Vitor Soliano - Diálogos Transconstitucionais: Indício de Um Novo Constitucionalismo?
Vitor Soliano - Diálogos Transconstitucionais: Indício de Um Novo Constitucionalismo?
Vitor Soliano - Diálogos Transconstitucionais: Indício de Um Novo Constitucionalismo?
Ficha Catalogrfica
Apresentaes
Pgs 7 - 24
Pgs 25 - 41
Pgs 42 - 58
Pgs 59 - 77
Pgs 78 - 98
Pgs 99 - 124
http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uninove/livro.php?gt=143
1/2
20/2/2014
A INDISSOCIABILIDADE ENTRE OS ASPECTOS ECONMICOS E OS ASPECTOS POLTICOJURDICOS NA DESCENTRALIZAO FEDERATIVA BRASILEIRA VISANDO O DESENVOLVIMENTO E
BEM- ESTAR SOCIAL
Marcelo Dias Ponte, Martonio Mont Alverne Barreto Lima
http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uninove/livro.php?gt=143
2/2
Carssima(o) Associada(o),
com uma combinao de emoes que apresento o livro do Grupo de Trabalho Teoria do
Estado e da Constituio, do XXII Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Psgraduao em Direito (CONPEDI), realizado na cidade de So Paulo entre os dias 13 a 16 de novembro
de 2013. Sinto-me realizado, alegre e com o sentimento de dever cumprido ao constatar a qualidade e
quantidade dos trabalhos de cada GT. Por outro lado, a emoo da despedida igualmente se faz
presente e, nesse particular, quero desejar muito sucesso nova diretoria e, em especial, ao nosso novo
presidente Professor Raymundo Juliano do Rego Feitosa.
Registramos a nossa particular felicidade ao constatar que, mais uma vez, superamos a marca de
artigos submetidos ao nosso evento e a participao de mais de setenta programas de ps-graduao
reconhecidos pela CAPES/MEC o que confirma a expanso e credibilidade de nossa associao. A
partir do rduo trabalho dos associados conseguimos colocar o CONPEDI entre os maiores eventos
cientficos, do Brasil e das Amricas, recebendo mais de 2000 artigos cientficos, envolvendo mais de
300 avaliadores na organizao de 40 grupos de trabalhos, inseridos entre as inmeras linhas de
pesquisa dos nossos mais de 80 programas stricto sensu na rea do Direito. Ao longo desses ltimos 04
(quatro) anos fizemos o Direito ser respeitado e ouvido em todos os rgos governamentais e no
governamentais, alm de florescer a pesquisa jurdica como uma importante aliada para a construo de
uma sociedade mais democrtica, justa e solidria.
O nosso XXII Congresso Nacional foi marcado por um duplo sentimento. Primeiro, o de desafio
j que foi sediado por uma Instituio nova no sistema de Ps-Graduao (UNINOVE). Segundo, de
gratido, j que sinaliza o encerramento de minha gesto, ao longo de dois binios, frente da Diretoria
do CONPEDI.
O Congresso teve como pano de fundo a temtica sobre a sociedade global e seus impactos
sobre o estudo e a efetividade do Direito na contemporaneidade. Nada mais atual e relevante. De fato,
o limiar do sculo XX e incio do atual, notadamente marcado pelo processo de globalizao, impe
uma srie de desafios ao Direito. Os diversos processos de integrao em curso questionam dogmas e
impem dificuldades s teorias do direito, trazendo obstculos mais complexos a serem vencidos. H
desafios at mesmo para definirmos perodos, como alguns tentam e enfrentam nos conceitos da psmodernidade ou modernidade lquida, para ficarmos em alguns dos mais recorrentes.
Importante destacar e reconhecer neste ltimo trinio, a grande liderana do Prof. Martnio
Mont`Alverne Barreto Lima, coordenador da rea, que magistralmente soube conduzir o Direito com
muito dilogo, presena e competncia. Com isso, e aliado ao grande esforo que os programas fizeram
nos ltimos anos, hoje j podemos comparar nossos nmeros e critrios com os das demais reas do
conhecimento. De fato, conseguimos reunir dados e estudos para podermos com mais conscincia
questionar os critrios de qualidade e de internacionalizao da nossa e das demais reas.
Outro ponto destacado deste ltimo trinio e que merece ser referido foi o engajamento do
CONPEDI e seus associados na luta pela qualidade da educao jurdica na graduao. Foi por isso que
nos unimos ABEDI, OAB/Federal e outras entidades no apenas para organizarmos importantes
publicaes sobre o ensino e a pesquisa jurdica, mas do mesmo modo eventos de divulgao e crticas
aos recentes documentos elaborados pelo MEC. E foi tambm por isso que tornamos permanente um
espao na programao dos nossos eventos, destinado aos graduandos. Nesse sentido, demos
continuidade a nossa poltica de construo de pontes, mas com independncia, em favor de um direito
crtico, emancipatrio e de qualidade.
Cumpre consignar a grande aproximao que desenvolvemos com o IPEA nos ltimos anos,
que permitiu a concretizao de uma srie de projetos como o livro Direito e desenvolvimento, que
foi lanado no Congresso, alm de um aumento significativo de investimentos na rea jurdica deste
reconhecido instituto, que j beneficiou um grande nmero de pesquisadores, revistas, programas da
nossa rea e o prprio CONPEDI.
Finalmente, no poderia concluir sem destacar o grande esforo de toda a equipe da UNINOVE
desde os professores, passando pelos discentes de graduao e ps-graduao e colaboradores -, que
por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso evento. No foram poucos os desafios
enfrentados e vencidos para a realizao de um evento que agregou tantas pessoas em um cenrio de
to elevado padro de qualidade e sofisticada logstica e isso tudo sempre com enorme simpatia e
procurando avanar ainda mais.
Apresentao
Recebemos, honrada e prazerosamente, a incumbncia de coordenar o Grupo de Trabalho
(GT)
Teoria
do
Estado
da
Constituio,
durante
XXII
Congresso
Nacional
do
Coordenadores:
Prof. Dr. Jos Filomeno de Moraes Filho
Prof. Dr. Regina Clia Martinez
Prof. Dr. Ilton Norberto Robl Filho
Direito
Internacional Pblico.
Dilogos
transconstitucionais.
ABSTRACT: This study falls within the growing discussion about facets and consequences
of globalization of various spheres of society to law, especially constitutional law. Starts with
the observation of the increase of a relatively new phenomenon: the dialogue between judges
and judicial tribunals around the globe for troubleshooting equal, similar or common
constitutional matters. From there, it questions whether this fact is a consequence of the
expansion of constitutionalism or of public international law and with which face the
1
O presente artigo resultado dos estudos realizados na matria Teoria da Constituio ministrada pelo Prof. Dr.
Manoel Jorge e Silva Neto no Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal da Bahia.
Agradeo ao professor e aos colegas pelos apontamentos e crticas construtivas dirigidas a este trabalho.
2
Mestrando em Direito Pblico do Programa de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal da Bahia
(PPGD/UFBA) com bolsa financiada pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CAPES. Especialista em Direito Pblico pelo JusPodivm/Faculdade Baiana de Direito. Bacharel em Direito pela
Universidade Salvador UNIFACS. Advogado.
responsible branch ends up. After tracing the basics of the concepts of national state, modern
constitutionalism and classic public international law, the text analyzes the process of
globalization and the increasing transnationalization of law. Following, points to the
development of a constitutionalism beyond the state. We conclude that at present it is possible
to speak of constitutionalism without a constitution and unbounded with the state. This new
constitutionalism, however, can not mean the death of state constitutionalism acting, instead,
as its (retro)feeder.
KEY-WORDS: Constitutionalism. International Public Law. Transconstitutional dialogues.
1. INTRODUO
TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Teoria pluriversalista do direito internacional. So Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 3.
Ibidem, p. 5-69.
novas instituies e Cortes estruturando o novo cenrio e valores comuns provendo uma
moldura principiolgica para ele.5.
Nos mais de 20 anos seguintes houve uma relao de trocas e presses permanentes
entre estes dois ramos do direito pblico. O constitucionalismo estatal questionado pela
progressiva
internacionalizao
ao
mesmo
tempo
em
que
com
ela
aprende.
KRISCH, Nico. Beyond constitutionalism: the pluralist structure of posnational law. Oxford: Oxford University
Press, 2012, p. 3. Afirma o autor: A disseminao da democracia constitucional no nvel domstico parece ser
reforada por uma crescente ordem internacional robusta e justa (Ibidem, loc. cit.) (Traduo livre).
6
Ibidem, p. 3-4.
7
SLAUGHTER, Anne-Marie. Judicial Globalization. Virginia Journal of International Law. Charlottesville, v.
40, p. 1103-1124, 2000. Disponvel em: http://www.princeton. edu/~slaughtr/Articles/VJIL.pdf.
necessariamente refut-lo, mas, simplesmente, para confront-lo. Uma deciso errada aquela
que no enfrenta a deciso do Tribunal supranacional. 8.
Vicki Jackson, ao tratar do tema, apresenta trs modelos de interao entre decises
de juzes e Cortes nacionais e rgos julgadores de outras ordens jurdicas. Assevera que tanto
o modelo de convergncia quanto o modelo de resistncia devem ser evitados. Ao invs,
deve-se optar por um modelo de engajamento9. Na doutrina nacional, Andr Ramos Tavares
assume postura semelhante ao afirmar que modelos de submisso, repulsa, de unilateralismo e
de uso decorativo devem ser evitados. Defende um modelo de interlocuo que consiste na
abertura para a compreenso, discusso, reflexo e eventual aproveitamento dessas decises
e de suas razes de decidir10.
A mais elaborada construo sobre a temtica em questo , sem dvida, o conceito
de Transconstitucionalismo cunhado por Marcelo Neves. Entendido como conversao
constitucional entre ordens jurdicas distintas apta a promover intercmbio e aprendizado
recproco quando diante de casos constitucionais iguais ou semelhantes, o que marcar o
transconstitucionalismo que o entrelaamento das ordens jurdicas ocorre no plano
reflexivo. Ou seja, a partir da observao, intercmbio, aprendizado e dilogo entre ordens
jurdicas possvel a reconstruo de sentido luz da ordem receptora. Ao interagir com uma
ordem distinta novos horizontes de sentido podem emergir para a soluo de determinado
caso constitucional. Tudo isso ocorre a partir dos centros dos sistemas jurdico mundial
(juzes e tribunais) e independe de tratados, convenes ou mesmo uma Constituio unindo
os sistemas11.
Enxergando o novo conceito a partir de uma preocupao hermenutica Andr
Karam Trindade e Fausto Santos de Morais asseveram que o dilogo transconstitucional
verdadeiro imperativo hermenutico do constitucionalismo contemporneo, aduzindo que sua
no realizao constitui postura solipsista, ou seja, que se nega a reconhecer a existncia de
8
SILVA, Virglio Afonso da. Colises de direitos fundamentais entre ordem nacional e ordem transnacional. . In
NEVES, Marcelo (Coord.). Transnacionalidade do direito. Novas perspectivas dos conflitos entre ordens
jurdicas. So Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 101-112. Para o autor, h, portanto, um nus argumentativo maior
quando se tem uma deciso de um Tribunal supranacional em direo a esta deciso.
9
JACKSON, Vicki. Constitutional comparisons: convergence, resistance, engagement. Harvard Law Review.
Vol. 119, 2005, p. 109-128.
10
TAVARES, Andr Ramos. O juiz constitucional perante a jurisprudncia constitucional estrangeira. In
______. Paradigmas do judicialismo constitucional. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 128-129.
11
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. So Paulo: Martins Fontes, 2009. Manoel Jorge e Silva Neto
conceitua o transconstitucionalismo como a tendncia jurdico-filosfica destinada a viabilizar o entrelaamento
entre ordens jurdicas distintas ou entre uma ordem jurdica e outra no formalmente institucionalizada, por meio
do aprendizado recproco e do intercmbio criativo, de sorte a promover a mais adequada proteo aos direitos
humanos (SILVA NETO, Manoel Jorge e. Proteo constitucional liberdade religiosa. 2.ed. So Paulo:
Saraiva, 2013, p. 95).
uma comunidade jurdica que compartilha convices sobre aquilo que se espera do
Direito12. Manoel Jorge e Silva Neto tambm aponta para uma caracterstica eminentemente
hermenutica da noo de transconstitucionalismo ao afirmar que os princpios da
interpretao constitucional so modificados por ela13.
O que deve ficar claro que as manifestaes dos diversos autores apontam para um
mesmo sentido: o dilogo constitucional entre juzes e Tribunais de sistemas jurdicos
diferentes como apto a aprimorar o desenvolvimento do constitucionalismo. Nenhum dos
autores defende uma submisso total decises tomadas em outras instncias. H um
relativo consenso quanto positividade deste tipo de interao judicial. Cabe dizer, ainda, que
o fenmeno , ao mesmo tempo, descrito e defendido pelos autores. Ou seja, constata-se que o
dilogo j ocorre e que pode ocorrer de forma mais apropriada.
Traado o cenrio, cabe agora apontar qual o intuito do presente trabalho. Algumas
perguntas principais sero responsveis pelo desenvolvimento do raciocnio: a interao
dialgica entre juzes e Tribunais de sistemas jurdico-constitucionais diversos expresso de
que fenmeno? Da ampliao do direito constitucional ou da relevncia do direito
internacional para o direito interno? Se foi graas ao constitucionalismo, ainda est-se falando
do constitucionalismo moderno ou de um outro tipo de constitucionalismo? Se, ao contrrio,
foi graas ao direito internacional pblico estamos diante de uma modalidade totalmente nova
ou apenas de um desenvolvimento necessrio? Enfim, o que fundamenta esta interao em
nvel de Teoria da Constituio?
Para responder a estas perguntas o presente trabalho se desenvolve em trs etapas.
Na primeira, traaremos os conceitos fundamentais de Estado, constitucionalismo moderno e
direito internacional pblico, relacionado-os entre si. Na segunda, discorreremos sobre a
globalizao e como ela causou uma progressiva transnacionalizao do fenmeno jurdico.
Na terceira, analisaremos as defesas tericas de um constitucionalismo para alm do Estado
nacional. Na concluso, apontaremos para o fato de que os dilogos transconstitucionais so
marca de uma nova modalidade de constitucionalismo.
14
STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis. Cincia poltica e teoria do Estado. 7.ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 45.
15
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 27.ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 70.
16
STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis, op. cit. p. 42-43.
17
19
MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. Direito internacional pblico: parte geral. 6.ed. So Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 16.
20
Ibidem, p. 16.
21
TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski, op. cit. p. 85-87. O autor resume os princpios westphalianos: princpio
da soberania territorial, no princpio da no interveno em assuntos de foro interno dos Estados, na noo de
igualdade entre os Estados e independncia destes para escolher formas de governo, formas de Estado, regime e
sistema de governo, enfim, independncia para se autodeterminar (Ibidem, p. 85-86).
22
BORGES, Thiago Carvalho. Curso de direito internacional pblico e direito comunitrio. So Paulo: Atlas,
2011, p. 19.
23
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7.ed. Trad. Joo Baptista Machado. So Paulo: Martins fontes, 2006,
p. 355.
24
BORGES, Thiago Carvalho, op. cit., p. 12.
Conclui-se, tendo em mente as perguntas que guiam este estudo, que na acepo
original o direito internacional pblico em nada se refere s influncias, dilogos ou
interaes recprocas entre decises de juzes e Tribunais de sistema jurdico-constitucionais
diversos. As relaes promovidas pelo direito internacional pblico se desenvolvem em nvel
macro, preocupam-se com as interaes entre os Estados soberanos como um todo e buscam
uma estabilizao entre eles, sempre tendo por princpios basilares e igualdade e
independncia recprocas.
Dissemos que o Estado Moderno surge como Estado Absolutista e, por isso, no
um Estado Constitucional. Ao mesmo tempo em que o intervalo entre os sculos XVI e XVIII
foi marcado pela consolidao e desenvolvimento do Estado absolutista alm de ser
perceptvel a ascenso da burguesia como classe social , ele tambm foi responsvel pelo
surgimento e amadurecimento das primeiras manifestaes tericas srias sobre o direito
(moderno).
CARNEIRO, Wlber Araujo. Hermenutica Jurdica Heterorreflexiva. Uma teoria Dialgica do Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 133.
26
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurdico: Lies de filosofia do direito. Traduzido por Mrcio Pugliesi,
Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. So Paulo: cone, 2006, p. 26-29
27
CARNEIRO, Wlber Araujo, op. cit. p. 134.
qual
movimento
revolucionrio
pode
ser
entendido
como
movimento
constitucionalista.
J. J. Gomes Canotilho indica como ncleo do constitucionalismo o fato de ser uma
teoria que ergue o princpio do governo limitado indispensvel garantia dos direitos em
dimenso estruturante da organizao poltico-social da comunidade. Neste sentido, o
constitucionalismo moderno representar uma tcnica especfica de limitao do poder com
fins garantsticos31.
A grande marca do constitucionalismo moderno identificada nas experincias
revolucionrias da segunda metade do sculo XVIII. Nesses movimentos h um ntido carter
disciplinador das relaes entre governantes e governados ao mesmo tempo em que refunda a
ordem jurdica, abarcando todos os mbitos do Estado32. Ou seja, podemos dizer que as
Constituies, em sentido moderno, so constituintes de poder no mbito de validade ou na
dimenso temporal, na medida em que instituem uma nova estrutura poltica, renovando-lhe a
estrutura normativa,
positivada juridicamente33.
28
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9.ed. So Paulo: Mandamentos, 2010, p. 29-30.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduzido por Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campos,
1992, p. 28-30
30
STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis, op. cit. p. 51.
31
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2011,
p. 51, destaque do original.
32
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituio. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 164.
33
NEVES, Marcelo, op. cit. p. 21.
34
Cf. SARMENTO, Daniel. Constitucionalismo: trajetria histrica e dilemas contemporneos. In. LEITE,
George Salomo; SARLET, Ingo Wolfgang. Jurisdio constitucional, democracia e direitos fundamentais.
Estudos em homenagem ao Ministro Gilmar Ferreira Mendes. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 99.
35
CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. p. 52.
29
parmetro normativo (a Constituio) para decidir sobre a validez das leis36. Com o
constitucionalismo francs fica evidente a necessidade de ruptura institucional e reformulao
da sociedade37. Em ambos, constata-se a necessidade de proteger o indivduo e limitar o
poder. possvel dizer, com Jorge Miranda, que, alm de (re)fundar o ordenamento estatal,
sistematizar as normas do poder e da comunidade na forma de lei, o constitucionalismo
caracteriza-se, em maior ou menor medida, instantaneamente ou ao longo do tempo, pela
supremacia da Constituio 38. Isso quer dizer que a Constituio, alm de fundar um novo
sistema, vai fundament-lo.
Duas concluses devem ser extradas do quanto dito at aqui. A primeira no sentido
de indicar um ncleo do constitucionalismo moderno. Este ncleo formado, por um lado,
pela proteo e garantia de direitos fundamentais e, por outro, pela limitao do poder estatal,
tradicionalmente relacionada com a separao de poderes. A segunda concluso que, na sua
formatao original, o constitucionalismo est diretamente relacionado com o Estado
nacional, na medida em que pretende refunda-lo, legitim-lo a partir do direito. Ou seja,
graas ao constitucionalismo supera-se o Estado Absolutista e o Estado Moderno adquire uma
nova face. Ao mesmo tempo, o constitucionalismo moderno, nesta acepo original, tem uma
relao imediata com uma Constituio estatal. Enfim, na aurora do novo formato de Estado
de direito h uma relao necessria no trinmio Constitucionalismo-Constituio-Estado
Nacional.
LEAL, Mnia Clarissa Henning. Jurisdio Constitucional Aberta. Reflexes sobre a Legitimidade e os
Limites da Jurisdio Constitucional na Ordem Democrtica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 20. No
mesmo sentido, CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. p. 60: A conseqncia lgica do entendimento da
constituio como higher law ainda a elevao da lei constitucional a paramount law, isto , uma lei superior
que torna nula (void) qualquer lei de nvel inferior, incluindo as leis ordinrias do legislador, se estas
infringirem os preceitos constitucionais.
37
Ibidem, p. 57.
38
MIRANDA, Jorge, op. cit. p. 165.
43
Marcelo Neves, a partir da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, faz uma leitura
do processo de globalizao a partir da sociedade e no do Estado. Para o autor, a sociedade
moderna j nasce enquanto sociedade mundial uma vez que a formao social no est
vinculada s organizaes polticas estatais, ainda que seja nelas que sua reproduo ocorra
com mais intensidade. As comunicaes da sociedade (moderna) mundial se do e se
intensificam para alm das fronteiras do Estado nacional48.
A globalizao (termo que o autor evita utilizar49) deve ser entendida como uma
intensificao da sociedade mundial. Esta, contudo, no deve ser confundida com a ordem
internacional que se relaciona com as interaes entre os Estados.
O autor fala em intensificao pois a sociedade mundial comea a se desenvolver j
no sculo XVI, consolidando-se em meados do sculo XIX. As substanciais modificaes
nesta sociedade se deram de forma progressiva e j alcanaram nvel de irreversibilidade. O
grau de desenvolvimento, hoje, atingiu um patamar to avanado que a prpria sociedade
mundial passa a se auto-descrever como mundial ou global. Embora na acepo do autor esta
sociedade j fosse mundial desde a Idade Moderna s com o cume do seu processo de
desenvolvimento que ela passa a se autointitular como mundial. Para o autor essa situao
relaciona-se com a intensificao crescente das relaes sociais e das comunicaes
46
Em regra. Sabe-se que h Estados nacionais que promovem um duro controle dos meios de comunicao.
TEIXEIRA, Andersom Vichinkeski, op. cit. p. 57-68.
48
NEVES, Marcelo, op. cit. p. 26.
49
Ibidem, p. 27.
47
claro que o processo descrito acima ter influncia e gerar consequncias para o
sistema jurdico. Estas influncias e consequncias tanto afetam o direito estatal, atravs de
sua modificao e adaptao, quanto exigem a construo de regulaes e instituies
extraestatais que, por sua vez, retroalimentam mudanas na esfera estatal. Ou seja, mesmo o
direito, considerado sob o ponto de vista nacional, recebe influncia determinantes,
substanciais e procedimentais, sobre os diversos fluxos e influxos da mundializao em
curso 52.
Assim, quase inconteste o surgimento de ordens jurdicas transnacionais e
supranacionais que, muitas vezes, independem completamente do direito internacional
50
Ibidem, p. 27-28
Ibidem, p. 28.
52
BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis; SALDANHA, Jnia Maria Lopes; VIEIRA, Gustavo Oliveira. Sobre a
internacionalizao do direito a partir dos direitos humanos. Ou: para onde caminha a humanidade. Direito
culturais, Santo ngelo, v.6, n. 11, jul./dez. 2011, p. 117 (destaque do original).
51
NEVES, Marcelo. Introduo. In ______. (Coord.). Transnacionalidade do direito. Novas perspectivas dos
conflitos entre ordens jurdicas. So Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 9.
54
SARMENTO, Daniel, op. cit. p. 115.
55
Ibidem, p. 115.
56
BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis. As crises do estado e da constituio e a transformao espao-temporal
dos direitos humanos. 2.ed. Por Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 35.
57
Os autores falam em internacionalizao.
BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis; SALDANHA, Jnia Maria Lopes; VIEIRA, Gustavo Oliveira, op. cit. p.
117-119.
59
BORGES, Thiago Carvalho, op. cit. p. 297-311.
60
SARMENTO, Daniel, op. cit. p. 115-116.
61
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 189: de uma ordem jurdicoeconmica mundial no mbito do comrcio transnacional, cuja construo e reproduo ocorre primariamente
mediante contratos e arbitragens decorrentes de comunicaes e expectativas recprocas estabilizadas
normativamente entre atores e organizaes privadas.
62
SARMENTO, Daniel, op. cit. p. 119-120.
63
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporneos. 2.ed. So Paulo: Malheiros, 2012, p. 26.
Ibidem, p. 78-152. O autor faz um estudo dogmtico abrangente sobre todos estes tratados.
65
Ibidem, p. 120-134 e 156-161. Cf. MAZZUOLI, Valrio. Sistemas regionais de proteo dos direitos
humanos. Uma anlise comparativa dos sistemas interamericano, europeu e africano. So Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
64
Os
dilogos
transconstituconais
como
consequncia
da
expanso
do
constitucionalismo
BOLZAN DE MORAIS, Jos Luis; SALDANHA, Jnia Maria Lopes; VIEIRA, Gustavo Oliveira, op. cit. p.
121-122.
67
Ibidem, p. 113-117.
68
SARMENTO, Daniel, op. cit. p. 114.
69
NEVES, Marcelo, op. cit. p. 34.
70
Ibidem, p. 119-120.
YEH, Jiunn-Rong; CHANG, Wen-Chen. The emergence of transnational constitutionalism: its features,
challenges and solutions. Penn State International Law Review. Vol. 27, No. 1, p. 89-124, 2008. Disponvel em
http://papers.ssrn.com/sol3/ papers.cfm?abstract_id=1636163##
72
PETERS, Anne. The merits of global constitutionalism. Indiana Journal of Global Legal Studies, Vol. 16, No.
2, 2009, p. 397-411. Disponvel em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1492141, acesso em
03/08/2013.
73
CANOTILHO, J. J. Gomes, op. cit. p. 1370.
74
Ibidem, p. 1370-1371.
75
YEH, Jiunn-Rong; CHANG, Wen-Chen, op. cit. p. 124.
76
Ibidem, p. 91-98.
Ibidem, p. 98-104.
78
Ibidem, p. 112-114.
77
79
PETERS, Anne, op. cit. p. 397. Cf. Idem. Compensatory constitutionalism: the function and potential of
fundamental international norms and structures. Leiden Journal of International Law, n. 19, 2006, p. 579610.
80
Ibidem, p. 580.
81
PETERS, Anne. The merits of global constitutionalism. Indiana Journal of Global Legal Studies, Vol. 16, No.
2, 2009,. Disponvel em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1492141, acesso em 03/08/2013, p.
405-406.
Ibidem, p. 410.
NEVES, Marcelo, op. cit. p. 131.
5. CONCLUSO
84
uma preocupao que vai alm do Estado, passando por instncias internacionais,
supranacionais, extraestatais e locais.
Este novo constitucionalismo ainda est em fase de desenvolvimento. Uma srie de
perspectivas vem sendo apresentadas e debatidas por autores estrangeiros. O que se pode
dizer, no momento, que se trata de movimento que pretende enxergar a ordem transnacional
se valendo de princpios e instituies prprias do constitucionalismo e seu ncleo: garantia e
proteo de direitos humanos-fundamentais e limitao do poder.
O constitucionalismo transnacional seria marcado pela sua desvinculao tanto com
o Estado nacional quanto com a Constituio estatal. O novo constitucionalismo no precisa
de um Estado global nem de uma Constituio mundial para se desenvolver. O enxergamos
como complementar ao constitucionalismo estatal, apto a estimular aprendizado, intercmbio
e reconstruo ao (retro)aliment-lo com questes ainda no vistas por ele, ou seja, expandirlhe os horizontes compreensivos. Tudo isso ao mesmo tempo em que no se impe,
permitindo o desenvolvimento de uma identidade constitucional do sistema jurdico.
Um cenrio como este exigir, tanto dos cientistas do direito e doutrinadores quanto
dos juzes e Tribunais, uma postura aberta, mas ao mesmo tempo crtica, uma atuao
parcimoniosa.
A doutrina constitucional ter o papel de estimular o aprendizado e o intercmbio do
constitucionalismo estatal com o constitucionalismo transnacional sem permitir que o sistema
incorpore acriticamente elementos que corrompam, desnaturem ou eliminem a identidade
constitucional do Estado. Sua tarefa ser uma constante postura vigilante para contribuir para
a reconstruo permanente desta identidade.
Os diversos julgadores tero o dever de observar e dialogar com este
constitucionalismo para alm do Estado no intuito de contribuir com a consistncia,
adequao e qualidade de suas prprias decises. Devem estar imbudos da ideia de que no
so os nicos no mundo a se preocupar e ter que decidir matrias que envolvam a proteo e a
garantia de direitos humanos-fundamentais e o controle do poder. Esta postura ainda mais
relevante quando se estiver diante de questes similares ou mesmo iguais.
Sabemos que um constitucionalismo para alm do Estado ainda est em fase
embrionria e precisa de muitos desenvolvimentos. Nosso trabalho teve o intuito de contribuir
para este debate.
REFERNCIAS