D'Os Lusiadas A Mensagem - Jacinto Do Prado Coelho
D'Os Lusiadas A Mensagem - Jacinto Do Prado Coelho
D'Os Lusiadas A Mensagem - Jacinto Do Prado Coelho
narra, em trs oitavas, o que ns hoje aprendemos na escola: o seu reinado foi
pacfico e prspero, fundou a Universidade, que depois transferiu para Coimbra,
promulgou novas leis, reformou o pas Com edifcios grandes e altos muros (III,
96-98). Falta qualquer aluso a ter mandado semear o pinhal de Leiria. Pelo
contrrio, na Mensagem este o facto posto em relevo pelo seu valor simblico: Dom
Dinis surge como plantador de naus a haver; encarna outro momento da histria
secreta de Portugal, tambm o instrumento duma vontade transcendente, prepara de
longe o Imprio, ouve, de noite, enquanto escreve um cantar, o o rumor dos pinhais
que, como um trigo / De Imprio, ondulam sem se poder ver.
Sem dvida, na segunda parte da Mensagem, Mar Portugus, perpassa um sopro
pico, exalta-se o esforo herico dos Portugueses no domnio dos mares, Pessoa d,
por vezes, a rplica a Os Lusadas. O Mostrengo, do mesmo modo que o
Adamastor, ope hostilidade bravia da Natureza a energia indmita dos
Portugueses: Sou um povo que quer o mar que teu - diz ao Mostrengo o homem
do leme. Na Mensagem retoma-se, embora em diferente registo, o tpico da
vantagem que levam os Portugueses aos navegadores da Antiguidade: Que o mar
com fim ser grego ou romano; / O mar sem fim portugus. E, como n' Os
Lusadas, no se esconde que o reverso da vitria so as lgrimas: a pica integra em
claro-escuro a histria trgico-martima: a Mensagem tambm um livro-sntese:
mar salgado, quanto do teu sal / So lgrimas de Portugal! Mas a perspectiva
mudou. Austero, absorto, Pessoa no canta a expanso terrena, menos ainda a guerra
contra os Infiis. No catlica apostlica romana a sua inspirao. O emprego do
singular Deus, com maiscula, imposto pela matria da obra, no vale mais, como
prova de convico pessoal, que o emprego do plural deuses em Ricardo Reis. A
atitude tpica dos heris da Mensagem contemplativa e expectante: olham o
indefinido, concentram-se na febre do alm que o poeta encarna nos versos
admirveis de A Noite: Com fixos olhos rasos de nsia / Fitando a proibida azul
distncia. Depressa esta atitude significa uma nsia metafsica, a busca duma ndia
que no h. A primeira grande misso cometida por Deus a Portugal, desvendar o
mundo, chegou ao seu termo: Cumpriu-se o mar, e o Imprio se desfez - diz Pessoa
em O Infante. Ento qual o destino nacional que vem anunciar? Que sentido tem o
verso Senhor, falta cumprir-se Portugal? A inspirao da Mensagem, como foi
lembrado, ocultista, e o Imprio entrevisto no futuro uma aventura do esprito,
viagem sem fronteiras ou limitaes movida pelo amor do diverso e uma constante
inquietao. Quando muito (a fala sibilina deixa sup-lo) um imprio da lngua
portuguesa, superior por natureza ao imprio terreno, obscuro e carnal anterremedo
que o tempo destruiu. Na terceira parte do livro, o lema Pax in excelsis e a
despedida, Valete, Fratres, sugerem um projecto de fraternidade universal entre os
homens. Talvez o que se aponta seja, na verdade, a utopia, e por isso o elogio do
heri, ao contrrio do que sucede n' Os Lusadas, redunda no elogio da loucura, essa loucura de sinal positivo sem a qual o homem no passa de besta sadia, essa
loucura que nos salva da metade de nada em que viver morrer.
Em contraste com o realismo d' Os Lusadas (ou do que realista em Cames se
pretende), a Mensagem reage pela altiva rejeio a um real oco, absurdo,
intolervel, propondo-nos em seu lugar a nica coisa que vale a pena: o imaginrio.