Mestres Artificeis Minas Gerais - IPHAN
Mestres Artificeis Minas Gerais - IPHAN
Mestres Artificeis Minas Gerais - IPHAN
MINAS GERAIS
Cadernos de Memria
MESTRES ARTFICES
MINAS GERAIS
Cadernos de Memria
Autores
crditos
Presidenta da Repblica do Brasil
Dilma Rousseff
Ministra de Estado da Cultura
Ana de Hollanda
Presidente do Instituto do
Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
Luiz Fernando de Almeida
Diretoria do Iphan
Andrey Rosenthal Schlee
Clia Maria Corsino
Estevan Pardi Corra
Maria Emlia Nascimento Santos
Execuo
Mestres Artfices: Minas Gerais
Fundao de Desenvolvimento da Pesquisa - Fundepe
Pesquisa realizada para identificao de mestres artfices
detentores de saberes construtivos tradicionais e
registro das tcnicas que dominam, com financiamento
e superviso do Iphan/Unesco/Monumenta/BID.
As opinies apresentadas nos textos desta publicao so
de responsabilidade de seus autores, bem como o modo
pelo qual as entrevistas foram nele transcritas e citadas.
Equipe de Pesquisa - Mestres
Artfices em Minas Gerais
Leonardo Castriota - Coordenador geral
Guilherme Maciel Arajo - Coordenador
do Estado de Minas Gerais
Coordenao editorial
Sylvia Maria Braga
Fotografia
Organizao
Mrcia Gensia SantAnna
Arquivo INRC/Iphan
Douglas Campelo
Fernanda Cristina de Oliveira e Silva
Guilherme Felip Marques da Costa
Leonardo Freitas
Reviso de texto
Fabiana Ferreira
M. Raquel Ferreira
Nikolas Mendes
Novembro de 2009 a maio de 2010.
M586 Mestres artfices de Minas Gerais / coordenao de Leonardo Barci Castriota. Braslia, DF : Iphan, 2012.
160 p. : il. color. ; 20 cm. (Cadernos de memria ; 1).
ISBN 978-85-7334-216-1
1. Arquitetura - Restaurao. 2. Artes e Ofcios. 3. Tcnicas Construtivas.
4. Mestres Artfices. I. Castriota, Leonardo Barci. II. Srie.
CDD 720.288
www.iphan.gov.br | www.cultura.gov.br
Apresentao
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Ofcios da Pedra:
Cantaria
Ofcios do Ferro:
Ferreiro/Forjador
Ofcios da Argila:
Oleiro/Adobeiro/Taipeiro
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Consideraes finais
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Referncias Bibliogrficas
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APRESENTAO
Luiz Fernando de Almeida
Este Caderno de Memrias, fruto dos Inventrios realizados pelo Programa Monumenta
/Iphan em regies de Pernambuco, Minas Gerais e Santa Catarina, traz os resultados
expostos num documento destinado a especialistas, estudantes e pblico em geral.
Ao tratar do repasse de conhecimentos de gerao em gerao, dos hbitos presentes
na vida de inmeros cidados, das particularidades territoriais dispersas pelas regies
brasileiras, nos deparamos com a diversidade e a complexidade de processos que
retratam um conjunto de prticas culturais e se constituem em diferentes dimenses
do nosso patrimnio cultural, tanto de natureza material, quanto de natureza imaterial.
No mbito dessa diversidade do patrimnio cultural, as tcnicas construtivas
tradicionais constituem-se nas formas pelas quais vrios exemplares de nosso
patrimnio edificado foram erguidos e se mantm ntegros at hoje. Mas, de fato, a
representatividade desse acervo no se completa sem o conhecimento acumulado
pelos mestres e artfices responsveis pela perpetuao da prtica e aplicao dessas
tcnicas no acervo arquitetnico brasileiro.
Com o avano da indstria da construo civil em nosso pas, tais recursos construtivos
tm sido, em larga escala, substitudos e relegados a aproveitamentos localizados a
partir de manifestaes populares, em locais situados fora dos principais eixos de
interesse do mercado formal. Apesar desse processo hegemnico dos novos materiais
e tcnicas construtivas hoje em uso na construo civil, no se descarta o potencial
de aplicao dos processos e tcnicas construtivas tradicionais, tanto em obras de
restauro, quanto na perspectiva de seu aproveitamento em locais e circunstncias no
alcanadas por avanos tecnolgicos. Essa possibilidade, em vrios casos, representa
uma condio real de melhoria na qualidade de vida daquelas populaes que se
encontram fora dos eixos de atendimento do mercado formal.
A perspectiva de um mapeamento das principais tcnicas utilizadas nas diferentes
regies do pas, do registro desse saber-fazer local, alm da valorizao e resgate
dos detentores desse conhecimento so intenes iniciais que nortearam a proposta
de implementao de um Inventrio Nacional de Referncia Cultural sobre tcnicas
construtivas tradicionais a partir dos saberes e fazeres dos mestres e artfices.
O Projeto Mestres e Artfices nos possibilita identificar, documentar e buscar formas
de transmisso desses saberes e ofcios tradicionais, numa perspectiva de incluso
e valorizao dos seus detentores em prticas que vo alm de sua aplicao no
restauro dos bens patrimoniais a serem preservados. A sistematizao e difuso
desse conhecimento e de suas formas de aplicao viabilizam seu uso em diferentes
reas, seja pela insero de tcnicas tradicionais no sistema corrente da construo
civil, com a introduo do tema nas cadeiras de formao de profissionais e tcnicos
da rea de arquitetura e engenharia, seja pela formao e capacitao de mo-deobra que viabilize a aplicao e difuso de tais tcnicas.
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Forro de taquara
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neste quadro mais amplo que devem ser situadas as chamadas tcnicas construtivas
tradicionais, importante saber-fazer a ser preservado como patrimnio intangvel.
Como se sabe, a arquitetura tradicional, fruto de um conhecimento profundo do meio
envolvente e da sua relao com os materiais, um dos mais importantes testemunhos
dos modos de viver de um povo e da viso de mundo de uma cultura, que se manifesta
na presena humana no territrio, integrando contextos socioeconmicos, tcnicos e
culturais. Essa ocupao, no entanto, no pode ser compreendida (nem preservada)
apenas em sua dimenso fsica, na medida em que repousa, em ltima instncia,
num saber-fazer que a gerou: as tcnicas construtivas tradicionais.
Ao se tratar dessas tcnicas tradicionais no podemos perder de vista que, num mundo
em rpido processo de globalizao e homogeneizao cultural, elas se encontram
crescentemente ameaadas por um processo de rpido desaparecimento. Se esta vai
ser a tendncia dominante, pode ser detectada, no entanto, uma contra-tendncia
no que diz respeito s tcnicas tradicionais: o reconhecimento da necessidade de
se preservar o patrimnio edificado bem como a crescente preocupao ecolgica
tm levado sua revalorizao. Assim que, aos poucos, tem-se desenvolvido todo
um trabalho de pesquisa e recuperao da memria, atravs de vrias estratgias,
desde investigaes em laboratrios at consultas aos velhos mestres. Em alguns
casos, como em Portugal, ao se constatar que havia falta de tcnicos especializados
para a recuperao do patrimnio, chegaram-se a se estabelecer cursos como o de
Mestre de Construo Civil Tradicional, pela Escola Profissional de Desenvolvimento
Rural de Serpa, numa parceria com a Direo-Geral dos Edifcios e Monumentos
Nacionais. Nesta mesma linha, no Brasil a parceria Iphan/Monumenta/Unesco tem
desenvolvido vrios cursos para a formao de oficiais em diversas dessas tcnicas.
E aqui no se trata apenas de se recuperar tcnicas prprias para o restauro: o fato
que muitas dessas tcnicas construtivas tradicionais prestam-se perfeitamente
a uma construo ecologicamente mais adequada, conforme as vises mais
contemporneas de um desenvolvimento sustentvel. Assim, foi unindo essas duas
perspectivas preservao do patrimnio e novas construes sustentveis que
se criaram vrios projetos internacionais, entre os quais pode se destacar a Ctedra
Unesco sobre Arquitetura de Terra, Culturas Construtivas e Desenvolvimento
Sustentvel3 .
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Viola e frma
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se citar, entre outros, os inventrios do Crio de Nossa Sra. de Nazar, do Ofcio das
Baianas de Acaraj, da Viola do Cocho, do jongo, da Cermica Candeal, do Bumbameu-Boi, do Museu Aberto do Descobrimento.
Como se v, trata-se de um processo em curso, estando o INRC ainda em processo
de avaliao e adequao, suscitando vrias questes, assim como todos os
outros instrumentos relativos ao registro e a salvaguarda dos bens imateriais. No
entanto, cabe destacar o grande interesse que tais instrumentos tm despertado
na sociedade, multiplicando-se, por exemplo, os pedidos junto ao Iphan de registro
e de utilizao da metodologia do INRC. Frente a essa ltima demanda, o Iphan
vai instituir em 2009 parmetros gerais para o licenciamento para a utilizao do
INRC, instrumento tcnico de levantamento e pesquisa das referncias culturais, que
passa a poder ser aplicado tambm por pessoas fsicas e jurdicas externas ao rgo
federal. Com isso, o instrumento pode ganhar em abrangncia, permitindo-se criar
um banco de dados amplo e alimentado, no esprito da Constituio Federal, com a
colaborao da comunidade.
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O desafio da preservao
Finalmente, cabe chamar a ateno para outro objetivo desse projeto: propor
aes estratgias para a preservao e transmisso do saber vinculado s prticas
tradicionais da construo. Em sua atuao sobre o patrimnio imaterial, o Iphan tem
desenvolvido planos de salvaguarda, que, na mesma linha proposta pela Unesco, vo
atuar na melhoria das condies sociais e materiais de transmisso e reproduo,
que possibilitam a existncia do bem cultural de forma a apoiar sua continuidade
de modo sustentvel. No se trata aqui, como no caso do patrimnio material, de
apenas garantir a preservao de bens culturais, mas muitas vezes de se garantir
o apoio para sua sobrevivncia. Como se tem visto, esse apoio pode acontecer
de formas variadas, podendo viabilizar desde a ajuda financeira a detentores de
saberes especficos, objetivando a sua transmisso, a organizao comunitria ou
a facilitao de acesso a matrias primas. Nesta perspectiva, o Programa Nacional
do Patrimnio Imaterial j realizou diversos Planos de Salvaguarda, podendo se
citar aqueles concernentes Arte Kusiwa Pintura corporal e Arte grfica Wajpi,
ao samba de roda do Recncavo baiano, ao ofcio das Paneleiras de Goiabeiras,
viola de cocho, entre outros. As aes prioritrias nesses Planos de salvaguarda,
pautadas pelas questes observadas nos inventrios e debatidas com os segmentos
sociais envolvidos e interessados, se estruturam em duas linhas gerais: difuso
(produo de filmes, cd-roms e impressos) e articulao/fortalecimento de grupos e
comunidades (reunies, oficinas, etc).
Com isso, se retoma aquele desafio que j se colocava para o Centro Nacional de
Referncia Cultural nos anos 1980: como realizar um trabalho de preservao orientado
a partir da noo ampla e dinmica de referncia cultural? No se trata aqui, como no
caso da noo tradicional de patrimnio, de se preservar apenas em sua materialidade
bens de grande valor, valor esse reconhecido extrinsecamente por tcnicos dos rgos
de preservao. Aqui, ao contrrio, coloca-se a questo da referncia que esses bens
vo ter para os prprios sujeitos envolvidos
na dinmica de sua produo, circulao e
consumo, reconhecendo-lhes, como anota
Ceclia Fonseca, o estatuto de legtimos
detentores no apenas de um saber-fazer, como
tambm do destino de sua prpria cultura.
No caso das tcnicas construtivas tradicionais, a iniciativa de se realizar, atravs
do projeto Mestres Artfices, o seu completo
inventariamento parece-nos o primeiro passo
Detalhe de torno eltrico
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NOTAs
1. A prpria Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Intangvel, aprovada em 2003, enuncia:
Reconhecendo que os processos de mundializao e de transformao social por um lado criam as
condies propcias para um dilogo renovado entre as comunidades, porm, por outro, tambm trazem
consigo, ..., graves riscos de deteriorao, desapario e destruio do patrimnio cultural imaterial,
devido em particular falta de recursos para salvaguard-lo.
2. MINC/IPHAN, 2003, p. 17. Nesta mesma linha vai a Conveno, que define o patrimnio imaterial como
os usos, representaes, expresses, conhecimentos e tcnicas junto como instrumentos, objetos,
artefatos e espaos culturais que lhes so inerentes que as comunidades, os grupos e em alguns casos
os indivduos reconheam como parte integrante de seu patrimnio cultural. (UNESCO, 2003)
3. Criada em 1991, essa Ctedra Unesco agrupa o Centro Internacional de Construo de Terra (CRATerreEAG), o Instituto de Conservao Getty e o Centro Internacional de Estudos sobre a Conservao e
Restaurao do Patrimnio Cultural
4. Some Considerations on the Protection of the Intangible Heritage: Claims and Remedies. Lyndel V.
Prott. Chief International Standards Section Division of Cultural Heritage, Unesco.
5. The Unesco Recommendation on the Safeguarding of Traditional Culture and Folklore (1989): Actions
Undertaken by Unesco for Its Implementation. Mrs. Noriko Aikawa. Director Intangible Heritage Unit,
Unesco.
6. A esse respeito, confira BOSI, 1987.
7. http://portal.iphan.gov.br
8. http://www3.accu.or.jp/PAAP/
9. LONDRES, 2003, p. 14.
10. Lanado pelo Governo Federal em outubro de 2009, o Programa de Acelerao do Crescimento
das Cidades Histricas dever destinar, nos prximos anos, R$ 890 milhes para a preservao do
patrimnio histrico nacional. Atravs dele, as cidades histricas contempladas podero receber obras
de requalificao e infra-estrutura urbana e de recuperao de monumentos e imveis pblicos. Tambm
esto previstas aes de divulgao nacional e internacional, de stios histricos, de espaos pblicos,
monumentos e smbolos socioculturais do pas, alm de cursos de especializao para guias de turismo
e da criao de uma pgina na internet bilnge sobre as cidades.
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Arquiteto-urbanista, mestre em Ambiente Construdo e Patrimnio Sustentvel Coordenador do INRC em Minas Gerais
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desenvolveu-se em trs stios que foram inventariados, ou seja, a Regio das Minas,
a Regio do Vale do Jequitinhonha e a de So Tom das Letras, no estado de Minas
Gerais. Tal delimitao justificou-se pelo fato de que esses stios se constituam
claramente como reas cultural, histrica e geograficamente homogneas, assim
como suas subdivises guardavam caractersticas de semelhana e peculiaridades.
Buscou-se assim, tecer um fio condutor sob o qual pudssemos ler, atravs da
paisagem, a formao daqueles stios, compreendendo os elementos que distinguem
histrica e culturalmente os grupos sociais que neles vivem.
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Num breve olhar sobre a rea central do estado de Minas Gerais, pode-se notar que ela
tem como elemento marcante sua paisagem natural, com os rios e morros. O relevo
, em sua maior parte, montanhoso e marcado pela presena da Serra do Espinhao,
formada por uma cadeia de montanhas que segue em direo ao norte. Considerando
ainda esses elementos, existem importantes picos e serras que conformam o macio
do Espinhao e se destacam na paisagem em todo o stio, e muitas vezes dos prprios
municpios ali presentes, que so principalmente: Serra So Jos, no municpio de
Tiradentes; Pico do Itacolomi, em Ouro Preto; Serra do Caraa, em Baro de Cocais
e em Santa Brbara, e Serra do Curral, em Belo Horizonte. Assim, muitas vezes em
funo de sua imponncia, esses elementos contriburam significativamente para
dar a feio daquelas paisagens e para orientar os homens nas escolhas dos seus
locais de fixao. Alm disso, esses elementos tambm contriburam, claro, para
a formao da paisagem cultural do stio onde surgiram os pequenos povoados que,
por sua vez, se constituram em cidades portadoras de uma cultura que guarda
caractersticas da regio.
Por detrs destas formaes montanhosas que podemos dizer que esse stio
surgiu e se caracterizou socialmente e culturalmente. O processo de ocupao e
povoamento da regio das Minas pelos colonizadores se fez, efetivamente, somente
a partir das expedies para descoberta de ouro e metais preciosos no incio do
sculo XVIII, atravs das incurses que paulistas e outros forasteiros fizeram por
esta regio, vindos principalmente de So Paulo. A primeira grande expedio,
incentivada pela Coroa Portuguesa, foi a de Ferno Dias Paes, em 1674, que, segundo
alguns historiadores, deixou marcas no territrio como o chamado caminho, velho.
A partir de ento, a descoberta de ouro e metais preciosos e o grande afluxo de
imigrantes exploradores propiciaram o surgimento de pequenos arraiais que, mais
tarde, se configuraram como vilas e, posteriormente, como comarcas. Boa parte dos
historiadores descreve que as primeiras descobertas de ouro se deram na regio
da atual cidade de Ouro Preto, no crrego Tripu, ainda no final do sculo XVII. Foi
a partir dessas descobertas que comeou a corrida pela busca desses metais nas
Minas e, consequentemente, o povoamento e ocupao da regio por outros povos.
A atividade mineradora (ouro e pedras preciosas) atingiu o auge de produo na
primeira metade do sculo XVIII, proporcionando o surgimento de uma rede de
lugares que sobreviveram e se desenvolveram em funo da minerao.
Segundo Sylvio de Vasconcellos3, nas Minas, com exceo de Mariana e Diamantina,
que tiveram certo controle da Coroa Portuguesa, a urbanizao determinada pela
minerao, consolidando-se atravs do comrcio, tendendo conformao centrpeta
do grupamento humano, com trecho urbano compacto. Os povoados se formam,
num primeiro momento, atravs dos acampamentos de uma sociedade pouco
diferenciada - com moradias precrias muitas vezes cobertas somente de sap -, e
uma pequena capela, que aglutina os primeiros aventureiros instveis - procura de
fortuna- e dinmicos no comportamento. Os povoados se desenvolvem e se elevam
a vilas. O comrcio obtm alta lucratividade e o aglomerado humano passa a no ser
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mais nivelado em um grupo social unitrio. Surgem novas necessidades e com elas
novos profissionais: ferreiros, carapinas, alvanus, alfaiates, seleiros, entalhadores,
que vo contribuir, dentre outras coisas, para dar feio quela paisagem construda.
Dessa forma, as Minas vo sendo ocupadas por povos de origens diversas e
multiculturais, conformando uma sociedade basicamente urbana, que enfrenta toda
sorte de adversidades: a convivncia com povos diferentes; terrenos ngremes,
montanhosos, desconhecidos, de difcil locomoo e instalao; luta constante contra
as restries impostas pela Coroa Portuguesa; luta contra os prprios pares na busca
pelo ouro e metais preciosos ao mesmo tempo em que precisam se organizar para
sobreviverem. Segundo alguns autores, foram essas condies que fizeram surgir nas
Minas uma sociedade irrequieta, dinmica, rebelde, democrtica e, de alguma forma
organizada, diferente da que se fez anteriormente no ciclo da cana-de-acar, que era
relativamente estvel, paternalista e conservadora na manuteno dos privilgios.
Com o declnio da atividade mineradora no final do sculo XVIII e incio do sculo
XIX, o governo portugus incentiva a explorao de novos territrios por meio da
abertura das regies anteriormente proibidas. As Minas sofrem, por todo o sculo
XIX, um grande processo de decadncia econmica: se antes, na primeira metade
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Serra de fita
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Conforme aponta relato feito pelos prprios pesquisadores, neste sitio foram
encontrados profissionais que trabalham na restaurao de edificaes histricas da
poca do incio da construo da capital. A aplicao de trabalhos bastante elaborados
(em ferro, como as escadarias das antigas secretarias, feitas sob encomenda na
Alemanha e aqui montadas; em estuque, tanto externo como nas fachadas) fez com
que os profissionais contratados atualmente para as restauraes nestes edifcios
soubessem tanto quanto seus predecessores, observando e aprendendo o saber
fazer at mesmo na prpria obra original.
Nota-se no stio uma clara relao de transmisso do conhecimento, que se d
prioritariamente pela relao mestre / aprendiz. No universo pesquisado, somente
23% deles tiveram uma formao acadmica, tcnica ou de nvel superior. Ainda
dentre os profissionais identificados, notou-se a presena de alguns com tradio
familiar no ofcio ou ainda com aprendizado na Europa.
Interessante notar novamente, o papel da atuao institucional no desenvolvimento
dos ofcios. Em primeiro lugar, sabe-se que, assim como o traado urbano, as
relaes sociais, econmicas e culturais de Ouro Preto sempre foram condicionadas
pela atividade mineradora. No sculo XVIII, era a minerao do ouro, e no sculo XX,
do minrio de ferro e da bauxita. Outra matria prima em abundncia so as pedras,
quartzito e pedra sabo, utilizados na cantaria. Neste mesmo contexto, como afirma
a equipe de pesquisa, com a transformao da regio em plo siderrgico, houve
a necessidade de formao de mo-de-obra qualificada, o que ocorreu atravs da
implantao de cursos tcnicos oferecidos por vrias instituies.
Segundo relatos da equipe de pesquisa, em Ouro Preto, destaca-se a atividade da
cantaria que foi retomada praticamente a partir do trabalho de Mestre Juca. Seus
discpulos tm um modo prprio de trabalhar, sentados na pedra e sentindo-a. Com
uma das mos seguram a ferramenta e com a outra sentem a pedra. Nesta regio,
nos chamou a ateno o uso da pedra na tcnica construtiva tradicional.
O Vale do Jequitinhonha
Continuando nossa caminhada, agora ao longo da poro nordeste do estado de Minas
Gerais, notamos a existncia de uma regio conhecida como Vale do Jequitinhonha,
cujo rio de mesmo nome o seu principal elemento articulador, percorrendo todo
o seu territrio. Assim como na regio das Minas, nota-se que o stio tem sua
paisagem marcada pela presena dos rios. O Rio Jequitinhonha, com nascentes na
Serra do Espinhao, nos municpios de Serro e Diamantina, percorre toda a rea
desenvolvendo-se no sentido nordeste e desaguando no Oceano Atlntico, no
estado da Bahia. O Rio Araua outro importante rio do stio, que, afluente do
rio Jequitinhonha, nasce nas proximidades do municpio de Diamantina, percorre
o stio em sentido nordeste, paralelamente ao Rio Jequitinhonha, onde desgua no
municpio de Araua. Esses rios foram os grandes responsveis pelo povoamento
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Parede de adobe
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Rabecas
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Fole eltrico
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ferreiro visitado substituiu o fole por uma espcie de ventilador manual que funciona
atravs de uma manivela comandada pelo artfice.
A equipe de pesquisa percebeu homogeneidade no stio. Apesar das diferenas
fsico-geogrficas, socioeconmicas e histricas das trs subdivises do Vale do
Jequitinhonha, em relao s tcnicas construtivas, o que se v so semelhanas.
Uma ou outra variao foi notada no modo de executar o ofcio, mas por opo do
artfice, e no por regio.
Isso pode ser claramente notado no que diz respeito, por exemplo, produo de
adobe. Essa apresenta algumas variaes na fabricao da massa utilizada podendo
apresentar, ou no, o capim meloso que, segundo os artfices, garante uma maior
consistncia do material. Por outro lado, alguns artfices afirmaram que a ausncia
do capim meloso acelera o processo de secagem do adobe. Assim, nota-se que a
escolha pelas etapas da atividade acaba por ser bastante pessoal.
No caso dos tijolos de adobe, as condies naturais geram diferenas de produo
entre o Mdio Jequitinhonha, o Serro e Diamantina. Nessa ltima, apesar da localizao
no Vale do Jequitinhonha, a produo de tijolos de adobe se faz mais escassa devido
qualidade do solo, mais rochoso. interessante notar que a arquitetura de terra
vai predominar no Vale do Jequitinhonha, onde esta ainda pode ser vista claramente
inserida no cotidiano dos moradores. Assim, v-se que, principalmente, na regio do
Vale do Jequitinhonha, a tcnica construtiva tradicional est viva. Nessa regio, foi
interessante perceber o uso marcante do barro na construo civil.
Neste mesmo sentido, notou-se tambm, durante o trabalho de campo o claro processo
de industrializao pelo qual passaram alguns ofcios e suas oficinas, ou seja, seus
locais de execuo da atividade. Em alguns casos, a equipe de campo percebeu
que o mtodo artesanal foi substitudo pela adaptao de algumas mquinas, como
aconteceu com uma tupia e um desengrosso em duas marcenarias, em Diamantina,
para a produo de cimalhas. Nos municpios de Araua e Almenara encontrou-se
a utilizao de cimento na mistura para a produo de ladrilhos hidrulicos e pisos
cermicos queimados utilizados em obras de restauro.
No Baixo Jequitinhonha, nos chamou a ateno a existncia de um ofcio ligado
produo arquitetnica ecltica da segunda metade do sculo XIX e da primeira
metade do sculo XX com destaque para a produo de ladrilho hidrulico e serralheria
artstica. Por outro lado, foram identificados ofcios ligados presena indgena na
regio, como a produo do forro de taquara, a cobertura em folhas de coqueiro e
o uso da mistura, utilizada como pintura, feita com barro branco, conhecida como
tabatinga - esta mistura feita de gua, goma de mandioca e, em alguns casos, leite.
Por fim, destaca-se que a execuo ou no das atividades durante o ano est ligada
principalmente a fatores socioeconmicos migrao para o interior do estado de
So Paulo durante os meses destinados ao corte da cana; fatores climticos perodo
das chuvas e mudana da lua; e fatores culturais festas populares e religiosas.
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quartzito j estavam circulando pela regio que faz o entorno da serra. O segundo
durou do final do sculo XIX at o incio da dcada de 1940, quando iniciada, no alto
da serra, a indstria da pedra, termo utilizado pelos prprios mineradores. O terceiro
estgio se deu entre as dcadas de 1940 e 1970, poca em que provavelmente a
utilizao de explosivos foi incorporada ao mtodo de lavra. O quarto se estende de
1970 at a dcada de 1990, e tem como marco o incio da atuao do poder pblico
sobre a minerao e os agentes fiscalizadores, que passaram a controlar a extrao
dos quartzitos em funo da degradao ambiental gerada pela atividade. O ltimo
estgio corresponde incorporao de medidas que visavam satisfazer as exigncias
dos rgos fiscalizadores do meio ambiente como maneira de garantir a permanncia
da atividade mineradora no alto da Serra de So Tom das Letras.
Na fuso de elementos naturais e culturais que formam a paisagem construda, alm
do conjunto arquitetnico e urbanstico de So Tom das Letras e Matriz de So Tom
das Letras, destaca-se tambm o conjunto arquitetnico e urbanstico da Capela de
Nossa Senhora do Rosrio - que, assim como o primeiro, remonta segunda metade
do sculo XVIII.
Nesse stio, os ofcios identificados e documentados foram os de canteiro e
taipeiro. No entanto, h um predomnio do uso da cantaria como principal tcnica
construtiva utilizada pelos mestres e desenvolvida segundo caractersticas bastante
particulares.
Em So Tom das Letras, foram tambm entrevistados os denominados pedreiros
de pedra. Todos apresentam parentesco e esto ligados histria da cidade e das
construes em pedra. Em suas falas mostraram, sem exceo, a influncia dos
antepassados, a profunda ligao com a natureza e a intimidade com a pedra.
Utilizam a mesma tcnica, com suas peculiaridades trabalham a pedra, mas o modo
de fazer que se torna sua marca
registrada. Ao olhar para uma
construo sabem identificar
seu construtor. Um entrevistado
afirmou: ... queria domar a
pedra. Comecei a domar e estou
aprendendo at hoje. s vezes,
acredito que ela doma a gente.
E cantou Milton Nascimento: No
meio do meu caminho sempre
haver uma pedra, plantarei
a minha casa numa cidade de
pedra.
Os entrevistados relataram com
orgulho o que sabem fazer e com
tristeza, por parte de alguns, a
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Notas
1. SANTOS, 2002.
2. BOSI, 1995.
3. VASCONCELLOS, 1968.
4. HOLANDA, 2003.
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Serra de fita
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OFCIOS: PERMANNCIAS E
TRANSFORMAES NOS OFCIOS
Leonardo Hiplito Genaro Fgoli
Antroplogo, doutor em Antropologia, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Foi com base nas observaes, registros e impresses de campo elaboradas por cada
equipe de pesquisa que desenvolvemos esta parte do Caderno de Memrias. Durante
o trabalho de campo, os pesquisadores procuraram no se ater exclusivamente
aos materiais e s tcnicas para perseguir um conjunto intrincado de percepes,
sensibilidades e afetos dos mestres artfices em relao aos seus ofcios.
As equipes de pesquisa foram atrs ento de elementos diversos incorporados pelos
artesos em seus repertrios de experincias - resultado do emprego contnuo e
especializado de conhecimentos e prticas, acumulados ao longo de anos de trabalho.
Conhecimentos e experincias que permitiram aos mestres dominar no somente
as tcnicas mas tambm as mais puras sensaes fsicas e estticas, aplicadas ao
reconhecimento e avaliao precisos das matrias primas, esquadrinhadas para o
bom desempenho das funes visadas nos respectivos ofcios.
Na tentativa de penetrar nesse intrincado universo, foi necessrio uma escuta atenta
das falas dos mestres. Uma escuta direcionada s possveis fissuras nos tijolos
de adobe, s rachaduras das paredes de pau-a-pique e s dobras produzidas nos
ferros pelas forjas dos ferreiros para que pudssemos penetrar num universo de
percepes, sensaes e afeces que as falas dos
mestres permitiam inferir ampliando os sentidos
das prticas artesanais da construo civil no Brasil.
No entanto, quando as falas no cumpriam o seu
papel, se buscaram os veios como dizem os
mestres canteiros nos gestos, nos sons, nas
cores, nos cheiros identificados e interpretados
pelos mestres no momento em que executam as
suas atividades. A observao dos corpos de suma
importncia, j que no mundo dos ofcios vividos
pelos mestres artfices sobressai o uso tcnico do
prprio corpo, ocupante de uma posio nodal no
conjunto dos instrumentos empregados em cada
arte. A plasticidade do organismo humano, capaz
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Cantaria
Ofcios da Pedra
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Eu sempre tive esse dom tambm, eu sou um pouco curioso, muito curioso de
conhecer o desconhecido, sabe? A, eu queria alm de recortar a pedra comear a
dom-la. Eu estou aprendendo a domar a pedra at hoje. difcil porque, muitas
vezes, a gente acha que sabe domar a pedra. Esse o perigo. Eu acredito que ela
que doma a gente, mas voc tem que trabalhar com ela, conversar com ela.
Quando criana, eu j observava as formas de trabalhar e percebia que existem
umas formas mais trabalhadas, outras menos trabalhadas, outras nada trabalhadas.
Alguns pedreiros pegavam a pedra bruta do jeito que estava e eles j colocavam
sobre os muros. A gente, enquanto criana, s vezes nem olha bem para esse lado.
Mas, com o passar do tempo, voc vai vendo
Quer um exemplo? Essa igreja aqui do Rosrio, acho que ela foi terminada em 1978.
Ela uma construo inacabada. Ento. Enquanto criana eu brincava em cima
dela. A gente escalava a igreja e andava em cima dela. Ento eu cheguei a ver as
pedras empilhadas pelos escravos. Hoje, eu tenho essa conscincia, assim, mais
clara. Porque antes no, antes eu corria e via aquilo. Mas eu no percebia. Estava
vendo que a igreja era feita da forma como eu gosto atualmente de trabalhar com a
pedra. Na poca, eu no tinha tanta conscincia de que ela era mais encaixada. Com
o passar dos anos que a gente envelhece e o corpo fica lento, mas a cabea vai se
encaixando, as peas, l dentro, se assentando, como as pedras. Ento, eu acho que
a gente aprende s vezes da raiz, da raiz do nosso passado, porque, normalmente
tudo j est na cabea da gente, j est tudo pronto na cabea. com o passar dos
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anos que a gente vai reaprendendo aquilo. Reaprendendo a refazer aquelas coisas.
Ento, eu acho que ela tem que ser bem encaixada como as pedras da Igreja do
Rosrio. Tem uns que usam outra forma. Mas a minha tcnica essa de encaixar
bem. E bem devagar, bem processo lento, tranquilo.
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eles raspavam, puxavam aquela canela de ema para fora dali e jogavam gua. A,
colocavam um choque e quebravam ali. Eles falavam dar fogo, ento at hoje ainda
se usa essa palavra dar fogo, porm hoje nos garimpos se utiliza as dinamites.
Atualmente, acho que o pessoal tinha que usar melhor a pedra. Acho que a cidade, a
estratgia da cidade, o lugar, a cidade muito conhecida. Tinha que se explorar melhor
a pedra. O garimpo est desenfreado. Esto s tirando e destruindo, destruindo... E
construindo quase nada. E... Parece at difcil, no fcil, entalhar uma pedra e pegar.
Mas que nem voltar atrs como eu estava falando. tempo, o pessoal precisa ter
tempo, ter mais calma com ela. Ela uma matria-prima muito boa. pedra, n? Se
voc faz uma construo de pedra uma coisa eterna. Como l no Peru.
Percepes
E voc, quando est trabalhando, est sozinho. Tem vezes que quando voc bate a
ferramenta o eco ecoa l longe. Voc v o silncio. Voc consegue ouvir o silncio.
Eu consigo ouvir o eco da minha voz. O barulho das pedras, quando voc joga as
pedras assim, voc v o barulho delas ecoando... l longe. A msica eleva a gente, a
alma, o esprito. Tem uma do Milton Nascimento... Longe, longe, ouo essa voz. Que
o tempo no... engraado, quando moleque eu gostava muito de gritar. Como aqui
pedra para todo lado, eu gritava, o eco ia l longe. Eu ficava gritando para ver o
eco da minha voz, entendeu?
Eu gosto de trabalhar assim, de levantar antes do sol. Levantar e agradec-lo pelo
dia que ele vai iluminar. Astro rei, est l em cima iluminando a gente o dia todo. O
dia todo eu vou conversando com ele. O dia todo eu converso com ele: astro rei.
astro rei tarde n?. A eu fao o meu agradecimento. Porque para mim um
astro. O astro dos ndios. Diz que os ndios saudavam o sol e a lua. Eu acredito que
l na me frica tambm se sada o sol e a lua. A minha filha, quando passa por
mim, eu sempre falo com ela. Ns nos encontrvamos muito na lua, pois de vez em
quando ela me diz: pai, ontem eu olhei para a lua, eu vi que voc estava na lua. Ela
tambm est sempre nessa linha, olhando para a lua, o sol, as estrelas...
Da mesma forma que eu converso com a minha filha, eu conversei com o meu pai
e foi numa conversa com o meu pai um dos pioneiros em So Tom das Letras
com relao construo de pedra que ele me contou. E eu acredito que isso
aqui foi um quilombo. Havia uma fazenda aqui perto e houve um assassinato nessa
fazenda. Uma histria muito comprida. Os fujes dessa fazenda vieram para c. E
aqui, quando eu era mais novo, eu via muitas construes de pedra esparramadas
pela serra, no meio do mato. por isso que eu falo que foi um quilombo. Porque
naquela poca, em torno de 1700, eles vieram para o meio do mato, na serra virgem
e comearam a trabalhar a pedra. Eu imagino que esses fujes devem ter vindo de
Ouro Preto, So Joo Del-Rey. Eles devem ter aprendido por l a entalhar a pedra.
Partindo da fala de Francisco Rosa, em So Joo Del-Rey e Ouro Preto que
encontramos com dois outros importantes canteiros: Ediniz Jos Reis e Jos de
Ftima, e nos deparamos com a reinveno da cantaria em ambas as cidades.
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Ouro Preto
Conversar com Ediniz Jos Reis sobre a sua relao com a cantaria trazer tona
a figura de Seu Juca importante mestre e canteiro de Ouro Preto. A relevncia de
Seu Juca na formao de Ediniz percebida quando diz: Eu descendo de um mestre.
Eu no fui a uma faculdade. Eu fiquei com meu mestre por mais de dez anos. A
formao de Ediniz na arte da cantaria iniciou-se quando Seu Juca administrava o
curso de cantaria na FAOP (Fundao de Arte de Ouro Preto) para a sua segunda
turma. Desde ento, Ediniz foi um aprendiz bastante prximo de Seu Juca, at a sua
morte em 2006, e com ele realizou trabalhos de restaurao, alm de ajud-lo nos
cursos de cantaria para as turmas posteriores.
Ediniz relembra quando foi apresentado a Seu Juca: a gente comeou a bater papo,
e eu fui descobrir que seu Juca era vizinho dos meus pais. Ele conhecia toda a minha
famlia. Inclusive ele me conhecia desde pequeno. E a, eu gostei. Ele tambm gostou
de mim. E como ele estava fazendo um trabalho de restauro, ento ele falou para
mim: ! eu estou fazendo um trabalho l, se voc quiser... A, eu fui ajud-lo, n?
Ele trabalhava sozinho na poca [1998], no tinha ningum que trabalhava com ele.
A gente tinha uma amizade muito boa. Eu vou te falar que aprendi muita coisa que
eu nem imaginava que pudesse aprender.
Ediniz narra algumas historietas sobre o modo de ensinar e a forma de Seu Juca se
relacionar com as pessoas: Porque . Ele . Ele era uma pessoa que tinha uma forma
de ensinar bem diferente. Ele era prtico. Ele no chegava e falava o que voc tinha
que fazer. Ele geralmente fazia e falava: olha aqui o que eu estou fazendo. E, se
voc no tivesse uma percepo, ele saa e te deixava. Ele te dava a pedra, ia l e
rabiscava o desenho, faz isso a. E ele fazia um pouco pra gente ver, e saa.
Eu me lembro de uma vez que ele pegou uma marreta de 15 quilos e comeou a
bater numa pedra. Ele est batendo, batendo e eu olhando. Ele dizia: olha a. Eu
falei: t... A, eu pensei: p, esse moo no vai me deixar bater nessa pedra? Passou
40 minutos, 50 minutos... Ele batia sem parar, o suor j tava pingando nele. Eu
falava: seu Juca, deixa eu dar uma batida, a? Ele: no, olha a, primeiro! Falei: t.
A, uma hora e quinze dele batendo na pedra, ele virou e perguntou: toma, voc viu
mesmo? Falei: vi.
Eu peguei a marreta, olhei pra ele, falei: , agora que eu vou mostrar proc. Vou
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quebrar essa pedra a com uma marretada s! Peguei a marreta e dei uma pancada
na pedra. Do jeito que a marreta foi, ela voltou dois metros. Ela foi l longe e me
levou junto. Seu Juca virou pra mim e falou: Est vendo! Voc no tava me olhando!
A, ele pegou a marreta, continuou e disse: Olha a!
Eu vi o que ele estava fazendo. Vi o que que ele fazia. Ele pegava a marreta, jogava
ela pra cima, batia ela na pedra e a deixava cair. Ele fazia o pndulo, s a fora inicial.
Na hora que ele batia na pedra, a marreta quicava. A, ele deixava a marreta vir,
fazer o pndulo e voltar.
Essa era a praticidade dele. Ele j tinha aquele costume de trabalhar. Ele comeou
com cantaria, acho que com cinquenta e poucos anos. No foi o primeiro ofcio da
vida dele. Ele j teve outros porque ele j tinha sido aposentado umas duas vezes.
Ele j tinha muita experincia de vida e de profisso. Ento, ele fazia a coisa de
forma bem natural, sabe?
Alm disso, Seu Juca tinha muita fora de vontade. Ele fazia questo que a gente
entendesse isso, que era necessrio ter fora de vontade e querer fazer o negcio.
Por isso que o Seu Juca, ele no fazia nada pelo dinheiro, pra ele o dinheiro era uma
coisa que no importava, entendeu? s vezes, ele pegava um trabalho, ele fazia um
trabalho na cidade e ele pagava a gente com o dinheiro dele. Ele sabia que a gente
tinha que ter dinheiro e a prefeitura no pagava, ou ele mesmo no pegava todo o
dinheiro, ento, ele pagava.
A cantaria para ns era uma coisa bem... Era mais uma poesia, sabe, a gente tava
preocupado em desenvolver a tcnica, porque a nossa tcnica era muito rstica.
Ento, por exemplo, a maceta, tinha uma maceta s. Eu peguei essa ferramenta,
trouxe aqui, na mina. A gente conseguiu que eles fizessem mais. A gente tinha essa
vontade de fazer, de descobrir e ir atrs das coisas que facilitassem o nosso trabalho
e a gente tinha que descobrir. Porque toda a cantaria aqui era o que Seu Juca sabia,
o que ele sabia era experincia dele mesmo, ningum nunca chegou pra ele e falou:
, assim. Entendeu? Ele sozinho foi desenvolvendo e descobrindo.
Sobre a condio de mestre: por isso que eu considero Seu Juca um mestre.
Primeiro, o mestre tem que ter experincia de vida. No adianta eu falar que eu sou
um mestre. Eu no sou. Por qu? Porque eu no tenho experincia de vida. A vida
tem essa carga que voc leva. Ela te ensina muita coisa. Ento pra ser mestre eu
acho que a pessoa deve ter mais de cinquenta anos de idade. Porque, a, sim, ela
j uma pessoa madura. No no trabalho, mas na vida. Porque, quando o Seu Juca
est trabalhando, o trabalho faz parte da sua vida e vice-versa. O mestre tem que
ter essa dedicao tambm no trabalho. Eu acho que so fatores fundamentais. No
adianta falar que eu sou um canteiro. No sou. A gente est aprendendo e isso vai
ser um aprendizado at o final da vida.
Ediniz diz que os canteiros discpulos de Seu Juca trabalham da seguinte maneira.
Todos ficam sentados na pedra segurando-a. Com uma das mos seguram a
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ferramenta e com a outra sentem a pedra. Ediniz comenta que preciso fazer isso,
pois no se trata somente de uma pedra e sim de um objeto diferenciado. Deu uma
pancada mal dada nela, volta tambm. E ainda, sempre que a gente est trabalhando
estamos com a mo na pedra. Isso pra poder escutar a pedra. Ali, quando se d
um batido que o som diferente, voc consegue entender aquele som. porque o
material est vivo, com muita energia. Eu, quando eu vou tirar uma pedra maior,
sempre vou ao seu lado e peo licena. Pra ela me levar onde eu preciso, que pra
eu no ficar perdendo tempo e para eu ter uma ligao com ela, justamente pra
voc entender o que tem na sua frente. A pedra tem energia. Se ela no quiser sair
dali, ela no vai sair. Ela tem uma vida prpria, ela est mudando, ns no vemos o
processo. bem diferente a questo do tempo. Mas, ela muda! At mesmo as pedras
que esto ali no patrimnio, elas esto mudando. E eu, na poca, escolhi trabalhar
com a pedra justamente por causa disso.
Engraado, s vezes a gente est trabalhando e no est legal a energia, a gente tem
que parar. Entendeu? E quem trabalha com a pedra eu tenho certeza absoluta que
sente isso. O quartzito, me parece que ele passa mais isso, ele vibra mais. Quando
voc t trabalhando com ele, ele tem uma vibrao maior. Ento, se ela vai quebrar,
ela te avisa antes. uma coisa que se aprende com o tempo, at mesmo quem no
tem muita sensibilidade, comea a trabalhar e com o tempo vai percebendo isso.
Ediniz afirma que seu trabalho bastante direcionado para a preservao do
patrimnio arquitetnico da cidade de Ouro Preto, como tambm o era o trabalho
de Mestre Juca, e questiona a falta de reconhecimento no Brasil dos profissionais
que no se formaram em universidades, como o seu caso. E por que eu preciso
de um diploma para fazer uma restaurao? Tem que ser um arquiteto? Eu venho
sofrendo com isso. Eu preciso ter um diploma pendurado pra poder falar que eu
tenho condies de fazer uma restaurao. (...) Ento, essa questo uma questo
que, n, eu j quis estudar vrias vezes, n. Ano passado at eu fui fazer prova,
eu fui fazer supletivo de novo. Da eu at passei em todas. Fui fazer vrias, vrias
provas, passei em todas. Tinha 14 anos que eu no estudava. Mas, a, vai fazer o
vestibular. A, ao mesmo tempo que eu vou l fazer a matrcula, volto no meio do
caminho: ah, quer saber, no vou! No , no , eu tenho que manter essa linha,
entendeu? Porque se isso acaba. Agora, c tem que ter os valores, n, esses valores
eles tm que existir. Entendeu? Porque, p, eu t dedicando mais da minha vida, o
tempo todo da minha vida a esse negcio. Entendeu?
Se em Ouro Preto encontramos uma forte relao da cantaria com o patrimnio da
cidade, em Coronel Xavier Chaves a cantaria se atualiza na forte relao comercial
com lojistas e revendedores encontrados nas cidades vizinhas: Tiradentes e So
Joo Del-Rey. A cantaria na localidade comeou a se expandir no incio dos anos
de 1990. Inicialmente, nos reporta Jos de Ftima Aparecida Chaves, os principais
compradores eram turistas que visitavam So Joo Del-Rey e Tiradentes e passavam
na cidade para conhecer nossa arte em pedra.
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Jos de Ftima Aparecida Chaves, mais conhecido como Godinho, relembra que no
incio dos anos de 1990 quando comeou a trabalhar como canteiro em Coronel
Xavier Chaves o comrcio das peas fruto da cantaria praticada na cidade acontecia
sem a presena de intermediadores lojistas, como atualmente. Nesse momento
inicial, o produto era vendido diretamente ao turista que, ao visitar as cidades de
So Joo Del-Rey e Tiradentes, passava em Coronel Xavier Chaves para conhecer
a famosa arte em pedra da cidade. Nesse perodo, relembra Jos de Ftima, a
produo era mais artesanal pois no se usava o pesado maquinrio eltrico que
se usa atualmente. Jos de Ftima relembra todo esse processo.
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o poder aquisitivo do pessoal era maior. At hoje eu no sei o que aconteceu. Uma
pea que a gente vendia numa mdia de cinco salrios, h quase vinte anos, hoje
vendemos por apenas um salrio, dois salrios no mximo. E interessante que a
qualidade era muito inferior tambm, pois ns estvamos iniciando. A, comeamos
a comprar maquinrio para aumentar a produo. Ento uma pea que gastvamos
um ms para fazer manualmente, em uma semana essa mesma pea era feita com
o martelete pneumtico.
Ento, quando comeamos, o pessoal olhava e dizia: o pessoal que mexe
com pedra que est ficando rico. Eles tinham aquela iluso. No incio no tinha
concorrncia. A oferta era pouca, ento o produto podia sair mais caro. Eu acho que
isso mesmo, porque hoje tem muito desse trabalho aqui na cidade, na regio. Aqui
na cidade tem muita gente que produz esse tipo de trabalho.
Aqui ns trabalhamos muito com os comerciantes, com os lojistas. Eles no valorizam
o produto da gente. O lucro maior fica na mo deles. Essa a maior dificuldade que
ns enfrentamos. Porque apesar de ser perto de So Joo Del-Rey e Tiradentes, que
so cidades histricas, os turistas que vo para l, eu acho que nem trs por cento
descobriram a nossa cidade. Eu acho que o que falta isso.
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Foi na oficina do Jos Maria Mendona que eu j consegui uma tcnica boa. A melhor
escola que eu tive foi l. Porque l a gente era obrigado a trabalhar com medidas
exatas, entendeu? Ns trabalhvamos sob encomenda. Ento eu j comecei a trabalhar
em cima dos projetos. Ento ramos obrigados a trabalhar com medidas exatas. As
medidas tinham que ser em cima do que estavam nos pedidos dos projetos. A, eu
fui obrigado a aprender, a adquirir rpido essas tcnicas. E l era alta produo. L,
eu no estava para aprender mais, eu estava para produzir mesmo. J era fbrica
mesmo, a gente no podia errar. Porque se errarmos a gente perde a pedra. A o
patro j vem e puxa a orelha, j alopra n? L, tinha o encarregado, que qualquer
dvida ele ajudava, ele dava algumas dicas e ns tnhamos que descobrir as coisas
sozinho. Se era pea com esquadro tinha de ser com o esquadro, se fosse coluna,
chafariz. Lapidar a pedra, a face dela devia ser tudo super certinho, no podia ter um
empeno no podia ter nada. Fazamos isso numa rgua. Igual um pedreiro mesmo
para fazer uma parede mesmo, tinha que ser impecvel mesmo. Essa foi a minha
principal escola.
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transmitiu o conhecimento das tcnicas de cantaria para, pelo menos, dez pessoas
que trabalharam com ele em sua oficina. Ele comenta com pesar a possibilidade da
profisso acabar pela diminuio, a cada ano, das vendas: acho que, de agora pra
frente, vai ser difcil comear outros, formar os profissionais por isso, porque j no
est sendo to compensador mais como era no incio. uma pena, porque isso a
no est criando, no est ajudando a resgatar uma poca do Brasil colonial.
Desta maneira, considera favorvel a iniciativa da prefeitura em criar o Festival
Internacional da Pedra e lanar o nome da cidade como cidade da pedra, valorizando
as atividades tradicionais da escultura e da cantaria em Coronel Xavier Chaves. Aqui
na regio trabalhamos com a antiguidade. A antiguidade envolve dois setores. A
madeira tem o estilo antigo e a pedra tambm uma coisa que est relacionada
com a antiguidade, com cultura dos europeus, do Brasil imperial, dos europeus que
trouxeram esse trabalho em pedra, das igrejas de hoje. preciso encontrar formas
de divulgar a nossa cidade para que um nmero maior de pessoas conhea o nosso
trabalho.
Apesar da preocupao maior de Jos de Ftima ser com o comrcio em detrimento
da relao da cantaria com a cidade, e seu patrimnio arquitetnico como o em
Ouro Preto e, em certa medida, em So Tom das Letras, encontramos, em um
determinado momento da sua fala, uma aproximao de sua profisso com as
construes da sua cidade, como tambm aconteceu com Francisco Rosa e Ediniz
Jos Reis em suas entrevistas. Eu me inspirei muito e me inspiro muito na igrejinha
de pedra que temos aqui em Coronel Xavier Chaves. [Conhecida atualmente como:
Capela do Rosrio]. Ela foi construda no sculo XVIII, pelos escravos ainda, ento
ela toda de pedra, ento eu admiro muito aquele trabalho. Isso me inspirou muito
e ainda me inspira at hoje. Algo feito h 200, 300 anos e no tinha equipamento e
eles conseguiram realizar um acabamento perfeito, entendeu? Voc encontra portais
l, empinadinho, muito bem feito, pia batismal, soleira. Ento aquele trabalho l.
Alm dessa, todas as outras igrejas da regio, tanto em So Joo Del-Rey como
em Tiradentes, encontramos muitas igrejas e em todas elas encontramos muitos
trabalhos ricos com relao pedra. E naquela poca no tinha os equipamentos que
ns temos hoje. Essas obras so coisas divinas mesmo. Acho que as igrejas foram.
Notas
1.
2.
3.
4.
5.
Cf.
Cf.
Cf.
Cf.
Cf.
VILELA, 2003.
VILELA, 2003.
VILELA, 2003.
KATINSKY, 1994, p. 81.
VILELA, 2003.
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pintor
estucador
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Tabatinga
Mais fcil de encontrar do que a cal primeiro importada, mais tarde obtida de
conchas ou mariscos o emprego da tabatinga para o revestimento das vedaes
se generalizou. O uso da tabatinga frequente, hoje, na zona rural do Vale do Jequitinhonha, na construo das casas de pau-a-pique ou adobe e rebocadas com
estrume de boi. O termo tabatinga
de origem tupi: tawatinga, que quer
dizer argila, barro branco, esbranquiado; tambm h registro das variantes tauatinga, tobatinga, tabatingua3. Trata-se de uma terra argilosa
mole e untuosa ao tato, geralmente
de cor branca, que resulta numa espcie de argamassa usada para caiar
e revestir casas populares. tabatinga adiciona-se algum fixador, como
leite ou resina de sorveira, leite de
vaca, solues de pedra-ume4, ou
gua de mandioca - esta ltima mais
comum na atualidade na regio do Parede de adobe pintada com tinta de barro branco
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Pintura
A tcnica da pintura cal bastante difundida nas regies visitadas, especialmente
na Regio Metropolitana de Belo Horizonte, Ouro Preto, Mariana, Congonhas e Santana dos Montes. Esta tcnica data da poca colonial, quando dos primeiros assentamentos urbanos em virtude da atividade mineradora, e atualmente empregada
em obras de restaurao.
Na fabricao artesanal da tinta base de cal, a etapa inicial consiste na hidratao
de blocos de cal virgem. Mergulhados em gua, formam uma pasta que deve ser
deixada reagindo por um tempo mnimo, que pode variar de um dia a seis meses. Ao
que informam os artfices, quanto mais tempo a cal for deixada neste molho, melhor
qualidade ter a tinta. Maria Caldeira, restauradora do Iepha, afirmou que tintas
apresentam excelente qualidade por at 15 anos.
A preparao para aplicao da tinta cal praticamente a mesma em todas as
regies onde se utiliza a tcnica: mistura-se a pasta de cal obtida no processo de
hidratao com gua, adicionando um pouco de leo de linhaa como fixador. O sr.
Geraldo da Silva, pintor de Congonhas, tambm recomendou adicionar um pouco de
sal mistura. Sebastio Benigno, carpinteiro e pedreiro de Santana dos Montes, utiliza folhas de mandacaru como fixador, que adicionadas cal virgem acabam se desfazendo. As propores dos ingredientes no so exatas, em geral so determinadas
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tabatinga branca ou alvaiade, que, por conter chumbo na composio, material txico ao organismo, foi substitudo por branco de zinco.
A camada de fundo da pintura com pigmentos feita com uma demo de uma mistura de branco de zinco com leo de linhaa. Aps secar a base, passam-se duas
demos de tinta a leo com pigmento. A aplicao de tinta a leo nos elementos
construtivos em madeira feita atravs do uso de pincel chato.
Estuque
Ofcio encontrado, principalmente, nas cidades de Belo Horizonte e Ouro Preto, o
estuque uma tcnica que foi muito utilizada nas construes de estilo neoclssico
e ecltico, ambos predominantes na cidade de Belo Horizonte no final do sculo XIX
e incio do XX.
O estucador designa, em princpio, aquele que aplica o estuque: a massa de revestimento a base de cal e areia, conhecida comumente como reboco. Porm, estucador
designa tambm o artista que modela e molda os ornatos a serem aplicados ou integrados nas edificaes. O enfoque principal do ofcio do estuque o desenvolvimento
das competncias sobre a anlise das tcnicas antigas de aplicao de revestimentos
em argamassas, elaborao de ornatos aplicados e integrados. O estucador deve
conhecer os principais aglutinantes e agregados das argamassas, bem como as tcnicas de preparao das massas.
O estuque consiste numa argamassa branca, o policroma, composta de cal fina, areia
fina, p de mrmore e gesso, usada em variados tipos de ornatos relevados, em
muros exteriores, interiores ou tetos. H
vrias modalidades de estuque. Pode ser
usado para revestir paredes internas, forros para vedaes, para preencher interstcios, para pinturas de afrescos ou ainda para revestimentos conhecidos como
marmorino e escaiola. Tambm, para se
fazer altos e baixos-relevos, como flores,
rosceas, arremata pinculo, centro de
teto, centro de abbada conforme o lugar
e o fim a que se destina, interna ou externamente, num edifcio5. Na atualidade, o
termo estuque reservado para referir-se
s argamassas aplicadas em edificaes
antigas.
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Cada pea a ser realizada em estuque exige um tipo especfico de molde. As peas
mais lisas so moldadas com gesso e as mais detalhadas com silicone ou borracha.
O molde de borracha precisa ser cozido durante 15 dias, porm mais barato e pode
ser reutilizado. O molde em silicone, material mais contemporneo, feito com a
aplicao em camadas do lquido de silicone com pincel, e tem um tempo de secagem de cinco minutos.
Na tcnica chamada fundio, a mistura da massa utiliza areia e cimento na proporo de 2:1, acrescentando-se um pouco de gua. A consistncia da massa de
fundio pastosa, semelhante massa de um angu, segundo o sr. Afonso Marchi e
o filho Leandro, conhecidos estucadores da cidade de Belo Horizonte. Na tcnica do
cimento prensado, a mistura da massa utiliza areia e cimento na proporo de 2:1,
e se diferencia da tcnica anterior pela consistncia da massa, bem porosa, semelhante a uma farofa, por utilizar menos gua.
Para a tcnica do gesso, a mistura feita com p de gesso e gua, e acrescenta-se
sisal (barbante, corda de bacalhau), para estruturar o estuque. O estuque que utiliza
terra foi encontrado na Regio de Ouro Preto e Mariana. O canteiro Rinaldo Urzedo
da Silva est executando um forro de estuque em sua casa na roa, utilizando uma
mistura de barro e areia aplicada sobre estrutura de vergalhes revestida com tela
de arame, em formato abobadado. O reboco ser em areia e cal, e o acabamento
final com uma massa de p de pedra. Srgio Romo, taipeiro e estucador de Ouro
Preto, executa a tcnica como profisso. Para estruturar forro de estuque, faz um
engradado com peas rolias de candeia, com espaamento de 30 por 30 cm, onde
ser pregado um forro de esteira. A massa do estuque utiliza areia e cal e feita
com o auxlio de uma colher de pedreiro sobre a esteira previamente instalada. Para
melhorar a aderncia da massa, ele agrega um pouco de cola amarela. Srgio amplia
uma imagem em tamanho reduzido para o teto ou parede observando o original e
desenhando a mo livre com pigmento preto no teto. Para trabalhar no teto, precisa
montar andaime e desenhar deitado. A pintura das imagens feita com tinta a base
de pigmentos naturais, aplicada com pincel.
Apenas algumas matrias-primas das frmas e os tipos de cimento tm mudado.
Porm, de modo geral, tanto as matrias-primas quanto o modo de fazer referentes
estucaria mantm-se os mesmos da poca da construo da capital.
Notas
1. Cf. HERSKOVITS, 1968, p. 416.
2. Cf. BOAS, 1947, p.15.
3. TABATINGA (verbete). In: DICIONARIO ELETRNICO HOUAISS. 2001.
4. Cf. VASCONCELOS, 1979, p. 71.
5. Cf. REAL, 1962, p.226. Ver tambm: ESTUQUE (verbete). In: DICIONARIO ELETRNICO HOUAISS. 2001.
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ferreiro
forjador
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Ofcios do Ferro
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Ofcios do Ferro:
Ferreiro/Forjador
Ver um ferreiro trabalhando, um punho na marreta e outro na tenaz, com as batidas
ritmadas e as fascas salpicando a escurido do ambiente, uma dessas experincias
que no se esquece. O fascnio de um ofcio bruto, quase medieval, exercido no
trtaro da caverna de Hades, como aparenta a tenda do ferreiro.
O que para uns o inferno, para outros o cu, com santos, dolos e tudo o mais.
Desde a antiguidade, e em quase todas as culturas, a metalurgia sempre exerceu
esse fascnio, foi considerada uma arte sagrada. Os metais representavam a presena
mesma de foras obscuras, desconhecidas, mgicas. Por isso, a fundio dos metais
sempre foi rodeada de lendas, crenas e segredos.
O ferreiro esse homem, o homem dos metais, aquele que conhece os segredos da
metalurgia. Com forja, bigorna, marreta, tenaz e maarico, sabe aquecer o metal e,
assim, os domestica,h sua resistncia, o molda, fura, torce, corta, rosqueia e dobra
para criar uma grande variedade de objetos.
O ferreiro e forjador produz, conserta e amola ferramentas diversas, especialmente
para o garimpo e a atividade agrcola. Cuida de implementos tais como: alavancas,
picaretas, machados, cunhas, ferraduras, dobradias e, at mesmo, armas. Alm
disso, fabrica e repara objetos e peas metlicas empregadas em construes
tradicionais, como fechaduras, trincos, dobradias, cravos e gradis residenciais.
A primeira preocupao do ferreiro com a obteno de matria-prima, geralmente
produto da colheita de pedaos de ferro e outros metais encontrados nas ruas ou
de sucata de oficinas mecnicas de conhecidos e parentes. Assegurados a reserva
de carvo, o gs e a solda, a segunda preocupao angariar clientes - em geral
provindos da zona rural procura de um servio de conserto das ferramentas
agrcolas, quando no, fabricao ou conserto de peas de automveis indisponveis
no mercado.
A proximidade com o pai e o evocar de antepassados comum na trajetria de
aprendizado dos ferreiros. Em Minas Gerais, na cidade de Tiradentes, Luz Gonzaga
Frana mais conhecido como Mestre Zinho evoca uma vocao que corre em suas
veias, em seu sangue, atravs de uma raizinha que possui suas ramas em um tio
materno nunca dantes visto por Luz Gonzaga, mas que tambm era ferreiro. Se Luz
Gonzaga no aprendeu o ofcio com seu pai, o mesmo no ocorreu com seu filho, Luz
Heitor da Silva Frana. Ainda criana o pai disse a ele: ou voc estuda ou trabalha,
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Fabricao de dobradia
espelhinho para ele. S depois, que ele me pediu para bater uns cravos. J Antnio
Eli, aos nove anos de idade, era capaz de realizar trabalhos com forja e solda.
Se depender de boa parte desses mestres, o ofcio ainda perdurar por algumas
geraes. Alm de seu filho, Luz Gonzaga Frana formou vrios outros ferreiros
em Tiradentes e costuma brincar: se eu ensinar mais para outras pessoas, eu no
terei mais como trabalhar. Em Ouro Preto, Antnio Eli tambm possui uma relao
generosa com seus aprendizes, que chama de pessoal. Vem gente aqui. Esse
pessoal tem um respeito com a gente, viu? Tem um, ele deve ter uns 50 anos, mais
ou menos. Respeita a gente como se fosse pai dele.
Por outro lado, a forma generosa de se relacionar com aprendizes no encontrada
na fala de outro mestre de Ouro Preto, Sebastio Ferreira: Voc comea a ensinar
a pessoa uma coisa, ela j acha que sabe tudo. A, ela no vai fazer o acabamento
do servio igual eu fao e passa, sem querer, a derrubar o nome da gente. Por
isso eu prefiro trabalhar sozinho. Em Minas Novas, Jlio Sena Chagas no possui
aprendizes, pois na sua viso o trabalho no atrai jovens, j que mexer com a
93
94Dobradia
95
96
97
At se iniciar a restaurao da
Igreja do Amparo em Minas
Novas, Jlio Sena Chagas
nunca tinha trabalhado em
obras de restauro. Com o
incio das obras, Jlio pde
fazer
as
dobradias,
as
caixinhas do sacrrio e as
fechaduras. Em Ouro Preto,
tanto Antnio Eli quanto
Sebastio Ferreira possuem
como
clientela,
em
sua
maioria: clientes particulares,
empresas de capital privado,
rgos
e
instituies
pblicas - como a Prefeitura
Municipal de Mariana - e
instituies privadas - como
a Arquidiocese de Mariana.
Porm,
como
todos
os
servios foram realizados para
edificaes de uso pblico, o
trabalho de ambos destinase comunidade em geral.
J em Tiradentes, os turistas
aparecem como os principais
compradores de Luiz Gonzaga
e seu filho Luiz Heitor.
Tanto em Tiradentes quanto
em Ouro Preto, as peas
confeccionadas pelos antigos
ferreiros das cidades no sculo
XVIII exercem um verdadeiro
fascnio nos mestres, que
se inspiram nessas peas
produzidas, criando novas
peas que costumam chamar
em Tiradentes de ferragem
colonial.
Ferreiro e aspirante a aprendiz
98
Luiz Gonzaga Frana gosta de ser desafiado e de trabalhar com peas mais complexas,
ricas em detalhes e arabescos como eram as peas dos sculos anteriores. Gosta das
peas que exigem muito da mente. O bom trabalho, na viso de Luiz aquele que,
quando finalizado, se diz: ser que foi eu mesmo que fiz? Sobre o processo de criao, Luz
relata que quando v uma pea na cidade olha para ela e comea a imaginar uma nova.
Eu, s vezes, estou l na minha mesa. Acabo de jantar, pego um papel, com a
caneta comeo e penso: , isso aqui ficou bom. A, eu passo o desenho para a chapa
e comeo a fazer. Para Luiz necessrio que o ferreiro tenha uma criatividade que
sai de dentro, do interior, e reclama da falta de criatividade dos ferreiros no
mercado. Herdeiro da tradio iniciada pelo pai, Luiz Heitor da Silva Frana tambm
gosta de desafios e se considera um perfeccionista: gosta de trabalhar cada detalhe
de uma pea em ferro, repete inmeras vezes at conseguir o resultado almejado,
quando sai certo um alvio, comenta. Quando se depara com muitas dificuldades
na execuo da pea chega a sonhar com ela e no sonho, muitas vezes se v
executando e encontrando solues para os problemas ao realizar uma pea.
Sebastio Ferreira tambm se inspira na paisagem urbana de Ouro Preto e nas
criaes dos ferreiros do passado. No gosta apenas de copiar as peas e sim
de misturar detalhes e criar. Apesar disso, suas peas costumam ser to fiis s
peas do sculo XVIII, que algumas chegaram a ser vendidas como originais em
alguns antiqurios da cidade. No entanto, Sebastio Ferreira enftico: no sou
arteso-copiador. Muito feio. No gosto! Detesto quem fala: ah, eu vou fazer um
igual. Detesto essas pessoas. Ento, tudo o que eu fao criativo, eu s tiro cpia
quando os outros falam: c faz igual assim, assim, e tal. Mas no gosto, detesto.
Sebastio diz no se engrandecer com as peas que produz, pois a autoria no lhe
pertence no eu, minha mente, o meu superior, ningum nunca t sozinho...
Desde a antiguidade a metalurgia foi considerada uma arte sagrada por ter o poder
de mudar a natureza dos elementos que submete sua forja. Do mesmo modo,
observando, imaginando e criando, os mestres ferreiros percorrem e recriam os
saberes, as prticas e as tcnicas metalrgicas tradicionais refazendo a cidade
colonial. So verdadeiros artfices-artistas, mgicos-ferreiros-criadores de novas
peas, no limite tnue entre o novo e o objeto que, ao mesmo tempo, reencarnam
as formas e o esprito das peas tradicionais que povoam as cidades onde nasceram.
Os artfices acabam por criar peas para cidades e construes que ainda viro a
ser, mas que no deixam de emergir desse passado imaginado, tanto pelos turistas
seus principais clientes quanto pelos prprios artfices, que o recriam com suas
interpretaes perdurveis, pela magia da ressurreio dos metais.
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Oleiro
adobeiro
taipeiro
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OFCIOS DA ARGILA
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mesmos traos caractersticos do ofcio foram notados entre os mestres das vrias
regies percorridas no estado de Minas Gerais: o emprego de escassas ferramentas
na moldagem direta da argila, a execuo das tarefas a relativa distncia dos
aglomerados urbanos, o aprendizado em famlia e um esprito predominantemente
conservador dos seus artfices em relao s tcnicas tradicionais.
Oleiros
Nos arredores do municpio de Santa Brbara, em Minas Gerais, os pesquisadores se
perdem pelas estradas tortas do distrito desta cidade conhecido como Cubas. Eles
esto procura do oleiro Jos Vicente Lopes, conhecido como Seu Juca Ceramista.
Na procura de informaes para se chegar at a olaria, um dos membros da equipe
desce do carro e atravessa a porteira de uma fazenda, onde encontra algumas
crianas moendo milho. Chega at elas, e pergunta: Vocs conhecem o Seu Juca
Ceramista? Uma delas interrompe a sua atividade, pensa, e responde: Ah! Sei sim,
ele meu primo! O pesquisador pergunta a essa criana se ela pode ensinar-lhe o
caminho. Com riqueza de detalhes, o garoto tece as imagens do caminho por onde
a equipe deve passar. Cita a Igreja do distrito como ponto de referncia e diz: ...
s observar a fumaa no outro lado do morro e as madeiras queimando, l vocs
encontraro meu primo e sua olaria.
Seguindo essas pistas, os pesquisadores chegam at a olaria de Jos Vicente Lopes.
A conversa flui, o sol esturrica a nuca dos pesquisadores. Jos Vicente os convida
a se protegerem do sol sob o teto do local onde empilha as telhas. Elas ainda esto
midas. Todos protegidos do sol, inicia-se a entrevista.
O oleiro fala extremamente rpido, possui uma narrativa densa. Os pesquisadores
perguntam: o senhor se considera um mestre, oficial ou aprendiz? O oleiro responde:
Bom, mestre, mestre, eu no sou. Mas assim, hoje em dia, no tem ningum mais
que sabe tomar conta de uma olaria. S eu mesmo para fazer isso aqui. Eu costumo
trazer trabalhador e eu tenho que ensin-lo durante quase uma semana. Ento so
as ltimas pessoas que trabalham com isso, eu as considero como mestres por isso.
Porque se eu estiver em qualquer lugar que tiver argila e for montar esse trem tudo,
aquela pipa, o forno, as formas, a gente consegue, mas no ... Bom, antigamente
tinha mais pessoas que tinham mais perfeio para fazer... A narrativa de Jos
Vicente comea a se direcionar para antigamente. Para a sua infncia, para o seu
pai e para o tempo em que oleiros eram na sua maioria escravos.
Em meio a uma narrativa repleta de palavras novas para os pesquisadores, Seu
Juca relembra a infncia e seu pai. Foi na infncia que aprendeu o ofcio e suas
tcnicas. O pai de Jos Vicente era dono de uma olaria prxima casa onde Jos
Vicente cresceu. Eu comecei a aprender o ofcio assim: meu pai trabalhava na
olaria. A, minha me pedia para levar caf para o meu pai. Quando entregava o
caf, eu observava o pessoal trabalhando. Como eu aprendi? Eu no vou dizer que
aprendi com o meu pai. Meu pai sempre teve olaria, mas ele mesmo no mexia l. Eu
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procurou o melhor local para construir a sua olaria. Ele precisava de um lugar onde
no houvesse vegetao densa, pois isso facilitaria a construo da olaria. Aps um
tempo de procura, encontrou o lugar adequado e explica: sabe por que encontrei
esse lugar com pouca vegetao onde hoje a minha olaria? Vou te explicar. No
passado, antes do meu pai comprar a sua terra em 1920, toda essa regio pertencia
a um senhor de escravos. Nesse espao onde hoje voc v a olaria, existia uma outra
olaria e no foi meu pai que construiu, no, foi muito antes dele. Quando comecei a
procurar argila no local, encontrei as runas de um forno e um cercado de pedras. Ali
nesse cercado fui descobrir com os mais velhos que os escravos colocavam cavalos
e burros para pisotearem o barro, por isso que no cresceu vegetao no lugar. Eu
aproveitei o mesmo lugar para tirar o barro.
Jos Vicente explica que o perodo ureo de produo das olarias na regio foi
durante os anos de 1920 a 1975. Percebe-se a discrepncia entre esse perodo e
o atual quando ele comenta: de 1920 at 1970 existiam pelo o menos 30 olarias
na regio. Atualmente, acho que s a minha, e ela funciona de forma espordica
apenas quando ocorrem raras encomendas.
Apesar de ainda produzir e trabalhar como oleiro, Jos Vicente considera que o perodo
ureo da olaria j passou e, que para a comunidade de Cubas, praticamente no est
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Diante da dificuldade tcnica para a produo das telhas que dificulta a presena
de ajudantes, Jos Gonalves ressalta a solido do ofcio. O mestre artfice relata
que no perodo de grande produo necessrio permanecer em tempo integral na
olaria. As atividades so diurnas e noturnas. Durante o dia, aproveita-se o sol para
secar as peas que ainda se encontram midas. Uma vez secas, essas peas so
levadas ao forno.
O forno deve ser observado de forma contnua. Para que o forno no perca o seu
calor, necessrio dormir ao seu lado durante toda a noite para que se possa
colocar lenha em seu interior constantemente. Por isso, Jos Gonalves possui uma
cama ao lado do forno para ali permanecer nos perodos noturnos. Nesse espao,
o entrevistado passou vrias noites, teve diversos sonhos e chegou at a encontrar
com o esprito de um cliente. Ah! Isso tem uns trs anos, dessa vez eu fiquei at
com medo de trabalhar aqui no forno. Apesar dessa floresta aqui atrs, eu nunca
fiquei com medo de nada, de bicho, de assombrao, mas dessa vez eu fiquei com
medo. Foi um rapaz que me encomendou 2000 telhas dessa daqui e ele era o meu
vizinho aqui. Ele morava perto da igreja, numa casa cor de vinho. A, eu no sei o que
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aconteceu, ele mexia muito com roa. Ele trabalhava perto da caixa dgua, l em
Tiradentes. L havia uma ponte cheia de cabo de ao. O cara caiu l e morreu. A, os
urubus comearam a comer ele. Comeu ele quase todo. E ele tinha me encomendado
essas tal de telha, a eu estava queimando aqui e estava sozinho, foi numa noite.
Eu morava ali naquela casinha, vim para c para o forno havia pouco tempo. A eu
comecei a ver o homem aqui do meu lado, morto. A, eu no aguentei ficar aqui,
no, eu tive de ir embora. S no outro dia que eu vim aqui olhar o forno, resolvi ir
embora para casa. Foi a nica coisa que me deu medo, fora isso, fico dias sozinho
aqui trabalhando.
Adobeiros
Dona Tereza Vaz Fernandes Machado, mais conhecida como Tereza do Dito, nasceu
em Leme do Prado e mudou-se aos 16 anos para Chapada do Norte, no Vale do
Jequitinhonha, onde reside at os dias atuais. Dona Tereza nunca frequentou
a escola, no sabe ler ou escrever e atualmente considerada uma agricultora
aposentada. Como vrias pessoas da regio onde ela nasceu, Dona Tereza fez todo
o tipo de atividade capaz de gerar renda para sua famlia. Foi domstica, cozinheira,
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Taipeiros
Jos Ladislau estudou at a 3 srie do ensino fundamental. Caminhava uma hora da
zona rural at a escola, na cidade de Bom Jesus do Amparo, na companhia de uma
turma de meninos, dentre os quais vrios tornaram-se pedreiros, como ele. Aprendeu
o ofcio com o pai, um carpinteiro da cidade de Bom Jesus. Iniciou o trabalho com o
pai quando tinha 10 anos e parou de trabalhar com ele aos 20. Com o pai, aprendeu
as tcnicas construtivas tradicionais, como: adobe, peneira seca, alicerces e pau-apique. No teve nenhum outro mestre alm do pai, e, indiretamente, o av paterno,
que ele ensinou as tcnicas ao seu pai. Pouco aprendeu diretamente com o av,
pois morreu quando Jos Ladislau tinha apenas cinco anos. O aprendizado depois
da morte de seu pai veio com o tempo, com a prtica, por meio da execuo das
atividades, aprimorando-as.
Durante a infncia e adolescncia, construiu e reformou muitas casas na cidade de
Bom Jesus. Em 1987, alguns anos depois de deixar sua cidade natal, Z de Lau
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foi chamado para retornar para Bom Jesus e reformar uma casa construda com
tcnicas construtivas tradicionais. Recentemente, recebeu o convite para trabalhar
na restaurao do prdio da Secretaria Municipal de Turismo e Cultura de Baro de
Cocais, no entanto o projeto da obra ainda no foi concludo.
O entrevistado um dos poucos mestres artfices que habita uma casa de pau-apique, porm Jos Ladislau manifesta certo desconforto ao falar da sua moradia. O
incmodo pode ser notado, pois, enquanto revela todo o seu conhecimento sobre as
tcnicas construtivas tradicionais com cuidado, empolgao e generosidade, quando
indagado o tipo de casa em que prefere morar, sua voz praticamente some, parece
no querer que outras pessoas escutem a sua resposta. Com essa postura, sussurra
ao microfone: vou falar com vocs a verdade, eu no tenho casa, eu tenho um
barraco de pau a pique.
A contradio manifesta entre o explcito valor que o mestre artfice atribui s tcnicas
construtivas tradicionais, que conhece e executa, e a confisso embaraosa sobre sua
prpria moradia, coloca questes complexas em relao a essas mesmas tcnicas,
tanto prticas quanto simblicas,
que merecem ser exploradas e
problematizadas. A contradio
sugere
fortes
divergncias
entre os modos idealizados ou
romnticos de representao dos
modos vernculos de construo,
postos luz nos discursos mais
ou menos cristalizados sobre as
tcnicas, viso estimulada, talvez,
por um mercado consumidor ou
turstico que as valoriza porque
exticas, e os modos locais
de percepo dessas mesmas
tcnicas. Do ponto de vista local,
muitas vezes, constituem solues
tcnicas que sofrem o peso de
uma desvalorizao simblica,
qui negada, talvez at alvo
de uma relativa estigmatizao
enquanto signos sociais negativos
quando olhadas da perspectiva
dos atores ou, mais ainda, quando
consideradas
como
recursos
Mestre Jos de Lau
116
tcnicos para o uso pessoal dos prprios artfices que, no entanto, e paradoxalmente,
as conhecem profundamente e as praticam com virtuosismo artstico para o mercado.
Para responder a essas questes, ser necessria pesquisa etnogrfica mais
demorada que permita maior convvio com os artfices e a populao local. Essa
aproximao propiciaria maior refinamento na compreenso dessa aparente
discrepncia dos modos valorativos das tcnicas construtivas tradicionais: de um
lado, a viso idealizada ancorada na perspectiva externa ou de mercado e, de outro,
a viso interna, regional, posta de manifesto, de modo paradoxal, pelas prticas e
usos de solues construtivas pelos prprios artfices. A melhor compreenso desse
conflito, entre percepo-representao e prticas-usos dos recursos tradicionais
e/ou modernos de tcnicas de construo civil, nos contextos sociais particulares,
fundamental para melhor definio de polticas que aspirem preservao e
fomento, nessas populaes, do emprego das solues construtivas vernculas.
Notas
1. LVI-STRAUSS, 1986, p. 222.
2. LVI-STRAUSS, 1986, p. 17-18.
3. LVI-STRAUSS, 1986, p. 222-223.
117
carpinteiro
marceneiro
esteireiro
OFCIOS DA MADEIRA
E DA TAQUARA
Plaina manual
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OFCIOS DA MADEIRA E DA
TAQUARA: CARPINTeiro/
MARCENeiro/ESTEIREIRO
O emprego da madeira para o fabrico de instrumentos de usos diversos, como
armas e utenslios domsticos ou proteo e abrigo, to antigo quanto a prpria
humanidade. No Brasil, formas nativas de uso da madeira na construo influenciaram
fortemente o saber fazer dos portugueses, principalmente na carpintaria, deixando
marcas permanentes nas tcnicas construtivas tradicionais, como o uso do pau-apique - mistura de barro e madeira, uma soluo verncula para a vedao de casas
populares1.
Em Minas Gerais, a madeira foi um dos materiais de uso mais intenso e diversificado
nas tcnicas construtivas e obras de ornamentao do perodo colonial. Constam
nos autos de arrematao e de condio de execuo dos contratos, as madeiras
de lei mais empregadas e a sua utilizao: brana e aroeira para esteios e cunhais;
candeia, canela, cangerana, guapeva, ip e sucupira para telhados; bagre, brana,
canela, cedro e sucupira para os assoalhos; vinhtico para os forros; aroeira e peroba
para as vigas do assoalho e coro; cedro, pinho, pinho de riga, canela preta e parda,
jacarand e sucupira para esquadrias, escadas, janelas e portas; e toda sorte de
madeiras de lei para as mais diversas peas de ornamentao e mobilirio2.
Dos artesos que se ocupam da madeira, se destaca o carpinteiro, antigamente
conhecido como carapina ou carpina. O carpinteiro aquele que se ocupa de cortar,
lavrar e talhar a madeira para a construo, geralmente beneficia as madeiras mais
resistentes e duras, cabendo a ele a montagem das estruturas mais pesadas, como
os vigamentos, assoalhos, forros, etc.
Se o carpinteiro leva a cabo o seu empreendimento no canteiro de obra da construo,
o marceneiro realiza a sua arte, em geral, na oficina. O marceneiro se diferencia por
utilizar madeiras mais macias e maleveis, prprias para o torneado e os pequenos
entalhes; emprega ferramentas de maior preciso e se preocupa com o acabamento
delicado e belo dos materiais, podendo ser diferenciado do carpinteiro, sobretudo, pelos
objetos que fabrica, em geral, mveis e peas decorativas. Em outras palavras, se
distingue do carpinteiro pelo modo mais minucioso e demorado de trabalhar a madeira.
Ofcio de natureza essencialmente masculina, os mestres artfices lembram que as
madeiras usadas para estrutura das edificaes antigamente eram retiradas da mata
local, como o tamburi, a canela e o jacarand, entre outras. Ao contar suas histrias
de vida, descrevem que se iniciaram cedo no ofcio acompanhando os pais ou
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A partir da sua experincia como carpinteiro, Jos Geraldo Rosa conta com pesar que
muitas empresas realizam obras de restaurao sem o conhecimento necessrio para
executar servios especficos da carpintaria. Segundo ele, o resultado dos trabalhos
em carpintaria no se diferencia de um profissional para outro, mas as tcnicas
usadas pelos carpinteiros so diferenciadas, e implicam em bons resultados ou no.
Ningum fica a olhar os detalhes. Depois de coberto, tudo telhado, est tudo
bonitinho. Agora, os detalhes de execuo do trabalho, a segurana, a durabilidade
que vem depois. Ento, frechais encaixados, tesouras encaixadas, cachorros
encaixados, espiges, tudo encaixadinho na cumeeira, nos frechais, isso que o
esprito de durabilidade do telhado. E muitas vezes, isso no acontece, porque muitos
carpinteiros chegam com uma pea na outra e bate prego. E amanh, o telhado
trabalha muito, a comea: abre num canto um pouquinho, puxa no outro. s vezes
a carga de um lado t mais do que no outro, a, aquele troo vai desequilibrando e
o telhado comea a: selando, abrindo, empurrando parede. Isso a o proprietrio s
v depois que comeam os danos, n. E valor tambm, porque a mo de obra bem
aplicada, ela tem uma demanda maior de tempo. A, comea aquele negcio, aquela
questo de oramento: um faz por dez, o outro faz por quinze, o outro faz por oito, o
outro faz por vinte. Mas o proprietrio no olha muito isso, ele quer o mais barato.
A exigncia que tem enquanto profissional repassada para seu filho que atualmente
acompanha sr. Geraldo nos intervalos do seu curso, no Centro Federal de Educao
125
Bancada de marcenaria
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necessita, mesmo , de pelo menos uns dez anos. A no ser que o cara vai aprender
s o entalhe. Mas ele precisa de ir na mquina. Ele precisa de aprender a tirar, ele
precisa aprender a textura de madeira. Isso no se aprende assim s fazendo o
entalhe. Ele tem que fazer outra coisa. Ele tem que aprender alguma coisa dentro da
marcenaria. No pode ser s o entalhe, eu acho que no funciona. Ele precisa saber
posio de fura, porque voc vai fazer uma pea, vai mandar ela desmontada para
a pessoa. Uma mesa, por exemplo, ele vai entalhar tudo, ele precisa ter uma noo
de tudo, ele no pode ser s profissional no entalhe. A no ser que ele v trabalhar
com imagem, escultura, a , eu fico quieto. Mas se for em marcenaria, ele precisa
aprender um pouco mais da marcenaria, ele no precisa aprender s do entalhe. Se
for s no entalhe e tem dom, aprende em menos tempo. Se tem dom, aprende com
menos tempo, com dois anos se forma um bom entalhador.
Lus comenta que guardou os ensinamentos de Totonho Andrade. Sobre a forma
de se posicionar com relao a mltiplos aspectos da vida, Lus tece o seguinte
comentrio: A maioria dos meus sobrinhos e meus empregados, todos gostam de
conversar comigo. Tem problema, eles pensam, eu vou l conversar com o Tonho
para ver se ele me d uma... E eu no jogo nada fora. Eu s penso assim: o que
que voc est pensando. Eu vou te ajudar dentro do que voc est pensando.
Eu no vou te inovar, eu no vou colocar nada na sua ideia, no. Eu vou trabalhar
em cima daquilo que voc est pensando, a vida sua. Simples, tranquilo, isso foi
o que eu aprendi com esse grande mestre. Ele no foi s um grande mestre do
entalhe, foi um mestre da calma, da tranquilidade. Ele estava trabalhando muito
bem l. Muitas vezes a gente estava l, afoito, dizendo estamos atrasados vamos
acabar logo com isso aqui. Ele falava assim: no, tem um mato aqui em cima, eu
vou l beber uma gua da mina.
Interessado e empolgado em falar da marcenaria, Lus nos descreve algumas lendas
e aspectos mgicos relacionados ao seu ofcio. Ento, tem uma lenda que diz: Todos
os marceneiros esto com a vida atrasada. o seguinte: Eles falam que a madeira no
geral, se voc for tirar um p de cadeira, voc tem que tentar cortar o p para que
o lado do p da cadeira seja o lado do p da rvore e o lado de cima naturalmente
seja o lado de cima. Por que se voc inverter, voc faz o atraso de vida seu mesmo,
entendeu? Se voc colocar a madeira de cabea para baixo, ih! Como que voc far
isso, no tem jeito, no. Por isso que est todo mundo atrasado, pois no tem jeito
de colocar o p da cadeira da forma como diz a lenda. Como que voc vai adivinhar.
Quando voc est l tirando a placa de madeira, voc est vendo, a, de repente voc
vai casar um modelo, pe um para c e outro para c. assim que vai funcionar para
ns aproveitarmos o material. Essa uma histria que tem por a...
Outra histria que eu gosto muito de contar. Quando ns temos duas morsas para
mexer com entalhe, quando chega cinco horas, momento que ns vamos parar, devese tirar tudo. Nada deve ficar preso, porque, seno, a gente sonha com o servio. Est
vendo aquela pea de madeira presa ali? Quando chega cinco horas, bambeia, tira
a pea de madeira e pe em cima da bancada. Com relao caixa de ferramentas,
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deixa ela fechada. No deixa aberta, porque seno a gente sonha com o servio. Essa
uma lenda que tem por a. Eu sigo, pois eu no quero nem pensar no meu servio de
noite. Eu bambeio tudo e a gente vai para a casa. Isso que eu estou lhe falando pode
ter certeza que tem uma grande histria por trs disso, e a gente s vezes apega.
Tudo tem uma grande histria, e que deve ser respeitada, porque bonito.
O marceneiro sustenta sua famlia e criou os filhos com a renda da oficina. Lus
demonstra orgulho e conscincia por deter o conhecimento de uma tcnica que vem
sendo empregada no lugar desde a poca colonial. Demonstra ter conscincia da
tcnica enquanto patrimnio cultural imaterial. Comenta que as peas produzidas
pela marcenaria, pelo engenho e habilidade exigidos, desde uma simples janela at
um mvel ou adorno entalhados, consistem em obras de arte. Lus tem a inteno
de realizar um museu com as ferramentas e os equipamentos antigos herdados de
seu pai e obtidos com outros marceneiros da cidade. Tambm considera importante
a transmisso deste conhecimento para que haja continuidade do saber fazer.
Agradece ter tido a oportunidade de aprender com o pai uma atividade to prazerosa
e criativa e considera importante transmitir aos aprendizes o que foi bom para ele
na infncia, adolescncia: as noes de vivncia que acabam sendo passadas junto
com o conhecimento da tcnica, dando responsabilidade e auxiliando na formao
do indivduo de forma integral.
131
obras muito refinadas para servir mesa dos grandes, de onde desapareceram
substitudas pelos recipientes de cristal5.
entre os povos sem escrita que esta arte ocupa um lugar importante e, muitas
vezes o mais elevado. A cestaria se perpetua na mo de especialistas, constitui
uma arte nobre, que entre alguns grupos indgenas se converte em privilgio de
um crculo de iniciados. A rica mitologia dos cestos, encontrada em quase toda a
Amrica, evidencia a importncia dada a cestaria entre os povos indgenas, por
representar, na viso de Lvi-Strauss, um estado de delicado equilbrio entre a
natureza as fibras vegetais extradas da floresta e a cultura o utenslio obtido
com o entrelaamento das fibras6.
A antiguidade da cestaria s no excede, provavelmente, a da confeco de cordas
e a manufatura de trabalhos em malha ou fil. No continente americano, existem
indcios arqueolgicos de que a arte do tranado era praticada desde 11 mil anos
a.C.7 No Brasil, a tcnica do tranado, dentre as tcnicas elaboradas pelos ndios,
alcanou o mais alto grau de domnio e de distribuio geogrfica8.
Para os ndios, os tranados apresentam variadas funes como: transporte da caa,
da pesca, de frutos silvestres, sementes e outros elementos de coleta. As tcnicas de
tranado (torcido, enlaado) so empregadas pelo indgena brasileiro na construo
do arcabouo e cobertura da sua casa9.
Apesar das suas sofisticadas invenes tcnicas, o legado do ndio cultura brasileira
e universal, na sua qualidade de Homo faber, ainda no foi totalmente avaliado e
talvez nunca venha a s-lo, em toda a sua plenitude, porque grande parte do saber,
do conhecimento e manejo da natureza se perdeu na noite dos tempos10.
essa a impresso que se tem quando nos deparamos com os forros de taquara
confeccionados pelos mestres esteireiros espalhados pelo estado de Minas Gerais.
possvel que essa tcnica construtiva tradicional seja uma incorporao dos materiais
e tcnicas indgenas de tecido de fibras naturais, adaptadas como soluo para a
construo das moradias do homem branco.
Olhar para o teto de uma casa construda nas cidades setecentistas do interior do
estado de Minas se deparar, muitas vezes, com um jogo intrincado de imagens, que
remetem ora a um imaginrio indgena ora a um imaginrio cristo ocidental. De um
lado, vemos imagens de escamas e rabos de peixes, desenhos de cobras, o couro da
ona, alm de objetos geomtricos e figurativos que muito se assemelham queles
produzidos nas cestarias indgenas11. Do outro lado, vemos tambm a insero de
smbolos cristos e ocidentais como cruzeiros e letras do alfabeto.
A taquara a matria que d suporte a esse imaginrio. Essa gramnea nativa
da Amrica do Sul uma companheira de longa data dos esteireiros. Enquanto
aprendizes, durante anos, a taquara cortou e machucou as mos do artfices; alguns
desistiram, outros criaram mos geis e resistentes s fibras cortantes.
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A taquara era conhecida e usada pelos povos nativos da Amrica do Sul, que lhe
davam as mais diversas utilidades, desde o uso de seus colmos ocos como pequenos
recipientes, como canudos para diversas finalidades (inclusive a zarabatana), vigas e
travessas leves para a construo de suas habitaes, cercas ou paliadas leves para
a conteno de aves ou outros pequenos animais e, principalmente, com suas lascas,
para feitio de cestas das mais diversas formas e para as mais diversas utilidades,
como alqueires e balaios12.
Em Minas Gerais, a concavidade da taquara esconde uma larva extremamente
apreciada por alguns grupos indgenas. Nos escritos de Saint-Hilaire13, botnico,
naturalista e viajante francs do sculo XIX, h meno aos grupos indgenas da
regio que apreciavam o bicho da taquara no apenas como um delicioso alimento
mas como uma espcie de substncia exttica, causadora de sonhos e vises14
(entre os Maxakali, por exemplo, o bicho da taquara encontrado em sua mitologia,
nas prticas rituais e corporais at os dias atuais15).
Se para os ndios de Minas Gerais a taquara esconde um poderoso estimulante de
viagens xamnicas e onricas, no parece ser muito diferente para os esteireiros
que, com as dobras, cruzamentos e sobreposies de suas fibras vo moldando
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e persistncia que teve para aprender o ofcio. Ele se lembra da primeira vez que
viu uma pessoa tecendo um forro de taquara e das dificuldades: eu tinha 5 anos de
idade e vi o senhor Djalma, ele tranava o forro de maneira muito apressada. Ele no
permitia s pessoas aprenderem a fazer forro. Senhor Djalma percebia o interesse
das pessoas sua volta, mas ele no ensinava. Ele tinha medo das outras pessoas
tomarem o servio dele.
A dificuldade enfrentada com senhor Djalma no foi empecilho para o aprendizado
de Divino. Sua curiosidade e vontade de aprender permitiram a ele superar a todas
as dificuldades. Eu observava com ateno como os fazedores de forro executavam
o seu trabalho. Eu no conseguia aprender, eles tranavam muito rpido eu tinha
de praticar. Eu desmanchava forro velho e fazia novamente, s que nunca que saa
igual. Aps inmeras tentativas fiz a primeira esteira aos 10 anos de idade.
Esse cenrio muda com a chegada, cidade, de Natividade, uma exmia esteirista
oriunda da cidade de Bom Jesus. Com ela aprendi a fazer forro, comenta Divino e
logo aps, completa: aos 14 anos fiz a minha primeira esteira para ser vendida e
aprendi a fazer diversos tipos de tranados.
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- Ah, se voc souber fazer algum forro j pode comear a fazer e deixar pronto.
O fazedor de forro da fazenda elaborou o forro da sala e nele escreveu: Fazenda
Magalhes Pinto. Quando os dois fazedores de forro de Itabira retornaram, eles
ficaram espantados. Um deles ficou nervoso com o patro e disse a ele:
- Uai moo, voc est abusando com a cara da gente.
- No estou, no - o patro responde.
Um dos fazedores de forro de Itabria replica:
- No, no possvel, voc sair daqui de Catas Altas, ir l para Mariana para nos
buscar sendo que voc tem um fazedor de forro aqui, que comparado a ns... Ns
no servimos nem para lavar os ps dele.
O patro, sem entender, diz:
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A nica herdeira de
todo um saber e sua
capacidade criativa
Enquanto a conversa com Divino
prosseguia, acercou-se uma adolescente
com
seus
aproximados
17 anos. Em seus braos, trazia
biscoitos e refrigerante para os
convidados. Cuidadosa e educadamente comeava a participar da
entrevista. Pela sua fala, demonstrava conhecimento profundo das
questes e problemas do ofcio.
Ela filha de Divino. Orgulhoso,
o pai explicou: tudo o que eu sei,
eu passei para ela, os filhos esto
sempre a superar os seus pais.
O pai relembrou a infncia de
Cristiane: com cinco anos, Cristiane
j sabia tranar forros e com seis
anos produzia forro para vender. Ela
aprendeu ficando prxima de mim
enquanto eu tranava esteira. Ela
observava atentamente. Aprendeu
a tranar errando e acertando. Eu a
ensinava, sempre ao seu lado.
A destreza de Cristiane ficou evidente quando o pai relembrou o
quanto ela o ajudou durante os
perodos de grandes encomendas.
Nesse perodo, disse Cristiane, eu
tirava notas muito baixas na escola,
pois ficava at meia noite fazendo
forro com meu pai.
A partir desse momento, Cristiane
participou mais da conversa. Aflita
ao ver que os pesquisadores no
acompanhavam o raciocnio do pai,
insistiu com ele: pai, acho melhor o
senhor fazer um forro.
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Aflitos em nos mostrar como se trana um forro, pai e filha lamentaram o fato de no
possurem, naquele momento, nem um pouco do material adequado para se tranar
um forro taquara.
Para a sorte dos pesquisadores, Cristiane coleta tiras de plstico conhecidas como
fitas de arquear. Tiras que possuem uma textura extremamente dura, que possibilita
a realizao da trama de pequenos forros. Juntadas as tiras de plstico em cores
verde e preta, pai e filha caminharam at uma casa em construo ao lado da
residncia de Divino e comearam a cortar em pedaos as tiras. Divino as separava
por cores. Cristiane o ajudava.
Terminada essa etapa, Divino comeou a tranar vagarosamente o primeiro desenho
que aprendeu com Natividade sua professora dando incio ao que ele chama de
forro bordado. Na sobreposio das cores o desenho formado. Divino nos convidou
a ajud-lo a tranar, para aprendermos a lgica matemtica, geomtrica e espacial
do desenho. Assim, com erros e acertos, aprendemos um pouco sobre a difcil arte
do tranado.
Cristiane observava atenta e, com um olhar distanciado, percebeu um erro do pai.
Aproximou-se imediatamente e comeou, rapidamente, a desfazer o erro. Ao contrrio
do pai, no se preocupava com a didtica, mas, sim, em resolver os problemas de
forma eficiente e rpida. Em certa medida, a sua pouca preocupao com a didtica
foi extremamente positiva, pois nos permitiu observar a sua habilidade e destreza
na realizao de um forro de esteira.
Divino terminou o forro bordado e pediu para desmanchar a trama - queria mostrar
outro desenho mais complexo, de uma cruz. Com o passar do tempo, aos poucos
o desenho foi formado. No incio, no se via o desenho e s com o avanar das
sobreposies pde-se entender a sua forma. Divino pediu: mudem de posio,
seno vocs no conseguem ver. Mudamos de posio, de perspectiva, de ponto de
vista, mas nada. As mos do pai e da filha se misturavam e cada vez mais rpido, o
desenho se formava. A maestria de ambos ficou clara e de forma mgica para nossos
olhos destreinados, surgiu uma bela cruz da sobreposio das fitas de arquear verde
e preta.
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Cristiane, assim como seu pai, uma criadora e pensadora do ofcio. Ambos amam o
que fazem. O uso das tiras de plstico (fita de arquear), 50 tramas distintas criadas e o
caderno de memria do pai criador so exemplos da dedicao de pai e filha ao ofcio.
Cristiane explicou que a utilizao das fitas de plstico uma forma dela continuar
a brincar de fazer forro, j que as encomendas, nos ltimos 5 anos diminuram
bastante e, alm disso, as taquaras tornaram-se escassas devido s queimadas, o
que intensificou a fiscalizao do Ibama rgo que atualmente probe a retirada
de espcies vegetais para fins comerciais. Sendo assim, pai e filha concluram: esse
um ofcio morto. Ambos continuam a tranar e a refletir sobre a prtica do seu
ofcio pelo puro e simples prazer que sentem em fazer isso, j que no recebem mais
encomendas.
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Notas
1. KANTINSKI, 2003.
2. AVILA, 1996, p. 61.
3. LVI-STRAUSS, 1986. p. 15.
4. ROYAL ANTHROPOLOGICAL INSTITUTE OF GREAT BRITAIN AND IRELAND, 1973. p. 336-340.
5. LVI-STRAUSS, 1997a, p. 128.
6. LVI-STRAUSS, 1997a, p. 128-132
7. ADOVSIO, 1976, p. VII, apud RIBEIRO, 1989, p. 38.
8. RIBEIRO, 1989, p. 38.
9. RIBEIRO, 1989, p. 39. Sobre a arte de tranar e seus diversos usos praticados pelos povos indgenas no
Brasil, Lvi-Strauss observa: Na floresta e no cerrado, vi muitas vezes um ndio, para transportar frutas
selvagens ou caa, cortar uma folha de palmeira, dobrar os fololos e tran-los in loco. Assim, fabricase com as plantas um cesto que ser jogado fora assim que se retorna ao acampamento, pois uma
embalagem improvisada e de pouca utilidade. Trata-se sem dvida de um caso extremo em comparao
com as obras-primas que costumam ser, na Amrica, os cestos de tranado espiralado, costurados
em vez de tranados, cuja fabricao toma vrios dias de uma artes experiente, e que muitas vezes
sobrevivem gerao que os viu serem fabricados. Entre os mesmos povos, os cestos flexveis utilizados
para guardar os objetos domsticos eram, ao contrrio, pouco durveis. (LVI-STRAUSS, 1997a, p. 129)
10. RIBEIRO, 1989, p. 41
11. Cf. GUSS 1989 e RIBEIRO, 1989 e 1988.
12. http://pt.wikipedia.org/wiki/Taquara.
13. Cf. SAINT-HILAIRE, 1830, p. 432.
14. Segundo as narrativas do viajante francs: Les Indiens emploient encore le bicho da taquara un
usage fort diffrent. Lorsque lamour leur cause des insomnies, ils avalent un de ces vers que lon a fait
scher, sans en ter Le tube intestinal, et alors ils tombent dans une espce de sommeil extatique qui
dure plusieurs jours. Celui qui a mang un ver dessch Du bambou raconte, en se rveillant, des songes
merveilleux; il a vu des forts brillantes, Il a got des fruits exquis.
15. Cf. MAXAKALI (2009a e b).
16. Cf. LVI-STRAUSS 1997b, 229.
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CONSIDERAES finais
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Notas
1. OLIVEIRA; NAVES, 2005, p. 12.
2. O Projeto Mestres Artfices prev, alm da produo de conhecimento, a realizao de aes
de salvaguarda, como a certificao profissional - que ajudaria os mestres a se reinserirem no
mercado - e o fortalecimento das condies de transmisso dos saberes, para a formao de
novos mestres. Nesse sentido, a discusso desses temas em seminrios fazem parte da ao de
inovao.)*
3. Lanado pelo Governo Federal em outubro de 2009, o Programa de Acelerao do Crescimento
das Cidades Histricas dever destinar, nos prximos anos, R$ 890 milhes para a preservao
do patrimnio histrico nacional, quantia indita na rea em nosso pas. Atravs dele, as cidades
histricas contempladas podero receber obras de requalificao e infraestrutura urbana e de
recuperao de monumentos e imveis pblicos. Tambm esto previstas aes de divulgao,
nacional e internacionalmente, de stios histricos, espaos pblicos, monumentos e smbolos
socioculturais do pas, alm de cursos de especializao para guias de turismo e da criao de
pginas na internet sobre as cidades.
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148
149
Referncias bibliogrficas
ABREU, Regina; CHAGAS, Mrio (orgs.).
contemporneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
Memria
Patrimnio:
ensaios
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MESTRE
OFCIO
CIDADE
REGIO
Cantaria
Serro
Vale do Jequitinhonha
Cantaria
Serro
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Minas Novas
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Serro
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Diamantina
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Minas Novas
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Serro
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Serro
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Turmalina
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Serro
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Diamantina
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria
Minas Novas
Vale do Jequitinhonha
Forja - Ferreiro
Diamantina
Vale do Jequitinhonha
Forja - Ferreiro
Minas Novas
Vale do Jequitinhonha
Marcenaria
Capelinha
Vale do Jequitinhonha
Marcenaria
Diamantina
Vale do Jequitinhonha
Marcenaria
Diamantina
Vale do Jequitinhonha
Olaria
Veredinhas
Vale do Jequitinhonha
Olaria
Vale do Jequitinhonha
Pedreiro adobe
e pau a pique
Serro
Vale do Jequitinhonha
Pedreiro - adobe
Minas Novas
Vale do Jequitinhonha
Pedreiro - adobe
Turmalina
Vale do Jequitinhonha
Pedreiro - adobe
Serro
Vale do Jequitinhonha
Vale do Jequitinhonha
Salvador Roque
pedreiro
Vale do Jequitinhonha
Araua
Oleiro
Almenara
Vale do Jequitinhonha
Carpintaria e
Marcenaria
Araua
Vale do Jequitinhonha
Ferreiro
Araua
Vale do Jequitinhonha
Serralheiro
Araua
Vale do Jequitinhonha
MESTRE
OFCIO
CIDADE
REGIO
Pintura
Jequitinhonha
Vale do Jequitinhonha
Forro de esteira
Almenara
Vale do Jequitinhonha
Almenara
Vale do Jequitinhonha
Ferreiro
Tiradentes
Marceneiro
Tiradentes
Ferreiro
Tiradentes
Vantuir de Figueiredo
Tranador de
Forro de esteira
Prados
Produtor de
Adobes
Prados
Oleiro
Antnio Carlos
Tomas Lancini
Pintor
Coronel Xavier
Chaves
Canteiro
So Joo Del-Rey
Canteiro
So Joo Del-Rey
So Joo Del-Rey
Marceneiroentalhador
So Joo Del-Rey
So Joo Del-Rey
Fundio
Coronel Xavier
Chaves
So Joo Del-Rey
Cantaria
Santa Cruz de
Minas
So Joo Del-Rey
Calcetaria
Belo Horizonte/
MG
So Joo Del-Rey
Afonso Marchi
Estucaria
Belo Horizonte/
MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Belo Horizonte/
MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Carpintaria/
marcenaria
Contagem/ MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Fundio
Nova Lima/ MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Forja
Belo Horizonte/
MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Pintura
Contagem/ MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Marcenaria
Belo Horizonte/
MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
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158
MESTRE
OFCIO
CIDADE
REGIO
Carpintaria/
marcenaria
Belo Horizonte/
MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Marmoraria
Belo Horizonte/
MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Carpintaria e
marcenaria
Mariana/ MG
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Ferraria
Ouro Preto/ MG
Arlindo de Souza
Carpintaria
Ouro Preto/ MG
Confeco de
forro de esteira
Distrito de Lavras
Novas,
Cantaria
Mariana/ MG
Cantaria
Ouro Preto/ MG
Ferraria
Ouro Preto/ MG
Mestre de Obras
- carpintaria,
pau-a-pique,
cantaria, pintura
a cal.
Ouro Preto/ MG
Pintura
Ouro Preto/ MG
Cantaria
Mariana/ MG
Sebastio Ferreira
Ferraria
Mariana/ MG
Pau-a-pique
Ouro Preto/ MG
Carpintaria
Sub distrito de
Chapada
Pintura
Congonhas do
Campo/ MG
Confeco de
forro de esteira
Congonhas do
Campo/ MG
Carpintaria,
pau-a-pique e
pintura a cal
Carpintaria
Pedreiro de
Alvenaria
Ouro Preto
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Pedreiro de
Alvenaria
Santa Luzia
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Pedreiro de
Alvenaria
Santa Luzia
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Marceneiro
Santa Luzia
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Emerson Fidlis
Marceneiro
Santa Luzia
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
MESTRE
OFCIO
CIDADE
REGIO
Carpinteiro
Sabar
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Tranador de
forro de esteira
Sabar
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Divino Ferreira
Tranador de
forro de esteira
Caet
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Pedreiro de alvenaria
Baro de Cocais
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Pedreiro de
Alvenaria
Baro de Cocais
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Oleiro
Santa Brbara
Regio Metropolitana
de Belo Horizonte
Canteiro
So Tom das
Letras
Canteiro
So Tom das
Letras
Canteiro
So Tom das
Letras
Canteiro
So Tom das
Letras
Pedreiro de
alvenaria Paua-pique
So Tom das
Letras
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