Osteoradionecrose Por Bifosfonato
Osteoradionecrose Por Bifosfonato
Osteoradionecrose Por Bifosfonato
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Introduo
inegvel a importncia dos diversos frmacos
disponveis no mercado no combate gama de patologias conhecidas atualmente. Porm, da mesma
forma, inegvel que muitos desses frmacos apresentam efeitos adversos ainda desconhecidos pelos
profissionais de sade.
Os bisfosfonatos so medicamentos que reduzem a reabsoro ssea e estimulam a atividade
osteoblstica e a apoptose de osteoclastos1. Por essas razes, so frequentemente administrados em
pacientes com osteoporose e comumente empregados no tratamento do cncer de mama, prstata,
pulmo e mieloma mltiplo2. Em pacientes com
osteoporose, tal tratamento busca estacionar a progresso da perda ssea e promover o consequente
aumento de densidade, diminuindo o risco de fraturas3; em pacientes com cncer, ameniza a perda
ssea resultante das metstases4. Relatos clnicos
tm comprovado a eficcia dos tratamentos a base
de bisfosfonatos no controle da dor e da perda ssea
sendo, dessa forma, muito utilizados em hospitais e
clnicas de oncologia5.
Apesar dos benefcios associados ao tratamento
com bisfosfonatos, esses medicamentos vm sendo
relacionados desde 2003 a uma debilitante patologia, cujas manifestaes clnicas acometem exclusivamente a mandbula e a maxila, denominada de
osteonecrose dos maxilares5,6. A osteonecrose de
mandbula e maxila pode ser induzida por radioterapia, infeces e determinadas drogas7. Porm,
por possuir uma etiologia ainda no completamente
Mdico especialista em Oncologia Clnica, professor da disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul,
Departamento de Biologia e Farmcia, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil.
Acadmico da Faculdade de Odontologia da Universidade de Santa Cruz do Sul, Departamento de Enfermagem e Odontologia, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil.
elucidada, relatos clnicos diagnosticaram inmeros casos desta patologia associados a pacientes
submetidos a tratamentos a base de bisfosfonatos e
que sofreram intervenes odontolgicas, como, por
exemplo, exodontias ou cirurgias envolvendo tecidos sseos dessas regies2.
Tanto a maxila quanto a mandbula so ossos
mais suscetveis osteonecrose por causa da sua localizao peculiar. Isso ocorre em virtude da ntima
relao dessas estruturas com a cavidade oral e sua
microbiota, como tambm da sua exposio frequente ao ambiente externo decorrente dos procedimentos odontolgicos, tornando-as, dessa forma, mais
sujeitas a infeces2.
Reviso de literatura
Inmeros casos de osteonecrose tm sido observados tanto na maxila quanto na mandbula, porm
apresentam-se em maior frequncia na mandbula e
em locais que sofreram extraes de elementos dentrios6,8. Dessa forma, a osteonecrose dos maxilares,
conforme Martins et al.9 (2009), a incapacidade
do tecido sseo afetado em reparar e se remodelar
frente a quadros inflamatrios desencadeados por
estresse mecnico (mastigao), exodontias, irritaes por prteses ou infeco dental e periodontal.
O desenvolvimento da osteonecrose dos maxilares
pode estar atrelado a vrios fatores de risco, dentre
os quais a potncia de cada tipo de bisfosfonato, o
tipo de administrao9 sendo a intravenosa a que
confere maior risco , a durao do tratamento, o
tipo de cncer, diabetes, uso de lcool e tabaco, presena ou no de traumas cirrgicos (principalmente
extraes) e pobre higiene oral10.
Recentemente, diversos casos de osteonecrose
dos maxilares tm sido associados ao uso de bisfosfonatos. Um acompanhamento de uma paciente
de 46 anos com diagnstico de mieloma mltiplo
h sete anos foi descrito em 2005. Decorridos cinco
anos de terapia mensal com bisfosfonatos (Pamidronato Aredia 90 mg), a paciente apresentou
dor de dente mandibular direita, acompanhada de
trismo, disestesia e halitose11. Aps avaliaes em
consultrio odontolgico, foi submetida a exodontia
e tratamento com antibiticos, porm sem melhoras
considerveis11. Conforme os autores, ao exame clnico verificou-se ulcerao e necrose da mucosa bucal, alm de uma fistulao odontofacial11. O exame
radiogrfico da mandbula sugeriu necrose ssea11.
Aps o diagnstico, o tratamento com bisfosfonatos
foi suspenso.
Na literatura encontra-se relatado o caso de
uma paciente de 62 anos com histria de mieloma
mltiplo havia cinco anos, tratada com bisfosfonatos (infuses intravenosas mensais de Pamidronato
90 mg). Aps cinco anos de terapia com essa classe
de medicamentos, a paciente apresentou dores em
elementos dentais e na mandbula. Ao exame fsi-
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morais especficas, continuam estveis, porm a paciente queixa-se de dores sseas difusas13.
Santos et al.14 (2008) publicaram caso de uma
paciente de 69 anos diagnosticada com mieloma
mltiplo e que foi submetida a tratamento com bisfosfonatos durante nove meses (Zometa 4 mg/ms).
Como descrito pelos autores, a paciente apresentava periodontite em vrios dentes e exposio ssea
na regio do trgono retromolar direita, com 0,2
mm de dimetro. Em uma primeira interveno cirrgica, o osso necrtico foi removido quarenta dias
aps a interrupo da quimioterapia e do tratamento com bisfosfonatos14. No havendo reparao tecidual na rea removida, uma segunda cirurgia foi
realizada 45 dias aps a primeira com o objetivo,
segundo os autores, de decorticar o osso exposto e
arredondar as bordas cortantes, facilitando a coaptao das bordas gengivais14. Conforme descrito,
aps essas intervenes houve reparo tecidual e a
mucosa permaneceu ntegra durante o perodo de
acompanhamento14.
Entre fevereiro de 2001 e novembro de 2003, 63
casos de osteonecrose dos maxilares relacionados
com terapias a base de bisfosfonatos foram observados por Ruggiero et al.15 (2004). Desses, 56 foram
submetidos ao tratamento via intravenosa (pamidronato 90 mg e cido zoledrnico 4 mg) e sete via
oral15. O grupo de pacientes observado dividia-se
entre 39 do sexo feminino e 24 do sexo masculino,
com idade entre 43 e 89 anos. Os diagnsticos mais
comuns associados com a osteonecrose dos maxilares foram mieloma mltiplo, com 44% dos casos;
cncer de mama, com 32% dos casos; osteoporose,
representando 13% dos casos, e cncer de prstata,
5%15. O perfil da maioria dos bisfosfonatos utilizados com o grupo observado correspondia a pamidronato (57%) e cido zoledrnico (31%)15. A osteonecrose manifestou-se na maxila em 24 dos pacientes
(38%), sendo 19 de forma unilateral e 5 bilateral15.
J a osteonecrose de mandbula desenvolveu-se em
quarenta pacientes (63%), dos quais 37 de forma
unilateral e 3 bilateral15. Tais percentuais se apresentam dessa forma porque em um dos pacientes
acompanhados foi observada osteonecrose nos quatro hemiarcos. Interessante observar que 54 dos
63 pacientes acompanhados pelo estudo haviam
sido submetidos a cirurgias dentoalveolares ou exodontias durante o tratamento com bisfosfonatos. A
respeito do tratamento, a maioria dos pacientes foi
tratada com debridamento mnimo sob anestesia local e sequestrectomia, ou seja, remoo do osso necrosado, sendo que em nenhum dos pacientes houve
cicatrizao das leses15.
Relato de caso
Paciente de 42 anos, leucoderma, gnero feminino, diagnosticada h oito anos com carcinoma
ductal invasor da mama. O estadiamento sistmico
demonstrou a presena de metstases sseas mlti-
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plas e uma nica leso heptica. Iniciou tratamento quimioterpico com o regime FAC (fluorouracil,
doxorrubicina, ciclofosfamida) no total de seis ciclos
administrados a cada 21 dias; na sequncia recebeu
citrato de tamoxifeno na dose oral de 20 mg ao dia.
Permaneceu com a doena controlada e assintomtica durante quatro anos. Aps esse perodo, evoluiu
com dores, aumento da fosfatase alcalina srica e
novos pontos de hipercaptao na cintilografia ssea
com tecnsio, caracterizando ntida progresso da
patologia. Nesse momento, iniciou-se com quimioterapia sistmica com a medicao paclitaxel na dose
de 175 mg/m2 a cada 21 dias, no total de oito ciclos.
Com esse tratamento os exames mostraram remisso completa da leso heptica, queda dos nveis da fosfatase alcalina e resoluo da dor ssea.
Sendo a doena hormnio dependente e a paciente
pr-menopusica, optou-se por ooforectomia bilateral. No mesmo momento se iniciou o uso de cido
zoledrnico na dose de 4 mg, diluda em 100 mL de
soro fisiolgico e infundido num perodo de 15min
com ciclos a cada 28 dias, com o intuito de controlar
as dores sseas e reduzir eventos esquelticos (risco
de fraturas patolgicas).
Aps quatro anos do uso contnuo de bisfosfonatos, evoluiu com quadro de dor na cavidade oral e
halitose. Em uma primeira avaliao realizada pelo
seu cirurgio-dentista de confiana, evidenciaramse quadro de halitose e uma pequena rea leucoplsica de, aproximadamente, 1 cm na maxila, junto ao
rebordo residual esquerdo, correspondente regio
de canino. O profissional odontolgico receitou-lhe
anti-inflamatrio no esteroidal (cetoprofeno 100
mg de 8/8h).
Aps duas semanas, a paciente retornou ao
consultrio odontolgico referindo piora do quadro
lgico. Ao exame clnico, apresentava ulcerao da
mucosa e exposio ssea. Ainda sem uma elucidao diagnstica, a paciente retornou ao oncologista,
o qual optou por suspenso do tratamento com cido
zoledrnico e encaminhamento a um cirurgio bucomaxilofacial. Nesse momento, apresentava osso
necrtico na maxila, lado esquerdo, junto ao rebordo residual, regio de canino, pr-molares e molares
(Fig. 1). Exames radiogrficos revelaram hipodensidade ssea. Alm da interrupo do uso de bisfosfonatos, o tratamento institudo foi antibioticoterapia
(ciprofloxacino 500 mg de 12/12h), debridamento
cirrgico e medidas tpicas de higiene oral com colutrio a base de clorexidina.
Com essas medidas, houve uma melhora sintomtica, principalmente da dor e da halitose, porm
sem regresso da leso j estabelecida. A paciente
veio a falecer, aproximadamente, 18 meses aps a
suspenso da terapia com bisfosfonatos em virtude
da progresso da doena no fgado e consequente falncia heptica. Durante esses 18 meses, necessitou
de acompanhamento odontolgico especializado, visando controlar possveis infeces oriundas do acmulo de placa bacteriana.
Discusso
O relato descreve uma situao que poder se
tornar cada vez mais frequente, considerando o aumento da indicao do uso de bisfosfonatos no tratamento do cncer e a maior sobrevida dos pacientes
acometidos por essa patologia. Da mesma forma, o
cncer tem sido considerado por muitos uma doena
crnica, acarretando, assim, uma exposio prolongada a essa classe de medicamentos.
A interrupo do tratamento to logo a suspeita do diagnstico foi estabelecida teve contribuio
decisiva no intuito de evitar sequelas maiores paciente. Da a importncia do alto nvel de suspeita
para essa patologia em todos os pacientes que estejam em uso de bisfosfonatos.
O caso descrito demonstra que o tempo prolongado de uso de bisfosfonatos, principalmente
quando este ultrapassa os dois anos, apresenta-se
como um fator de risco adicional. Como a suspeita
do diagnstico foi precoce e somada rpida interveno e imediata suspenso do medicamento,
conseguiu-se propiciar uma boa qualidade de vida
paciente, sem sintomas e sem fistulao com a fossa
nasal, porm com uma incompleta cicatrizao da
leso. Apesar de mantida a qualidade de vida da
paciente, ficou evidente a queda dos nveis de socializao e da autoestima.
Os casos elencados anteriormente na reviso de
literatura, como tambm o apresentado por este estudo, so uma amostra do j considervel nmero
de relatos que buscam relacionar o uso de bisfosfonatos, principalmente pamidronato e cido zoledrnico, com o desenvolvimento de osteonecrose dos
maxilares, especialmente em pacientes submetidos
a exodontias ou cirurgias dentoalveolares.
Dessa forma, percebe-se que a preveno por
meio da realizao de exames clnicos e radiogrficos, tanto por parte do mdico oncologista como
por um cirurgio-dentista, anteriormente e durante
o tratamento com bisfosfonatos, a melhor forma
de inibir tais alteraes, principalmente quando es-
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Consideraes finais
Referncias
1.
2.
Gegler A, Cherubini K, Figueiredo MAZ, Yurgel LS, Azambuja AA. Bisfosfonatos e osteonecrose maxilar: reviso de
literatura e relato de dois casos. Rev Bras Cancerol 2006;
52(1):25-31.
3.
4.
5.
6.
7.
Bagan JV, Murillo J, Jimenez Y, Poveda R, Milian MA, Sanchis JM, et al. Avascular jaw osteonecrosis in association
with cancer chemotherapy: series of 10 cases. J Oral Pathol
Med 2005; 34:120-3.
Abstract
8.
9.
233