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O Teste de Pfister e o Transtorno Dissociativo

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Avaliao Psicolgica, 2008, 7(3), pp.

359-370

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O TESTE DE PFISTER E O TRANSTORNO DISSOCIATIVO


DE IDENTIDADE
Marcello de A. Faria1 - Universidade Catlica de Braslia
RESUMO
O Transtorno Dissociativo de Identidade, anteriormente denominado Personalidade Mltipla, um transtorno mental de
difcil diagnstico, de sintomatologia diversificada e forte comorbidade. Neste estudo de caso objetivamos contribuir com
a divulgao deste transtorno e relatar a riqueza da utilizao do Teste das Pirmides Coloridas de Pfister em casos desta
natureza. A amostra foi composta por uma paciente mltipla, que apresentou dez personalidades em atuao no seu
psiquismo. Os dados foram analisados segundo os princpios de interpretao do teste tendo sido considerados o modo de
colocao dos quadrculos, o processo de execuo, as sndromes cromticas, o aspecto formal, a frmula cromtica, as
variaes cromticas e de matizes, as cores por dupla, o tempo de execuo, o tempo psquico de reao, a anlise das
pirmides em funo dos planos da personalidade e os valores posicionais. Verificaram-se indicadores sintomatolgicos e
dissociativos significativos caracterizados por amnsia, traumas e emerses espontneas entre personalidades.
Palavras-chave: avaliao psicolgica; Pirmides Coloridas de Pfister; transtorno dissociativo de identidade; trauma.

THE PFISTER TEST AND THE DISSOCIATIVE IDENTITY DISORDER


ABSTRACT
The Dissociative Identity Disorder, formerly called Multiple Personality, is a mental disorder of difficult diagnosis,
diversified symptomatology and strong comorbidity. The purpose of this case study was to contribute to the divulgation of
this disorder and to report the richness in the use of Pfisters Color Pyramid Test in cases of this nature. The sample was
composed by a multiple patient who presented ten active personalities in her psychic life. The data were analyzed
according to the tests interpretation principles, considering the position of the small squares, the execution process, the
color syndromes, the formal aspect, the sequence formula, the chromatic and matrix variations, the colors by pairs, the
execution period, the psychic time of reaction, the analysis of the pyramids in terms of the personality plans and the
positional values. Significant dissociative and symptomatological indicators, characterized by amnesia, traumas and
spontaneous emersions among personalities were verified.
Keywords: psychological assessment; pfisters color pyramid test; dissociative identity disorder; trauma.

INTRODUO1
A Personalidade Mltipla um transtorno
mental de difcil diagnstico devido
sintomatologia diversificada e sua forte
comorbidade , atualmente catalogada como
Transtorno Dissociativo de Identidade, s se tornou
um diagnstico oficial da Associao Americana de
Psiquiatria em 1980. Para este distrbio dissociativo
existem critrios especficos definidos no Manual
Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais
(DSM-IV-TR, 2003), e registro na Classificao
Estatstica Internacional de Doenas (CID-10,
1993).
No mago das caractersticas da sndrome,
que no um artefato iatrognico e cuja
caracterstica essencial a existncia dentro do
indivduo de duas ou mais personalidades distintas,
cada qual dominante num momento especfico,
1

Contato:
Telefones: (61) 3877-0763
mafaria@hotmail.com

(61)

99087044.

E-mail:

encontram-se
as
chamadas
personalidades
alternativas, mltiplas ou alters (Hacking, 1995).
Explicaes etiolgicas focalizam questes
traumticas como sendo o principal fator
desencadeador da dissociao anormal da
conscincia, um mecanismo de defesa resultante de
agresses e abusos fsicos, sexuais ou psquicos,
responsvel pelo encadeamento das emersesimerses das mltiplas personalidades (Putnam,
1989; Steinberg, 1994).
Para Freud (1923/1996), (...) talvez o
segredo dos casos daquilo que descrito como
personalidade mltipla seja que as diferentes
identificaes apoderam-se sucessivamente da
conscincia. (pp. 43). Ele tambm, juntamente
com Joseph Breuer, apresentou informaes que
esto em consonncia com os critrios diagnsticos
atuais da Personalidade Mltipla:
(...) Num mesmo indivduo so possveis
vrios agrupamentos mentais que podem
ficar mais ou menos independentes entre si,

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Marcello de A. Faria

sem que um nada saiba do outro, e que


podem se alternar entre si em sua emerso
conscincia. Casos destes, tambm
ocasionalmente, aparecem de forma
espontnea, sendo ento descritos como
exemplos de double consciente (Freud,
1910 [1909]/1996, p.35).
Outros autores (Haddock, 2001; Kluft &
Fine, 1993; Ross, 1989) afirmam que a liberao
dos aspectos traumticos, objetivando processos de
integrao, constitui a essncia maior do tratamento
porque dissolve o impacto do trauma recalcado e,
conseqentemente, diminui ou cessa a dissociao
da conscincia. Tais processos, no poucas vezes,
vm acompanhado do chamado Inner Self Helper,
ISH, uma personalidade auxiliar que contribui com
o terapeuta no tratamento da paciente (Allison,
1980).
Historicamente,
h
diversos
casos
considerados clssicos na literatura cientfica da
Personalidade Mltipla. O primeiro deles, um
registro envolvendo dissociao e duplicidade,
ocorreu por volta do sculo XVI, quando Paracelso
apresentou uma mulher que se encontrava amnsica
perante uma alter que havia roubado o dinheiro dela
(Hacking,1991; Putnam, 1989).
Um outro caso clssico foi registrado por
Eberhardt Gemelin no final do sculo XVIII. No
comeo da Revoluo Francesa, refugiados
aristocrticos
chegaram
em
Stuttgart.
Impressionada com esta viso, uma jovem mulher
alem, de vinte anos de idade, mudou
repentinamente a prpria personalidade para os
modos e maneiras de uma senhora francesa,
imitando e falando o francs perfeitamente e o
alemo como se fosse uma francesa. Esses estados,
de francs, repetiram-se. Quando em sua
personalidade francesa, a mulher tinha completa
memria de tudo aquilo que tinha dito e feito
durante o estado francs anterior. Quando em sua
personalidade alem, ela nada conhecia da sua
personalidade francesa (Ellenberger, 1970).
O notvel caso de Mary Reynolds,
considerado um dos mais famosos de Personalidade
Mltipla, foi publicado pela primeira vez em 1815,
ampliado em 1860 e refinado em um novo livro
intitulado Mary Reynolds: A Case of Double
Consciousness , em 1889 (Putnam, 1989). Na
primavera de 1811 Mary foi encontrada em sono
profundo que durou muitas horas e do qual
despertou tendo perdido toda a memria e o uso da
fala. Posteriormente, despertou em seu estado
Avaliao Psicolgica, 2008, 7(3), pp. 359-370

natural expressando surpresa mudana de estao


sem perceber que algo anormal havia ocorrido.
Estas alteraes de um estado para outro
continuaram durante mais de uma dcada.
Finalmente cessaram quando ela alcanou trinta e
cinco anos, permanecendo em seu segundo estado
sem mudana adicional at sua morte em 1854
(Ellenberger, 1970).
Genuinamente, o primeiro estudo objetivo
de Personalidade Mltipla foi inaugurado na
Frana, em 1836, por Antoine Despine, com a
publicao da histria de Estelle LHardy, sob a
forma de monografia. Estelle tinha onze anos
quando chamou a ateno de Despine. Ela era
absorvida em devaneios, vises fantsticas e
esquecia de um momento para outro tudo aquilo
que acontecia ao seu redor (Ellenberger, 1970;
Hacking, 1995).
Em julho de 1885 Jules Voisin descreveu o
caso do paciente francs Louis Vivet que
apresentou oito estados de personalidade, alm de
um grande nmero de estados fragmentrios. Para
Faure, Kersten, Dinet e Onno (1997), vrias fontes
em Vivet indicam que ele foi exposto a experincias
de vida extremamente opressivas, incluindo abuso
fsico, negligncia severa, abandono, desamparo e
priso.
Um outro clssico que tornou a
Personalidade Mltipla mais conhecida, embora no
se trate de um caso clnico propriamente dito, foi o
conto intitulado The Strange Case of Dr Jekyll and
Mr Hyde, escrito pelo escocs Robert Louis
Stevenson, em 1886 (Ellenberger, 1970). Na
histria narrada, o doutor Jekyll um homem
normal e respeitado, de conduta exemplar. Seu
monstruoso alter ego, Sr. Hyde condio segunda
, uma personalidade hedonista, cruel,
irresponsvel, que busca os prazeres carnais. O
doutor Jekyll objetivava permitir a transmutao
entre os dois estados ou condies para explicar a
convivncia do bem e do mal dentro do ser humano.
Porm, dividido e perdendo de forma crescente o
controle e o domnio do segundo estado, procura
desesperadamente uma forma de resolver o
impasse. Ao mesmo tempo, cobaia das
experincias realizadas com drogas sintticas
auto-aplicveis sem conhecer o alcance dos
experimentos. Subjugado pela prpria inveno,
sem poder refre-la, escraviza-se e sucumbe.
Em 1887 Eugne Azam publicou um livro
intitulado Hypnotisme, doubleconscience et
altrations de la personnalit, prefaciado por
Charcot. Conforme Ellenberger (1970), de 1858 a

O Teste de Pfister e o Transtorno Dissociativo de Identidade

1893
Azam
estudou
e
acompanhou
intermitentemente Flida. Ele declarou que em sua
condio normal ela era de inteligncia comum,
mas que se tornava brilhante na condio
secundria. Nesta ltima, era bem consciente no
somente da condio secundria prvia, mas
tambm sobre toda a sua vida. Em seu estado
normal nada conhecia de sua condio secundria
exceto o que os outros lhe contavam.
O caso Hlne Smith, cujo verdadeiro nome
era lise-Catherine Mller, foi publicado pela
primeira vez em 1899. Encontra-se registrado no
livro intitulado From India to the Planet Mars: A
Study of a Case of Somnambulism with Glossolalia,
escrito por Thodore Flournoy, prefaciado por C. G.
Jung. Um conceito pioneiro que Flournoy fez uso
em seu estudo, diretamente ligado problemtica
da Personalidade Mltipla, foi o de criptomnsia ou
memria escondida (Flournoy, 1899/1994).
Christine L. Beauchamp representa mais
um clssico de expressivo valor para a compreenso
da Personalidade Mltipla. Conforme Prince
(1905/1957), cada uma de suas personalidades
secundrias era somente uma parte do ego normal e
inteiro. A paciente mudava de personalidade de vez
em quando, freqentemente de hora em hora, e em
cada mudana seu carter era transformado e suas
recordaes alteradas. Alm da realidade original,
Christine podia ser qualquer uma dentre trs
pessoas diferentes. Embora fazendo uso de um
mesmo corpo, cada personalidade possua
caractersticas distintas. Uma diferena manifestada
por diferentes traos de pensamento, por diferentes
pontos de vista, diferentes convices, ideais e
temperamentos, e por diferentes aquisies, gostos,
hbitos, experincias e recordaes.
Certamente,
muitos
outros
casos
envolvendo a Personalidade Mltipla poderiam ser
descritos detalhadamente, tais como: Lonie,
paciente cujo caso est documentado em Janet
(1889); Eva, histria registrada em Sizemore
(1978), que se transformou num clssico do cinema
tendo Joanne Woodward desempenhado o papel
principal e ganhado o Oscar de melhor atriz de
Hollywood, em 1957; Sybil, paciente da
psicanalista Cornelia B. Wilbur, descrita em
Schreiber (1973), cujo quadro clnico apresentou
uma hierarquia contendo dezesseis personalidades;
Henry
Hawksworth,
paciente
mltiplo
documentado por Schwarz (1977); e Billy Milligan,
serial killer que apresentou vinte e quatro
personalidades distintas identificadas em seu

361

psiquismo e cujo caso est registrado em Keyes


(1981).
Importante enfatizar que, apesar desta
evoluo histrica e cientfica, no Brasil embora
as ltimas dcadas tenham sido caracterizadas por
uma extraordinria expanso da psicologia, sendo
marcante a aplicao de princpios e tcnicas em
reas especficas (Cunha, Minella, Werlang &
Carneiro, 1993) a Personalidade Mltipla carece
de aprofundamentos. No h congressos que
abordem a temtica de forma especfica, quase nada
em termos de pesquisadores dedicados ao assunto e
nenhuma literatura cientfica original.
Diante dessa carncia de investigaes
relacionadas com o transtorno no mbito nacional, o
Teste das Pirmides Coloridas de Pfister que
desde a sua criao em 1948 (Villemor Amaral,
1978) tem sido considerado, sucessivamente, til e
confivel
nos
processos
psicodiagnsticos
(Villemor-Amaral, 2005) apresenta-se como uma
tcnica valiosa para a compreenso da dinmica
emocional e das habilidades cognitivas dos
mltiplos, termo pelo qual so conhecidos os
pacientes portadores de Personalidade Mltipla
(Hacking, 1995). Adicionalmente, h na tcnica de
Pfister uma intensa correlao entre a percepo da
forma e da cor. A forma diz respeito ao aspecto
objetivo da percepo, constitui um dos elementos
essenciais da anlise e importante por indicar as
possibilidades de controle racional que um
indivduo tem sobre os afetos e as emoes. A cor
escapa objetividade e reflete um mundo que
emerge da subjetividade, que se configura e se
projeta atravs da forma (Brauer, 1998; Heiss &
Halder, 1983; Justo & Kolck, 1976; Marques, 1988;
Villemor Amaral, 1978; Villemor-Amaral, 2005).
Portanto, esta pesquisa, um estudo de caso
fruto da experincia profissional do autor, tem
como objetivo contribuir com a divulgao do
Transtorno Dissociativo de Identidade no mbito
cientfico nacional e relatar a riqueza da utilizao
do Teste das Pirmides Coloridas de Pfister em uma
paciente mltipla.
MTODO
Descrio
O mtodo do estudo de caso uma
inquirio emprica que pesquisa um fenmeno
contemporneo dentro de um contexto da vida real,
quando a fronteira entre o fenmeno e o contexto
no claramente evidente (Yin, 1989). Segundo
Andr (2005) os estudos de caso so valorizados
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Marcello de A. Faria

pela sua capacidade de projetar luz sobre o


fenmeno estudado, de modo que o leitor possa
descobrir
novos
sentidos,
expandir
suas
experincias ou confirmar o que j sabia. Espera-se
que o estudo de caso favorea a compreenso da
situao investigada e possibilite a emerso de
novas relaes e variveis levando o leitor a ampliar
suas experincias. Espera-se ainda que desvele
pistas para aprofundamentos ou para futuros
estudos.
Participante
Inicialmente, realamos que em todos os
momentos deste trabalho, princpios ticos relativos
pesquisa envolvendo seres humanos, inclusive
aqueles que dizem respeito ao sigilo da paciente,
foram obedecidos.
Para o presente estudo de caso tivemos um
sujeito nico, Caroline, nome fictcio. Brasileira,
casada, quarenta e sete anos poca de nosso
primeiro contato, escolaridade mdia. Aceitou
tomar parte desta pesquisa homologando a sua
participao atravs do Termo de Consentimento
Informado Livre e Esclarecido. Pela primeira vez
foi diagnosticada como mltipla. O diagnstico foi
feito medida que os critrios contidos no DSMIV-TR (2003) foram sendo comprovados ao longo
do tratamento clnico. Tivemos colaboraes
distncia de psiquiatras americanos renomados e de
colegas da ISSTD International Society for the
Study of Trauma and Dissociation. Antes do incio
do processo psicoterpico a paciente recebeu o
diagnstico de depresso segundo os critrios da
Classificao Estatstica Internacional de Doenas,
CID-10 (1993), nas vrias consultas com diferentes
psiquiatras. Alguns laudos mdicos foram
apresentados pela paciente. Exames cardiolgicos e
neurolgicos foram realizados ao longo da vida,
com resultados negativos, caracterizando ausncia
de comprometimentos orgnicos.
Foram identificadas dez personalidades
encapsuladas no psiquismo de Caroline.
Salientamos que todas as alters foram registradas
conforme identificadas por elas mesmas quando de
suas emerses. O controle intermitente exercido por
cada uma das personalidades em relao ao
comportamento do sujeito, a incapacidade para
recordaes importantes relacionadas com eventos
de sua vida quando em processo dissociativo, a sua
conduta de abstemia sem nunca ter feito uso de
drogas ilcitas, somadas a ineficcia de
medicamentos antidepressivos e ansiolticos
prescritos por psiquiatras, fundamentam a incluso
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da paciente na descrio dos critrios diagnsticos


para o Transtorno Dissociativo de Identidade.
Instrumento
Teste das Pirmides Coloridas de Pfister
criado em 1948 (Villemor-Amaral, 2002) pelo suo
Max Pfister como tese de doutorado em Psicologia
Sociedade de Psicanlise de Zurique e introduzido
no Brasil, em 1956, por Fernando de Villemor
Amaral. Consiste de um jogo de trs cartelas
contendo o esquema de uma pirmide, subdividida
em 15 pequenos quadrados e um jogo de
quadrculos coloridos composto de 10 cores
subdivididas em 24 tonalidades, havendo no
mnimo 45 unidades de cada tom e a mesma
quantidade para todos os tons (Villemor-amaral,
2005).
Procedimento
As aplicaes do teste ocorreram no
consultrio particular do pesquisador, em condies
adequadas ao bom desempenho do sujeito, ou seja,
ambiente calmo e tranqilo, com privacidade, isento
de decoraes repletas de cores, com iluminao
natural apropriada e com uma mesa de cor neutra
em sua superfcie (Villemor Amaral, 1978;
Villemor-Amaral, 2005).
Somente duas personalidades em atuao
num mesmo psiquismo estiveram envolvidas
neste estudo de caso, Caroline e Dalva, uma das
alters. A coleta de dados foi feita em duas sesses
clnicas conosco. A segunda sesso, ocorrida com
espaamento de um ms, foi necessria para
retestagem devido ao processo dissociativo ocorrido
durante a primeira aplicao. Os dados foram
analisados globalmente, tendo sido considerados o
modo de colocao dos quadrculos, o processo de
execuo, as sndromes cromticas, o aspecto
formal, a frmula cromtica, as variaes
cromticas e de matizes, as cores por dupla, o
tempo de execuo, o tempo psquico de reao, a
anlise das pirmides em funo dos diferentes
planos da personalidade e os valores de posio, de
acordo com a interpretao de Justo e Kolck (1976),
Villemor Amaral (1978) e Villemor-Amaral (2005).
RESULTADOS
A seguir, registramos os resultados das
anlises dos protocolos de Caroline e de Dalva,
teste e re-teste respectivamente, obtidos nas duas
sesses clnicas. Realamos que durante a primeira
sesso, quando da aplicao do teste, aps a

O Teste de Pfister e o Transtorno Dissociativo de Identidade

elaborao da segunda pirmide, Caroline entrou


em processo dissociativo espontneo. Dalva, uma
das alters, emergiu e desejou executar a mesma
atividade. Aps o trmino do teste completo com
Dalva, Caroline retornou e, nada percebendo
amnsia , deu continuidade a tarefa que estava
executando. Fez, ento, a terceira pirmide e nos
pediu para fazer uma quarta adicional, justificando-

se querer representar algo mais. Consentimos


apesar desta ltima elaborao no entrar na
mensurao do teste.
Em relao ao protocolo de Caroline, como
mostrado na Figura 1, as elaboraes das quatro
pirmides seqenciais produzidas, com ausncia de
trocas, foram:

2
3
Figura 1. Pirmides seqenciais elaboradas por Caroline.

Em continuidade, registramos informaes


complementares relacionadas com o inqurito
realizado. Tais informaes se justificam por
demonstrar que a paciente mantm o senso de
realidade
quando
ausente
de
processos
dissociativos.
Qual das trs pirmides ficou mais bonita?
Qual voc gostou mais? Por qu? A terceira,
porque tem um dgrad perfeito. Cores combinadas
e ordenadas. Qual das trs pirmides ficou menos
bonita? Qual voc gostou menos? Por qu? A
segunda, porque d idia de priso. D a
impresso que esse amarelo jamais sair da.
Geralmente, qual a cor que voc mais gosta? Azul.
Geralmente, qual a cor que voc menos gosta?
Preta. Aqui no material do teste, qual a cor que
voc mais gostou, a sua cor preferida? Azul Az2.
Aqui no material do teste, qual a cor que voc
menos gostou? Marrom. Esta aqui Ma1. Logo
aps o inqurito, tivemos o seguinte dilogo com a
paciente, que evidenciou aspectos traumticos
pretritos e transformao de sentimentos
negativos:
O que voc quis representar com a primeira
pirmide construda quando disse Apesar de voc
ter me pedido para fazer uma pirmide bonita estou
com vontade de fazer uma que representou a minha
vida at antes da terapia. O que significa a cor
vermelha no centro, rodeada pelos quadrculos
pretos? Eu quis representar o meu passado

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traumtico de muita dor e sofrimento. Eu estava na


escurido. Ele, o meu passado, est sendo apagado.
O vermelho representa o meu corao, que era
preso e sangrava. E, em relao quarta pirmide,
voc mencionou que queria representar algo
mais inteno explcita e especfica. O que ela
significa? Significa que todo o meu sofrimento est
sendo transformado em esperana e equilbrio.
Podemos dizer que em relao s sndromes
cromticas contraste e fria , Caroline apresentou
conflitos interiores. Ficou caracterizada como uma
pessoa internamente ansiosa, tensa, que se esquiva
ao contato mantendo atitudes frias e distantes em
relao ao mundo exterior. As cores azul e preta
significativamente aumentadas, e a cor branca
aumentada discretamente, caracterizaram a paciente
como introvertida, que sofreu represses e que
possui tendncia perda do contato com a
realidade. A ausncia da cor laranja pode indicar
enfraquecimento estrutural, dissociao. Em relao
ao aspecto formal (ver a Figura 1), ela fez uso de
estruturas em mosaico primeira e quarta
pirmides , uma tendncia a estrutura em manto
segunda pirmide e formao em camadas
monocromticas terceira pirmide , o que indica,
respectivamente, uma mistura de desenvolvida
inteligncia e sensibilidade artstica, perturbao
proveniente de dissociaes no curso do
pensamento e manejos defensivos, inibio e
retraimento. O modo de colocao simtrico para

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Marcello de A. Faria

a primeira e quarta pirmides, ascendente e direto


para a terceira refletiu uma busca de equilbrio e
de integrao que pode ser conseqncia dos
sentimentos de insegurana da paciente. O processo
de execuo foi diversificado, ou seja, desordenado
no incio e ordenado no restante do teste, indicando
uma mescla de ansiedade, insatisfao e
instabilidade, com certa vontade de alcanar
flexibilidade. A frmula cromtica obtida 0 : 1 : 4
: 5 foi classificada como restrita e instvel,
indicando sentimentos de instabilidade controlados
por mecanismos inibitrios. As cores por dupla
Az Pr, Vd Az e La Vi indicaram bloqueios
e obstculos ao desenvolvimento emocional,
tendncia ao estabelecimento de relacionamentos
profundos e autnticos, atitude morosa e baixa
produtividade. Em termos de variao cromtica e
de matizes, Caroline obteve resultado rebaixado em

relao mdia esperada, indicando limitao


tensa, sentimentos de insegurana, inibio e medo
de se expor. O tempo de execuo foi de 1013
para a primeira pirmide, 429 para a segunda, 4
para a terceira e 2 para a quarta e ltima pirmide
elaborada. Assim, considerando os resultados
apresentados, trata-se de pessoa com dificuldades
psicolgicas acentuadas e com indicadores
dissociativos.
A seguir, apresentamos as anlises do
protocolo obtido com a alter Dalva, quando
Caroline esteve em processo dissociativo
espontneo. As elaboraes piramidais de Dalva,
como mostrado na Figura 2, foram tambm obtidas
durante a primeira aplicao do Pfister, com
ausncia de trocas, logo aps Caroline ter finalizado
a construo de sua segunda pirmide.

1
2
3
Figura 2. Pirmides seqenciais elaboradas por Dalva.
A pirmide que Dalva disse ter mais
gostado de fazer foi a primeira. A que gostou menos
foi a terceira. As cores que disse mais e menos
gostar no dia-a-dia so azul e marrom
respectivamente. Em relao ao material do teste, as
cores que mais e menos gostou foram Vi1 ela
disse ser esta a cor da espiritualidade e Vd1.
A justificativa de Dalva para escolher a
primeira pirmide como a mais bonita, atentando
para os aspectos cor e forma, foi: Porque as cores
se combinaram e a formao ficou muito boa. J
para a terceira pirmide, escolhida como a menos
bonita, realando necessidades de liberdade e
proteo familiar, ela verbalizou: Por causa da
formao. D impresso de falta de liberdade.
Tanto o azul quanto o rosa parecem estar presos e
pressionados. Nas outras as cores esto juntas pela
liberdade. Por outro lado, apesar da impresso de
falta de liberdade, eu quis representar trs
personalidades inteno explcita e especfica. De
Avaliao Psicolgica, 2008, 7(3), pp. 359-370

certa forma, quis representar a nossa proteo. O


azul tendo significado em Rony seu grande amor
e o rosa tendo a mim representado. Dentro do
amparo de nossos pais, representado pela outra cor
envolta. Quero deixar claro que a proteo de
nossos pais no nos enclausura. Temos as laterais
para o nosso prprio esforo de crescimento.
Dalva, demonstrando incongruncia com a
realidade de Caroline, ditou-nos as seguintes
informaes quando do preenchimento do
protocolo: Nome: Dalva. Idade: 32. Sexo:
Feminino. Estado Civil: Muito bem casada.
Naturalidade: Esccia. Grau de Instruo: Meus
pais encontraram mestres para me instruir. Data:
Estamos no outono, entrando para o inverno, perto
da mudana de estao.
Em relao sndrome cromtica
esbranquiada , Dalva apresentou enfraquecimento
estrutural da personalidade. As cores azul,
vermelha, cinza e violeta estiveram aumentadas

O Teste de Pfister e o Transtorno Dissociativo de Identidade

com prevalncia significativa para esta ltima, o


que indica perturbaes na esfera emotiva. As
demais cores mencionadas caracterizaram a
paciente como introvertida, sensvel, carente
emocionalmente e reprimida afetivamente. A
ausncia
da
cor
laranja
pode
indicar
enfraquecimento estrutural, dissociao. Em relao
ao aspecto formal (ver a Figura 2), ela construiu as
pirmides fazendo uso somente de estruturas
simtrica para a primeira pirmide, escada para a
segunda e mosaico para a terceira , o que indica,
respectivamente, capacidade cognitiva diferenciada,
conflitos emocionais e desenvolvida inteligncia.
Alm disso, suas elaboraes formais tambm
assestam para contextos de diviso ou de
dissociao da personalidade. O modo de colocao
simtrico para a primeira pirmide, diagonal para
a segunda e direta para a terceira, todos ascendentes
refletiu uma busca de equilbrio, de integrao,
que pode ser conseqncia de sentimentos de
insegurana. O processo de execuo foi ordenado
durante todo o teste, indicando vontade de alcanar
flexibilidade. A frmula cromtica obtida 1 : 2 : 1
: 6 foi classificada como restrita e flexvel,
caracterizando uma pessoa cautelosa e inibida,
capaz de se adaptar ao ambiente. As cores por dupla
Az Ci, Vm Vi, Vd Az, Vd Vm e Ci
Vm indicaram fechamento em si e introverso,
excitao
e
impulsividade,
tendncia
ao

365

estabelecimento de relacionamentos profundos e


autnticos. Em termos de variao cromtica e de
matizes, Dalva obteve resultado rebaixado em
relao mdia esperada, indicando limitao
tensa, sentimentos de insegurana, inibio e medo
de se expor. O tempo de execuo foi de 418 para
a primeira pirmide, 325 para a segunda e 250
para a ltima pirmide elaborada. Considerando os
resultados apresentados, trata-se de pessoa com
dificuldades emocionais e com indicadores
dissociativos.
As elaboraes de Caroline, bem como os
resultados apresentados quando da emerso de
Dalva indicam um contexto de multiplicidade e
reforam
caractersticas
traumticas
da
Personalidade Mltipla. Como enfatizado na
discusso, o trauma, a diviso da personalidade, a
dissociao e a necessidade de integrao,
apresentaram-se plenos nas elaboraes produzidas.
Foram estes os resultados obtidos com a primeira
aplicao do Teste das Pirmides Coloridas de
Pfister.
Nos
mesmos
moldes
anteriores,
apresentamos a seguir os resultados logrados com o
re-teste de Caroline. Expomos ainda informaes
comparativas dos resultados alcanados no seu teste
e no re-teste. Como mostrado na Figura 3, as
elaboraes piramidais obtidas no re-teste da
paciente, tambm com ausncia de trocas, foram:

1
2
3
Figura 3. Reproduo das pirmides elaboradas por Caroline (re-teste).
A pirmide que Caroline disse ter mais
gostado de fazer foi a terceira e a que gostou menos
foi a segunda. As cores que disse mais e menos
gostar no dia-a-dia so azul e preta respectivamente.
Em relao ao material do teste, as cores que mais e
menos gostou foram Az3 e Ma1.
A justificativa dela para escolher a terceira
pirmide como a mais bonita, salientando
necessidade integrativa, foi: Porque no sinto

conflito nas cores. No existem conflitos. A


pirmide est inteira. J em relao a segunda
pirmide, escolhida como a menos bonita,
realando novamente a questo da liberdade, ela
verbalizou: O branco e o azul esto impedindo a
liberdade do verde.
Enfatizamos que antes de iniciar a
elaborao da primeira pirmide, aps ficar
mexendo nos quadrculos como que estudando as

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Marcello de A. Faria

cores num tempo de latncia igual a 2 minutos,


Caroline verbalizou: Vou repetir a primeira
pirmide que fiz da vez passada referindo-se
primeira testagem , acrescentando um pouco mais
do vermelho. Ser um corao sangrando dentro
da escurido.
Os indicadores obtidos por Caroline no reteste demonstraram similaridade com os da primeira
aplicao. Ou seja, cores mais significativas
perfeitamente equivalentes, inclusive, com idnticos
valores obtidos para as cores azul e branca.
Percentuais zerados para as cores violeta, laranja,
marrom e cinza. Alm disso, sndromes cromticas
fria e de contraste anlogas. Idntico processo
de execuo, ordenado, exceo para a parte inicial
na primeira aplicao, idntica classificao para a
frmula cromtica restrita e instvel e idnticas
cores por dupla Az Pr, Vd Az e La Vi.
Ambas as variaes cromticas e de matizes foram
classificadas como rebaixada.
Por outro lado, os aspectos formais
elaborados estiveram um tanto discrepantes.
Enquanto que na primeira aplicao (ver a Figura 1)
Caroline fez uso de mosaicos primeira e quarta
pirmides e camadas monocromticas terceira
pirmide , no re-teste (ver a Figura 3) ela fez uso
de estrutura em manto fechado primeira pirmide
e formao em camadas monotonais terceira
pirmide. Apesar disso, as duas pirmides
interpostas, segunda pirmide de cada aplicao,
foram classificadas de maneira idntica, ou seja,
como tendncia estrutura em manto. O modo de
colocao apresentou diferena somente em relao
as primeiras pirmides elaboradas: enquanto que a
classificao foi simtrica no teste, no re-teste, foi
em manto. Nas demais, o modo de colocao foi
idntico, ou seja, no evidenciado para as segundas
pirmides e ascendente e direto para as terceiras
elaboraes. O tempo de execuo foi
significativamente menor no re-teste, isto , 442
para a primeira pirmide, 351 para a segunda e
313 para a ltima pirmide elaborada,
demonstrando execuo da tarefa de forma mais
adaptada.
A principal observao, no nosso entender,
que sugere convergncia de necessidades da
paciente, est registrada na formao em camadas

Trauma
Real

Dissociao

Alters

monocromticas terceira pirmide da primeira


aplicao , na estrutura em mosaico quarta
pirmide da primeira aplicao (ver a Figura 1) , e
na formao em camadas monotonais terceira
pirmide do re-teste (ver a Figura 3). A primeira
mencionada reflete busca de integrao. A segunda,
um desejo de equilbrio. A terceira, uma integrao
plena. Todas, entretanto, assestam para o desejo da
cura, para as reverses traumticas e dissociativas
identificadas nas elaboraes das pirmides
anteriores.
DISCUSSO
Para que a Personalidade Mltipla seja
desenvolvida num indivduo essencial que esta
pessoa tenha sido acometida por traumas reais e
severos, reincidentes e intermitentes, que tiveram
papel fundamental no desencadeamento da
dissociao consciencial e, conseqentemente, na
fragmentao do psiquismo. Tais traumas, que
podem ser de natureza diversificada nos variados
quadros clnicos, no necessariamente ir gerar uma
mesma sndrome. Existem fatores outros, como a
capacidade de absoro ou de elaborao de
contedos traumticos, que diferem de pessoa para
pessoa, explicando satisfatoriamente as razes de
uma mesma causa no gerar quadros clnicos
idnticos (Kluft & Fine, 1993; Ross, 1989).
Segundo alguns autores da rea (Allison,
1980; Kluft & Fine, 1993; Putnam, 1989; Ross,
1989; Steinberg, 1994), eventos traumticos podem
ocorrer em qualquer fase da vida, desde o
nascimento ou desde a mais tenra infncia.
Entretanto, o desenvolvimento da Personalidade
Mltipla est diretamente vinculado a traumas
ocorridos antes dos sete anos de idade. A gravidade,
durao e proximidade da exposio de um
indivduo ao evento traumtico so fatores
determinantes na probabilidade do transtorno. Tais
indivduos apresentam pontuaes significativas em
medies da suscetibilidade capacidade
dissociativa e experimentam amnsia para a histria
pessoal tanto remota quanto recente. Em sntese, a
seqncia obrigatria para o desenvolvimento da
Personalidade Mltipla :

Personalidade
Mltipla

Figura 4. Esquema de desenvolvimento da Personalidade Mltipla


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Integrao

O Teste de Pfister e o Transtorno Dissociativo de Identidade

Este esquema estabelece que fatores


traumticos reais geram processos dissociativos.
Estes, por sua vez, fazem emergir alters,
caracterstica maior da Personalidade Mltipla. Esta
seqncia ou encadeamento resulta na busca, pela
terapia, de um processo reverso, ou seja, num
tratamento curativo para o transtorno, alcanado
com a integrao da fragmentao do eu, pela fuso
das personalidades dissociadas (Hacking, 1995;
Haddock, 2001; Kluft & Fine, 1993; Putnam, 1989;
Ross, 1989).
Os dados obtidos com a tcnica de Pfister
sugerem uma homologao do esquema
apresentado. Na primeira aplicao (ver a Figura 1),
logo na pirmide inicial, Caroline enfatizou a sua
questo traumtica numa estrutura em mosaico. Ela
manifestou contextos inconscientes, projetando-se
na escurido, na dor e no sofrimento. A estrutura
elaborada, bem como as cores selecionadas
retrataram integralmente o que hipotetizamos ser os
choques violentos vivenciados ao longo de sua vida.
Em seguida, na segunda pirmide uma forte
tendncia estrutura em manto , hipotetizamos
que Caroline enfatizou a questo dissociativa. Da
mesma forma, interpretamos que a base da pirmide
representada, numa linguagem simblica, pelo
cerne do seu psiquismo, rompeu-se. Nitidamente, o
alicerce de sua estrutura consciencial est desfocado
do conjunto. A pirmide est decepada ou mutilada
indicando, conforme Villemor-Amaral (2005),
implicaes de fragilidade estrutural e provveis
alteraes de pensamento. Neste momento da
execuo do teste, primeira aplicao, ou seja, aps
a construo da segunda pirmide, ocorreu um
processo dissociativo espontneo. Caroline imergiu
e Dalva emergiu.
Nas pirmides elaboradas por Dalva (ver a
Figura 2) hipotetizamos as divises inconscientes
elaboradas. A primeira pirmide, em seu aspecto
formal, uma estrutura simtrica; a segunda uma
estrutura em escada; e a terceira uma estrutura em
mosaico. Importante enfatizarmos que todas as
elaboraes da alter, no nosso entender, retrataram
diviso ou fragmentao. O resultado obtido por
esta personalidade demonstra a pertinncia da
seqncia do nosso esquema relativo ao trauma,
realando a questo fragmentria da personalidade.
Adicionalmente, vale destacar o que associamos ser
a presena do ISH Inner Self Helper na primeira
pirmide de Dalva. Esta personalidade est
representada no eixo central, vertical, pela cor cinza
e sinaliza uma nfase aos valores de posio,
considerados pontos-chaves na execuo das

367

pirmides segundo Villemor Amaral (1978). Como


no existem outras pesquisas para comparaes,
partir deste estudo, sugerimos cautelosamente que
os valores de posio pice, centro e base dos
esquemas das pirmides pelo menos nos casos de
Personalidade Mltipla, estejam associados
presena do ISH.
Voltando situao do teste, interrompido
naturalmente o processo dissociativo e espontneo
com Dalva, fato que fez com que Caroline
retornasse do seu processo de imerso sem ter
conscincia do ocorrido, ela elaborou a terceira
pirmide conforme j registrado. Avaliamos que
sua construo assesta para a necessidade de
integrao, objetivo maior do tratamento da
Personalidade Mltipla. Constatamos nesta
pirmide formao em camadas, ou estratificada
a busca de uma fuso, que est representada pela
integrao monocromtica, cor azul em dgrad
(ver a Figura 1).
Aproveitando a elaborao da quarta
pirmide de Caroline estrutura em mosaico
acentuamos o que hipotetizamos ser a busca do
equilbrio, o desejo das reverses traumticas e
dissociativas. Enfim, a nfase para a continuidade
do processo de restabelecimento psquico j
vislumbrado na terceira pirmide. Conforme
Villemor Amaral (1978) podemos dizer que,
geralmente, a presena do verde nas pirmides tem
uma conotao positiva desde que situado dentro
dos padres de normalidade, isto , entre 18% e
20% aproximadamente, incidindo tais percentuais
com uma utilizao mais expressiva das tonalidades
Vd2 e Vd3, esta ltima caracterizada como
tonalidade padro. Realamos que oito quadrculos
preenchidos com a cor Vd3, conforme identificado
na quarta pirmide de Caroline (ver a Figura 1),
equivale 18%. E, tal resultado representa valores
normais, dentro da mdia, consoante registrado em
Villemor-Amaral (2005).
Tambm no devemos deixar de referenciar
o que Villemor Amaral (1978) chama de anlise
das pirmides, em funo dos diferentes planos da
personalidade. Segundo este autor, supe-se que o
indivduo ao executar o teste apresente na primeira
elaborao um aspecto mais externo de sua
personalidade. A segunda elaborao, ligada a uma
camada intermediria, corresponde a uma parte
mais ou menos acessvel do indivduo e cujo
controle parcial. Finalmente, a terceira elaborao
corresponde parte mais profunda da sua
personalidade. Em sntese, a primeira elaborao
corresponde a caractersticas da personalidade que
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368

Marcello de A. Faria

podem estar sob o controle do indivduo, porque


conscientes; a segunda, est ligada ao prconsciente, corresponde aos aspectos da
personalidade cujo controle no est muito ao
alcance do indivduo, mas que podem tornar-se
conscientes; por fim, a ltima elaborao est fora
do controle e do alcance do indivduo e corresponde
ao inconsciente.
Hipotetizamos que as pirmides elaboradas
por Caroline corroboraram a descrio acima. Na
primeira, ela retratou aspectos traumticos de sua
vida, sendo alguns, atualmente, conscientes e
controlados. Trata-se do aspecto mais externo de
sua personalidade representado pela presena
marcante de suas lembranas torturantes. A segunda
pirmide, a faixa pr-consciente do iceberg ou da
montanha de gelo flutuante (Hall & Lindzey, 1978),
representada pela camada intermediria, a parte
mais ou menos acessvel de Caroline, equivale s
alters que emergem em processos dissociativos
cada vez mais sob controle parcial dela. Na terceira
e ltima pirmide, a camada mais profunda da
paciente o seu inconsciente , busca o bem-estar,
a descarga das tenses e da ansiedade. Ou seja,
busca o equilbrio e a integrao (ver a Figura 1).
Vlido atentarmos para o desligar-se do
mundo e analisarmos mais detalhadamente o tempo
de execuo de Caroline para as suas elaboraes
piramidais. Lembramos que ela construiu a primeira
pirmide em 1013, a segunda em 429 e a
terceira em 4. Para a quarta pirmide levou apenas
2. Esteve alm para os valores medianos do teste,
mas, dentro dos parmetros aceitveis para o tempo
total de execuo. nfase maior deve ser dada ao
tempo da primeira pirmide, fato que caracterizou
significativamente o chamado tempo psquico de
reao.
Conforme Villemor Amaral (1978), em
relao ao tempo de execuo, os valores mdios
variam entre 4 e 8 minutos para cada pirmide e
entre 15 e 20 minutos para o total das trs
pirmides. Por ser nova, a execuo da primeira
pirmide, em geral, poder exigir um pouco mais de
tempo que as duas subseqentes. O tempo psquico
de reao fator que deve ser levado em
considerao porque h indivduos cujas reaes
normais so mais lentas e hesitantes, enquanto que
outros executam habitualmente suas tarefas com
maior preciso e rapidez. Por outro lado, h pessoas
muito inseguras e com forte tendncia hesitao,
que exigem longo tempo para executar suas
pirmides. So meticulosas, prudentes e
Avaliao Psicolgica, 2008, 7(3), pp. 359-370

extremamente cautelosas. So pessoas, via de regra,


aparentemente sossegadas, calmas e que se
desligam totalmente do mundo, quando se aplicam
a um trabalho que as fascina.
Podemos dizer que Caroline apresenta
dificuldades para o controle das emoes e dos
impulsos, demonstra capacidade adaptativa em
evoluo, e capacidade relacional em processo de
estabilizao aceitvel. Os distrbios dissociativos
foram desencadeados por eventos traumticos
severos, ainda no totalmente elaborados
satisfatoriamente pela paciente. Adicionalmente, os
dados trazidos pelos registros do tempo psquico de
reao apontam para uma facilidade de
desligamento total do mundo, fenmeno
caracterstico da dissociao, comum no quadro
clnico da Personalidade Mltipla.
Por fim, os dados do re-teste, no nosso
entender, corroboraram a primeira aplicao em
termos traumticos, dissociativos e de integrao. A
primeira pirmide ressaltou mais enfaticamente os
fatores traumticos. A segunda manteve a base
dissociativa e a estrutura tendente a manto fechado.
O verde, Vd3, substituiu o amarelo, Am1, como se
Caroline estivesse, inconscientemente, querendo
superar dificuldades de canalizar e expressar
emoes, passando a ter relacionamentos afetivos e
sociais satisfatrios, alm de uma esfera de contatos
sadios (Villemor-Amaral, 2005). Por fim, a terceira
pirmide evidenciou mais fortemente a questo
fundamental do desejo de integrao, representado
pela formao em camadas monotonais (ver a
Figura 3).
CONCLUSO
Os resultados logrados com este estudo de
caso nos permitem considerar que o Teste das
Pirmides Coloridas de Pfister representa um
instrumento enriquecedor para a avaliao
psicolgica de pacientes mltiplos. Os aspectos
amnsicos,
as
referncias
traumticas
e
dissociativas descritas na literatura para a
Personalidade Mltipla foram identificados
significativamente: pela seqncia apresentada
segundo o esquema relativo ao trauma e
dissociao;
pelas
anlises
interpretativas
pertinentes ao teste modo de colocao, processo
de execuo, sndromes cromticas, frmulas
cromticas, variao cromtica e de matizes, cores
por dupla e tempo de execuo; pelo registro dos
valores de posio, bem como as divises
elaboradas nas construes piramidais; pelo exame

O Teste de Pfister e o Transtorno Dissociativo de Identidade

das pirmides em funo dos diferentes planos de


personalidade e pela caracterizao do tempo
psquico de reao, sugerindo facilidade para o
desligamento total do mundo.
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Marcello de A. Faria

Recebido em Abril de 200


Reformulado em Julho de 2008
Aceito em Setembro de 2008

SOBRE O AUTOR:
Marcello de A. Faria: Marcello de Abreu Faria: Psiclogo, Mestre em Psicologia Clnica e Tecnlogo em
Informtica. Adicionalmente, Membro Regular da International Society for the Study of Trauma and
Dissociation (ISST-D), Scio Efetivo da Associao Brasileira de Rorschach e Mtodos Projetivos (ASBRo) e
Membro Titular do Instituto Brasileiro de Avaliao Psicolgica (IBAP).
Avaliao Psicolgica, 2008, 7(3), pp. 359-370

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