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Livro - A Adolescência - Caligares

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CONSELHO EDITORIAL

Alcino Leite Neto


Ana Luisa Astiz
Antonio Manuel Teixeira Mendes
Arthur Nestrovski
Carlos Heitor Cony
Gilson Schwartz
Marcelo Coelho
Marcelo Leite
Otavio Frias Filho
Paulo Cesarino Costa
F O L H A
E X P L I C A
A A D O L E S C N C I A
C O N T A R D O C A L L l G A R I S
P U B L I F O L H A
2000 Publifolho- Divisode Publicaes do Empresa Folha do Manh SA
2000 Conlorda Calligaris
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicao pode ser reproduzido,
arquivada ou transmitida de nenhuma formo oupor nenhum meio sem permisso expresso
epor escrito do Publifolho - Diviso de Publicaes do Empresa Folha do Manh S.A
Editor
A rthur Nestrovski
Reviso
Mrio Vitela
Copo e projeto grfico
Silvia Ribeiro
Assistente de projeto grfico
Morilisa von Schmaedel
Editorao eletrnica
Plcture
Colligoris, Contcrdo
A adolescncia I Contordo Colligaris. - So Paulo:
Publifolho, 2000. - (Folha explica)
Bibliografia.
ISBN B5-74022152
1. A dolescncia 2. A dolescentes - Conduto de vida
3. Psicologia do adolescente I. Ttulo. 11.Srie.
00-2129 CDD155.5
ndices para catlogo sistemtico:
1. A dolescncia: Psicologia 155.5
2. Psicologia do adolescente 155.5
1<I reimpresso
PUBLIFOLHA
Diviso de Publicaes do Grupo Folho
A v. Dr.Vieirode Carvalho, 40,11 ando r, CEP 01210010, So Paulo, SP
Tels.: (11) 3351-6341/6342/6343/6344 - Slte: www.publifolha.com.br
Os leitores interessados em fazer sugestes podem escrever para Publifolha no endereo
acima, enviar um fax poro (11) 3351-6330 ou um e-mail poro publifolha@uol.com.br
SUMRIO
INTRODUO
......................... ,." ,. 7
1. ELEMENTOS DE DEFINiO , 11
"2. "O QUE ELES ESPERAMDE MIM?" ................ , 23
3. "COMO CONSEGUIR QUE ME RECONHEAM
E ADMITAM COMO ADULTQ:>" ... 31
4. A ADOLESCNCIA COMO IDEAL CULTURAL 55
PEQUENA BIB.LlOGRAFIA COMENTADA ,. 75
A ADOLESCNCIA COMO MORATRIA
[ TI
magine que, por algum acidente, voc seja
I
transportado, de uma hora para outra, auma
sociedade totalmente diferente. DIgamos que
o avio no qual voc estavasobrevoando um
canto recndito daA maznia teve uma dificuldade tc-
nica. O piloto conseguiu aterrissar, mas o aparelho est
destrudo. No h como esperar. socorro, nem como sair
do fundo selvagem da floresta. Por sorte, uma tribo de
ndios que nunca encontraram homens modernos, mas
que sorelativamente bem-humorados, adota voc eseus
amigos. Ser necessrio, imaginemos, 12 anos para que
vocs se entrosem com os usos e costumes de sua nova
tribo - desde alinguagem at o entendimento dos valo-
res da sociedade em que aparentemente vocs vivero o
resto de seus dias.
Os 12 anos passaram. Voc agora fala corrente-
mente a lngua, conhece as leis e regras de sua nova
tribo, na verdade se sente um deles. Entre as coisas que
voc aprendeu, est o fato evidente de que, nessa so-
Elementos dG difill o lJ
ciedade, importante sobressair e adquirir destaque.
E, para se destacar, hprincipalmente dois campos, seja
voc homem ou mulher: apesca COlTl o arpo eassere-
natas de berimbau. Em outras palavras, nessa sociedade
bom e necessrio ser um excelente pescador com o
arpo e tocar magistralmente o berimbau-de-boca.
Quem melhor pesca etoca - todos percebem - clara-
mente muito mais feliz'do que os outros.
Voc est muito satisfeito com isso. Pois, durante
os 12 anos, voc olhou, imitou e aprendeu. Voc na
verdade se acha e talvez seja mesmo timo na pesca
com o arpo - pelos anos na selva, seu corpo est
treinado, forte e rpido - e est prestes adesafiar qual-
quer um numa serenata de berimbau.
Nessa altura, os ancies da tribo lhe comunicam
o seguinte: talvez voc tenha tamanho e percia sufi-
cientes para encarar tanto um surubim de dois metros
quanto um berimbau dos mais sofisticados, mas
melhor esperar mais dez anos antes de vir fazer pro-
priamente parte da tribo e, portanto, competir de igual
para igual com os outros membros. Naturalmente, os
ancies acrescentaro que esse"pequeno" atraso in-
teiramente para seu bem. Eles amam voc e por isso
querem que ainda por um tempo voc seja protegido
dos perigosssimos surubins que andam por a. Isso
sem falar dos berimbaus ...
Portanto, voc vai poder sepreparar melhor ainda
para o dia em que ser enfim reconhecido como mem-
bro da tribo. Que tudo isso, acrescentaro tambm os
ancies, no constitua frustrao nenhuma, pois na ver-
dade a tribo inteira considera que voc tirou a sorte
grande e que os ditos dez anos sero os mais felizes de
sua existncia. Voc - acrescentam eles - no ter as
pesadas responsabilidades dos membros da tribo. A o
mesmo tempo, poder pescar e tocar berimbau von-
14 A adolesc ncia
tade - ser apenas como treino, de brincadeira, masj us-
tamente por isso sero atividades despreocupadas.
A gora, seriamente, corno voc acha que encara-
ria o anncio eaperspectiva desses dez anos de limbo?
Logo agora que voc achava que seu berimbau ia se-
duzir qualquer ouvido e sua destreza transfixar peixes
de olhos quase fechados ...
bem. provvel que voc passasse por um le-
que variado de sentimentos: raiva, ojeriza, desprezei
e enfim rebeldia. Se houvesse uma tribo inimiga, se-
ria o momento de considerar uma traio. No mirii-
mo, voc voltaria a se agrupar com os companheiros'
do avio, que talvez voc tivesse perdido de vista e
que agora estariam lidando com aimposio da mes-
ma moratria. J untos, vocs acabariam constituindo
uma espcie de tribo na tribo, outorgando-se mutu-
amente o reconhecimento que a sociedade parece
temporariamente negar a vocs todos.Vocs se afas-
tariam de suas famlias (adotivas, no caso) e viveriam
no e pelo grupo, onde se sentem tratados como ho-
mens e mulheres de verdade. Circulando em grupo,
impondo sua presena 'rebelde pelas ruas da aldeia -
se possvel nas horas menos adequadas -, vocs se-
riam fonte de preocupao e medo, objeto de re-
presso e, quem sabe, de inveja.
Pois bem: o que acontece com nossos adolescen-
tes parecido com o destino dos aeronufragos dessa
pequena histria.A o longo de mais ou menos 12anos,
ascrianas, por assimdizer, seintegram em nossa cultu-
rae, entre outras coisas, elasaprendem que h dois cam-
pos nos quais importa sedestacar para chegar felicidade
e ao reconhecimento pela comunidade: as relaes
amorosas/sexuais e o poder (ou melhor, apotncia) no
campo produtivo, financeiro e social. Em outras pala-
vras, elas aprendem que h duas qualidades subjetivas
EleI lI eJ lto; de difin o 1 5
que so cruciais para se fazer valer em nossa tribo:
necessrio ser desejvel e invejvel.
Enfim, esseaprendizado mnimo estsolidamente
assimilado. Seus corpos, que se tornaram desejantes e
desejveis, poderiamlhes permitir amar, copular ego-
zar, assim como se reproduzir. Suas foras poderiam
assumir qualquer tarefa de trabalho e comear alev-
los na direo de invejveis sucessos sociais. Ora, logo
nesse instante, lhes comunicado que no est bem
na hora ainda.
Em primeira aproximao, eis ento como co-
mear a definir um adolescente. Inicialmente,
algum
1. que teve o tempo de assimilar os valores mais
banais emais bem compartilhados na comunidade (por
exemplo, no nosso caso: destaque pelo sucesso finan-
ceiro/social e amoroso/sexual); I
2. cujo corpo chegou maturao necessria para
que ele possa efetiva e eficazmente se consagrar s ta-
refas que lhes so apontadas por esses valores, compe-
tindo de igual para igual com todo mundo;
3. para quen1., nesse exato momento, a comuni-
dade impe uma moratria.
Em outras palavras, h um sujeito capaz, instru-
do e treinado por mil caminhos - pela escola, pelos
pais, pela mdia - para adotar os ideais da comunidade.
Ele se torna um adolescente quando, apesar de seu
corpo e seu esprito estarem prontos para a competi-
o, no reconhecido como adulto. A prende que,
por volta de mais dez anos, ficar sob atutela dos adul-
!E m todo o texto, quando falamos do "adol escente" sem mais especificar, entende-
1110S a pal avra C0l110 substantivo neutro. Salv o indicao explcita do contrrio, nossas
afirmaes val em, portamo, para ambos os sexos.
16 A adolesc lcia
tos, preparando-se para o sexo, o amor e o trabalho,
sem produzir, ganhar ou amar; ou ento produzindo,
ganhando e amando, s que marginalmente.
Uma vez transmitidos os valores sociais mais b-
sicos, h um tempo de suspenso entre a chegada
maturao dos corpos e a autorizao de realizar os
ditos valores. Essa autorizao postergada. E o tem-
po de suspenso a adolescncia.
Esse fenmeno novo, quase especificamente
contemporneo. com a modernidade tardia (com o
sculo que mal acabou) que essa moratria se instaura,
se prolonga e se torna enfim mais uma idade da vida.
A ADOLESCNCIA COMO
REAO E REBELDIA
A imposio dessa moratria j seria razo suficiente
para que a adolescncia assim criada e mantida fosse
uma poca da vida no nnimo inquieta.
A final, no seria estranho que ITlOaSe rapazes
nos reservassem alguma surpresa desagradvel, uma vez
impedidos de se realizar como seus corpos permiti-
riam, no reconhecidos corno pares e adultos pela co-
munidade, logo quando passam a se julgar enfim
competitivos.
Pensem de novo em como vocs reagiriam na
hipottica tribo: mesmo supondo que evitassem deci-
ses drsticas (cair fora, entrar em guerra aberta com
os ancies, trair a tribo etc.), presumvel que passa-
riam por um perodo de contestao aguda. Comea-
riam apescar com dinamite eatocar teclado eletrnico
em vez de berimbau. Inventariam e tentariam impor
(eventualmente fora) meios de obter reconheci-
Efrtllclltos de dcfill o 1 7
mento totalmente inditos para a tribo. Essas so ape-
nas sugestes benignas.
Ora, o caso dos jovens modernos bem pior
do que o destino dos aeronufragos na hospitaleira
tribo da selva amaznica. Pois, alm de instruir os
jovens nos valores essenciais que eles deveriam per-
seguir para agradar comunidade, a modernidade
tambm promove ativmente um ideal que ela situa
acima de qualquer outro valor: o ideal de indepen-
dncia. Instigar os jovens a se tornarem indivduos
independentes uma pea-chave da educao mo-
derna. Em nossa cultura, um sujeito ser reconheci-
do como adulto e responsvel na medida em que
viver e se afirmar como independente, autnomo -
como os adultos dizem que so.
Isso torna ainda mais penoso o hiato que aado-
lescncia instaura entre aparente maturao dos cor-
pos e ingresso na vida adulta. A pesar da maturao
dos corpos, aautonomia reverenciada, idealizada por
todos como valor supremo, reprimida, deixada para
mais tarde.
Desde j vale mencionar que a desculpa nor-
malmente produzida para justificar a moratria da
adolescncia problemtica. Pretende-se que, apesar
da maturao do corpo, ao dito adolescente faltaria
maturidade. Essa idia circular, pois a espera que lhe
imposta justamente o que o mantm ou torna
inadaptado e imaturo.
No difcil verificar que, ern pocas nas quais
essa moratria no era imposta, jovens de 15 anos j
levavam exrcitos batalha, comandavam navios ou
simplesmente tocavam negcios com competncia.
O adolescente no pode evitar perceber a con-
tradio entre o ideal de autonomia e a continuao
de sua dependncia, imposta pela moratria.
18 A adolesc J I cia
A ADOLESCNCIA IDEALIZADA
Tal contradio torna-se ainda mais enigmtica
para o adolescente na medida em que essa cultura
parece idealizar a adolescncia como se fosse um
tempo particularmente feliz. C0l11.0 possvel? Se
o adolescente privado de autonomia, se afasta-
do da realizao plena dos valores cruciais de nos-
sa cultura, como pode essa mesma cultura imaginar
que ele seja feliz?
O adolescente poderia facilmente concluir que
essa idealizao da poca da vida que ele est atra-
vessando uma zombaria que agrava sua insatisfa-
o. Ele certamente tem direito de se irritar com
isso: difcil entender por que os adultos (que em
princpio deveriam conhecer a adolescncia, por te-
rem passado por a em. algum. momento) achariam
graa nessa poca da vida ou alembrariam com nos-
talgia. Tentaremos explicar essa idealizao, sobre-
tudo no Captulo 4. Mas, seja como for, o
adolescente vive um paradoxo: ele frustrado pela
moratria imposta, e, ao mesmo tempo, aidealizao
social da adolescncia lhe ordena que seja feliz. Se a
adolescncia um ideal para todos, ele s pode ter
a delicadeza de ser feliz ou, no mnimo, fazer baru-
lhentamente de conta.
Em nossa cultura, apassagem para a vida adul-
ta um verdadeiro enigm.a. A adolescncia no s
uma moratria rnal justificada, contradizendo valo-
res cruciais como o ideal de autonomia. Para o ado-
lescente, ela no s uma sofrida privao de
reconhecimento e independncia, misteriosamente
idealizada pelos adultos. tambm um tempo de
transio, cuja durao misteriosa.
Elementos de defiJ I io 1 9
DURAO DA ADOLESCNCIA
ocomeo da adolescncia facilmente observvel,
por se tratar da mudana fisiolgica produzida pela
puberdade. Trata-se, em outras palavras, de uma
transformao substancial do corpo do jovem, que
adquire as funes e os-atributos do corpo adulto.
Querendo circunscrever a adolescncia no tempo,
como idade da vida, chega-se facilmente a um con-
senso no que concerne ao seu comeo. Ele deci-
dido pela puberdade, ou seja, pelo amadurecimento
dos rgos sexuais. A lguns diro que a adolescn-
cia propriamente dita comea um ou dois anos
depois da puberdade, pois esse seria o tempo ne-
cessrio para que, de alguma forma, o estorvo fisi-
olgico se transformasse numa espcie de
identidade adolescente consolidada. Outros diro,
ao contrrio, que a adolescncia comea antes da
puberdade, pois esta antecipada pela adoo pre-
coce de comportamentos e estilos de adolescentes
mais velhos. Seja como for, a puberdade - ano a
mais, ano a menos - a marca que permite calcu-
lar o comeo da adolescncia.
Quando a adolescncia comeou aser instituda
por nossa cultura e, logicamente, apareceram as com-
plicaes sociais esubjetivas produzidas pela inveno
dessa moratria, pensou-se primeiro que a causa de
toda dificuldade da adolescncia fosse a transforma-
o fisiolgica dapuberdade. A adolescncia, em suma,
seria uma manifestao de mudanas hormonais, um
processo natural.'
\ Cf B ibl iografia, I . em particular os comentrios obra de Stanley C. Hall.
20 A ado/csct!lIcia
De fato, a transformao trazida pela puberdade
considervel. Tanto do ponto de vista fisiolgico
quanto da imagem de si que deve se adaptar a essa
mudana. Basta lembrar a chegada dos desejos sexuais
(que j existiam, mas que so agora reconhecidos como
tais pelos prprios sujeitos) e, aos poucos, adescoberta
de uma competio possvel com os adultos, tanto na
seduo quanto no enfrentamento.
Mas essas mudanas s acabam constituindo um
problema chamado adolescncia na medida em que o
olhar dos adultos no reconhece nelas os sinais da pas-
sagem para a idade adulta.
O problema ento no : "Quando comea a
adolescncia?", mas: "Como se sai da adolescncia?"
O equivalente da adolescncia, em outras cultu-
ras, um rito de iniciao, eventualmente acompa-
nhado de algumas provas. Por mais duras que possam
ser, elas sero sempre mais suportveis do que a inde-
finida moratria moderna. A lis, em nossa hipottica
tribo amaznica, na verdade os ancies nunca impo-
riam uma espera indefinida de dez anos ou mais. Eles
poderiam exigir que voc;' lutassem corpo a corpo
com o rei dos surubins gigantes, por exemplo. Ou ento
que levassem 15 berimbauzadas na cabeca.
Mas, para que fosse possvel uma iniciao vida
adulta, com uma prova designada, seria necessrio que
se soubesse o que define um homem ou uma mulher
adultos. Essa definio, na cultura moderna ocidental,
fica em aberto. A dulto, por exemplo, quem conse-
gu ' ser desejvel einvejvel. Como saber ento quan-
LO d .scjo e quanta inveja preciso levantar para ser
admitido no Olimpo dos "grandes"? Portanto, fica tam-
brn '111 abcrt a questo de quais provas seriam ne-
c .ssrins para que um adolescente merecesse se tornar
UIl1 adult .
Ele/JIclltos de defillio 21
De certa forma, a moratria da adolescncia o
fruto dessa indefinio. Numa sociedade em que os
adultos fossem definidos por alguma competncia es-
pecfica, no haveria adolescentes, s candidatos eurna
iniciao pela qual seria fcil decidir: sabe ou no sabe,
"Ouno adulto.
Como ningurrrsabe direito o que um homem
ou uma mulher, ningum sabe tambm o que preciso
para que um adolescente se torne adulto. O critrio
simples da maturao fsica descartado. Falta uma lista
estabelecida de provas rituais. S sobram. ento aespera,
aprocrastinao e o enigma, que confrontam o adoles-
cente - este condenado a uma moratria forcada de
'suavida - com uma insegurana radical em qu~seagi-
tam questes que correspondem aos prximos captu-
los: "O que eles esperam de mim?", "Como conseguir
que me reconheam e admitam como adulto?", "Por I
que me idealizam?"
Voltando pequena listade elementos definitrios
exposta acima, no final daseo" A A dolescncia Como
Moratria", acrescentemos, concluindo, que o adoles-
cente tambm algum:
4. cujos sentimentos e comportam.entos so ob-
viamente reativos, de rebeldia auma moratria injusta;
5. que tem o inexplicvel dever de ser feliz, pois
vive uma poca da vida idealizada por todos;
6. que no sabe quando e como vai poder sair
de sua adolescncia.
2. "O QUE ELES
ESPERAM DE MIM?"
INSEGURANA
adolescente se olha no espelho e se acha
diferente. Constata facilmente que perdeu
aquela graa infantil que, em nossa cultu-
ra, parece garantir o amor incondicional
dos adultos, sua proteo e solicitude imediatas. Essa
segurana perdida deveria ser compensada por um
novo olhar dos mesmos adultos, que reconhecesse a
imagem pbere como sendo afigura de outro adulto,
seu par iminente. Ora, esse olhar falha: o adolescente
perde (ou, para crescer, renuncia) asegurana do amor
que era garantido criana, sem ganhar em troca ou-
tra forma de reconhecimento que lhe pareceria, nessa
altura, devido.
A o contrrio, a maturao, que, para ele, evi-
dente, invasiva e destrutiva do que fazia sua graa de
criana, recusada, suspensa, negada. Talvez haja
maturao, lhe dizem, mas ainda no maturidade.
Por conseqncia, ele no mais nada, nem criana
amada, nem. adulto reconhecido.
"Oq/lcelcse;pcrallldel/lIIII" 25
O que vemos no espelho no bem nossa ima-
gem.. uma imagem. que sem.pre deve muito ao olhar
dos outros. Ou seja, me vejo bonito ou desejvel se
tenho razes de acreditar que os outros gostam de
mim ou me desejam..Vejo, em suma, o que imagino
que os outros vejam. Por isso o espelho ao mesmo
te111pOto tentador e to perigoso para o adolescente:
porque gostaria muito de descobrir o que os outros
vem nele. Entre a criana que se foi e o adulto que
ainda no cheg<~10_d--adolescente freqen-
temente vazio. odemos entender ento como essa
epoca aVI apossa ser campe em fragilidade de auto-
lestima . sso e tativas de suicdio.
Parado na frente do espelho, caando asespinhas,
medindo as novas formas de seu corpo, desejando e
ojerizando seus novos plos ou seios, o adolescente
vive afalta do olhar apaixonado que ele merecia quan-
do criana e a falta de palavras que o admitam como
par na sociedade dos adultos. A insegurana se torna
assim o trao prprio da adolescncia.
Grande parte das dificuldades relacionais dos
adolescentes, tanto com os adultos quanto com seus
coetneos, deriva dessa insegurana. Tanto uma timi-
dez apagada quanto o estardalhao manaco manifes-
tam asmesmas questes, constantemente flor dapele,
de quem se sente no mais adorado e ainda no reco-
nhecido: ser que sou amvel, desejvel, bonito, agra-
dvel, visvel, invisvel, oportuno, inadequado etc.?
INTERPRETAR O S ADULTOS
O adolescente, portanto, se lana numa interrogao
qu durar o tempo (indefinido) d sua adolescncia
26 fi ndo/ esdl/ cia
e que consiste em se perguntar o que ser que os adul-
tos querem e esperam dele. Ou seja, qual seria o re-
quisito para conquistar uma 'nova dose do amor dos
adultos que ele estima ter perdido junto com a infn-
cia. Qual seria o gesto necessrio para redirecionar o
olhar adulto, que parece ter-se desviado. Qual o atri-
buto que garantiria, enfim, que ele fosse reconhecido
entre "os gr;)ndes".
Infelizmente (pois sem isto tudo seria mais facil),
nessa tentativa o adolescente no pode se confinar a
urna simples adeso ao que os adultos parecem expli-
citamente esperar dele e desejar para ele. Pois os adul-
tos se contradizem. Parecem negar a bvia maturao
de seu corpo e lhe pedir que continue criana; e ten-
tam mant-lo numa subordinao que contrasta com
os valo;Ts que eles mesmos lhe ensinaram.
Querem que ele sejaautnomo e lhe recusam essa
autonomia. Querem que persiga o sucesso social eamo-
roso e lhe pedem 9ue postergue esses esforos para "se
preparar" melhor. E legtimo que o adolescente se per-
gunte:"Mas o que eles querem de mim, ento? Querem
(segundo eles dizem) que eu aceite esta moratria, ou
preferem, na verdade, que eu desobedea eafirrn ' minha
independncia, realizando assimseus ideais?"
Ser que os prprios adultos sabem? A parente-
mente no: a adolescncia assume assim a tarefa de
interpretar o desejo inconsciente (ou simplesmente
escondido, esquecido) dos adultos.
O pensamento mais ou menos o seguinte: "Os
adultos querem coisas contraditrias. Eles pedem urna
moratria de minha autonomia, mas o resultado de
minha aceitao que eles no me amam mais como
urna criana, nem recon hecem C0l110u111p:n' esta' coi-
S:l'na qual eu me transformei. Talvez, p:1rag:1nhar seu
.unor eseu reconhecimento, eu no deva ento seguir
"o ' l" e etcs es/ ,era/ I J de mimt" 27
risca suas indicaes e seus pedidos, mas descobrir qual
de fato o desejo deles, atrs do que dizem que que-
rem. Em suma: de fato (e no s em suas recomenda-
cs pedaggicas), qual o ideal dos adultos, para que
eu possa prescnte-los com isso e portanto ser por eles
enfimamado e reconhecido como adulto?"
Em geral, o adolescente timo intrprete do
desejo dos adultos. Mas o prprio sucesso de suas in-
terpretaes produz fatalmente o desencontro entre
adultos e adolescentes. Pois se estabelece um fantsti-
co qiproqu: o adolescente acaba evcntualme nte
atuando, realizando um ideal que l' mesmo algum de-
sejo reprimido do 9clulto. Mas acontece que esse
desejo no era reprimido pelo adulto por :1C1S0.Se
reprimiu, foi porque quer ia esquec-Ia. Por conse-
qii ncin, o adulto s pode negar a paternidade des-
se desejo e se aproveitar da situao para reprimi-Ia
ainda mais no adolescente.
Um caso simples ecrucial: a idealizao do que
est fora da lei prpria cultura moderna. O indivi-
dualismo de nossa cultura preza acima de tudo aauto-
nomia e a independncia de cada sujeito. Por outro
belo, ~1convivncia social pede que se traguem doses
cavabres de conformismo. Para compensar essaexign-
cia, a idealizao do fora-da-lei, do bandido, tornou-se
parte integrante da cultura popular, Gngsteres, roll,fJO)'S,
malandros literrios, televisivos ou cinematogrficos se-
sruem entretendo nossos sonhos. Eventualmente (111:1S
' "
no necess:llj'amente) essa idealizao aco111p:lI1hada
por algum tipo de justificativ:1 IllOLlI. Por exemplo,
l~obil1 Hood est: ;1 Illargem dn lei, mas isso porque o
xcrifc de Nottingham um usurpador ilegtimo. Ou
seja, Robin Hood se situa contra e acima da lei em
nome de uma justia superior aela, M:1sessa.ntimanha
p:1rece cada vez menos necessria: nas ltimas dcadas
(just.uncnte quando apareceu vingou a adolescncia),
:1 marginalidadc e a dclinqiinci so cada vez mais
glorifiCK1as pela cultura popular. ProV:1 de um sonho
adulto bem presente e bem rcprimido,
N:1O difcil, portanto.iao adolesccnte intcrpre-
tar o couformisnio ou mesmo o "leg.ilismo" dos adul-
tos C0l110 sintomas de um desejo que s0l111a mesmo
COI11transgresses e infrues e que (supe o .idolcs-
ccntc) preferiria portanto um filho malandro a U111
"mauricinho babaca".
Para chegar a CSS:lconcluso, o adolescente n:10
precisa de muito esf()ro, pois :1cultura popular t:lI11-
bcrn idealiza a prpria adolescncia rebelde.
Esse l' UI11sonho ou urna nost:llgia expliciru dos
mesmos adultos l]Ul' pedem obedil'ncia e )J ]f(lrI11ieb-
}k aos adolescentes e se111pre lembram o que .icoutc-
ccu COIll Chapcuzinho Vermelho por ter desobedecido
:\m:le, 111asque na verdade se extasi.uu COIll uma IC)J ]ga
scrie de apologias da revolta dos jovens, desdejlllJ('II/lIdC'
' liausti.ula att' Kids.'
Em SUI11a,o adolescente levado inevitavelmente a
descobrir a nostalgia adulta de trausgrcss.io, ou melhor,
de resistnci :ls exigllCias antilibertrias do mundo. Ele
ouve, atr:s dos pedidos dos adultos, um "Faa o que eu
desejo e n:10 o que eu peo". E atua e111conseqncia.
Essa intcrprct.io do desejo dos adultos pelo
adolescente 11;10s f;lcilit:ld:l ou induzido pela cultu-
ra popular, que oferece lcitura de todos UI11:1espcie
de repertrio social dos sonhos e dos ideais. Mesmo
scrn essa flcilit:1<;:lo, :ISpropriedades bsicas do desejo
moderno lcv.ui.u n o adolescente s 111eS111ascour lu-
scs de fllndo. /\,10 seguinte c.uuiuho:
I ( : 1' . Bihlio~r.lli,1. 11.
"o qlll' ele; 1'51'ef'n1ll de I/li1/11" 29
1. U111:1cultura e111que a autonomia e a indepen-
ducia so os valores centrais e mais exaltados s pode
se transmitir por um duplo vnculo, ou seja, por unia
cOllsign:lo p.irndox.rl c contraditria.A virtude essell-
cial que deve xer ensinada , COIll efeito, :1capacidade
de desobedecer. Portanto, obedecer desobedecer. M:1S
.- complicao - quel11 desobedece est obedecendo.
Difcil tanto obedecer qU:lIlto seu contrrio.
2. N:1 sociedade pr-moderna, a diviso social era
relativamente pacfica, cstabclccida. Hoje, a diviso so-
cial mvel e a posio de cada UI11depende, em prin-
cpio, do reconhecimento dos outros que se consegue
ou no. normal que nil1gul11 esteja satisfeito COI11
SU:1SitU:1:10e quc cada UI11tente melhor-Ia. O adulto
moderno transmite ao adolescente no UI11estado onde
ele poderia se instalar C0l110 se herdasse UI11;1moradia,
111;lSUI11:1aspirao. Mais do que isso: ele transmite a seu
rebento :1ambio de IlJ O repetir a vida e o stutus dos
adultos que o engendrar:1n1. Ou seja, de desrespeitar
SU:1Sorigells, de no se con foru 1;1r, de se destacar.
3. 'A pesar disso tudo, os adultos devem t.imbcm
tr.msmitir ao adolescente as regras da conformidade
social, neccss.iria par:l que ele 11:10seja simplesmente
inadaptado. Ora, eSSJ trausmisso inevitvel de princ-
pios morais e valores prezados pelo consenso social apa-
rcce ao adolescente C0l110 prova da covardia, do
oportunismo e do fi-acasso dos adultos. Se eles preZ:H11a
exceo, porque se dobram a rogar a conformidade? A
autoridade do adulto assim minada, pois todos os va-
lores positivos parecel11 el11:1I1ar&1resignao ao fracas-
so, de UI11desejo frustrado de rebeldia ou de unicidadc.
Quanto mais o adulto tenta se constituir COI110autori-
d:1C.1c1110r;11,t:1I1tO 111:1isse qualifica COI110 hipcrita,
porque a cultura (e ele junto COI11ela) prol11ove corno
ideal aquele que fIZ exceo :1norma.
3 0 A adolesc llcia
4. Quanto mais o adulto se manifesta rigoroso e
quer impor sua autoridade recorrendo a uma tradi-
50, tanto mais ele a enfraquece e se enfraquece COI11
ela. Esse recurso, portanto, passa a produzir cada vez
mais revolta por aparecer .sempre, em nossa cultura,
como hipcrita. Ou seja; C0l110 represso exercida
contra o inconfessvel de nossos sonhos.'
5. O adolescente levado aconcluir que o adul-
to quer dele revolta. E a represso s confirma nele
essacrena, apenas acrescentando aconstatao de que
o adulto repressor hipcrita.
3. " COMO CONSEGUIR
QUE ME
RECONHEAM
E ADMITAM
COMO ADULTO?"
~
finalidade da adolescncia clara: o ado-
lescente quer se tornar adulto. Podemos
A manter essahiptese inicial, embora, como
veremos (concluso do Captulo 4), nessa
empreitada o adolescente encontre uma surpresa. Mas,
por ora, constatemos que o adolescente quer ser reco-
nhecido como sujeito adulto, um par dos adultos. Ele
quer permisso para fazer parte da comunidade.
O problema, como observamos antes, que para
~r reconhecido ele arece ter que trans recIlZPara ser
amad=para-prencher as expectativas do desejo dos
adultos, necessrio, paradoxalmente, no se confor-
mar ao que os mesmos adultos explicitamente pedem.
Transgredir tambm no nada fcil. No suficiente
atender s expectativas implcitas e faltar com as expl-
citas. Como j observamos, o adolescente se encontra
entregue aproblemas lgicos complicados.
Se o imperativo cultural dominante "Desobe-
dece!", "Prova tua autonomia!", ento desobedecer
" C0 1 l / O c o n s e g l l i r q u e l i / C r C((l / l l / c n / l l c a d m i t a l l l ((1 1 1 I0 a d / l l r o ! " 3 3
pode ser uma maneira dc obedecer. E obedecer, quem
sabe, talvez seja o jeito certo de no se conformar.
Essa complicao insolvel introduz Ul1l leque
de transgrcsses que vai desde um conformismo ines-
pcrado (o cmulo da tr;lnsgrcsso nesse caso consiste
em voltar ,I uma cultura quc no faria a apologia da
tr:'lnsgresso) at uma espcie de .nrematao infinita,
em quc no se sabe .mais qual lance encontrar que
constitua uma tLlllSg/L'sso suficiente.
No h como trnta r uma lista mesmo suciuta
dos comportlIllcntos c cstilos pelos quais os .idoles-
rentes pedem sua admisso ,) socicdadc adulta. Na
mesma l'POCl em que parece vingar o pesadelo do
predador urbano, tambm aparecem jovens que co-
ktivaIllcntc ,lbjuraIll as scdues do uru udo, se
engajam a chegar v' '~rens ao casamcnto c se vestem
COlllOmissionJ rios. A v.uicdndc de cscollus morais
n;lO menor: desde o cinismo criminoso at a pie-
dade mais solid5ria.
O fato quc ;}adolescncia uma interpreta-
(;;10 de sonhos adultos, produzida por uma moratria
que fora o ;Idolesct'nte a tentar descobrir o que os
.idultos querem dele. O adolescente pode cncoutrar
L'construir respostas muito diferentes a essa investi-
g;ldo. A s condutas adolescentes, em suma, so to
~:ll:iadas quanto os sonhos e os desejos reprimidos
dos adultos. Por isso elas parccem (e talvez sejal1l)
todas transgressoras. No mnimo, tr,lllsgridem aVOll-
t.idc explcita dos adultos.
O ndolcsceute, na procura de reconhecilllento,
rulturalmcu: seduzi do asecng,~ar por caminhos tO[ ,-
tuosos onde, paradoxalmente, ele se marginaliza logo
no mo mcuto em que viria se integrar. Pois o que lhe
l' proposto tentar, ou melhor, forar, sua intcgrao
justamentc se opondo ,ls regras da cOlllunid;lde.
34 A adolcsc nci
A s mil euma condutas que um adolescente pode
escolher para tentar obter o reconhecimento dos adul-
tos tm, portanto, uma coisa em comum, alm do ca-
rter dificil, seno desesperado, do empreendimento.
~-ata-s~ do sentimento dos adultos de que a adoles-
cencia e uma espcie de patologia social Ou, no me-
lhor dos casos, um lugar onde aspatologias psquicas e
sociais seriam endmjcas e e12idmi.ca.~
O comportamento adolescente considerado no
mnimo anormal, por parecer (e de fato ser) transgres-
SIVO, quando comparado ao padro adulto (o padro
confesso dos adultos).
Os adolescentes so f:1Cilmente considerados uma
ameaa ordem estabelecida e paz f:ll1liliar.
Os adultos receiam asirrupes transgressivas que
os adolescentes podem escolher como maneiras de se
afirmar. Mas, sobretudo, os adultos sabem confusamente
que o que h de mais transgressor nos adolescentes a
realizao de um desejo dos adultos, que estes preten-
diarn reprimir e esquecer. Se a adolescncia uma
patologia, ela ento uma patologia dos desejos de
rebeldia reprimidos pelos adultos.
A vida real dos adolescentes (da grande maioria
deles) pode ter pouco aver com as figuras dessa pato-
logia. Mas elas so cruciais, por duas razes.
Primeiro, descrever e tentar explicar os com-
portamentos extremos dos adolescentes a melhor
maneira de situar os monstros que enfrenta tam-
bm o adolescente aparentemente "normal" - em-
bora ele os enfrente de maneira mais bem-sucedida.
Pais e adolescentes conseguem a cada dia negociar
acordos viveis. Mas, por isso mesmo, o drama da
adolescncia, com o qual conseguem lidar, apare-
ce mais claramente quando sua violncia atropela
seus atores.
"COIi/O cOliscgllr que m e l"CCollhenm c adm itO/li COIIIOadlllto?" 3 5
Segundo, aadolescpcia no s o conjunto das
vidas dos adolescentes. E tambm uma imagem ou
uma srie de imagens que muito pesa sobre avida dos
adolescentes. Eles transgridem para ser reconhecidos,
e os adultos, para reconhec-los, constroem. vises da
adolescncia. Elas podem estar entre o sonho (afinal, o
adolescente a atuao de desejos dos adultos), o pe-
sadelo (so desejos que estariam melhor esquecidos) e
o espantalho (so. desejos que talvez voltem para se
vingar de quem os reprimiu).
Essasvises - embora sempre extremas - so tam-
bm as linhas segundo as quais de fato se organiza o
comportamento dos adolescentes em sua procura de
reconhecimento. So ao mesmo tempo concrees da
r~beldia extrema dos adolescentes e sonhos, pesadelos
ou espantalhos dos adultos. Por isso,so chaves de acesso
adolescncia. Destaco cinco: o adolescente gregrio,
o delinqente, o toxicmano, o adolescente que se I
enfeia e o adolescente barulhento.
oADOLESCENTE GREGRIO
O adolescente, descobrindo que a nova imagem pro-
jetada por seu corpo no lhe vale "naturalmente" o
estatuto de adulto, acuado a agir.
A primeira ao - em resposta falta do reco-
nhecimento que ele esperava dos adultos - consiste
em procurar novas condies sociais, em. que sua ad-
misso como cidado de pleno direito no dependa
mais dos adultos e, portanto, nJ O seja mais sujeita
moratria. O adolescente transforma assim sua faixa
etria num grupo social, ou ento num conglomera-
do de grupos sociais dos quais os adultos so exclu-
36 A adolescncia
dos e em que os adolescentes podem mutuamente se
reconhecer corno pares.i
Contrariamente s crianas, os adolescentes em
geral consideraro que sua verdadeira comullidade no
a famlia. Isso no propriamente um efeito da fre-
qente desagregao dos ncleos fmil~lres (esvazia-
mento das, casas onde todos trabalham, ou seprao
dos pais). E o inverso: a crise da famlia revela de fto
que os prprios adultos esto tomados por pruridos
adolescentes, com nsia de rebeldias e liberdades (en-
tre elas, a liberdade das responsabilidades de uma [ 1-
mlia). Essas inquietaes juvenis no os aproximam
dos adolescentes, os quais esperam deles algo que n~
encontram em seus coetneos. E possvel que surjam
novos modelos de fmlia e estes permitam que adul-
tos e adolescentes convivam - e no s se abriguem
sob o mesmo teto. A t l, averdadeira comunidade do
adolescente composta por seus coetneos e, entre
estes, pelo grupo restrito de pares com os quais com-
partilha as escolhas de estilo mais importantes.
Recusado como par pela comunidade dos adul-
tos, indignado pela moratria que lhe imposta e
acuado pela indefinio dos requisitos para termin-Ia
(a famosa e enigmtica maturidade), o adolescente se
afasta dos adultos e cria, inventa e integra microsso-
ciedades que vo desde o grupo de amigos at o gru-
po de estilo, at agangue.
Nesses grupos, ele procura a ausncia de mora-
tria ou, no mnimo, uma integrao mais rpida e
Critrios de admisso claros, explcitos e praticveis (
dlferena do que acontece com a fmosa "maturida-
de" exigida pelos adultos).
Os grupos adolescentes, sempre respondendo a
esses pr-requisitos, so, por assim dizer, de densida-
des diferentes. A lguns so informais e abertos, C01110
"COIIIO con5cgnr que m c rcconucain e adllltalll CO/IIOadulto!" 37
ascomunidades de estilo (dark,punk, rave, clubber etc.):
o acesso aqui exige apenas a composio de uma
imagem, um / ook que todos reconheam como tra-
co COIllUIl1.
, Outros grupos pedem que asenha que d aces-
so comunidade seja urna marca duradoura - tatua-
"gem, cicatriz - ou L~mtipo especfico de modificao
corporal. .
Outros, ainda, pedem uma espcie de pacto de
sangue, como a participao numa responsabilidade
coletiva indissolvel, sem retorno. A qUI o ato de rou-
bar, estuprar ou matar coletivamente produz uma cul-
pa C0I11Un1,um segredo comum.. .
O grupo adolescente - seja um estilo comparti-
lhado ou propriamente uma gangue - aparece de qual-
quer jeito como uma patologia aos olhos dos adultos.
Os gostos gregrios dos jovens so considerados anor-
mais e perigosos. O grupo adolescente vivido como
o que sanciona a desagregao da famlia eIquebra a
relao hierrquica entre geraes, VIsto que o adoles-
cente encontra em seus coetneos o reconhecimento
que se esperava que pedisse aos adultos.
O adulto, sem se perguntar muito por que os
adolescentes so gregrios, demoniza o grupo adoles-
cente temido como uma espcie de tribo na tribo.
De fato, aprpria constituio do grupo adoles-
cente , do ponto de vista dos adultos, uma transgres-
so. Os adolescentes se tornam gregrios porque lhes
negado o reconhecimento dos adultos - sendo isso
o que eles mais querem. Por isso, inventam grupos em
que possam encontrar e trocar o que os adultos recu-
saram ou pediram que fosse deixado para mais tarde.
Ora, os adultos consideram suspeito esse afas-
tamento dos adolescentes. Com razo, pois o grupo
adolescente surge justamente porque estes escolhe-
38 A adolesc ncia
rarn no mais esperar pelo reconhecimento poster-
gado dos adultos. O que j uma transgresso, tal-
vez a mais grave.
Portanto, o gregarismo aparece como uma pato-
logia adolescente por ser uma forma de insubordina-
o aos adultos.
Os jovens gregrios transgridem por se basta-
rem, ou seja, por se reconhecerem entre pares, dispen-
sando os adultos.
Mas, alm disso, no grupo assim constitudo, eles
perseguem e praticam os sonhos proibidos (dos adul-
tos). O grupo adolescente tr;msgressor em sua fun-
o (oferecer reconhecimento sem precisar dos
adultos). Mas tambm f:c1cilmente transgressor em
suas atuaes. Para seus membros, vale aidia de que a
esperana de reconhecimento vem da transgresso.
Sobretudo, vale a constatao de que a transgresso
coletiva solidifica o grupo e garante reconhecimento
recproco no seu seio. O grupo adolescente se torna
por isso mesmo um espantalho.
No por acaso que, em certas jurisdies dos
Estados Unidos, por exemplo, alegislao local per-
mite que os jovens pilotem um carro desde os 16
anos, mas probe que dirijam com outros adoles-
centes no veculo antes dos 18anos de idade. A ex-
perincia mostra ao legislador que a reunio de
adolescentes multiplica substancialmente a tentao
de infi-ingir regras. Ou seja, desde que o grupo ado-
lescente esteja reunido, cada um (a comear pelo
piloto) ter a tarefa de conseguir aquele reconheci-
mento pelos outros que os adultos negam.
Quanto mais o comportamento for transgressor,
tanto mais fcil ser o reconhecimento: a transgres-
so demonstra afastamento dos adultos, adeso e fi-
delidade ao grupo.
. d/ ' " "COIIIO collseguir que m e reconuean: e admittun COIllOa u 10. :9
E, quanto mais o comportamento infrator en-
contrar reconhecimento imediato pelos outros, tanto
mais vai se estender, se tornar complexo e sedistanci-
ar das normas,
Por essa razo, qualquer policial de ronda sabe
a'par-tI'r-de trs os adolescentes se tornam poten-
qqe" , '. ._
cialmente majs perigo~os, VIStoque seconstituem nu~n
:':;:-upode reconheciniento mtuo, em que a mfraao
(grande ou pequena) vale como senha.
oADOLESCENTE DELINQENTE
voltemos motivao primeira do adolescente: trata-
se de conseguir um reconhecimento para o ~ualmn-
mrm sabe lhe dizer quais so asprovas, qual e o ntual
b ..A d 10 I
iniciatrio necessrio. E, por consequenCla, e co -
car fimauma moratria que lhe imposta logo quando
se sente maduro, forte e potencialmente adulto.
O adolescente rejeitado pela SOCiedade d.s
d I esporidem ao seu pedido de admisso a LI tos, que r . c
com uma bola preta na urna. Ora, quand~ um pe-
dido no encontra uma palavra que no mirumo re-
conheca sua relevncia, normalmente seu autor
levant,{ a voz. Numa progresso linear, grita, qu~bra
vidros e pratos, coloca fogo na casa ' epode ate se
matar para ser levado a srio. Ou s:J a, ele tenta Im-
por pela fora, ou mesmo pela violncia, o que apa-
rentemente no ouvido. .
lugar-comum notar que haveria uma Impor-
tncia quantitativa da criminalidade adolescente - o
que no totalmente surpres~, ~isto que a rebeldia
parece ser UlTI caminho que o propno adulto aponta
para o adolescente. Mesmo nos ltimos anos, quando
40 A adolesc nci
r
a criminalidade diminuiu drasticam nte nas grandes
cidades americanas, por exemplo, o nico nmero que
resistiu foi o de adolescentes infratores e criminosos.
Em alguns momentos e lugJ res, eles at cresceram.
A limenta-se assim o espantalho do adolescente dito
"predador" (como se fosse unia espcie diferente
identificada por seu comportamento sanguinrio).
Ora, custou certo tempo para que algum sedesse
conta do que est por trs dos nmeros (vai custar
mais ainda para que esta verdade seja assimilada pelo
pblico). A verdade que o nmero de crimes co-
metidos por adolescentes provaveimente evolui segun-
do uma curva bem parecida com a curva dos crimes
dos adultos. Provavelmente - porque a grande maio-
ria das pesquisas no conta os crimes, mas os crirnino-
sos indiciados e condenados. A conseqncia dessa
abordagem que a tribo mais gregria sempre parece
mais criminosa. No dificil entender por qu: os
adolescentes cometem seus crimes em grupo (para se
reconhecerem mutuamente como membros do gru-
po). claro, por conseguinte, que a cada crime vrios
adolescentes criminosos podem ser inculpados econ-
denados. Isso no o caso dos adultos.
A idia de que os adolescentes seriam o grupo
mais perigosamente criminoso no parece ter Suporte
quantitativo. Os nL1l11eross nos dizem algo que de
fato no surpreendente, luz de nossas considera-
es: ou seja, um adulto ou no mximo dois seengajam
juntos no empreendimento de roubar um carro. O
mesmo crime poder ser cometido por um bando de
adolescentes que, uma vez o crime perpetrado, mal
cabero todos no carro.
Resumindo, o adolescente tem dois caminhos
possveis e compatveis para obter algum reconheci-
mento: fzer grupo e fazer estardalhao, ou "bestei-
. di r"
" C omo cO / lseg" I .que me recollheam eadmitam como a fi to. 4'
ras". Melhor ainda: fazer grupo e com o grupo fazer
besteiras. Enfim, se associar para transgredi L
Nessas condies, adelinqncia podena ser uma
slida vocao da adolescncia. .
"Delinqncia" no uma palavra excessiva,
embora de fato pouqussimos adolescentes se tornem
propriamente aelinqent~s. Mas existe uma parceria
de adolescncia e delinqincia, porque o adolescente,
por no ser reconhecido dentro do pacto SOCIal,ten-
tar ser reconhecido "fora" ou contra ele - ou, o que
d na mesma, no pacto alternativo do grupo.
Ele constituir um novo pacto entre adolescen-
tes, com claras regras de reconhecimento mtuo. Es-
sasregras sempre estaro deliberadamente em ruptura,
mais ou menos declarada, com o pacto SOCIal. _
Dentro ou fora da prtica gregria, osJ ovens na.o
desistiro de tentar suscitar a ateno e o reconheci-
mento dos adultos. O grupo que eles vierem aconsti-
tuir seguir U11modelo de ao que dever transgredir
o pacto social, j que continua VIva a esperana de
merecer, por essatransgresso, aateno dos adultos. A
transgresso tenta encenar o que os adolescen:es ac~e-
ditam ser um desejo recalcado dos adultos. H a o pro-
jeto de entregar como presente para os adultos um
comportamento, um gesto, do qual eles tenam SIdo
frustrados ~, assim, de merecer uma medalha. Quanto
mais a interpretao do desejo dos adultos for certei-
ra, mais esse projeto fracassar. Nesse caso, a transgres-
so adolescente presenteia os adultos com uma Imagem
que justamente eles querem reprimi:. O erro d~s ado~
lescentes (erro em relao a sua propna ~strategla) e
pensar que para os adultos pos;a ser agradavel encon-
trar uma encenao de seu propno recalque. _
Paradoxo edificuldade da relao entre gerao:s:
os adolescentes transgridem - at gravemente - nao
42 A adolesc l/ cia
para burlar alei, no na esperana d-es-ea-prdas con-
seqncias de seus atos, mas, ao contrrio, para excit-
Ia, para que a represso corra atrs deles e assim os
reconhea como pares dos adultos, ou melhor, como
as partes escuras e esquecidas dos adultos. Eles imagi-
nam que, como delinqentes, sero amados por serem
portadores de sonhos recalcados. Nessa' condio, tor-
na-se impossvel para os adultos escolher uma estrat-
~ia correta entre tolerncia e represso. Por exemplo,
e um perIgo deixar aporta aberta (como est aconte-
cendo cada vez em mais pases) para que o tribunal
decida sejovens culpados de crimes graves devem ser
perseguidos como menores ou como adultos. vista
disso, como ojovem resistiria tentao de fazer algo
que seja grave a ponto de forar o tribunal ajulg-lo
como adulto - que o que ele pede desde sempre? Se
for julgado e condenado como adulto, isso ser a de-
monstrao do fato de que os adultos s ouvem alin-
guagem do crime mais detestvel e de que essa
lmguagem funciona.
. Tolerar no um.a opo, visto que ojovem atua
justamente para levantar a represso. A tolerncia s o
forar a atuar com mais violncia.
Os adolescentes, ento, transgridem e os adultos
reprimem. Por um lado, se os adultos reprimem pre-
ventivamente, impondo regras ao comportamento
adolescente, eles afirmam a no-maturidade dos ado-
lescentes. Em resposta, os adolescentes sero levados a
procurar maneiras violentas de impor seu reconheci-
mento.
Por outro lado, a represso punitiva s manifesta
ao adolescente que seu gesto no foi entendido como
deveria, ou seja, como um pacote de presente cheio de
ideais e desejos reprimidos dos adultos. O que tambm
levar o adolescente a aumentar adose de rebeldia.
d
di' "
" C omo cal/ seguir que me " ecm,heatl/ e a I / " tam como a " to. 43
No difcil enumerar os comportamentos mais
freqentes da delinqncia adolescente. Sua banalida-
de s demonstra abanalidade dos desejos que os ado-
lescentes conseguem descobrir atrs do silncio dos
adultos.
O furto - desde os pequenos roubos de mer-
c"adoria nas lojas at~ o assalto e a co:abo~ao e~l
empreendimentos criminosos (e~torsao, trafico~ !lI-
citos etc.) - soa conduta mais obvIa.A final, o Ide-
al social do sucesso financeiro triunfante em nossa
sociedade, e o jovem mantido afastado dele pela
moratria da adolescncia. Ele escolhe persegmr esse
sucesso por um caminho que dispensa a retrica
.explcita sobre o valor do esforo", do s,uor na testa e
do trabalho (todos pretextos da moratona). Trata es-
ses valores morais como se fossem apenas ornamen-
tos corretivos, que permitem ao adulto tolerar sua
prpria avidez. O pensamento do jovem, por mcons:
ciente que seja, soar assim: "Vocs me dizem que e
para ficar rico, mas querem que eu fique aqm na
espera suando para me preparar. Eu acho -que ess~
preparao suada que vocs promovem e elogIam e
apenas umjeito de vocs se consolarem de seus fra-
casses e no encararem suas covardIas. Eu vou cor~-
petir pelos meios diretos que na verdade" voces
o-ostariam de usar.Vou roubar, por exemplo .
o Outro exemplo avalorizao seja da fora f-
sica, seja da provocao, da disponibilidade ao
enfrentamento (a capacidade de lutar e arrIscar). O
adolescente atua, encena o gosto de se afirmar sobre
e contra os outros arriscando apele, pardia do mes-
tre antigo, qual o adulto renunciou faz tempo -
preferindo negociaes e outros comprOluIsSOS so-
ciais menos perigosos De novo o adolescente, lem-
brando pelo seu cDomportamento que aviolncia pode
44 A adolesc ncia
se:- fonte de autoridade, no seduz o adulto. A o con-
trano, ele o constrange e o ameaa, apontando sua
cov~rdla. Na relao com os adultos (no s sua
famlia), o adolescente, no cons;guindo produzir res-
peitcprefere e consegue produzir medo. O medo
o equivalente fisico, real, do que o respeito seria sim-
belicamente.
. Entende-se como a delinqncia propriamente
d;ta, organizada, pode vir a ser uma resposta mora-
tona. Ela frequentemente implica uma associaco de
delmqentes que comporta todos osrequisitos d~gru-
po de adolescentes. Satisfaz o Ideal social de sucesso e
nqueza pe~aapropriao imediata e real. E impe o
medo que eo equivalente real do respeito. "Me disse-
ral?! que era crucial enriquecer, ter sucesso e poder.
Na~ me del~aram competir - pediram para esperar.
Entao eles vao ver."
Do mesmo jeito, apromiscuidade mais arriscada
pode ser uma resposta moratria sexual, que trans-
gnde a retrica explcita do pudor, do respeito, da
~ergonha. iM.e dizem que para ser desejante edese-
jvel e_gozar com isso, m.asme pedem para esperar,
para nao me queimar cedo demais~les no querem.
encarar suas covardias frente a seus prprios desejos.
Querem, falam, falam e nunca fazem o que querem.
Eu vou lhes mostrar como se goza." No conseguin-
do que seu corpo sejareconhecido como adulto (por-
tanto desej~vel), o adolescente pode escolher seimpor
pela seduao mais brutal. O desejo do adulto seduzi-
do, tentado, - como o medo - outro equivalente
fiSICO, real, de um reconhecimento que tarda.
, A prostituio adolescente com clientes adultos
eum bom. exemplo de uma maneira de forcar o reco-
l:hecimento, quase irnica: "Se este corpo l~odese-
jvel, por que pagam para t-lo por um momento?"
" C omo cO l/ segu , que me mO lllteam e adm ram como adulto? " 45
oADOLESCENTE TOXICMANO
A viso da adolescncia que parece ser mais preocu-
pante para os adultos aviso do adolescente toxic-
mano. Os adolescentes seriam l11.aissensveis do que
os adulto; ao charrne das drogas ilegais.
Na verdade, no seria dificil argumentar que o
interesse dos adolescentes de hoje para as drogas a
atuao de um interesse para asdrogas dagerao pre-
cedente. Os adolescentes de hoje so os descendentes
de uma gerao que explicitam.ente ligou o uso das
drogas atodos ossonhos deliberao erevoluo (pes-
soal, sexual, social etc.) que ela agitou e subseqente-
mente abandonou e recalcou.
Desse ponto de vista, arelao adolescente com
as drogas seria hoje um captulo da rebeldia herdada
pelos adolescentes, depois delargada por seus pais. Ela
seria a interpretao e atuao da grande esperana
que os adultos de hoje rec;Ucaram, quando desistiram
de sua revolta e abracaram valores mais estabelecidos.
Mas adroga tem tambm outras razes de sedu-
zir o adolescente.
Sensvel "injustia" da moratria, o adoles-
cente descobre que, em matria de drogas ditas le-
gais (lcool etabaco), h em princpio uma separao
de pesos e medidas entre adultos e adolescentes. A
interdio seletiva dessas drogas aos adolescentes
vivida como parte do processo de sua infantilizao,
urna vez que cigarro e lcool so liberados para os
adultos.
O argumento que insiste sobre(o perigo de l-
cool e tabaco para asade pode produzir o efeito in-
verso ao esperado, pois nada prova que o adolescente
queira ser o objeto de uma proteo ou de um cuida-
46 A ado/escl/cia
do especial que, de novo, o infntilizaria. No entanto
esse argumento deve ser levantado e defendid~
vigorosa mente pelos pais. Sem isso, o adolescente po-
deria se se~ltlr entregu~ a algo bem pior do que a
Infntdlzaao: o descaso.de seus pais com sua vida.
. Ele tambm pode ser seduzido jmtamente pelo
rISCOde vida que cIgarro e bebida acarretam. Repre-
sentante quase oficial das fntasias inconfessveis dos
adultos, o adolescente no vai poder ficar atrs, logo
num campo onde alguns adultos parecem dispostos a
Correr rISCospara gozar um pouco. A tentado ser de
desafiar os riscos fumando e bebendo at no pode)"
mais.
A s drogas que so proibidas para todos tm mais
charmes ainda.
Alm de serem proibidas (um charme em si),
p~dem representar uma maneira de enriquecer pelo
trafico, desmentmdo a moratria.
Elas proporcionam tambm uma boa forma
gregria de reconhecimento recproco entre droga-
dos, ou seja, so a ocasio da constituio de grupos
adolescentes coesos.
H mais um aspecto que fz o Sucesso da toxico-
mania adolescente, ou no mnimo de seu espectro, que
perturba o sonho dos adultos.
O que os adultos receiam, na viso do adoles-
cente drogado, da maconha herona eao crack? Fora
os riscos para a sade e o perigo de encarar conse-
qncias penais, h uma espcie de temor de que, no
baseado ou na pedra, o adolescente encontre um ob-
jeto que satisfaa seu desejo, mate sua procura, acabe
com a insatisfo. O medo, em suma, de que com a
droga o adolescente, de repente, seja feliz. Por que isso
angustIa os adultos> Seria mesmo um problema para
os adolescentes I
d ' duuo! " "COIIIO cOl/segl/r ql/e ,I/e reconueon: e a 1/1/1011ICO,I/O a 1/ to, 4 7
O que prprio ao desejo moderno que, atrs
de cada objeto desejado, sempre h Ulll desejo de algo
mais, de uma qualidade diferente: uma vontade de re-
conhecimento social - a qual nunca se esgota no ob-
jeto. Em outras palavras, o que desejado sempre
instrumental para afirmar e constituir nosso lugar so-
cial. Por mais que elJ possa obter o objeto que eu
quero, nem por isso ele me satisfar. A riqueza de nos-
so mundo depende disto: de uma procura que deve se
manter inesgotvel - nenhum objeto satisfazendo ,a
sede de reconhecimento social que permanece atras
de nossa vontade de possuir ou de consurrur.
Ora - na fantasia dos adultos e talvez de fato -, a
droga seria o objeto que promete e entrega uma satis-
faco acabada, mesmo que apenas momentnea. Essa
fal~tasia transforma a droga em senha de acesso a um
universo alternativo regrado por um pacto dift+el~te. I
Nesse outro mundo, o que importa para todos e o
objeto, a droga, sua.presena, no o status social que
ela instaura. Por isso a toxicomania talvez seja a trans-
gresso mais preocupante, porque parece minar um
pressuposto fundamental do pacto SOCIal vigente: a
permanncia da insatisfao. .
Por ser ou parecer um objeto que satisfaz de vez,
um bem em si, a droga uma ameaa muito especial.
Ela quebra a regra moderna de funcionamento do
desejo. O drogado pra de deslizar de Ulll objeto a
outro, da roupa ao carro, ao parceIro bonito - todos
metforas no caminho de um status social que nem a
totalidade dos objetos poderia produzir. A droga -
diferenca dos outros objetos - apagaria o desejo. A
preocupao de que o rapaz ou a moa que usam
maconha parem de competir na escola, se depr irnam,
no saiam da cama etc. mais que justificada: ela ex-
pressa o medo legtimo de que, pela droga, eles trans-
48 A adolcsc llcia
gridam de vez as regras essenciais do funcionamento
do desejo moderno.
Mais d,o que nas outras formas da delinqncia,
os adultos veem na droga ?ma perigosa porta de sada
por onde os adolescentes escapariam moratria para
entrar de vez em outro mundo.
_ Os, adolescentes concordam com essa preocu-
paao eso podem encontrar nela mais uma razo para
se satisfazer na droga. A final, os adultos no param de
mentir, para os outros e para eles mesmos, sobre o
valor, o charme e o interesse dos objetos. Consomem
como se acreditassem mesmo que o desfile dos obje- .
tos de consumo possa responder, satisfazer, a seus
anseios e desejos.
. Precisamos acreditar que os objetos podem nos
fazer felizes. Deslizamos sem parar de um a outro,
sempre na espera de mais um que ser decisivo, final.
De fato, ,ISSOum faz-de-conta. No podemos re-
nunciar a insatisfao que nos faz correr e que vita-
liza nosso mundo. Nenhum objeto pode nos satisfazer,
POl,So que queremos no so coisas e posses, mas -
arras delas - reconhecimento ou status. E nada pode
ext111g111rnossa sede desses a~
Ora, ~~og,!..-, na srie dos objetos, uma espcie
de subversao. Drogando-se, o adolescente pode pen-
sar estar"atl~ando a seguinte verdade re alcada pelos
adultos: Ha um objeto que nos satisfaria mas ne-
cessrio esquec-Io, pois a satisfao seri~ fatal para
nosso sistema social".
A drog~um objeto mortal. No s porque pode
matar o usuarro, mas porque - to grave quanto isso -
ela pode matar seu desejo.
De fato, no o caso de dramatizar essa viso do
adolescente toxicmano. A grande maioria dos ado-
lescentes apenas flerta com a droga.
"CO/110 C O llscgu r quc J Ilerecolll! cmll e adulraJ ll COIIIO adulto? " 49
Na verdade, freqente que adole~centes passem
pela droga um. tempo e parem de usar. E tambm fre-
qente que isso acontea na cara dos adultos, osJ ovens
pedindo ajuda para voltar dessa viagem. H adolescen-
tes que se drogam. para ento precisar de algum. tipo de
reabilitao epedir ajuda. E uma estratgia parecida com
ados que naufragam de~propsito na rota de um tran-
satlntico, para - uma vez recolhidos - viajar de graa
naprimeira classe. Ou seja, urna estratgia que fora o
reconhecim.ento do adulto.
A reabilitao, trazer algum de volta da delin-
qncia, da droga ou da prostituio, o contrrio da
infantilizao: ela implica o reconheCImento de que
qu~m se perdeu esteve em. perigo de verdade.
isso que almejam. todas as condutas extrelTlas
da adolescncia transgressora: convencer o outro de
que a vida do adolescente no nenhum limbo pre-
paratrio, ela est acontecendo de verdade, como a
vida adulta.
oADOLESCENTE QUE SE ENFEIA
Os adolescentes parecem contradizer, ou melhor, de-
safiar, os cn~s estticos dos adultos. Segundo estes,
eles se eneiam sistem.aticamente.
Os grupos adolescentes inventam quase sempre
um padro esttico interno, pelo qual os membros se
diferenciam e se reconhecem entre si. No raro que
esse estilo constitua alguma espcie de agresso deli-
berada ao cnone dominante: afinal, o grupo (mesmo
o arupO de estilo) outorga seu prprio reconhecimento
'" dultos t '
interno. Desafiar a aprovao dos a u tos e sua pro-
pria funo.
5 0 A adtJ lc5 c~ lI cia
Mas a esttica adolescente no surge s para isso
(ou seja, para se diferenciar, produzir coeso de grupo
e desafiar o cnone adulto).
Pode ser que o ato de se enfeiar corresponda a
uma recusa da sexualidade e, sobretudo, da desejabili-
dade como valor social. A ssim como o J dolescente pode
parecer contestar a idolatria do valor financeiro, econ-
IlUCO (por exemplo, recusando-se a ostentar os apetre-
chos desse valor nas vestimentas e em outros smbolos
tradicionais de riqueza), tornando-se feio ele poderia
criticar um sistema que valoriza J desejabilidade dos
corpos como razo do reconhecimento social.
Pode ser tambm que o adolescente se enfeie
para se proteger de um olhar que poderia no ach-lo
desejvel. Ele conseguiria prevenir essa catstrofe para
sua insegurana atribuindo sua indesejabilidade a seus
prprios esforos de se enfeiar:"No gostam de mim,
mas porque eu no quis".
Na verdade, a feira tambm uma espcie de
exibicionismo escancarado, a proposta de um erotis-
mo fora da norma, a promessa de uma armadilha se-
xual que no se preocupa em pJ ssJ r pelos cones
socialmente aceitos da desejabilidade.
Qpicrcillg umbilical das garotas exemplarmen-
te tudo isso ao mesmo tempo. uma, lembrana do
nen de umbigo apenas cicatrizado. E uma curiosa
distrao ldica no caminho do rgo genital, ou uma
aluso a uma fechadura de castidade. , sobretudo, uma
maneira de chamar o olhar para o encontro perma-
nente, no to longe da vagina, de urna abertura do
corpo com algo metlico e duro.
A mesma coisa vale para a marca registrada dos
garotos dos anos 90: os centmetros de cueca expostos
acima do cs baixado. Eles so uma recusa da sexuali-
dade pela infantilizao (a cueca vista evoca uma his-
tria de coc-xixi e de fraldas), uma maneira pre;el~ti-
va de se ridicularizar logo 1l0S arredores dos orgaos
b
' o .sa de um penllanente
<'enitais, mas tam em a pIOmes., o
01teresse com o que est nas cuecas (a cueca fica, pOl
assim dizer, scmpre em riste). , . ~o
No cOlljunto,.1s transgresses _estetlcas que p,lle-
cem assinalar e pr0I11eter tran5gressOes sexuaIS ou mo-
1
0'11'Sso esforces p:lra encontrar algum conforto no
" d I L pan
olhar indignado ou assustado dos a u tos. ogo, c c
do O
esc
o~ll1d]lodo olhar dos adultos con-
que o mc , .' ' ,
. .]dolesccnte de que l no espelho ele esta
vcn,lm o ,. . o o' >, ' . I A I-
cOlltempbndo um ser pengoso, atrevido e 0('\)'
, , os .idultos terio\lll de reconhecer como adul-
<'UCIll que ., o ' o . d
~ di' . NO] velodade a orande maioria os
to, a u tI5511l10., "'- b o ,
;\do\escentes de clbelos ultralOlros, bnncos, tatuJ gens e
cara feia, caso encontrassem ~1si mesmos numa rua es,
cura, trocariam de calada preocupados Oll correnam
par:l casa assl1st:ld~simos.
oADOLESCENTE BARULHENTO
Os adultos criticam facilmente. Dizem que os adoles-
centes so tietes, adulam seus dolos. Ou ainda que os
d
o o- se tnnsfornum em
adolescentes gostam e l llcll C S, . ,. o '
anncios publicitrios :lmbubn,tes. A crescentam que
eles vivem num filme, ou em vruios, ~arrL~l:am UI~~~
identid~lde imitando personJ gens
o
POl ISSOeles se pe
I
- d~s estrelas (do C11lema e dos
dern na contemp a:lO ,1. e. 'o o
1
0 .) . ssim como se esquecem nas marcas que pas-
pa cos ,.1. o
s.uu a defini-Ios. o
uma ironia barata. Pois, de fato, os adolescentes
vivem nos mesmos filmes que os adultos: C eras e Pt: J ple
1l~0 so revistas para adolescentes. Ou seJ :l, a 1l1l1~~a3 : ~
< o
52 A odo!es(/ca
a idolatria so formas bsicas da socializao moderna;
valem para os adultos tanto C01110para os adolescentes.
No mais, trata-se, nessa crtica irnica, apenas do emba-
teentre, digamos, estilistas C0l110Prada eGiorgio A rmani
contra TOl11my Hilfiger. Ou ento de um ator como
Leonardo DiCaprio contra Robert De Niro.
Mas, se todos vivemos ou procuramos inventar
nossa vida graas aos mesmos filmes, verdade que o
adolescente o maior f de videoclipes.A qui, mais do
que a histria, importam as imagens e a msica. A s
figuras que cantam edanam so personagens que ain-
da procuram seus roteiros - perfeitas parJ os adoles-.
centes seidentificarem, pois permitem adotar um gesto,
um estilo, um / 0 0 1 < , sem por isso comprJ r uma aventu-
ra narrada e preestabelecida ou, pior, uma vida inteira.
A ~ deixa mais liberdade ainda do que o
clipe. Ela d apenJ S o clima, sugere uma atitude, mas
no dita uma histria. O adolescente vive com uma
trilha sonora permanente, inspiradora de imagens com
as quais compe sua identidade. Ele ficl (ou ) irrita-
do com o nictnl, romntico com Phil Collins, (0 0 / e
inspirado com o m iJe, todo dinmico COI11a disco etc.
Essaescuta constante comporta sua parte de pro-
vocao. O adolescente oscila entre estourar J Scaixas
de S0111e viver de fone de ouvido. O recado claro:
ou te ensurdeo ou no te ouo.
Seja qual for o efeito disso sobre a comunicao
verbal, o volume da msica tambm uma espcie de
metfora sonora da intensidade da experincia ado-
lescente. Uma maneira de gritar: "Eu no vivo, arre-
bento". Os adultos, por mais que protestem, no agem
diferentemente e, de vez em quando, adoram estourar
as caixas de seus aparelhos para comunicar (aos vizi-
nhos, aparentemente) as insustentveis emoes da-
quele dia (ou, pior para o vizinho, daquela noite).
"CO/II0 1//5Cgllil" qllc li/C I"c(ollll((ol/l cOdllltilll/ (0/110 adlllto?" 5 3
Em todas as suas tentativas de desafiar e provo-
difi ld d . por mais
.. ' dolescente encontra uma I lCU a e. . c
lJ I, o a . f; " . d . distanCIar do
que invente maneiras de se~, e se da
C'll1oneesttico e comportamental dos adultos,a ca c
v~z rapidamente, a cultura parece encontrar J eitos de
, c . d . for l1-las em C0111-
idealizar essas maneiras, e nans 011 '. c ., . O
ortal11entos aceitos,~at desejveis e \I1vepve_Is. ,~I
P, dolescente descobre que sua rebeldia nao paI a
seja, o a '. . . 1
de alimentar os ideais SOCIaISdos adu tos.
4. A ADOLESCNCIA
COMO IDEAL CULTURAL
~
mIado exasperante da adolescncia que
difcil encontrar uma escolha adolescente
que no, seja a realizao do sonho dos
. adultos. E quase impossvel, para o adoles-
cente, se_afastar da interpretao do desejo adulto, por
duas razoes.
Primeiro, porque o acesso idade adulta em nossa
cultura no regra do por um ritual, mas depende de
um olhar, de um consenso que nem sabe articular suas
condies. Portanto, necessrio procur-Ias interro-
gando e interpretando o desejo dos adultos.
, Segundo, por uma espcie de pecado original
propno auma cultu;a que idealiza aautonomia. Mes-
mo se o comportamento adolescente fosse totalmen-
te regra do pelo plano de no mais depender do
r:conheCImento dos adultos, mesmo seisso fosse pos-
sivel (etalvez setorne possvel: por exemplo no grupo
adolescente), a autononua aSSImrealizada ainda seria
o sonho dos adultos para o adolescente. A lis, esse o
'\011ho de liberdade por excelncia, o sonho que acorn-
pnnha qualquer vida adulta conte~"por:lnea l1a~for-
mas mais variadas, do desejo de ferIas a teutaao de
rnir fora.
Verifica-se ento o paradoxo seguinte: a adoles-
cncia, excluda da vida adulta, rejeitada num Iimbo,
acaba interpretando e encenando o catlogo dos so-
nhos adultos, COolll maior ou menor sucesso. MJ s, atra-
vcs de todas as suas variantes, ela sempre encarna o
maior sonho de nossa cultura, o sonho de liberdade.
Ou seja, por tentar dispensar a tutela =.adultos, a
rebeldia adolescente se torna urna enccnaao do Ideal
cultural bsico. Por esse motivo, as condutas adoles-
centes ern todas as suas variantes se cristalizam, se fi-
x.im e se tornam objeto de imitao.
Tudo leva a fazer da adolescncia Ulll ideal so-
cial. at bem possvel que a adolescncia surja 11:1
ruodernidade COIllOideal necessrio. Logo, que aado-
lescncia como ideal seja quase um corolrio do mun-
do contemporneo. Mas, alm dessa possibilidade (que
examinaremos no Captulo 5), h outras cU111phC1da-
des que, no mnimo, colaboram em tal idealizao da
adolescncia.
Os adolescentes, C0ll10vimos, serenem em gru-
pos que podem ser mais ou menos fechados, ll1as,sem-
pre apresentam ao mundo uma identidade propnJ ,
diferente do universo dos adultos e dos outros grupos.
No mnimo, SJ O comunidades de estilo regradas por
traces de identidade claros e definidos, pois os mem-
bros devem poder pertencer a elas sem ter de coar :1
cabeca se perguntando:"Mas o que ser que os outros
quer~11l para me aceitar)' Os grupos tm portanto
em C0l11U111Ulll/ool" (vestimentas, cabelos, maquiagem),
preferncias culturais (tipo de msica, imprensa) e
comportamentos (bares, clubes, restaurantes etc.).
58 A ado/ csc / cia
oresultado disso que cada grupo impe facil-
mente a seus membros uma conformidade de consu-
mo bastante definida. Por isso mesmo, todos os grupos
se tornam tambm grupos de consumo facilmente
comercializveis. Os adolescentes, orzanizados em
identidades que eles querem poder re~onhecer sem
hesitao, se tornam consumidores ideais por serem
um pblico-alvo perfeitamente definido.A adolescn-
cia e suas variantes so assim um negcio excelente.
O prprio marketing se encarrega de definir e crista-
lizar os grupos adolescentes, o mximo possvel.
Os grupos, nascidos como amparo contra a mo:"
ratria imposta pelos adultos, se constituem em ideais
para os adultos justamente por serem rebeldes. A o
mesmo tempo, esses grupos so culturalmente exalta-
dos pelo marketing, que tem todo interesse em
apresent-Ios como coesos, catalogando os apetrechos
necessrios para seus membros, comercializando as
senhas de reconhecimento e todos os tracos do loole
suscetveis de circular no mercado. '
Esses looks que surgiram como "rebeldia" so
ento propostos como .ideais para aumentar a adeso
de seus membros, ou seja, para seduzir os adolescentes
que chegam ao mercado dos grupos ou transitam de
um grupo para outro.
Cada loole propagandeado e idealizado por sua
comercializao. Cada grupo e a adolescncia em ge-
ral se transformam numa espcie de Fa/ lch s / lg que
pode ser proposta idealizao e ao investimento de
todo mundo, em qualquer faixa etria.
Se aadolescncia encena um ideal cultural bsi-
co, compreensvel que ela se transforme num estilo
que moi para todos.
Na idealizao comercial e para maior proveito
,I,1\ empresrios da adolescncia, praticamente todos
A ado/ esdl/ c; ' 1 (011/0 ideal (/I/tI/m / 5 9
os estilos adolescentes (seus produtos, seus apetrechos)
so oferecidos e vendidos aos adultos, magnificando
um mercado j interessante em si. Desde os anos 80,
surge uma verdadeira especialidade do marketing da
adolescncia. Sua relevncia est nas propores do
mercado dos adolescentes: eles so numerosos e dis-
pem de cada vez il1ais dinheiro. Mas interessam ao
mercado tambm pela influncia que exercem sobre a
deciso e a consolidao de modas, que transformam
os modelos de consumo de muitos adultos.
A adolescncia, por ser um ideal dos adultos, se
torna um fantstico argumento promocional.
A t aqui pensvamos que havia uma revolta dos
. jovens contra sua excluso da sociedade dos adultos. E
acrescentvamos que as formas dessa revolta podiam
coincidir com ideais adultos por duas razes: porque
o ideal cultural dominante , em nossa 'cultura, ainsu-
bordinaco e porque, ao se revoltar, os jovens ainda
estariam tentando-agradar aos adultos, ou seja, realizar
alzurn sonho deles.
o A gora podemos perguntar se a adolescncia no
surgiu justamente porque os adultos modernos preCl-
saram dela como ideal.
Ser que a adolescncia no foi provocada, im-
pondo a moratria e suscitando a rebeldia, justamente
para que encenasse o sonho de idiossincrasi:, de
unicidade, de liberdade individual e de desobedincia
que prprio de nossa cultura? Ser que aadolescncia
. no veio a existir para o uso da conternplao preocu-
pada,I:l1as complacente, dos adultos? ..
A s vezes, essa suspeita deve atravessar o espn ito
dos adolescentes.
Vimos como e por qu - correndo atrs de um
reconhecimento que os adultos lhe negam e que ele
procura com seus pares - o adolescente constitui gru-
60 A odo/ csc / ci.1
pos e conformismos. interessante notar que esses
grupos mudam com extrema rapidez. H uma cons-
tante inveno de novos estilos. Como se o adoles-
cente tentasse correr mais rpido do que a comer-
cia l iza o, que quer dt:screv-Io para melhor
idealiz-Io e vender seu estilo. Como se ele fugisse
da assdua recuperao de sua rebeldia pelos adultos,
famintos de modelos estticos de juventude, liberda-
de e rebeldia.
Se a adolescncia no existisse, os adultos mo-
dernos a inventariam, tanto ela necessria ;]0 bom
desempenho psquico deles.
DA INVENO DA INFNCIA
. POCA DA ADOLESCNCIA
Chegou a hora de perguntar em que medida e como
essa moratria que produziu a adolescncia veio a
ocorrer logo na rnodernidade tardia que ns habita-
1110S.Chegou a hora, em suma, de explicar por que e
como a adolescncia que nos interessa um fenme-
no sobretudo dos ltimos 50 anos.
Faz um sculo apenas que a adolescncia se tor-
nou UI1l tema que justificasse um livro como este. A t
ento, certamente era possvel se preocupar com o devir
dos jovens, tanto fsico quanto moral e econmico,
mas "a adolescncia" no era uma entidade que enco-
rajasse um ttulo ou animasse a imprensa. No era um
fato social reconhecido. Era uma faixa etria, mas no
por isso um grupo social. A inda menos um estado de
esprito e um ideal da cultura.
Para entender como isso aconteceu, necess-
rio primeiro lembrar que a prpria infncia uma
A adob ' lI cio (0 1 1 I 0 ideal mlrllra/ 6 /
inve nco moderna. Em princpio e com as devidas
excec6es em nossa cultura todos amamos, ou me-
lhor veneramos, as crianas incondicionalmente e ir-
resi:tivclmente. No podemos deixar passar um
mido perto de ns sem estender a mo para UI11:
carir ia protetora na pequena testa. Quando,. nu 111caf
ou restaurante, cruza-nos o olhar de uma criana sen-
tada em outra mesa; cstanios dispostos a fazer qual-
quer macaquice para extrair seu sorriso. Emoutras
palavras: qualquer adulto parece estar 1I1v:st1do~ da
dupla misso de proteger as crr.mas e toma-Ias tel1-
zes. Mas por que essa seria uma propriedade cxclusi-
va da modemidade?
Certo, os seres humanos nascem extraordinaria-
mente prematuros, e a espcie conta com cuidados
parcnt.us assduos e permanentes para assegurar a so~
brevivncia dos rebentos. Sem uma dose brutal de al1101
dos pais e esforos anexos, nossa espcie estaria presu-
mivelmente ameaada.
O amor pelas crianas nos parece portan~o na-
tural, um efeito quase fisiolgico da prematuraao dos
pequenos hU11la110S, necessrio na batalha da evolu-
co das espcies. Sem amor e CUIdados as crianas de-
certo nJ O sobreviveriam, mas nem por isso o amor e
os cuidados foram sempre os mesmos.
A o contrrio, como foi inicial e magistralmente
most rado por Philippe A r ies," pode-se dizer que a
infncia uma inveno moderna. Entelldendo aqui
por infncia no os primeiros anos da v,ida -. q:le
sempre existiram, obvi~lmellte -, mas a propna idia
de um tempo da vida bem distinto da idade adulta,
miticame nte feliz, protegido pelo amor dos paIs e,
~Cf. Bi hli o gr.lt i .l. 111.
6 2 A ado/ esc llcia
sobretudo, no definido simplesmente pela espera
apressada de se tornar adulto. Na modernidade, a
inEncia se tornou objeto de preocupaes, medi-
taes, planos e projetos infinitos, tema inesgotvel
e autnomo de explora0 e debate. A lis, essa po-
sio aos poucos parece ser herdada pela ado les-
cencia.
Vamos ver como essa idia ou viso da infncia
veio surgindo em nossa cultura junto com a 1110der-
nidade (do sculo 13 em diante) e se afirmou defini-
tivamente s quando J modernidade ganhou apartida,
no fim do sculo 18.
A maneira moderna de olhar para as crianas,
essejeito de am-Ias que faz da infncia uma verda-
deira divindade cultural, triunfou quando a sociedade
. tradicional cedeu o passo ao individualismo.
Sem passar por uma descrio da transformao
cultural que leva da sociedade tradicional ao indivi-
dualismo que domina nossa modernidade, possvel
lembrar dois traos essenciais que contribural11 para
fazer dessa mudana cultural o momento da inveno
da infncia.
O prprio A ries nos deixou uma obra centrada
sobre essa transio, da qual salientou, alm da inven-
o da infncia, outro aspecto decisivo: uma mudana
na experincia da morte.
Explicado rapidamente: numa sociedade tradi-
cional, a comunidade a verdadeira depositria da
continuidade da vida. A qui a morte, por mais que
seja um evento trgico e triste na vida do sujeito,
no um ponto final, conclusivo, pois a vida que
mais importa no a do indivduo - que se perde
com a morte. A comunidade sobrevive e segue. Ela
uma experincia que fala mais alto do que o fim do
breve tempo de uma vida.
A ado/ esdllda COIIIO ideal cultural 6 3
Com o fim da sociedade tradicional, a morte se
torna fundamentalmente UlTIaexperincia iridivi-
dual, cujo sentido (ou falta de senti~o) deve .ser pro-
curado no espao da vida do individuo e nao pode
ser substitudo pela significao mais ampla da co-
munidade. Mesmo que a f religiosa venha consolar
cada um em seu fOI~ointimo, a morte antecipada
na moder nidade COI'rlOo fim selTlpre trgico e soli-
trio de uma existncia que, por sua vez, parece ~om-
cidir COlTI,e no ser nada mais do que, asobrevivncia
do indivduo.
Entende-se que de repente, nesse contexto cul-
tural, as crianas assumam uma importncia especial e
-nova. Para quem a morte o fim de tudo, as crianas
se tornam a nica consolao, a nica prolTIeSSade
algum tipo de continuao ou l?leSmO de imortalida-
de. Mas essa apenas uma razao para que o indivi- I
dualisrno moderno invente ainfncia. .
Numa sociedade tradicional, cada criana vinda
ao mundo ocupa u~11lugar definido numa rede social
articulada e estabelecida. Em qualquer comunidade
hierarquicamente organizada, nascer numa classe, numa
casta, numa corporao so figuras mICIaISe decisivas
do destino. Certo, avida de cada urn contmua em suas
mos e eventualmente nas da graa divina, mas o su-
jeito encontra uma exigncia social ao mesmo tempo
fundamental eincontestvel e, por ISSOmesmo; pacifi-
cada, tranqila, geralmente explcita: trata-se de ocu-
par o lugar que o nascimento outor~ou a. ca~a um,
num universo onde por regra a diviso social e deci-
dida pela tradio. . .. .
A o contrrio, numa cultura individualista como a
nossa, espera-se de antemo que qualquer sujeito se
construa um lugar e se invente um destmo contra o
que a tradio e o bero onde nasceu lhe reservaram.
6 4 A adotesc nda
Por isso, transmitir, ensinar, formar so, em nossa cultu-
ra, atividades to problemticas, pois aordem transmiti-
da (quer dizer, atradio) de contradizer atradio.
. Ora, quase todas asinstituies do mundo tradi-
cional periclitaram ou sumiram com amodernidade
O indivduo s no seachou desprovido de comuni~
dade porqu; uma sobreviveu e, de certa forma, adqui-
nu ,ImportanCla nova e central na vida de todos: a
famlIa. A famlia moderna restrita ao essencial nu-
clear (ou seja, composta essencialmente pelo ncleo
depaIS e cnanas), mas por isso mesmo mais intensa,
p~ISIdealmente organizada ao redor no de consan-.
gumidades extensas, de obrigaes, deveres e contra-
tos, m~s dafora proclamada dos sentimentos ntimos.
A famlia nuclear existe e resiste por ser fundada no
amor. A mor entre pai e me e amor entre estes e as
cnanas que eles criam. A fanlia - instituio que
portanto sobreVIveevll1ganamodernidade - agran-
de porta-voz do duplo v nculo moderno: ela pede s
cnanas todo tipo desubmisso eobedincia emnome
do amor, mas tambm pede que, em nome do mesmo
am~r, acriana seliberte dafamlia eultrapas~e acon-
dio na qual se criou, para responder s expectativas
dospais. PartIcularmente, para dar continuidade (imor-
talIda~e) aos sonhos dos pais - sonhos frustrados antes
de mais nada pela mortalidade dos sonhadores.
. Para entender melhor como secriam na moder-
l11dade :s condies sociais e psicol gicas da
sacrahzaao da infncia, ainda preciso acrescentar a
esse quadro suc~nto outro trao bem especfico da
modermdade ocidental: ainsatisfao fundamental do
SUJ eIto.O homem moderno no insatisfeito aciden-
talmente com o que lhe acontece, infeliz porque cho-
v,eu}apeste rec,rudesceu ou de novo aguerra vem por
ai. E ll1dIspensavel que ele seja insatisfeito constituti-
A ado/ esdl/ da COl110 deal a turat 6 5
vamente, por definio. Pois seu lugar no mundo no
pode nem deve ser mais definido do que suaaspirao
- como se diz - de subir na vida, sua ambio, sua
inveja. Esse trao serevelou crucial para produzir uma
acelerao indita na produo de riqueza e de dife-
rena social: o sujeito moderno quer mais (portanto,
produz e consome m. ais) porque deve querer sempre
mais do que os outros.
No h, no pode haver, objeto, faanha ou mes-
mo triunfo social que possa apagar essa insatisfao.
Para o sujeito moderno, sua obra, seu trabalho de
escalador social permanecero sempre inacabados.
Talvez se compreenda melhor agora por que a
modernidade realizadaproduz uma paixo indita pelas
crianas. Para seus pais epara os adultos em geral, elas
so aconsolao eaesperana. Graas aelas, os adul-
tos estendem o sentido e a expectativa de suas vidas
para alm do limite estreito de suasobrevivncia indi-
vidual. Graas a elas; insatisfao prpria do sujeito
moderno se torna suportvel, pois o fracasso - inevi-
tvel numa corrida que desconhece faixa de chegada
- alimenta a espera de que as crianas faam reveza-
mento conosco.
A infncia preenche a funo cultural essencial
de tornar amodernidade suportvel.
Para isso, elaproporciona antes de mais nada um
prazer esttico. No por acaso que A ris descobriu a
transformao que a modernidade produziu na ma-
neira de ver eamar ascrianas principalmente apartir
da iconografia da infncia. A s crianas modernas so
um objeto de contemplao, deagrado edescanso para
nossos olhos. Criamos, vestimos, arrumamos ascrian-
aspara comporem uma imagem perfeita esegura de
felicidade. No comeo daviso moderna da infncia,
elas eram vestidas aqum da diferena sexual, seu de-
66 A cdoiesc ui
sejo era n~gado, por ser para elas uma possvel fonte de
Inqmetaao: ~os precisamos ver as crianas ao abrigo
das ImperfeI,oes e das mgoas: completamente dife-
rentes d,enos, por serem protegidas da corrida
InsatIsfaton: ao sexo e ao,pinheiro.A mparadas da ne-
cessidade, nao deseJ antes, elas so sorrideQ.tes, amadas,
encantadas: vivem em outro mundo.
Es;a imagem de felicidade, inocncia e paz que
constrmmos como um prespio penuanente no meio
de nossas casas a perfeio que nunca alcancamos
nem a-:canaremos, pois ser insatisfeitos para ns
defi~Itono. Por ISSO, aInrancia, mais do que uma uto-
pia, e nossa idade de ouro,
. De certa forma, a inrancia moderna o verda-
deiro grande resto da sociedade tradicional na socie-
dade mo~erna: as crianas so as nicas que gozam de
direitos so pelo fato de serem pequenas, ou seja, de
te~em, nascido cnanas. Uma infncia feliz a nica
COIsaa qu~l teramos direito de nascena.
Isso e o que parece primeira vista. Mas o ver-
me da modernidade est no encant desse jardim re-
servado, onde artificialmente contemplaramos nossas
cnanas felizes. .
. A infincia no oferece s um prazer esttico: a
lI~1agemda ~elicidade infantil tem tambm outra fun-
ao. Essas cnanas felizes so tambm encarregadas de
dar um sentido a nossa corrida social - garantindo
que, embora Incompleta, ela ser continuada. Elas so
as herdeIras de nossos anseios, de nossa insatisfao
constItutIva.
. Portanto nos deleitamos na imagem de sua feli-
CIdade, como se esta nos consolasse de nosso fracasso.
Ou, melhor ainda, como sedemonstrasse nosso suces-
so: fracassamos ns, mas elas so felizes eseguiro sen-
do, dando assim completude a nossas falhas.
A ado/ esc l/ cia como deal cultural 6 7
Por isso mesmo precisamos lutar para que nossos
anseios passem para elas nas melhores condies pos-
sveis, ou seja, com amaior chance de serem satisfeitos
por elas no futuro,
Paradoxalmente, ascrianas devem ao mesmo tem-
po ser felizes e se preparar ativamente para consegui-
rem tudo o que ns no conseguimos, A transmisso
dessa tarefa crucial, constitutiva da infncia moderna,
que portanto no s uma imagem esttica de felicida-
de, mas uma espcie de promessa.
Por isso, a modernidade pode ser paradoxal-
mente hiperprotetora e violenta com suas crianas:
ela venera, protege as que tm condio de ser por-
tadoras da promessa, ou seja, mandatrias dos so-
nhos dos adultos. E pode brutalmente deixar cair,
abandonar, aquelas que por qualquer razo no tm
ou parecem no ter condio de realizar um dia
nossas esperanas (o nico corretivo a essa brutali-
dade que sempre sobra algum gosto esttico de
ver crianas felizes) .
Por isso tambm a modernidade sofre de con-
tradies pedaggicas: como preparar as crianas para
o futuro sem comprometer aimagem de sua felicida-
de? Surge assim a utopia do aprender prazeroso, da
aula que seria eficaz como um cursinho acelerado e
divertida como um jogo de jardim da infncia. Essas
contradies no ajudando, apreparao fica cada vez
mais longa e laboriosa.
Quanto mais a infncia se afasta de um simples
consolo esttico, quanto mais encarregada de prepa-
rar o futuro, ou seja, de se preparar para alcanar um
(impossvel) sucesso que faltou aos adultos, tanto mais
ela se prolonga. Isso inevitavelmente fora ainveno
da adolescncia, que um derivado contemporneo
da infncia moderna.
6 8 A cdoicsc nci
A POCA DA ADOLESCNCIA
A os poucos, os adultos verificam que essas crianas
que esto sepreparando j so um pouco crescidas,
fora de esperar. Elas constituem uma nova m.istura,
indita. Os adultos tentam mant-Ias protegidas efeli-
zes, assistidas, no mundo encantado da infncia, sem
obrigaes e responsabilidades. Por outro lado, elas se
parecem cada vez mais com. os adultos, pelo tamanho,
pela maturao de seus corpos e pelas exigncias de
sua felicidade e de seus prazeres, que no so mais
brinquedos e historinhas, mas, por exemplo, sexo e
dinheiro - segundo eles vo aprendendo. A lm disso,
a prpria presso preparatria se torna parecida para
essascrianas com apresso da corrida adulta.
A parece assim uma semelhana indita entre os
adultos e essas supostas" crianas" que j tm corpos,
gostos, vontades, prazeres e alguns deveres muito pa-
recidos com os nossos.
Cada vez ma.is,o olhar dos adultos sedesloca das
crianas para os adolescentes, pois o espetculo de sua
felicidade de fato mais gratificante. Seconseguirmos
realiz-Ia mantendo os adolescentes protegidos e ir-
responsveis como crianas, mas com exigncias e
voracidades de adultos, eles vo nos oferecer um show
bem parecido com afelicidade que gostaramos aqui
eagora, para ns.
A imagem dainfncia encantada nos deleita por-
que nos consola e contm uma promessa. A imagem
daadolescncia feliz nos prope um espelho para con-
templar a satisfao de nossos vidos desejos, se por
algum milagre pudssemos deixar de lado os deveres
easobrigaes bsicas que nos constrangem. Ou seja,
sepudssemos ser to despreocupados quanto gosta-
A ado/ esc llc a COIIIO dea/ eu/ tl/ ra/ 6 9
ramos que fossem nossos adolescentes. Gostaramos
por qu? Para nos oferecer esseshow,justamente.
A s vises de infncia e adolescncia se opem
como um erotismo alusivo se ope pornografia.
Olhamos para ainfncia como promessa. Procuramos
na viso da adolescncia o clipe de nossos gozos:
"Nossa, se pudssemos de verdade tirar frias de um
jeito que nem adolescente consegue!"
H certo gnero de filme pornogrfico onde
assituaes extremas filmadas so reais, no atuadas.
Pois bem, a adolescncia real nos assusta como um
desses filmes, em que, de repente, se realizam de
verdade fantasias que esto em ns, mas que prefe-
nramos esquecer.
A infncia um ideal comparativo. Os adultos
podem desejar ser ou vir aser felizes, inocentes, des-
preocupados como crianas. Mas normalmente no
gostariam de voltar aser crianas.
Com a adolescncia que hoje toma o lugar da
infncia no iderio ocidental, a coisa muda.
O adolescente no s um ideal comparativo,
como as criancinhas. Ele um ideal possivelmente
identificatrio. Os adultos podem querer ser adoles-
centes.
Os adolescentes ideais tm corpos que reconhe-
cemos como parecidos com os nossos em suas formas
e seus gozos, prazeres IguaIS aos nossos e, ao mesmo
tempo, graas mgica da infncia estendida at eles,
so ou deveriam ser felizes numa hipottica suspenso
das obrigaes, das dificuldades e das responsabilida-
des da vida adulta. Eles so adultos de frias, sem lei.
Em nossa idealizao, seriam turistas sexuais numTer-
ceiro Mundo sem polcia, bon vivants gostando de fi-
car high no Meganisto antes de 1970 ou nos cafs de
A msterd, compradores em dlares nos supermerca-
70 A ado/ esc llda
dos inflacionados do Quarto Mundo e mesmo assim
eternos ganhadores da loteria.
Talvez adoremos mais essaimagem do que aima-
gem das crianas que nos extasiava. Pois propriamen-
te uma imagem de ns mesmos gozando, felizes, sem
impedimento ou quase. Gostamos tanto que uma pena
nos confinarmos na contemplao esttica ou no so-
nho. Por que simplesmente no imit-los? Concreta-
mente no simples, pois quem vai nos dar amesada?
Mas podemos, por exemplo, imitar seus estilos.
A adolescncia setorna assim um ideal dos adul-
tos. Ou seja, os adultos no se contentam mais com o
consolo oferecido pela viso das criancinhas felizes.
Eles encontram nos adolescentes idealizados um pra-
zer menos utpico e mais narcisista. Os adolescentes
oferecem uma imagem plausvel, praticvel.
Idealizar os prazeres daadolescncia (que, contra-
riamente infncia, imitvel) uma maneira de que-
rer menos consolo com perspectivas futuras (o que a
infncia oferece) e mais satisfao imediata. Queremos
ver os adolescentes felizes porque eles seriam apenas a
caricatura despreocupada dens mesmos. Portanto, atin-
gveis, a nosso alcance.
Essa idealizao no escapa aos prprios ado-
lescentes.
A t a metade dos anos 60, claramente o ideal
(inclusive esttico) da maioria dos adolescentes era a
idade adulta. O que os adolescentes dessa poca mais
queriam era ser aceitos e reconh.ecidos como adultos,
obter, em suma, pleno acesso tribo. Isso provavel-
mente no diferente do quequerem os adolescentes
de hoje. Mas,justamente COll1 esse fim, os de ento se
esforavam em imitar os adultos. O aniversrio (12 ou
13 anos) em que as calas compradas eram autorizadas
era esperado como se fosse mai s importante ou to
A adoiesdnda como ideal cuuural 71
importante quanto crisma, bar mitzvah ou equivalente.
A s maneiras em pblico eram, do mesmo jeito, inspi-
radas pelos adultos. Chegando em casa da escola, os
j vens deviam trocar da roupa de rua para a roupa de
casa (isso porque se presumia que uma "criana" se
sujasse, deitasse no cho etc.).
A vontade frustrada de poder ficar o dia inteiro de
palet e n de gravata tem como paralelo hoje a gran-
devontade dos adultos depoderem enfim sevestir como
adolescentes nos domingos e mesmo nas sextas-feiras
informais permitidas nos escritrios. A vontade de usar
sapato amarrado at em casa corresponde hoje vonta-
de adulta de usar tnis at quando no a hora de
praticar nenhum esporte.
Tambm os adolescentes dos anos 60 procura-
vam no s parecer adultos, mas seaventurar enl qua-
Iidades de experincia adultas. Sepossvel, mais adultas
do que a experincia dos adultos. A lgumas ativida-
des adolescentes -(desde as brincadeiras at a
masturbao) eram culpadas e vergonhosas, no tan-
to por serem proibidas, mas por serem infantis, ou
s ja, prova de distncia da idade adulta, de falta da
maturidade que daria acesso ao reconhecimento so-
cial e independncia.
Talvez por isso os adolescentes dos anos 60 aca-
baram sendo uma gerao de indivduos politicamen-
te engajados, para mitigar e esconder uma vontade de
folia atrs da seriedade da conscincia social. O ideal
deles era avida adulta. O desejo era no de se confor-
mar aos adultos, mas de no se diferenciar deles por
ser infantis, adolescentes.
A trs desses adolescentes, havia as crianas, que
eram aparentemente felizes num mundo de contos de
fada e assim ficariam at descobrirem que o que im-
portava era ser adulto. Elas eram idealizadas por todos,
72 A adolesc ncia
mas como um daguerretipo da felicidade de outros
tempos.A s crianas eram decorativas. O ideal eram os
adultos, lna frente.
Isso comeou a mudar bem naquela poca. A os
poucos, os adolescentes se tornaram o ideal dos adul-
tos. Logo, ao interpretar o desejo dos adultos eprocu-
rar descobrir qual seria o sonho deles atrs de seus
eventuais pedidos de conformidade, os adolescentes
depararam com sua prpria imagem. O ideal escondi-
do dos adultos eram eles mesmos, os adolescentes.
Como satisfazer aos adultos, seno sendo mais
adolescentes ainda do que j eram?
Fato notvel: nestas ltimas dcadas, as crianas
perderam sua especificidade esttica. Elas so cada vez
menos vestidas como crianas. Tampouco so masca-
radas de adultos em miniatura, para antecipar o futuro
que se espera para elas. Elas so camufladas de adoles-
centes. tanto mais surpreendente (e preocupante
quanto s conseqncias) em lugares onde os adoles-
centes e seus uniformes so smbolos institudos de
uma marginalidade perigosa. Caminhe pela rua 125
em Nova York: sem falta voc encontrar, por exem-
plo, garotos de quatro anos de calas cargo ridicula-
mente largas, mantidas abaixo do cs para mostrar trs
dedos de cueca, chapu de beisebol virado para trs
ou ento, no inverno, capuz por cima da cabea. Em
suma, a caricatura dos membros de uma gangue. Eles
no esto vestidos nem de crianas nem de adultos.
Esto de adolescentes. O adolescente que eles imitam
o ideal dos adultos que os vestem. Os homens adul-
tos, por sua vez, esto ridiculamente fantasiados do
mesmo jeito. Repitam a mesma observao na sada
de uma escola primria, comparando as meninas e as
mes que esperam o fim da aula. No raro que elas
compartilhem de uma esttica comum.
A adolesc ncia como deal w ltural 7 3
A esttica da adolescncia atravessa assim todas as
idades. E os continentes. Os adolescentes so os mes-
1ll0S no mundo inteiro ou, ao menos, no mundo oci-
ti .ntal. Mesmas modas, mesmos estilos, mesmas msicas.
Uma mesmice muito americana. De fato, aadolescn-
cia foi inventada e vingou nos Estados Unidos. No
seria falso dizer que e1a originariamente americana.
Isso significa apenas que os Estados Unidos mos-
traram primeiro esse trao de modernidade, dita avan-
cada, pelo qual os adultos preferem sonhar em ser
adolescentes aficar contemplando as crianas suposta-
mente felizes. De qualquer forma, a adolescncia o
ideal coletivo que espreita qualquer cultura que recusa
' ,1 tradio eidealiza liberdade, independncia, insubor-
dinao etc. Os Estados Unidos foram aqui avanguarda
ti Ocidente moderno.
A lis, isso explica em parte a incrvel expanso
da cultura americana na segunda metade do sculo
_ O. Pois quem captra a alma dos adolescentes, quem
decide dos estilos adolescentes, de fato mestre dos
sonhos dos adultos cuja aspirao a adolescncia.
Paradoxalmente (note-se entre parnteses), essa
.unericanizao forada, que nivela e destri patrirn-
nios culturais diferentes, pode ter alguns efeitos positi-
vos. Por exemplo, no Brasil rappers afavelados conseguem
sair da excluso e participar da adolescncia (encarnar
para todos uma fatia de ideal) por parentesco com os
mppers dos guetos americanos.
Nessa situao - em que a adolescncia um
ideal para todas as idades e global -, o adolescente se
torna um ideal para si mesmo. Ele empurrado pelo
lhar admirativo de adultos e crianas a se tornar cada
vez mais a cpia de seu prprio esteretipo. A se mar-
ginalizar (ser rebelde) para seguir ocupando o centro
de nossa cultura, ou seja, o lugar do sonho dos adultos.
74 A adolesc llcia
A adolescncia, nessa altura, no precisa acabar.
Crescer, se tornar adulto, no significaria nenhuma
promoo. Consistiria em sair do ideal de todos para
setornar um adulto que s sonha com aadolescncia.
A caba assimapreocupao fundamental do ado-
lescente de ser aceito ou reconhecido pelos adultos
como um par. No precisa mais sepreocupar. A ado-
lescncia agora o ideal dos adultos por ser suposta-
mente um tempo defrias permanentes - uma maneira
de ser adulto quanto aos prazeres, mas sem as obriga-
es relativas. Seaadolescncia isso, elareconheci-
daosuficiente. Por que desejar setornar adulto quando
os adultos querem ser adolescentes? E por que desejar
o reconhecimento dos adultos, sena verdade so estes
q)le parecem pedir que os adolescentes os reconhe-
am como pares?
Os adolescentes pedem reconhecimento e en-
contram no mago dos adultos um espelho para se
contemplar. Pedem uma palavra para crescer eganham
um olhar que admira justamente o casulo que eles
queriam deixar.
Moral da histria: o dever dos jovens enve-
lhecer. Suma sabedoria. Mas o que acontece quan-
do a aspirao dos adultos manifestamente a de
rejuvenescer?
PEQUENA BIBLIOGRAFIA
COMENTADA
~
ara ler mais sobre o tema e tambm para
percorrer com mais detalhes algumas das
P etapas que permitiram escrever este en-
saio, podem-se apontar trs caminhos.
I. O primeiro so os textos nos quais e pelos
quais a adolescncia se constituiu e cresceu como
objeto autnomo deperplexidade, reflexo epesquisa.
Eles contriburam no s para entender aadolescn-
cia, mas sobretudo para faz-Ia existir como proble-
ma moderno.
Granville Stanley Hall,Adolescence: I ts Psychology
and I ts Relations to Physiology,Anthropology, Soc ology,Sex,
C rime, Religion and Education. New York: D.A ppleton
&Co., 1904.
a obra fundadora dos estudos sobre adoles-
cncia. Hall pode ser considerado o criador da ado-
lescncia, seu inventor. Ele se preocupou com a
precocidade dosjovens deseu tempo, osquais lhepare-
ciam chegar cedo demais sruas, sfbricas, aos braos
Pequena b bl ografia comentada 7 7
de parceiros sexuais e tambm sprises. De fato, essa
precocidade no constitua novidade nenhuma. O que
era novo, naquele comeo do sculo 20, era apreocu-
pao de Hall. Ele foi luta para que os beneficios da
infncia seprolongassem. Suas palavras foram decisivas
para que, aos poucos, os adolescentes fossem
cscolarizados to obrigatoriamente quanto ascrianas.
Inaugurou-se'assim uma tendncia que hoje empurra a
escolaridade obrigatria (ecom elaaadolescncia) para
alm dos 20anos de idade.
Hall considerava aadolescncia uma poca peri-
gosaetrabalhosa. Mas concebia essasdificuldades como
naturais, prprias a uma fase da vida. Conclua, por-
tanto, que osjovens precisavam de proteo por mais
tempo do que pensvamos.
Em sua descrio da adolescncia, j aparece a
mistura de medo e inveja que acompanha at hoje a
idealizao dessa poca da vida. I
Margaret Mead, C oming of Age n Samoa. N ew
Vi rk:WilliaI11Morrow, 1928.
A grande antroploga Margaret Mead respon-
leu aHall, mostrando que aadolescncia atormenta-
da e dificil no nenhuma necessidade fisiolgica,
nenhuma fatalidade, mas uma produo de nossa cul-
urra. Ela descreve uma sociedade nas ilhas Samoa onde
a adolescncia uma transio fcil efeliz. Mesmo se
n descrio etnolgica hoje discutida (o que no
significa contestada), o livro segue sendo um marco
110 debate sobre infncia e adolescncia .
A lbert Cohen, Del nquent Boys: the C ulture of
I I ,e G ang. NewYork: Free Press, 1955.
Logo depois da guerra, aparece o clssico de
A lbert Cohen sobre osjovens delinqentes. Embora
Cohen repetidamente afirmasse que sua analise
concernia s a garotos de classe operria e membros
78 A ado/ esc nc a
de gangues, a idia da adolescncia como oposlao
delinqente contra acultura e o mundo adulto seins-
talou desde ento. Cohen crucial na constituio do
pesadelo do adolescente delinqente .
Daniel Offer (cornMelvin Sabshin eJ udith
L. Offer), The Psychological World oJ the Teenager: a
Study oJ Normal Adolescent Boys. New York: Basic
Books, 1969.
Em contraponto a Cohen, embora tarde demais
para corrigir seus efeitos de desconfiana, Daniel Offer
veio lembrar que os adolescentes reais so mais nor-
mais do que a"adolescncia". A produo de Offer se
estende at os anos 80.
Erik Erikson, I dentidade juventude e C rise. Rio
de J aneiro: Guanabara Koogan, 1987 (original 1968).
Enfim, Erikson entende a crise da adolescn-
cia como efeito dos nossos tempos. Para ele, a ra-
pidez das mudanas na modernidade torna
problemtica a transmisso de uma tradio de pais
para filhos adolescentes. Estes devem portanto se
constituir, se inventar, sem referncias estveis.
Erikson foi o primeiro ausar o termo "moratria"
para falar da adolescncia. Tambm foi um dos ra-
ros a perceber que a crise da adolescncia se tor-
nava muito difcil de administrar,j que o mesmo
tipo de crise comeava a assolar os adultos mo-
dernos.
II. O segundo caminho o das produes cultu-
rais que instituem a adolescncia como ideal social.A
idealizao da adolescncia preparada pela idealizao
da infncia insubordinada. O exemplo mais famoso,
ainda do sculo 19, o Huckleberry Finn de Mark
Twain (h vrias edies portuguesas disponveis de
As Aventuras de Huckleberry Finn).
Pequena b bl ografia comentada 7 9
Depois da Segunda Guerra Mundial, afigura do
adolescente perdido e transgressor assume dignidade
literria com The C atcher in the Rye de J .D. Salinger
em 1951 (O Apanhador no C ampo de C enteio. Rio de
J aneiro: A utor, 1999).
Desde essa poca, a vasta produo cultural que
idealiza aadolescncia constantemente acompanha-
da pelo tema narrativo do adulto insatisfeito, queren-
do voltar a uma adolescncia idealizada, feita de
liberdade e de crises salutares.
Um dos maiores romances americanos do ps-
guerra Revolutionary Road, de Richard Yates (1961),
em que a monotonia da vida suburbana se torna in-
tolervel, por causa da urgncia de interromper a
rotina adulta para poder (sonho adolescente) "se
achar". Querendo dispensar a leitura de Yates (que
no foi traduzido para o portugus), possvel re-
orrer ao filme American Beauty, de Sam Mendes
(1999), em que a personagem principal um her-
d iro direto do-heri deYates.
Essa nostalgia adulta da adolescncia, que atra-
vessa a segunda metade do sculo, a fora atrs das
mos que nesse perodo desenham uma srie de re-
tratos ideais de adolescentes. O cinema, pretendendo
apresentar ou explicar o que seria aadolescncia, ilus-
tra de fato os sonhos adultos sobre a adolescncia. Ele
nos conta qual adolescente os adultos gostariam de
voltar a ser, de ter sido ou de continuar sendo.
A srie comea com Rebel Without a C ause
ijuventue Transviada), de Nicholas Ray (1955), com
J ames Dean no papel de um jovem sedento de uma
vida mais intensa e verdadeira do que a intolervel
fraqueza pequeno-burguesa do pai. Em contraponto,
P cnic (F rias de Amor), de J oshua Logan (1955), nos
fala de uma menina, Kim Novak, que, na sua escolha
80 A adolesc ncia
amorosa, mais sincera do que ame interesseira. O
esteretipo do adulto hipcrita que tudo sacrifica a
falsos valores pintado por adultos e para adultos.
Em suma, os adultos adoram se ver e julgar pelos
olhos do adolescente ideal qe eles imaginam nos-
talgicamente.
Os filmes com Elvis Presley insistem no charme
inquietante do adolescente pouco recomendvel. O
heri de jailhouse Rock (O Prisioneiro do Rock) , de
Richard Thorpe (1957), se torna cantor na cadeia;
verifiquem. a cara dos pais da moa que se apaixona
por ele.
impossvel oferecer aqui uma filmografia da
adolescncia. A penas podemos indicar que, depois desse
c?meo, ela poderia terminar com dois filmes. Kids,
de Leo Fitzpatrick (1995), seria exemplo do ideal de
transgresso e de gozo herico do adolescente. Do
outro lado, estaria American Pie, de Paul Weitz (1999),
como exemplo de uma viso da adolescncia engra-
ada e mais prxima da realidade. instrutivo consi-
derar que Kids fez sucesso com adolescentes eadultos.
American Pie seduziu apenas os adolescentes.
Sobre a constituio do ideal adolescente nos
Estados Unidos dos anos 50, vale conferir (no nni-
mo em sua segunda parte):
Luisa Passerini, A juventude, Metfora da Mudana
Social. Dois Debates Sobre osjovens: a I tlia Fascista e os
Estados Unidos da D cada de 50, em: Hist ria dosjovens,
vol. 12, "A poca Contempornea". So Paulo: Com-
panhia das Letras, 1996.
Ill. O terceiro caminho o da histria da infn-
cia e da mudana cultural que levou o Ocidente a
amar ascrianas de uma maneira to especial. No tex-
to feita referncia a:
Pequena bibliognifia comentada 8 1
Philippe A ris, Hist ria Sacia! da C riana e da Fa-
m lia.Rio de]aneiro:LTC, 1981 (original 1960).
Philippe A ris, Homem Perante a Morte, 2vol. Lis-
boa: Europa-A mrica, s/ d.
SOBRE O AUTOR
Contardo Calligaris psicanalista, doutor em psico-
logia clnica (Universit de Provence) e colunista da
Folha de S.Paulo. Italiano, hoje clinica e vive entre
Boston eSo Paulo. Ensinou estudos culturais naNew
School de Nova York e foi professor convidado de
antropologia mdia na Universidade da Califrnia
emBerkeley.
Seuslivros mais recentes emportugus so C r ni-
cas do I ndividualismo C otidiano (tica) eHello Brasil! No-
tas de um Psicanalista Europeu Viajando ao Brasil (Escuta).

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