disposies de minha alma, presentes e passadas, que entram na causa final (T. 36; 37; 44; 45; 49; 52; 121; 122; 337; 340; 344). 37. E como todo este detalhe s envolve outros contingentes anteriores ou mais detalhados, cada um dos quais necessita, ainda, uma Anlise semelhante para lhe dar a razo, no nos encontramos mais avanados; e preciso que a razo

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suficiente

ou ltima

esteja fora

da seqncia

ou sries

deste detalhe

das

contingncias, ainda que seja infinita. 38. E, assim, a razo ltima das coisas deve estar em uma substncia necessria, na qual o detalhe das mudanas s esteja eminentemente, como em sua origem; e isto o que denominamos Deus (T. 7). 39. Ora, sendo esta substncia uma razo suficiente de todo este detalhe, que tambm est vinculado em toda parte, s h um Deus e esse Deus suficiente. 40. Podemos tambm julgar que essa substncia suprema, que nica, universal e necessria, nada havendo fora dela que lhe seja independente, e que uma simples conseqncia do ser possvel, deve ser incapaz de limites e h de conter tanta realidade quanto possvel. 41. Disto se segue que Deus absolutamente perfeito, no sendo a perfeio outra coisa seno a grandeza da realidade positiva tomada de forma precisa, excluindo-se os limites ou restries nas coisas que os tm. E onde no h limites, ou seja, em Deus, a perfeio absolutamente infinita (T. prefcio 27 4 a; T. 22). 42. Segue-se, tambm, que as criaturas devem suas perfeies influncia de Deus, mas suas imperfeies sua prpria natureza, incapaz de ser sem limites. Pois nisto que se distinguem de Deus. Essa imperfeio original das criaturas observa-se na inrcia natural dos corpos. 43. Tambm verdade que em Deus est no s a fonte das existncias, mas, tambm a das essncias, enquanto reais, ou do que h de real na possibilidade. Isto porque o Entendimento de Deus a Regio das verdades eternas ou das idias de que elas dependem, e que sem ele nada haveria de real nas possibilidades e no s nada haveria de existente, mas ainda nada de possvel (T. 20). 44. necessrio que se h uma realidade nas Essncias ou possibilidades ou, ento, nas verdades eternas, esta realidade esteja fundada em algo existente e atual; e, por conseguinte, na existncia do Ser necessrio, em que a Essncia contm a existncia ou no qual suficiente ser possvel para ser atual (T. 184; 189; 335). 45. Assim, s Deus (ou o Ser Necessrio) possui este privilgio: se Ele possvel, tem de existir. E como nada pode impedir a possibilidade daquilo que no tem Ns quaisquer a limites, qualquer pela a negao e, por das conseguinte, verdades que qualquer Mas contradio, isto suficiente para que conheamos a priori a existncia de Deus. demonstramos de tambm realidade , eternas. existem acabamos, tambm, prov-la posteriori posto seres

contingentes, os quais no podem ter sua razo ltima ou suficiente seno no ser necessrio, que tem em si mesmo a razo de sua existncia.

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46. Todavia, no se deve imaginar, com alguns, que sendo as Verdades Eternas dependentes de Deus, sejam elas arbitrrias e dependam de Sua vontade, como parece haver pensado Descartes e, depois dele, o senhor Poiret. Isso s verdadeiro com relao s verdades contingentes, cujo princpio a convenincia ou a escolha do melhor; ao passo que as verdades necessrias dependem unicamente do entendimento divino e constituem o seu objeto interno (T. 180; 184; 185; 335; 351; 380). 47. Assim, apenas Deus a unidade primitiva, ou substncia simples originria da qual todas as Mnadas criadas ou derivadas so produes, e nascem, por assim dizer, por Fulguraes contnuas da Divindade de momento em momento, limitadas pela receptividade da criatura, qual essencial ser limitada. 48. H em Deus a Potncia que a fonte de tudo; a seguir, o Conhecimento, que contm o detalhe das idias; e, por ltimo, a Vontade, que efetua as mudanas ou produes segundo o princpio do melhor. E isto que corresponde ao que, nas Mnadas criadas, constitui o sujeito ou a base, a Faculdade perceptiva e a Faculdade Apetitiva. Porm, em Deus estes atributos so absolutamente infinitos ou perfeitos; e nas Mnadas criadas ou nas Entelquias (ou perfectihabies , como Hermolaus Barbarus assim traduziu esta palavra), s so imitaes proporcionais perfeio nelas contida (T. 7; 87; 149; 150). 49. Diz-se que a criatura age exteriormente na medida em que possui perfeio; e que padece de uma outra na medida em que imperfeita. Assim, atribui-se a Ao Mnada enquanto tem percepes distintas; e paixo enquanto as tem confusas (T. 32; 66; 386). 50. E uma Criatura mais perfeita do que outra quando nela se encontra aquilo que proporciona a razo a priori do que se passa na outra, e por isso se diz que ela age sobre a outra. 51. Porm, nas substncias simples no h seno uma influncia ideal de uma Mnada sobre outra, que no pode ter efeito a no ser por interveno de Deus, enquanto que, nas Idias de Deus, uma Mnada solicita, com razo, que Deus, ao regular as outras desde o comeo das coisas, a considere. Pois, j que uma Mnada criada no pode ter uma influncia fsica no interior de outra, s por esse meio uma pode estar dependente da outra (T. 9; 54; 65; 66; 201; abreg obj 3). 52. E por isso que entre as Criaturas as Aes e Paixes so mtuas. Pois Deus, comparando duas substncias simples, encontra em cada uma delas razes que o obrigam a acomod-las uma outra e, por conseguinte, o que ativo sob certos aspectos, passivo sob outro ponto de vista: ativo enquanto o que nele se conhece distintamente serve para explicar o que se passa em outro; e passivo

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enquanto

razo

do

que

nele

se

passa,

se

encontra

no

que

se

conhece

distintamente em outro. 53. Ora, como h uma infinidade de Universos possveis nas Idias de Deus e apenas um nico pode existir, tem de haver uma razo suficiente da escolha de Deus, que o determina a um em vez de outro (T. 8; 10; 44; 173; 196 ss; 225; 414-416). 54. E esta razo s pode encontrar-se na convenincia ou nos graus de perfeio que esses Mundos contm, cada possvel tendo o direito de pretender a Existncia em proporo perfeio que envolver (T. 74; 130; 167; 201; 350; 352; 345 ss; 354). 55. E esta a causa da Existncia do melhor, que Deus conhece pela Sua

sabedoria, escolhe pela Sua bondade e produz pelo Seu poder (T. 8; 78; 80; 84; 119; 204; 206; 208; obj. 1; obj. 8). 56. Ora, este vnculo ou esta acomodao de todas as coisas criadas a cada uma e de cada uma a todas as outras, faz com que cada substncia simples tenha relaes que exprimem todas as outras e seja, por conseguinte, um perptuo espelho vivo do universo. 57. E assim como uma mesma cidade, observada de diferentes lados, parece outra e se multiplica em perspectivas, assim tambm ocorre que, pela quantidade infinita de substncias simples, parece haver outros tantos universos diferentes, os quais no so, todavia, seno perspectivas de um s, segundo os diferentes pontos de vista de cada Mnada. 58. E este o meio de se obter tanta variedade quanto possvel, mas com a maior ordem, ou seja, o meio de obter tanta perfeio quanto se possa. 59. Tambm s esta hiptese que ouso dizer demonstrada exalta, como devido, a grandeza de Deus. Isto o senhor Bayle reconheceu quando formulou objees em seu Dicionrio artigo Rorarius onde ficou mesmo tentado a crer que eu concedia demasiado a Deus, e mais do que possvel. Porm, no pde alegar nenhuma razo pela qual essa harmonia universal, que faz com que toda substncia exprima exatamente todas as outras pelas relaes nelas contidas, fosse impossvel. 60. Vem-se, no que acabo de dizer, as razes a priori pelas quais no podem as coisas suceder de outro modo. Pois Deus, ao regular o todo, levou em conta cada parte e especialmente cada Mnada, cuja natureza, sendo representativa, nada poderia limitar a representar de apenas uma parte das coisas, embora seja verdade que esta representao confusa apenas nos detalhes de todo universo, e no pode ser distinta seno em uma pequena parte das coisas, ou seja, naquelas que so as mais prximas ou as maiores, com relao a cada Mnada; de outro

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modo, cada Mnada seria uma Divindade. As Mnadas so limitadas no no objeto, mas na modificao do conhecimento do objeto. Todas, confusamente, tendem para o infinito, para o todo; porm, so limitadas e diferenciadas pelos graus das percepes distintas. 61. E os compostos, nisto, simbolizam os simples. Pois como tudo pleno, o que torna toda a matria ligada, e como no pleno todo movimento produz algum efeito sobre os corpos distantes, proporcional distncia, de tal sorte que cada corpo afetado no somente pelos que o tocam e se ressente, de certo modo, de tudo o que lhes acontece, mas tambm por meio deles se ressente dos que tocam os primeiros, pelos quais imediatamente tocado; segue-se que esta comunicao transmite-se a qualquer distncia. E, por conseguinte, todo corpo se ressente de tudo que se faz no universo, de tal modo que aquele que tudo v poderia ler em cada um o que se faz em toda parte e at o que foi ou ser feito, observando no presente o que est afastado tanto nos tempos como nos lugares; sympnoia panta ( tudo conspira ), dizia Hipcrates. Porm, uma alma no pode ler em si mesma seno aquilo que est nela representado distintamente, e no poderia subitamente desenvolver todas as suas dobras, pois vo ao infinito. 62. Assim, embora cada Mnada criada represente todo o universo, representa mais distintamente o corpo que particularmente lhe est afeto e de que constitui a Entelquia; e como este corpo exprime todo o universo, pela conexo de toda a matria no pleno, a alma representa tambm todo o universo ao representar esse corpo que lhe pertence de modo particular (T. 400). 63. O corpo pertencente a uma Mnada, que a sua Entelquia ou Alma, constitui com a Entelquia o que se pode denominar um vivente, e com a Alma, aquilo que se pode denominar um Animal. Ora, este corpo de um vivente ou de um Animal sempre orgnico, pois, sendo toda Mnada um espelho do universo, a seu modo, e achandose o universo regulado numa perfeita ordem, tem de haver tambm uma ordem no representante, ou seja, nas percepes da alma, e, por conseguinte, no corpo, atravs do qual o universo est representado [na alma] (T. 403). 64. Assim, cada corpo orgnico de um vivente uma espcie de Mquina divina ou um Autmato Natural, que excede infinitamente todos os Autmatos artificiais. Porque uma mquina feita pela arte humana no mquina em cada uma das suas partes. Por exemplo, o dente da roda de lato possui partes ou fragmentos que j no so, para ns, algo artificial nem possui nada caracterstico de mquina com relao ao uso a que a roda estava destinada. Porm as Mquinas da Natureza, ou seja, os corpos vivos, so ainda mquinas nas suas partes mnimas, at ao infinito. Nisto consiste a diferena entre a Natureza e a Arte; ou seja, entre a Arte Divina e a nossa.

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65. E o Autor da Natureza pde praticar este divino e infinitamente maravilhoso artifcio porque cada parte da matria no s divisvel ao infinito, como reconheceram os antigos, seno que est atualmente subdividida sem fim, cada parte em partes, cada uma delas tendo um movimento prprio. De outro modo seria impossvel que cada poro da matria pudesse exprimir todo o universo (T. Disc. Preliminar. 70; T. 195). 66. Por onde se v que h um mundo de criaturas, de viventes, de Animais, de Entelquias, de Almas nas mnimas partes da matria. 67. Cada poro da matria pode ser concebida como um jardim repleto de plantas e como um lago repleto de peixes. Porm, cada ramo de planta, cada membro de animal, cada gota de seus humores ainda um jardim ou um lago. 68. E embora a terra e o ar, interpostos entre as plantas do jardim, ou a gua interposta entre os peixes do lago, no sejam planta nem peixe, contm, no obstante, algo deles; porm, quase sempre com uma sutileza a ns imperceptvel. 69. Assim no h nada inculto, estril e morto no universo; nem caos, nem confuso, seno em aparncia; mais ou menos como em um lago, a certa distncia, se veria um movimento confuso e, por assim dizer, uma agitao de peixes, sem que se discernissem os prprios peixes (T. prefcio 40; 44 [*** 5b; **** b]). 70. V-se, pois, que cada corpo vivo tem uma Entelquia dominante, que no animal a Alma; porm, os membros desse corpo vivo esto cheios de outros viventes, plantas, animais, cada qual, ainda, com sua Entelquia ou sua alma dominante. 71. Porm no se deve imaginar, como fazem alguns que interpretaram mal meu pensamento, que cada alma possui uma massa ou poro de matria prpria, ou a ela vinculada para sempre e que possui, por conseguinte, outros viventes inferiores destinados sempre ao seu servio. Pois todos os corpos esto em um fluxo perptuo, como os rios, e partes neles entram e saem continuamente. 72. Assim, a alma s muda de corpo pouco a pouco e gradativamente, tanto que nunca despojada subitamente de todos os seus rgos; freqentemente h Metamorfose nos animais, porm, nunca Metempsicose nem Transmigrao das Almas; nem tampouco h Almas inteiramente separadas, nem Gnios sem corpos. S Deus est inteiramente desprovido de qualquer corpo (T. 90; 124). 73. o que faz, tambm, com que nunca haja nem gerao inteira nem morte perfeita, no sentido estrito da separao da alma. E o que denominamos Geraes so desenvolvimentos e acrscimos, e o que denominamos Mortes so envolvimentos e diminuies. 74. Os filsofos tm tido grandes embaraos diante da questo da origem das formas, Entelquias ou Almas; porm hoje, quando se apercebeu, por investigaes exatas realizadas em plantas, insetos e animais, que os corpos orgnicos da

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natureza nunca so produtos de um Caos ou de uma putrefao, mas sempre de sementes, nas quais havia, sem dvida, certa preformao, julgou-se que no s o corpo orgnico nelas se encontrava antes da concepo, como tambm j havia uma alma nesse corpo e, em uma palavra, o prprio animal. E que, por meio da concepo, este animal foi apenas disposto a uma grande transformao para se tornar um animal de outra espcie. V-se mesmo algo semelhante fora da gerao, como quando as larvas se tornam moscas e as lagartas, borboletas (T. prefcio 40 ss; T. 86; 89; 90; 187; 188; 397; 403). 75. Os animais, alguns dos quais so elevados ao grau de animais maiores por meio da concepo, podem denominar-se espermticos; porm, os que permanecem em sua espcie, isto , a maior parte deles, nascem, multiplicam-se e so destrudos como os grandes animais, e s um pequeno nmero de eleitos passa para um teatro maior. 76. Mas isto somente meia verdade; pois julguei que se o animal nunca comea naturalmente, tampouco acaba naturalmente e no s jamais haver gerao, como tampouco destruio feitos completa, a nem e morte, no sentido das rigoroso. E estes raciocnios, posteriori extrados experincias, concordam

perfeitamente com meus princpios deduzidos a priori , como acima (T. 90). 77. Assim pode-se sua afirmar mquina que perea no mas s a Alma o e (espelho abandone de ou um tome universo que despojos

indestrutvel) freqentemente orgnicos.

indestrutvel,

tambm

prprio

animal,

ainda

parcialmente

78. Estes princpios deram-me meios de explicar naturalmente a unio, ou melhor, a conformidade da Alma e do corpo orgnico. Segue a alma suas prprias leis e o corpo tambm as suas, e se ajustam em virtude da harmonia pr-estabelecida entre todas as substncias, pois todas elas so representaes de um mesmo universo (T. prefcio 36 [*** 6]; T. 340; 352; 353; 358). 79. As almas agem segundo as leis das causas finais, por apeties, fins e meios. Os corpos agem segundo as leis das causas eficientes ou dos movimentos. E ambos os reinos, o das causas eficientes e o das causas finais, so harmnicos entre si. 80. Descartes reconheceu que as almas no podem conferir fora aos corpos, porque h sempre a mesma quantidade de fora na matria. Todavia, acreditou que a alma podia mudar a direo dos corpos. Isto porque, em seu tempo, ainda no se conhecia a lei da natureza segundo a qual se conserva a mesma direo total na matria. Se Descartes a conhecesse, cairia no meu Sistema da Harmonia prestabelecida (T. prefcio 44; T. 22; 59-61; 63; 66; 345; 346 ss; 354-355).

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81. Este sistema faz com que os corpos atuem como se (embora seja impossvel) no houvesse Almas; as almas, como se no houvesse corpos; e ambos, como se um influsse no outro. 82. Quanto aos Espritos ou Almas racionais, embora eu acredite que no fundo h o mesmo em todos os viventes e animais, como acabamos de dizer (a saber: que o animal e a Alma no comeam seno com o mundo e s com o mundo acabam), h, entretanto, isto de particular nos animais racionais: que seus pequenos animais espermticos, enquanto so apenas isto, tm s almas ordinrias ou sensitivas; porm, desde que aqueles, os eleitos, por assim dizer, alcanam, mediante concepo atual, a natureza humana, suas almas sensitivas so elevadas ao grau da razo e prerrogativa dos Espritos (T. 91; 397). 83. Entre outras diferenas que h entre as almas ordinrias e os Espritos, algumas das quais j indiquei, h esta outra: que as Almas em geral so espelhos vivos ou imagens do universo das criaturas; porm, os Espritos so, ainda, imagens conhecer da o prpria sistema Divindade do ou e do de prprio imitar Autor algo da dele Natureza, atravs capazes de de Universo amostras

arquitetnicas, sendo cada esprito como uma pequena divindade em seu domnio (T. 147). 84. Isto que torna os Espritos capazes de entrar em uma espcie de Sociedade com Deus. E que Deus, em relao a eles, est no s como um inventor para sua mquina (como Deus est em relao s outras criaturas) mas ainda como um prncipe est com relao aos seus sditos e mesmo como um pai para seus filhos. 85. Donde facilmente se conclui que a reunio de todos os Espritos deve compor a Cidade de Deus, isto , o mais perfeito estado possvel sob o mais perfeito dos Monarcas. 86. Esta cidade de Deus, esta Monarquia verdadeiramente universal, um Mundo Moral no Mundo Natural e o que de mais elevado e mais divino h nas obras de Deus. E nisto consiste, verdadeiramente, a glria de Deus, pois Ele nunca a teria, se Sua grandeza e bondade no fossem conhecidas e admiradas pelos Espritos; tambm com relao a esta cidade divina, que Ele tem propriamente bondade, ao passo que Sua sabedoria e Seu poder em tudo se manifestam. 87. Como estabelecemos acima uma Harmonia perfeita entre dois Reinos Naturais, um das causas Eficientes, outro das Finais, devemos notar aqui, ainda, uma outra harmonia entre o reino fsico da Natureza e o Reino Moral da Graa, isto , entre Deus considerado como Arquiteto da Mquina do universo e Deus considerado como Monarca da Cidade divina dos Espritos (T. 62; 74; 112; 118; 130; 247; 248). 88. Esta harmonia faz com que as coisas sejam conduzidas graa pelos prprios caminhos da natureza e que este globo, por exemplo, deva ser destrudo e

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reparado pelas vias naturais nos momentos requeridos pelo governo dos Espritos, para o castigo de uns e a recompensa de outros (T. 18 ss; 110; 244-245; 340). 89. Pode-se dizer, ainda, que Deus como Arquiteto em tudo satisfaz a Deus como Legislador. E, assim, os pecados devem carregar consigo sua penitncia, em relao ordem da natureza e em virtude da estrutura mecnica das coisas; da mesma forma que as belas aes atraem suas recompensas por vias mecnicas, com relao aos corpos, ainda quando isto no possa nem deva acontecer sempre imediatamente. 90. Enfim, sob este governo perfeito, no haver boa Ao sem recompensa, nem m sem castigo; e tudo deve resultar para o bem dos bons, quer dizer, dos que no esto descontentes neste grande Estado, dos que confiam na providncia, aps haver cumprido com seu dever e que amam e imitam, como devido, o Autor de todo bem, alegrando-se na contemplao de suas perfeies segundo a natureza do puro amor verdadeiro, que nos faz ter prazer com a felicidade do amado. Isto o que faz trabalhar as pessoas sbias e virtuosas em tudo quanto parece conforme vontade divina presuntiva ou antecedente, e contentarem-se, todavia, com aquilo que Deus faz acontecer efetivamente, por Sua vontade secreta, conseqente e decisiva, reconhecendo que se pudssemos compreender bem a ordem do Universo, acharamos que ele excede todos os anseios dos mais sbios e que impossvel torn-lo melhor do que , no s para o todo em geral, mas ainda para ns mesmos em particular, se estamos vinculados, como devemos, ao Autor de tudo, no s como Arquiteto e causa eficiente do nosso ser, mas tambm como nosso Mestre e causa final, que deve constituir toda a meta de nossa vontade e que s nos pode trazer a felicidade (T. Prefcio 27, 28; T. 134 in fini ; 278).

Leibniz Livre-arbrio, determinismo, necessidade e contingncia Como a noo individual de cada pessoa encerra duma vez para sempre quanto lhe acontecer. Nela se vem as provas a priori da verdade de cada acontecimento ou a razo de ter ocorrido um de preferncia a outro. Esta verdades, porm, embora certas, no perdem, entretanto, a sua contingncia, pois fundamentam-se no livre-arbtrio de Deus ou das criaturas, cuja eleio tem sempre suas razes, inclinando sem necessitar. () Dissemos que a noo duma substncia individual encerra, duma vez para sempre, tudo quanto lhe pode acontecer, e considerando esta noo nela se pode ver tudo o que verdadeiramente possvel enunciar dela, como na natureza do crculo podemos ver todas as propriedades possveis de tirar dela. Parece, porm, devido a este facto, destruir-se a diferena entre verdades contingentes e necessrias, no haver lugar para a liberdade humana, e reinar

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sobre todas as nossas aces, bem como sobre todos os restantes acontecimentos do Para mundo, uma fatalidade absoluta. explico Contestarei haver duas isto, pela de afirmao conexo da ou necessidade de distinguir o certo do necessrio.() resolv-la solidamente, espcies consecuo; absolutamente necessria, s aquela cuja oposta implique contradio (esta deduo d-se nas verdades eternas, como as da geometria); a outra s necessrio ex hypothesi, ou, por assim dizer, por acidente, mas contingente em si mesma, quando a contrria no implique contradio. E esta conexo fundamenta-se, no s sobre as ideias absolutamente puras e sobre o simples entendimento de Deus, mas tambm sobre os seus decretos livres e sobre a continuao do universo. Leibniz, Discurso de metafsica, tr. Miguel Real, Lisboa Editora, p. 88 ( 13).

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