Cabra Cega Anexo
Cabra Cega Anexo
Cabra Cega Anexo
Introduo
A cultura de um povo reflete-se em vrios aspectos da vida em sociedade, dentre eles, a lngua
em uso. De todos os nveis da lngua, o lxico um dos mais afetados por influncias externas, por isso
o que melhor reflete as vrias fases da histria da lngua num determinado espao geogrfico. Por meio
do lxico o falante nomeia elementos da sua realidade fsica e social, refletindo a sua viso de mundo e a
maneira de pensar e de agir da sua comunidade. Assim, a partir do estudo de um lxico regional (palavras
de uso restrito a uma determinada regio), podem-se perceber influncias ambientais, culturais e sociais
de determinado espao geogrfico no vocabulrio do grupo de falantes.
Os estudos acerca dos fatos lingsticos, documentados por trabalhos geolingsticos, podem
tambm fornecer informaes sobre o carter conservador e inovador do sistema lexical nas regies
estudadas, j que as variantes registradas demonstram a vitalidade e a mutabilidade da lngua.
O Projeto Atlas Lingstico do Brasil (Projeto ALiB), por exemplo, como est documentando a
lngua falada em todo o territrio brasileiro, fornecer um primeiro mapeamento nacional da atualizao e
da distribuio espacial de unidades lexicais relacionadas s quinze reas semnticas contempladas pelo
Questionrio semntico-lexical do Projeto ALiB (2001). (ISQUERDO, 2006, p.117). Os dados analisados
neste trabalho ilustram bem isso.
Este trabalho apresenta parte dos resultados alcanados com a pesquisa realizada como bolsista
de Iniciao Cientfica/UEL, em 2006/2007, sobre o tema DESIGNAES PARA PAPAGAIO DE
PAPEL E CABRA-CEGA: UM ESTUDO GEOLINGSTICO, sob a orientao da Profa. Dra. Aparecida
negri Isquerdo. Este estudo focaliza as designaes atribudas a uma das brincadeiras tendo como objetivo
geral discutir as variantes registradas nas regies N, CO, S e SE para nomear a brincadeira que uma
criana, com os olhos vendados, tenta pegar as outras. Em termos de objetivos especficos, buscamos
descrever as variantes registradas e analis-las do ponto de vista diatpico, procurando relacionar o uso
dessas variantes a aspectos da histria social das regies onde foram coletadas. Partimos da hiptese de
que os avanos da vida moderna limitam a prtica de certas brincadeiras infantis, contribuindo inclusive
para o respectivo desuso dessas brincadeiras e, conseqentemente, dos nomes que as designam.
2. Metodologia
Com o objetivo de levantar e de descrever unidades lexicais que nomeiam a brincadeira
habitualmente designada como cabra-cega nas regies Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, foi
realizado, inicialmente, o levantamento das variantes apontadas pelos informantes do Projeto AliB, nas
respostas para a questo 161 (a brincadeira em que uma criana, com os olhos vendados, tenta pegar as
outras), do Questionrio semntico-lexical do Projeto AliB (2001).
Para este trabalho, foram utilizadas entrevistas realizadas com oito informantes de cada capital
analisada: 05 capitais da regio Norte (Boa Vista, Macap, Manaus, Rio Branco e Porto Velho), 03 da
Centro-Oeste (Campo Grande, Cuiab e Goinia), 02 da Sul (Curitiba e Florianpolis) e 03 da Sudeste
(So Paulo, Belo Horizonte e Vitria). Para tanto, foram levantadas as designaes para a brincadeira em
estudo, nas 104 entrevistas realizadas pela equipe de pesquisa do Projeto ALIB, regionais Paran e Mato
Grosso do Sul, com informantes dos sexos masculino e feminino, com idade entre 18 e 30 anos (jovem) e
50 e 65 anos (idoso), de baixa escolaridade (Ensino Fundamental) e alta escolaridade (Educao
Superior), nascidos e criados nas localidades pesquisadas. Em sntese, a execuo do trabalho obedeceu
s seguintes etapas: 1) levantamento das designaes para cabra-cega, documentadas pelo Projeto
ALiB nas capitais das regies Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste; 2) tabulao dos dados, segundo a
capital e a regio onde foram registrados; 3) anlise quantitativa dos dados, com auxlio de grficos,
tabelas e mapas; 4) consulta a dois dicionrios da lngua portuguesa Ferreira (1974) e (2004) verso
eletrnica, e Houaiss (2001) e ao dicionrio de folclore de Cascudo (2004), para verificar a questo da
dicionarizao das variantes analisadas; e, 5) anlise qualitativa dos dados, considerando as dimenses
lxico-semntica e diatpica.
NMERO DE RESPOSTAS
PERCENTUAL DE
OCORRNCIAS
Cobra-cega
39
36,8%
Pata-cega
32
30,18%
Cabra-cega
29
27,35%
Brincadeira de cego
01
0,96%
No soube responder
05
4,71%
VARIANTES
Observando-se os dados desse Quadro, percebe-se que cobra-cega foi a variante mais produtiva
no conjunto das capitais analisadas, com 36,8% de freqncia. Na seqncia aparecem pata-cega, com
30,18% de ocorrncia; cabra-cegacom 27,35%; brincadeira de cego com 0,96%, alm dos 4,71% que
no souberam responder a pergunta.
Os grficos, a seguir, demonstram a distribuio dessas variantes por capital/regio. Inicialmente
so apresentados os dados da regio Norte, por meio do Grfico I.
Nota-se pelos dados visualizados no Grfico I que na regio Norte houve o predomnio de patacega, a variante mais produtiva em todas as capitais, exceto em Rio Branco, onde no foi registrada.
Obteve um ndice de 87,5% de freqncia em Porto Velho; 75% em Macap e em Boa Vista e 62,5% em
Manaus. J cabra-cega, a variante considerada padro, teve ndice de 75% de ocorrncia em Rio Branco e
apenas 12,5% em Macap, em Boa Vista e em Porto Velho. Cobra-cega, por sua vez, apareceu
em Manaus com 25% de ocorrncia e em Macap, Boa Vista e Rio Branco com 12,5%. Em Manaus e em
Rio Branco 12,5% dos informantes no souberam responder essa pergunta. Nota-se, pois, pelos dados do
Grfico I, a distribuio das trs variantes encontradas na regio Norte, com o predomnio da pata-cega,
seguido da cabra-cega e alguns indcios de cobra-cega.
O Grfico II na seqncia apresenta os dados documentados na regio Centro-Oeste.
Nota-se pelos dados do Grfico II que, ao contrrio da regio Norte, a variante com maior ndice
de freqncia na regio Centro-Oeste foi cobra-cega, alcanando um ndice de destaque em Cuiab e em
Campo Grande, onde alcanou 75% das ocorrncias, contra os 37,5% de Goinia, capital onde, ao
contrrio das outras capitais dessa regio, a designao de maior relevncia foi cabra-cega com 62,5%; J
em Cuiab cabra-cega aparece com 25% e em Campo Grande com 12,%, a mesma porcentagem de
informantes que no souberam responder a pergunta. Nota-se, pois, que a variante pata-cega, com
predomnio na regio Norte, no foi documentada nessa regio.
Observemos os dados relativos regio Sul, no Grfico III, a seguir.
Os dados da regio Sul (Grfico III) evidenciam uma semelhana com a regio Centro-Oeste,
onde houve o predomnio da variante cobra-cega Curitiba com 75% dos informantes. Florianpolis, por
sua vez, registra todas as variantes documentadas, com predomnio de pata-cega, a variante mais
produtiva na regio Norte. Foi tambm nessa capital que apareceu a nica ocorrncia de brincadeira de
cego.
A exemplo das regies Centro-Oeste e Sul, na regio Sudeste houve o predomnio de cobracega, atingindo em So Paulo um ndice de 87,5% de ocorrncia, seguida de 37,5% em Vitria e de
25% em Belo Horizonte. Todavia, em Vitria a designao com maior freqncia foi cabra-cega, com um
ndice de 62,5%, de freqncia, enquanto em So Paulo alcanou 12,5% e em Belo Horizonte 37,5%, o
mesmo ndice dos informantes que no souberam responder.
No que diz respeito dicionarizao, a unidade lexical cabra-cega definida por Ferreira (1974)
como uma brincadeira, onde uma criana vendada tenta agarrar outra para ser substituda, e classificada
como um brasileirismo do Paran, fato no confirmado pelos dados do Projeto ALiB, j que essa variante
foi registrada em todas as regies brasileiras aqui pesquisadas. J Houaiss (2001) define esse item lexical
como certo tipo de brincadeira infantil, em que um participante fica vendado e deve conseguir agarrar
outro participante (e, em certas modalidades, identific-lo) para ser por este substitudo; batecond,
nessa ltima acepo, um regionalismo de Sergipe. Cascudo (1999), por sua vez, a define como jogo
infantil de pegar, comum a meninos e meninas; aparece tambm com o nome de pata-cega.
J cobra-cega est dicionarizada no Aurlio (1974) e no Houaiss (2001) com outra acepo, a de
um tipo de anfbio. Pata-cega, por sua vez, no est dicionarizada. Trata-se de uma criao lexical recente
que ainda no foi garimpada pelos dicionaristas.
Na seqncia, apresentamos a Carta I, que evidencia a distribuio espacial das variantes
documentadas para nomear a brincadeira cabra-cega.
Carta I - Designaes para cabra-cega em capitais brasileiras das regies Norte, Centro-Oeste,
Sudeste e Sul.
de
Florianpolis
Consideraes Finais
Este trabalho teve o propsito de demonstrar a importncia das pesquisas geolingsticas para o
registro da norma lexical de um espao geogrfico, no caso, de capitais da regio Norte, Centro-Oeste,
Sudeste e Sul.
Em relao cabra-cega e suas variantes, em comparao com o Esboo para um Atlas
Lingstico de Minas Gerais - EALMG (1977), observa-se que a carta 38, na fronteira de Minas Gerais
com Goinia, nos pontos 2 e 2 A registrou a ocorrncia da designao cobra-cega, e nos pontos 29 e 31
a variante cabra-cega, ambas encontradas na capital Goinia, o que demonstra uma marca de
conservadorismo lingstico naquela localidade. O mesmo ocorre na fronteira com So Paulo, nos pontos
87, 88 e 7A , onde h 30 anos foi documentada a variante cobra-cega, e no ponto 86, a variante cabracega.
J o Atlas Lingstico do Amazonas ALAM (2004), na carta 79, nos pontos prximos a capital
Manaus (07 e 8) e na fronteira com Roraima (ponto 01) informa a presena da variante pata-cega, dado
confirmado pelo Projeto ALiB. O mesmo fato foi observado no ponto 04 que faz fronteira com o Acre,
onde prevaleceram as variantes cabra-cega/caba-cega. Neste estudo, com dados do Projeto ALiB, Rio
Branco foi a nica capital onde no apareceu a variante pata-cega.
Em sntese, a pesquisa demonstrou a influncia da histria social no lxico e a importncia das
pesquisas geolingsticas para o registro e a classificao dos regionalismos, segundo a sua distribuio
espacial.
Referncias
ALENCAR, E. de. Revista Brasileira de Folclore 11(29) 5 verso eletrnica, Rio de Janeiro, 23 jan. abril.
1971.
BIDERMAN, M. T. C. O lxico, testemunha de uma cultura. Actas do XIX Congreso Internacional de
lingstica e Filoxa Romnicas, Universidade de Santiago de Compostela, publicadas por Ramn
Lorenzo, 1989, p.397-405.
BORBA, F. da S. Introduo aos estudos lingsticos. So Paulo: Editora Nacional, 1972.
CARDOSO, S. A. M. Dialectologia e ensino-aprendizagem da lngua materna. In: CARDOSO, S A. M.;