O Círculo de Giz Da Globalização Paulo Nogueira 1997
O Círculo de Giz Da Globalização Paulo Nogueira 1997
O Círculo de Giz Da Globalização Paulo Nogueira 1997
RESUMO Este artigo critica vises correntes sobre o chamado processo de globalizao, enfatizando a sua falta de perspectiva histrica e de ateno a dados bsicos da economia internacional. Argumenta que a ideologia da globalizao exagera a novidade e alcance da tendncia integrao internacional das dcadas recentes. Palavras-chave: globalizao; internacionalizao; Estado nacional; ideologia. SUMMARY This article criticizes current views on the so-called globalization process, stressing their lack of historical perpective and disregard of basic international economic data. It argues that the ideology of globalization overemphasizes the novelty and extent of the trend toward economic integration in recent decades. Keywords: globalization; internationalization; nation-state; ideology.
Introduo
Na dcada de 90, e especialmente nos anos mais recentes, o tema da "globalizao" passou a ocupar uma posio central no debate brasileiro. Prevalece a percepo de que h processos em curso que dominam de maneira inexorvel a economia mundial e tendem a destruir as fronteiras nacionais. Os Estados nacionais, afirma-se, esto em crise ou declnio irreversvel. Em fase de extino, segundo as verses mais extremadas. Assim entendida, a globalizao um mito. Um fenmeno ideolgico nem sempre muito sofisticado, que serve a propsitos variados. Evidentemente, a ideologia da globalizao, como toda ideologia de sucesso, tem um substrato de realidade, alguma conexo com os fatos que lhe confere certa plausibilidade. A ningum escapa a extraordinria velocidade do progresso tcnico em reas como informtica, telecomunicaes e finanas. Essas inovaes tecnolgicas, associadas diminuio dos custos de transporte, desregulamentao de diversos mercados e remoo de controles e
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barreiras, tm facilitado a crescente integrao comercial e financeira dos mercados nacionais e a internacionalizao dos prprios processos de produo em muitos setores. preciso, contudo, resguardar-se contra a carga de fantasia e mitologia construda a partir desses fenmenos reais. H uma tendncia bastante generalizada a exagerar o alcance dos fatos que servem de base ideologia da "globalizao". O prprio termo enganoso e s deveria ser utilizado entre aspas, para marcar distanciamento e ironia. O propsito deste artigo, que constitui verso condensada dos captulos iniciais de um trabalho mais amplo (Batista Jr., 1997), argumentar que o processo de internacionalizao das ltimas dcadas no nem to abrangente e nem to novo quanto sugerem os arautos da "globalizao". A rpida difuso dessa ideologia, que encontrou solo frtil no Brasil nos ltimos anos, tornou mais importante uma avaliao crtica da evoluo recente do quadro internacional. Um dos efeitos prticos da mitologia da "globalizao", em especial da idia de que estamos submetidos ao de foras econmicas globais incontrolveis, paralisar as iniciativas nacionais, que passam a ser rotuladas como ineficazes, sem maior discusso. A mensagem central que as polticas nacionais tm de se curvar aos imperativos da "nova economia global". Qualquer desvio em relao aos supostos consensos da "globalizao" imediatamente tachado como invivel em face do julgamento e das sanes dos mercados internacionais, vistos como todo-poderosos (Hirst e Thompson, 1996, p. 1). Estabeleceu-se, assim, uma verso simplificada, porm intimidadora, das tendncias econmicas internacionais. Essas mistificaes servem, em primeira instncia, aos propsitos dos setores e naes que se situam no comando do processo de internacionalizao. Tm o propsito, ou pelo menos o efeito, de desarmar as iniciativas nacionais e remover as resistncias sociais e polticas aos interesses econmico-financeiros que operam em escala internacional1. Do ponto de vista de certo tipo de governo, a ideologia da globalizao pode ser de grande utilidade. uma linha de argumentao que desfruta da eterna popularidade das explicaes que economizam esforo de reflexo. Serve, muitas vezes, de cortina de fumaa. "Globalizao" vira uma espcie de desculpa para tudo, uma explicao fcil para o que acontece de negativo no pas. Governos fracos e omissos servem-se dessa retrica para isentar-se de responsabilidade, transferindo-a para um fenmeno impessoal e vago, fora do controle nacional. A ampla divulgao de avaliaes superficiais das tendncias internacionais acaba contribuindo para inibir o debate sobre a poltica econmica e social e para dificultar a identificao dos erros das autoridades governamentais. o que vem ocorrendo no Brasil no passado recente. Problemas provocados por decises ou omisses do governo nacional tm sido sumariamente descarregados em cima da "globalizao". Por exemplo, se aumentam as taxas de desemprego, no falta quem se apresse a atribuir o problema "globalizao" e a caracteriz-lo como
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(1) Como observa Michel Rogalski, a "mundializao" invocada para facilitar a aplicao de polticas de ajustamento cuja funo consiste, no essencial, em ajustar o interno ao externo. Trata-se, assim, de favorecer no interior do pas os interesses daqueles que so mais ligados ao exterior. Em nome da "mundializao", adotam-se polticas pblicas que beneficiam as elites "modernas" e "competitivas", em detrimento muitas vezes da maior parte da populao (Rogalski, 1997, pp. 8-9).
fenmeno mundial, que escapa em grande medida s possibilidades de atuao do governo. Se conglomerados estrangeiros absorvem empresas nacionais, inclusive firmas consideradas exemplares, como a Metal Leve do setor de autopeas, a explicao imediata: so os efeitos inexorveis da competio em escala global. Se o Brasil se tornou mais vulnervel do ponto de vista financeiro externo nos ltimos trs anos, esse o preo inevitvel que temos de pagar para aproveitar as inditas oportunidades propiciadas pela "globalizao financeira". Enfim, um vale-tudo, que acaba tornando o debate pouco esclarecedor, para dizer o mnimo. A insistncia com que se recorre, nesse contexto, suposta inevitabilidade dos processos em andamento faz lembrar a observao do historiador ingls A. J. P. Taylor, para quem "inevitabilidade" era "uma palavra mgica utilizada para mesmerizar os incautos" (Taylor, 1996, p. 187).
Sob diversos pontos de vista, a "globalizao" uma falsa novidade. Ao contrrio do que freqentemente se supe, o grau de internacionalizao econmica observado nas ltimas duas ou trs dcadas tem precedentes histricos. Muitos dos fenmenos aduzidos para sugerir o advento de uma nova era constituem, na realidade, a retomada de processos e tendncias bastante antigos. Convm recordar, por exemplo, alguns aspectos do quadro internacional que prevaleceu nas dcadas anteriores I Guerra Mundial. Naquele perodo, ocorreu uma revoluo tecnolgica em transportes e comunicaes, que favoreceu forte expanso dos fluxos internacionais (Nayyar, 1995, p. 10). Na realidade, a integrao dos mercados mundiais, inclusive no que diz respeito formao diria de preos, remonta segunda metade do sculo XIX (Hirst e Thompson, 1996, p. 9). Entre 1870 e a I Guerra, vigorou um sistema econmico aberto, apoiado em comunicaes eficientes de longa distncia (cabos submarinos telegrficos intercontinentais) e em meios de transporte industrializados (navios a vapor e ferrovias). verdade que os mtodos modernos de comunicao e transporte ampliaram dramaticamente o volume e a complexidade das transaes, mas no se deve perder de vista que a economia internacional dispe, h mais de cem anos, de meios de informao e transporte capazes de sustentar um sistema genuinamente internacional (Hirst e Thompson, 1996, pp. 9-10)2. O grau de integrao da economia internacional nas dcadas recentes comparvel, e em alguns aspectos at menor, do que o observado no perodo anterior I Guerra3. O nvel atual de integrao atravs do comrcio, por exemplo, no parece muito mais alto do que o alcanado em 1913, ainda que se possa questionar a qualidade dos dados utilizados nessas comparaes (Wade, 1996, p. 66). Um fato pouco conhecido e surpreendente que a participao do comrcio exterior na produo
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(2) Segundo Gerbier, a expresso "aldeia planetria" data do final do sculo XIX, perodo em que o progresso nos meios de comunicao e transporte (telgrafo, navio a vapor ou leo combustvel, trem) transtornou consideravelmente as condies de vida. Para esse autor, as conseqncias do telgrafo, em termos de compresso do tempo e do espao, foram mais importantes do que as dos progressos das dcadas recentes no campo das telecomunicaes (Gerbier, 1997, p. 27). (3) Esse ponto reconhecido em documento recente do FMI, dedicado ao tema da "globalizao": "Globalizao no um fenmeno novo. [...] A liberalizao dos fluxos comerciais e financeiros resultou gradualmente em um nvel de integrao semelhante em alguns aspectos ao que era conhecido no incio do sculo [...]" (FMI, 1997, p. 4). De acordo com esse documento, o processo de internacionalizao das dcadas recentes deve ser visto como a retomada da integrao intensiva que comeou em meados do sculo XIX e terminou com a I Guerra Mundial (p. 45). No que se refere a fluxos lquidos de capital e movimentao de trabalhadores, o grau de integrao atual , inclusive, inferior ao que se observava antes da I Guerra (pp. 46, 113-114).
mundial s recuperou o nvel de 1913 nos anos 70 (Bairoch e KozulWright, 1996, pp. 5-6). No caso dos pases desenvolvidos, a relao entre as exportaes de mercadorias e o PIB era de 12,9% em 1912-14, caiu para 6,2% em 1937-39 e foi se recuperando gradativamente depois da II Guerra. Em 1991-93, a participao das exportaes de bens no PIB era de 14,3%, apenas um pouco maior do que a de 1912-14 (tabela 1). Na Europa ocidental, a participao passou de 18,3% do PIB em 1912-14 para 21,7% em 1991-93. Nos Estados Unidos, de 6,4% para 7,5% do PIB. No caso do Japo, houve at mesmo queda da relao exportaes/PIB, de 12,6% em 1912-14 para 8,8% em 1991-934.
Tabela 1 Relao entre exportaes de mercadorias e PIB1 Pases desenvolvidos 1889-1993 Em% Anos Pases desenvolvidos 2 11,7 12,9 9,8 6,2 7,8 8,4 8,6 10,2 14,1 15,5 14,6 14,3 Estados Unidos 6,7 6,4 5,0 3,7 3,8 4,3 3,8 4,0 6,6 7,7 7,2 7,5 Europa ocidental 14,9 18,3 14,5 7,1 13,4 13,4 14,8 17,4 21,3 22,7 23,0 21,7 Japo
1889-1891 1912-1914 1928-1930 1937-1939 1950 1953 1959-1961 1969-1971 1974-1976 1979-1981 1989-1991 1991-1993
Fonte: Bairoch, 1996.
5,1 12,6 13,6 13,0 6,8 7,5 8,9 9,7 11,0 11,8 9,6 8,8
(4) A UNCTAD apresenta dados semelhantes para cinco pases Estados Unidos, Japo, Alemanha, Frana e Reino Unido. A comparao dos dados de 1913 com os de 1992 mostra um aumento mais significativo da relao entre exportaes e o PIB nos casos da Frana (de 13,9% para 17,5%) e da Alemanha (de 17,5% para 24%), possivelmente como reflexo dos avanos do processo de integrao na Europa continental. Nos Estados Unidos, o aumento modesto, de 6,1% em 1913 para 7,1% em 1992. Nos dois outros pases, a relao exportaes/PIB diminuiu entre 1913 e 1992: de 12,3% para 9,2% no caso do Japo e de 20,9% para 18,2% no do Reino Unido (UNCTAD, 1994, p. 127).
(1) Agregados medidos a preos correntes. (2) Europa ocidental (exclusive Iugoslvia), Estados Unidos, Canad, Austrlia, Nova Zelndia e Japo.
Os dados referentes a investimento direto, embora mais precrios do que os de comrcio, mostram um quadro semelhante. O estoque de investimentos estrangeiros diretos representou o equivalente a 9,7% do PIB mundial em 1994 (UNCTAD, 1996, Annex table 6, p. 26l), um percentual prximo ao estimado para 19135. s vsperas da I Guerra, os investimentos da Gr-Bretanha no exterior eram maiores do que o seu estoque de capital
(5) Estima-se que em 1913 o estoque de investimentos diretos correspondia a mais de 9% do produto mundial (Bairoch e Kozul-Wright, 1996, p. 10).
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domstico, um recorde do qual nenhum dos principais pases desenvolvidos sequer se aproximou desde ento (Krugman, 1996, p. 207). Diversos estudos sugerem que a to comentada mobilidade internacional do capital desde os anos 70 menor, em muitos aspectos, do que a que se observava antes de 1914 (Hirst e Thompson, 1996, pp. 27-28). No final do sculo XIX e no incio do sculo XX, os fluxos internacionais lquidos de capital (em contraposio a operaes financeiras complexas que no financiam o investimento real) correspondiam a uma parcela consideravelmente maior da poupana mundial do que nos anos recentes (Krugman, 1996, p. 208). Relativamente ao tamanho das economias, os movimentos lquidos de capital entre pases, medidos pelos saldos de balano de pagamentos em conta corrente, eram significativamente maiores (Nayyar, 1995, p. 8). Naquela poca, assim como nas dcadas recentes, os fluxos financeiros cresceram mais rapidamente do que o comrcio e a produo. Restries formais aos fluxos de capital eram praticamente inexistentes e a estabilidade cambial entre as economias mais avanadas, propiciada pelo padro-ouro, favorecia a integrao dos mercados financeiros (Zevin, 1992, p. 48)6. Estima-se que em 1913 o movimento lquido de capitais alcanava o equivalente a 5% do PNB dos pases exportadores de capital (Bairoch e Kozul-Wright, 1996, p. 11). A Gr-Bretanha, a maior exportadora de capitais antes da I Guerra, registrou um supervit mdio no balano de pagamentos em conta corrente de 5% do PIB entre 1880 e 1913 (Nayyar, 1995, pp. 8-9). No final desse perodo, a exportao lquida de capitais da Gr-Bretanha chegou a um pice de 9% da renda nacional (Bairoch e Kozul-Wright, 1996, p. 11). Atualmente, so poucos os pases que podem sustentar uma exportao ou importao lquida de capitais equivalente a mais de 3% do PIB por um perodo prolongado (The Economist, 1995, p. 5). Os supervits em conta corrente do Japo e da Alemanha, os dois maiores exportadores de capital nos anos 80, chegaram a um mximo de 4% a 5% do PIB na segunda metade da dcada passada (FMI, 1997, p. 113)7 Em 1913-14, o estoque de crditos contra o exterior representava nada menos que 153% do PNB da Gr-Bretanha e 97% do PNB da Frana (Zevin, 1992, p. 47). Atualmente, as principais naes credoras no chegam sequer perto desses percentuais. Em 1994, o Japo, por exemplo, registrava ativos externos equivalentes a 52% do PIB em termos brutos e a 15% do PIB em termos lquidos. Os ativos externos brutos da Alemanha correspondiam a 70% do PIB e os ativos lquidos, a 10% do PIB (OCDE, 1996, Annex table 53, p. A56; Brasil, 1996, Tabela 1, p. 23)8. Antes da I Guerra, tambm era mais elevada a participao de emisses estrangeiras nas praas financeiras europias. Por exemplo, os ttulos estrangeiros (no incluindo os de colnias britnicas) representavam 59% do valor total dos ttulos negociados em Londres em 1913; na Frana, o percentual correspondente alcanava 53% em 1908 (UNCTAD, 1994, p. 121)9. Apoiando-se nesses e em outros dados, um estudo comparativo concluiu que todos os indicadores disponveis sugerem que os mercados financeiros do final do sculo XIX e incio do
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(7) Entre 1980 e 1995, o Japo e a Alemanha registraram supervits mdios em conta corrente de 2,2% e 1,3% do PIB, respectivamente. O supervit mximo da Alemanha nesse perodo foi de 4,8% do PIB, registrado em 1989. O do Japo foi de 4,3% do PIB, em 1986 (OCDE, 1996, Annex table 51, p. A54). (8) O Reino Unido apresentava, em 1994, ativos externos equivalentes a 115% do PIB em termos brutos, mas a apenas 2% do PIB em termos lquidos. Os demais pases do G-7 so todos devedores externos em termos lquidos. Os Estados Unidos detinham ativos externos brutos correspondentes a 36% do PIB em 1994, mas registravam uma posio lquida negativa equivalente a 12% do PIB (OCDE, 1996; Brasil, 1996). (9) Em alguns mercados financeiros menores na Europa, a proporo de ttulos estrangeiros era ainda mais alta (UNCTAD, 1994). Em Amsterd, por exemplo, a proporo de emisses que no eram nem holandesas nem de colnias da Holanda foi de 82% em 1855, 77% em 1875 e 53% em 1900 (Zevin, 1992, p. 51).
sculo XX eram mais integrados do que em qualquer perodo posterior, apesar dos imensos avanos em matria de comunicaes (Zevin, 1992, pp. 48-52). A migrao internacional tambm era muito maior numa poca em que os Estados Unidos ergueram uma Esttua da Liberdade na entrada de Nova York para dar as boas-vindas aos imigrantes (Krugman, 1996, p. 208). Um constraste notvel com a economia "global" e "sem fronteiras" de hoje, em que imigrantes originrios da frica, da Amrica Latina e da sia enfrentam restries cada vez mais severas, so perseguidos pela polcia e, s vezes, recebidos a tiros nas fronteiras do mundo desenvolvido. Para alguns autores, justamente no terreno dos fluxos de trabalhadores que reside a diferena fundamental entre a internacionalizao das dcadas recentes e a que ocorreu entre meados do sculo passado e a I Guerra (Nayyar, 1995, p. 16). Naquela poca, imigrantes obtinham cidadania com facilidade. Passaportes eram raramente necessrios. Entre 1870 e 1914, 36 milhes de pessoas deixaram a Europa, dois teros das quais foram para os Estados Unidos. Estima-se que a emigrao da China e da ndia foi ainda maior nesse perodo (UNCTAD, 1994, p. 120)10. Medido pelo nmero de trabalhadores que se deslocam internacionalmente, o grau de integrao dos mercados de trabalho era muito maior no incio do sculo do que hoje (FMI, 1997, p. 46)11. Recentemente, o governo dos Estados Unidos divulgou uma pesquisa sobre a populao nascida no exterior e residente naquele pas. Em maro de 1996, 9,3% da populao dos Estados Unidos era nascida no exterior, de pais no-americanos, em comparao com 14,7% em 1910. Como se v no grfico 1, embora a proporo de pessoas nascidas no exterior venha aumentando de forma significativa desde 1970, o percentual de 1996 ainda substancialmente inferior aos registrados pelos censos decenais do governo dos Estados Unidos em toda a segunda metade do sculo XIX e nas primeiras trs dcadas do sculo XX (U.S. Bureau of the Census, 1997, p. l) 12 .
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(11) Segundo a UNCTAD, com o crescimento mais lento das economias desenvolvidas desde o incio dos anos 70 e o endurecimento das leis de imigrao, "os mercados de trabalho permanecem significativamente menos internacionais do que antes da I Guerra Mundial" (UNCTAD, 1994, p. 129).
(12) Os dados dos censos da segunda metade do sculo XIX foram fornecidos por Kristin A. Hansen, do U.S. Bureau of the Census.
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Se tudo isso verdade, por que prevalece a impresso de que o processo de internacionalizao das ltimas duas ou trs dcadas constitui fenmeno indito? A iluso decorre, pelo menos em parte, do fato de que a integrao alcanada no passado recente realmente muito significativa quando comparada ao baixo grau de abertura das economias logo aps a II Guerra Mundial (Krugman, 1996, p. 208). Entre 1914 e 1950, as guerras mundiais, a Grande Depresso, a adoo do planejamento centralizado em boa parte do planeta, o nacionalismo e o protecionismo destruram a economia internacionalizada da belle poque (FMI, 1997, p. 4), acontecimento que bem poderia merecer alguma considerao da parte dos crentes na irreversibilidade dos processos histricos.
Fronteiras da "globalizao"
Alm de no ser um fenmeno inteiramente novo, o processo recente de integrao das economias nacionais no tem o alcance que sugere o uso indiscriminado do termo "globalizao". Apesar da rpida expanso das transaes econmicas internacionais, os mercados internos continuam preponderantes, sobretudo nas economias maiores. A maior parte da produo mundial de bens e servios consiste em produo voltada para o atendimento da demanda interna. A no ser no caso de pases pequenos, a participao do comrcio exterior no PIB bastante limitada. As exportaes eqivalem a 12% ou menos do PIB nos Estados Unidos, no Japo e na Unio Europia (exclusive exportaes intra-Unio Europia); os coeficientes mdios para a sia e a Amrica Latina so inferiores a 10% (Wade, 1996, p. 66)13. Como vimos, considerando-se apenas as exportaes de mercadorias, o grau de abertura um pouco maior do que 20% na Europa ocidental, quando se incluem as exportaes intra-europias, e da ordem de 8% a 9% no caso dos Estados Unidos e do Japo. Medido dessa maneira, o grau de abertura das economias desenvolvidas cresceu de forma praticamente contnua entre o final da II Guerra Mundial e 1980. A partir da, a relao exportaes/PIB diminuiu um pouco nos Estados Unidos e na Europa ocidental e de forma significativa no Japo (tabela 1). Quanto aos mercados de trabalho, o quadro geral, como j foi indicado, de introverso. Nas dcadas de 50 e 60, ainda houve um montante limitado de migrao internacional de trabalhadores dos pases em desenvolvimento para os pases desenvolvidos, atribuvel em grande medida escassez de mo-de-obra na Europa de ps-guerra e, em alguns casos, a ligaes ps-coloniais reforadas por uma lngua comum. Dos anos 70 em diante, entretanto, a migrao internacional foi severamente limitada por leis draconianas de imigrao e prticas consulares restritivas (Nayyar, 1995, p. 17). Desde ento, o movimento internacional de trabalhadores tem afetado apenas uma pequena parcela da fora mundial de trabalho (UNCTAD, 1994, p. 129)14.
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(13) Em 1995, as exportaes de bens e servios representaram o equivalente a 11,1% do PIB dos Estados Unidos; as importaes, 12,5%. Na Unio Europia, as exportaes e as importaes de bens e servios corresponderam, em 1995, a 24% e 23,8% do PIB, respectivamente. Quando se excluem do clculo as exportaes dentro da Unio Europia, a relao cai para 8,9% (OMC, 1996, pp. 28, 41, 42, 141). (14) Alm disso, ao contrrio do que acontecia no perodo anterior I Guerra, quando os imigrantes, em sua maioria, tornavam-se residentes permanentes, provvel que a maior parte da imigrao do perodo recente tenha carter temporrio (UNCTAD, 1994). Segundo Nayyar, a nica evidncia significativa de mobilidade internacional do trabalho nos ltimos 25 anos a migrao temporria de trabalhadores para a Europa, o Oriente Mdio e o Leste Asitico (Nayyar, 1995, p. 17). Mais cauteloso, o j citado documento do FMI sobre a "globalizao" limitase a observar que "no parece que os mercados de trabalho tenham se tornado mais integrados nas dcadas recentes" (FMI, 1997, p. 46).
Em muitos pases desenvolvidos, refletindo o aumento da imigrao ilegal, os residentes nascidos no exterior vm aumentando como proporo da populao total. Mas a sua participao ainda inferior a 5% na maioria dos pases e ultrapassa 10% em apenas quatro (FMI, 1997, p. 46). Como j foi indicado, nos Estados Unidos, a populao nascida no exterior, de pais no-americanos, no chega a 10% do total, um percentual bem inferior aos registrados pelos censos decenais entre 1850 e 1930. Mesmo no terreno financeiro, considerado por muitos autores a dimenso decisiva da "globalizao", a internacionalizao dos mercados mais limitada do que geralmente se imagina (Batista Jr., 1997, pp. 36-41). Os mercados de capitais permanecem segmentados por critrios nacionais. O grosso da poupana fica nos pases onde gerada e grande parte dos crescentes fluxos internacionais constituda de capitais volteis, que se movem com rapidez em resposta a mudanas nas condies financeiras e cambiais. De uma forma geral, as aplicaes financeiras domsticas ainda so preponderantes por larga margem. Embora a eliminao de controles de capital, especialmente nos pases desenvolvidos, tenha ampliado as possibilidades de movimentao do capital entre pases, a maior parte dos proprietrios e administradores de fundos financeiros continua preferindo concentrar as suas aplicaes nos mercados nacionais. O comportamento dos fundos de penso e das companhias de seguro dos pases desenvolvidos, por exemplo, continua marcado por um forte vis em favor das aplicaes domsticas (Batista Jr., 1997, pp. 38-40). A preponderncia dos mercados nacionais tambm aparece de forma esmagadora nos dados referentes aos mercados de ttulos e aes. Em 1995, o estoque de ttulos (bnus, notas, commercial paper e ttulos do Tesouro) em circulao nos mercados domsticos dos pases do G-7 era treze vezes maior do que o estoque de ttulos emitidos por esses pases nos mercados internacionais: US$ 21,5 trilhes contra US$ 1,6 trilho. Nos mercados acionrios, tambm predominam as transaes internas. Em 1994, as emisses domsticas de aes em cinco dos principais pases desenvolvidos (Alemanha, Canad, Estados Unidos, Frana e Reino Unido) alcanaram US$ 167 bilhes, o equivalente a treze vezes o valor emitido por companhias desses pases nos mercados internacionais (Batista Jr., 1997, p. 40). Por esses e outros motivos, prematuro admitir a existncia de um mercado "global" de capitais. o que conclui, tambm, o j citado documento do FMI sobre a questo da "globalizao": "os mercados financeiros tornaram-se crescentemente integrados, mas esto longe de formar um nico mercado global" (FMI, 1997, p. 65). No que se refere a investimentos diretos, o quadro geral tambm de amplo predomnio dos fluxos internos e da dimenso nacional. A despeito da acentuada expanso recente, os investimentos diretos dos pases desenvolvidos no exterior ainda so bastante inexpressivos como proporo do
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investimento domstico lquido das empresas. Tipicamente, a ordem de magnitude ficou entre 5% e 15% nos anos 80. O Reino Unido, com 65%, um caso excepcional. Os investimentos diretos recebidos pelos pases desenvolvidos do exterior tambm so pequenos relativamente ao investimento das firmas, variando entre 0,5% no caso do Japo e 14% nos Estados Unidos (Wade, 1996, pp. 70-73). Nos anos 90, o quadro geral no se modificou. Estatsticas da UNCTAD, referentes relao entre investimento direto estrangeiro e formao bruta de capital, indicam que a participao dos fluxos internacionais ainda bastante modesta. Para a economia mundial como um todo, a relao entre investimento internacional e formao bruta de capital fixo foi de apenas 3,9% em 1994, contra 3,1% em mdia no perodo 1984-8915. No caso dos pases desenvolvidos, os investimentos diretos recebidos do exterior corresponderam a 3,3% do investimento bruto em 1994, um percentual inferior ao observado em 1984-89 (tabela 2). O Japo, que das economias do Grupo dos 7 a mais fechada a capital estrangeiro, acolheu montantes irrisrios de investimento direto do exterior, nunca mais do que o equivalente a 0,3% da formao de capital. Entre os pases do G-7, apenas o Reino Unido recebeu, em mdia, investimentos diretos equivalentes a mais de 10% da formao de capital no perodo 199094 (tabela 3). Considerando o conjunto dos pases desenvolvidos, somente duas economias pequenas Blgica-Luxemburgo e Nova Zelndia registraram investimentos diretos do exterior superiores a 20% do investimento total no perodo 1990-9416. No caso dos pases em desenvolvimento, a proporo algo maior, mas tambm no nem de longe dominante. Para os pases em desenvolvimento como um todo, a relao entre investimentos diretos recebidos do exterior e formao bruta de capital fixo, embora crescente, correspondeu a apenas 7,5% em 1994. Na Amrica Latina e na sia, regies que recebem o grosso dos investimentos diretos destinados aos pases em desenvolvimento, o investimento estrangeiro representou, em 1994, 8,6% e 7,2% da formao bruta de capital fixo, respectivamente (tabela 2). No caso do Brasil, o investimento estrangeiro correspondeu a apenas 3% da formao de capital em 1994 (tabela 3). Entre 1990 e 1994, num total de 147 pases em desenvolvimento, apenas dois pases pequenos a Guin Equatorial e a Libria registraram ingressos de investimentos correspondentes a mais de 50% da formao bruta de capital fixo. Somente dezoito pases, em maioria pequenos, receberam investimentos diretos equivalentes a mais de 20% da formao de capital nesse perodo (UNCTAD, 1996, Annex table 5, pp. 251-259). Note-se, alm disso, que esses dados tendem a superestimar a contribuio do investimento estrangeiro formao de capital nos pases desenvolvidos e sobretudo nos pases em desenvolvimento, uma vez que os investimentos diretos incluem fluxos relacionados a operaes de privatizao e outras aquisies de empresas preexistentes17.
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(15) Investimento direto estrangeiro em determinado pas definido como um influxo de capital que implica uma relao de longo prazo e controle do empreendimento por parte de investidor residente fora do pas. Os dados da UNCTAD incluem lucros reinvestidos e emprstimos intracompanhias (UNCTAD, 1996, p. 219-220). A formao bruta de capital fixo medida a preos correntes (idem, p. 225).
(16) O investimento direto recebido do exterior representou, nesse perodo, 22,3% da formao de capital no caso da Blgica e Luxemburgo e 24,2% no caso da Nova Zelndia (UNCTAD, 1996, Annex table 5, pp. 249-250). (17) O relatrio da UNCTAD destaca a privatizao como um dos fatores responsveis pelo crescimento recente do ingresso de investimentos diretos estrangeiros nos pases em desenvolvimento. Na Amrica Latina, a concentrao dos investimentos em certos setores (indstria automobilstica nos casos do Mxico e do Brasil e recursos naturais no do Chile) e o peso dos influxos associados privatizao (nos casos da Argentina, Peru e Venezuela) tornam o investimento direto propenso a substanciais flutuaes de ano para ano. Na Argentina, Peru e Venezuela, por exemplo, houve aumento expressivo do ingresso de investimentos estrangeiros quando algumas grandes companhias estatais foram privatizadas no incio dos anos 90 (ver tabela 3 para dados da Argentina). Nos anos seguintes, contudo, registrou-se diminuio considervel das entradas relacionadas a privatizaes, o que foi compensado apenas em parte por investimentos ps-privatizao (UNCTAD, 1996, pp. xvii-xviii).
Tabela 2 Fluxos de investimento direto estrangeiro como proporo da formao bruta de capital fixo, por regies 1984-94 Em% Regies Fluxos de investimento direto estrangeiro 1984-891 1990 1991 1992 1993 1994
Mundo do exterior no exterior 3,1 3,3 4,0 4,7 3,1 4,2 3,2 3,9 3,8 4,2 3,9 4,0
Pases desenvolvidos do exterior 3,9 no exterior 4,7 Europa ocidental do exterior 4,6 no exterior 7,8 Amrica do Norte2 do exterior 5,8 no exterior 2,6 Outros pases desenvolvidos3 do exterior 0,7 no exterior 3,5 Pases em desenvolvimento do exterior no exterior frica do exterior no exterior Amrica Latina e Caribe do exterior no exterior sia do exterior no exterior Europa central e oriental do exterior no exterior
2,8 1,0 3,6 1,4 4,2 0,4 2,3 1,2 (-) (-)
3,2 1,7 2,7 1,7 4,0 2,0 3,1 1,6 (-) (-)
4,0 0,9 4,2 1,5 6,4 -0,2 3,4 1,2 0,4 (-)
4,8 2,2 4,4 0,5 7,2 1,5 4,1 2,6 0,6 (-)
6,3 3,0 4,9 1,1 6,3 0,9 6,5 3,9 0,9 (-)
7,5 3,4 7,5 0,9 8,6 1,3 7,2 4,3 0,9 0,1
Fonte: UNCTAD, 1996. (1) Mdia anual. (2) Exclui Mxico. (3) frica do Sul, Austrlia, Israel, Japo e Nova Zelndia. (-) Dados iguais a ou prximos de zero.
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Tabela 3 Fluxos de investimento direto estrangeiro como proporo da formao bruta de capital fixo Grupo dos 7 e pases em desenvolvimento selecionados 1984-94 Em% Pases Fluxos de investimento direto estrangeiro 1984-891 1990 1991 1992 1993 1994
do exterior 1,0 0,9 no exterior 5,2 7,7 Canad do exterior 5,4 6,5 no exterior 5,3 3,9 Estados Unidos do exterior 5,8 6,0 no exterior 2,2 3,4 Frana do exterior 3,5 5,2 no exterior 5,8 13,6 Itlia do exterior 2,0 2,8 no exterior 2,1 3,3 Japo do exterior 0,2 (-) no exterior 3,4 5,1 Reino Unido do exterior 17,0 11,5 no exterior 19,8 10,1 Pases em desenvolvimento selecionados 2 Argentina do exterior 3,8 24,2 no exterior 0,2 0,7 Brasil do exterior 1,0 2,3 no exterior 0,7 0,3 Chile do exterior 15,6 8,3 no exterior 0,2 0,1 China do exterior 1,8 2,6 no exterior 0,6 0,5 Cingapura do exterior 47,1 28,3 no exterior 3,6 17,2 Indonsia do exterior 1,6 2,8 no exterior 0,1 (-) Malsia do exterior 8,8 23,8 no exterior 2,6 3,8 Mxico do exterior 7,8 5,6 no exterior 0,4 0,5
1,2 7,0 2,4 4,9 3,0 4,5 5,9 9,4 1,0 3,1 0,2 4,0 9,4 9,5 15,1 -0,3 1,4 1,3 7,3 1,7 3,3 0,7 33,5 7,0 3,6 (-) 23,8 2,3 8,5 0,3
0,6 5,2 4,2 3,4 2,2 4,9 8,2 11,8 1,3 2,5 0,3 2,0 9,1 11,6 41,7 0,5 3,0 0,2 7,2 3,9 7,8 2,8 13,3 7,4 3,9 0,1 26,0 2,6 6,4 1,1
0,1 -0,9 3,9 4,2 5,0 5,9 5,8 4,7 4,7 4,8 7,8 4,4 8,9 7,1 8,8 9,4 1,6 0,9 3,2 2,2 (-) 0,1 1,2 1,4 10,2 6,6 18,1 16,5 56,1 -0,2 1,3 0,5 7,2 3,7 20,0 3,2 24,6 8,8 3,8 (-) 22,5 5,9 6,0 (-) 9,6 0,3 3,0 1,0 19,9 7,0 24,5 1,5 23,5 9,2 3,6 (-) 16,1 6,7 10,4 1,4
Fonte: UNCTAD, 1996. (1) Mdia anual. (2) Pases que receberam, em 1995, mais de U$ 3 bilhes de investimentos diretos do exterior. (-) Dados iguais a ou prximos de zero.
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Em suma, na imensa maioria das economias a ampliao do estoque de capital se realiza preponderantemente com base em decises nacionais de investimento. Por esses e outros motivos, a dinmica macroeconmica continua a refletir fundamentalmente o que se passa dentro das fronteiras nacionais. Tendo em vista o grau ainda relativamente limitado de integrao internacional, sobretudo nas economias de maior porte, no de surpreender que as flutuaes cclicas do nvel de emprego e da atividade econmica no estejam sincronizadas. Nos dez ltimos anos, as variaes das taxas de desemprego da mo-deobra e de crescimento do PIB real das trs principais economias, por exemplo, tm apresentado divergncias marcadas. Essa assincronia ajuda a entender diga-se de passagem as crnicas dificuldades de coordenar as polticas macroeconmicas do G-7 e a preferncia por um regime de flutuao cambial entre o dlar, o iene e as moedas europias (Batista Jr., 1997, pp. 41-44). A despeito da suposta "globalizao", movimentos divergentes dos hiatos de produto indicam que as correlaes entre as flutuaes cclicas das principais economias avanadas no aumentaram nos anos recentes (FMI, 1997, p. 70). As correlaes foram, inclusive, mais altas nos anos 70, quando essas economias estiveram submetidas a fortes choques externos do lado da oferta, em funo dos aumentos abruptos do preo do petrleo. Excetuados perodos em que prevalece a influncia de choques comuns, como choques tecnolgicos ou de preos de commodities, as flutuaes cclicas ainda so comandadas por fatores domsticos no-sincronizados (FMI, 1997). A tese de que o desemprego um fenmeno mundial, produto da inexorvel "globalizao", tambm no encontra apoio nos dados. As estatsticas dos pases desenvolvidos, por exemplo, mesmo quando padronizadas, mostram enormes discrepncias em termos de taxas de desemprego aberto. H pases com problemas graves, at gravssimos, de desemprego, como a Espanha, a Frana e a Itlia. No entanto, em outros pases, notadamente nos Estados Unidos e no Japo, as taxas de desemprego so relativamente baixas (OCDE, 1997, Annex table 22, p. A25). No se observa tampouco uma tendncia generalizada de aumento do desemprego nas economias mais adiantadas. Estados Unidos, Reino Unido, Canad e Austrlia, por exemplo, vm registrando significativa diminuio das taxas de desemprego desde 1992 ou 1993 (OCDE, 1997, Annex table 21, p. A24). No mundo desenvolvido, o desemprego em massa , essencialmente, um problema da Europa continental, decorrente em grande medida da rigidez arbitrria dos critrios de convergncia estabelecidos, por insistncia da Alemanha, no Tratado de Maastricht. Mas mesmo nessa regio os nmeros diferem enormemente de pas para pas. Em 1995, as taxas de desemprego na Europa continental variavam de 4,9% na Noruega at 22,7% na Espanha (OCDE, 1997, Annex table 22, p. A25).
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Na Amrica Latina, os dados de desemprego so de menor qualidade e abrangncia e menos comparveis internacionalmente. Feita essa ressalva, as estatsticas dos governos latino-americanos publicadas pela Cepal tambm mostram grandes variaes de economia para economia. Em 1996, as taxas de desemprego urbano variavam entre 3,5% na Bolvia e 17,2% na Argentina (Cepal, 1996, Cuadro A.4, p. 42). Apesar de tudo que tem sido dito sobre o efeito avassalador das tendncias "globais", o desempenho do mercado de trabalho reflete, no essencial, processos que ocorrem em mbito nacional, ou no mximo regional, especialmente nas economias maiores. A questo do desemprego, assim como tantas outras, continua a depender fundamentalmente da evoluo da economia domstica e da eficcia das polticas econmicas e sociais.
Rogalski, Michel. "Mondialisation: Prsentation et remarques complmentaires". La Pense, n 309, jan.-fv.-mar. 1997. Taylor, A. J. P. From the Boer War to the Cold War: Essays on twentieth-century Europe. London: Penguin Books, 1996. The Economist Newspaper Limited. A survey of the world economy, 07/10/95. UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development. World Investment Report 1994: Transnational corporations, employment and the workplace. Geneva, 1994. . World Investment Report 1996: Investment, trade and international policy. Geneva, 1996. U. S. Bureau of the Census. Current population reports: The foreign-born population, 1996. Washington D.C.: U.S. Department of Commerce, march 1997. Wade, Robert. "Globalization and its limits: Reports of the death of the national economy are greatly exaggerated". In: Berger, Suzanne e Dore, Ronald (eds.). National diversity and global capilalism. Ithaca, New York: Cornell University Press, 1996. OMC - Organizao Mundial do Comrcio. Annual Report, vol. II. Geneva, 1996. Zevin, Robert. "Are world financial markets more open? If so, why and with what effects?". In: Banuri, Tariq e Schor, Juliet B. (eds.). Financial openness and national autonomy Opportunities and constraints. Oxford: Clarendon Press, 1992.
As percepes sobre a evoluo do contexto internacional sempre condicionam, em certa medida, o debate sobre as opes de um pas. Uma avaliao objetiva, no-mitificada, do quadro mundial constitui uma das precondies para a definio apropriada das polticas nacionais. Apesar de marcadas por vulgaridades e simplificaes, as discusses sobre a "globalizao" ou "mundializao" da economia adquiriram, nos ltimos anos, uma importncia estratgica. Da forma como vem sendo conduzido, esse debate tem tido efeitos predominantemente negativos. Por um lado, ajuda a mascarar a responsabilidade pelas opes e decises dos governos, obstruindo a crtica das polticas pblicas. Por outro, inibe a reflexo sobre as alternativas de que dispem os pases na definio de suas polticas econmicas, sociais e de insero internacional, contribuindo para imobilizar as iniciativas nacionais. Para pases como o Brasil, que ainda carregam traos acentuados do seu passado colonial, um debate como esse sempre problemtico. A ideologia da "globalizao", principalmente nas suas vertentes mais extremadas, constitui um reforo considervel e falsamente moderno para a arraigada subservincia de muitos setores das camadas dirigentes do pas, sempre prontos a atuar como prepostos dos interesses internacionais dominantes e a colaborar para uma integrao subordinada economia internacional. Nesse contexto, a "globalizao" funciona como libi para algumas posies tradicionais das elites locais. Um exame cuidadoso dos dados macroeconmicos revela que as avaliaes predominantes do quadro internacional esto carregadas de exageros e mitos. Carecem freqentemente de perspectiva histrica. Apiamse, em geral, em preconceitos e impresses superficiais. "Globalizao" um mito que exagera o peso e o alcance das foras econmicas de mbito internacional. Os Estados nacionais, sobretudo nos
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pases mais bem-sucedidos, no esto indefesos diante de processos econmicos "globais" incontrolveis ou irresistveis. Ao contrrio do que sugere o fatalismo associado ideologia da globalizao, o desempenho das economias e o raio de manobra dos governos continuam a depender crucialmente de escolhas nacionais. O fascnio com a "globalizao" revelador do estado de prostrao mental e desarmamento intelectual em que se encontram pases como o Brasil. Para super-lo, poderamos comear por uma reavaliao do quadro mundial e do papel dos Estados nacionais, desenvolvendo, sem inibies, a nossa prpria concepo dos rumos que devem tomar as relaes internacionais da economia brasileira.
Recebido para publicao em 22 de outubro de 1997. Paulo Nogueira Batista Jr. economista, pesquisador-visitante do IEA-USP. J publicou nesta revista "Economia e ideologia: aspectos da questo tributria" (n 41).
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