2008 A Dinamometria Manual e Seu Uso Na Avaliação Nutricional
2008 A Dinamometria Manual e Seu Uso Na Avaliação Nutricional
2008 A Dinamometria Manual e Seu Uso Na Avaliação Nutricional
REVISO | REVIEW
RESUMO
Esta reviso de literatura aborda aspectos metodolgicos e fisiolgicos da dinamometria manual. A
dinamometria manual um teste funcional do msculo esqueltico que vem recebendo uma crescente
ateno de clnicos e pesquisadores da rea de sade nos ltimos anos. Recentemente, tem merecido ateno
como indicador do estado nutricional, particularmente para pacientes internados. Dentre os principais fatores
que influenciam esta medida, destacam-se o sexo, a idade, a estatura, a massa corporal e a mo dominante
dos indivduos. Os resultados desta reviso demonstram ainda que diversos outros fatores, relacionados ao
protocolo de aferio, como a posio do indivduo, o tipo de instrumento utilizado, o nmero de aferies
realizadas, o intervalo de descanso entre as aferies, a presena de estmulo verbal e de um pr-teste,
tambm podem influenciar os valores alcanados por um indivduo em uma avaliao da dinamometria
manual. Dessa forma, importante que um protocolo de aferio padronizado seja desenvolvido, para que se
obtenham medidas vlidas de dinamometria manual. Ainda so escassos os estudos que propem valores de
referncia para a dinamometria manual e a literatura ainda se ressente de valores de referncia baseados em
dados obtidos a partir de amostras de base populacional.
Palavras-chave: Dinamotria manual. Estado nutricional. Valores de referncia.
ABSTRACT
This paper reviews the methodological and physiological aspects of hand grip strength measurement. Hand
grip strength assesses skeletal muscle function and has received increasing attention from physicians and
health-related researchers in the last years. Recently, it has deserved particular attention as an indicator of
1
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Nutrio Josu de Castro, Departamento de Nutrio Social e Aplicada,
Programa de Ps-Graduao em Nutrio. Av. Brig. Trompowsky, s/n., Bloco J, 2 andar, Ilha do Fundo, 21941-590, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil. Correspondncia para/Correspondence to: G. KAC. E-mails: <kacetal@gmail.com>; <gkac@nutricao.ufrj.br>.
Universidade Federal Fluminense, Departamento de Nutrio Social, Laboratrio de Avaliao Nutricional e Funcional.
Niteri, RJ, Brasil.
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nutritional status, particularly in hospitalized patients. Sex, age, height, body mass and the dominant hand of
the subjects are the main factors that influence the measure. The results of this review demonstrate that many
other factors associated with the assessment protocol, such as the position of the individual, the type of
instrument used, the number of measurements performed, the rest periods between measurements, the
presence of verbal stimulation and a warm-up prior to the test can also influence the results. Therefore, it is
important to develop a standardized protocol to improve the reliability of the measurements for this variable.
Normative data for hand grip strength are still scarce and the literature still resents from the existence of
reference values from population-based studies.
Indexing terms: Handgrip strength. Nutritional status. Reference values.
INTRODUO
A aferio da fora mxima voluntria de
preenso manual, ou simplesmente dinamometria
manual (DM), consiste em um teste simples e
objetivo que tem como princpio estimar a funo
do msculo esqueltico1. A consistncia interna
das medidas de fora exercidas por diferentes
grupamentos musculares sustenta a utilizao da
DM para caracterizar o status funcional muscular
geral2. Trata-se de um teste realizado geralmente
com um aparelho porttil - dinammetro - sendo
um procedimento rpido, de baixo custo e pouco
invasivo.
O termo fora muscular utilizado para
designar a habilidade de um determinado
msculo, ou grupamento muscular, em produzir
ou resistir a uma fora; podendo ser classificada
como isomtrica, isocintica ou isotnica. A DM
uma medida de fora isomtrica, que envolve o
emprego de fora sobre um objeto imvel. O
msculo se contrai, permanecendo sob tenso
constante por um curto intervalo de tempo, porm,
h pouca alterao em seu comprimento.
A aplicao clnica da DM tem merecido
maior ateno nos ltimos anos3 e feita em diversos campos da rea da sade. Amplamente
utilizada na rea de reabilitao por terapeutas
ocupacionais, fisioterapeutas e mdicos; a DM
vem sendo reconhecida como um instrumento til
de avaliao funcional, seja no acompanhamento
do estado nutricional de pacientes cirrgicos4 ou
na avaliao funcional da populao idosa2,5.
Este trabalho apresenta e discute as
informaes metodolgicas e fisiolgicas a
Revista de Nutrio
Tipos de dinammetros
Inmeros instrumentos esto disponveis
para aferir valores de DM. Os aparelhos utilizados
para esta medida de fora podem ser classificados
em quatro categorias: hidrulicos, pneumticos,
mecnicos e strain gauges (ou clulas de carga).
Dinammetros hidrulicos so sistemas
selados, que medem a DM em quilogramas (ou
libras) fora. Instrumentos pneumticos usam um
mecanismo de compresso em uma bolsa de ar
para determinar a DM; so normalmente utilizados em indivduos que apresentam dor e favorecer
a medida em milmetros de mercrio ou libra/polegada2. Dinammetros mecnicos so instrumentos que medem a DM em funo da quantidade
de tenso produzida em uma mola de ao. J os
strain gauges so aparelhos em que a fora empreendida em uma clula de carga captada
eletronicamente, amplificada e transmitida para
um monitor digital6.
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Posio de manuseio
Alguns instrumentos, como o dinammetro
Jamar, permitem que se ajuste a pega ao realizar
o teste de DM. Isto quer dizer que possvel ajustar
a empunhadura (ou posio de manuseio) do
dinammetro, para que melhor se adapte ao
tamanho da mo e ao comprimento dos dedos
de um indivduo.
Primeiramente discutidas por Bechtol21, as
posies de manuseio mais utilizadas nos estudos
revisados, particularmente nos estudos que se
propem a fornecer valores normativos para esta
medida, so a segunda e a terceira posio do
dinammetro Jamar13,14,16, que possui ajuste para
cinco posies diferentes.
Segundo Innes6, a ASHT recomenda que
o dinammetro Jamar seja ajustado na segunda
posio para aferio da DM. Entretanto, a
maioria dos estudos no faz meno em relao
posio do dinammetro utilizada durante a
aferio desta medida.
Boadella et al.20 ressaltaram a capacidade
dos indivduos em auto-selecionar a posio que
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Instrues
To importante quanto a posio a determinao de uma seqncia clara de instrues
que sero dadas aos indivduos a serem avaliados.
Deve-se procurar optar sempre pelo menor nmero de instrues e, da mesma forma, que estas
sejam passadas da maneira mais simples e objetiva
possvel.
Tambm importante o tom de voz com
que essas instrues so transmitidas. Johansson
et al.25 encontraram uma relao significante
entre o volume de voz com o qual as instrues
eram transmitidas aos indivduos e a fora de
contrao isomtrica exercida, de modo que
volumes aumentados resultavam em valores de
fora mais elevados durante a contrao. Essa
diferena pode estar relacionada motivao com
que o indivduo realiza a medida de fora, j que
o procedimento considerado como uma medida
de desempenho e que pode ser melhorada. A
maioria dos estudos no especifica as instrues
dadas aos indivduos durante a realizao dos
procedimentos para a coleta de dados de DM.
Entre os poucos que o fazem, alguns ressaltam o
fato de que nenhum encorajamento verbal foi
feito19,20, enquanto que outros deixam claro que
isso foi feito13,15,18.
Independentemente de incluir ou no o
estmulo verbal durante o procedimento de medio, principalmente para pacientes internados,
de extrema importncia que o indivduo avaliado
esteja consciente de que uma medida de fora
depende, basicamente, de sua disposio em
cooperar e reproduzir com eficincia o seu esforo
mximo. Da mesma forma, importante que o
avaliador esteja consciente de que, intencionalmente ou no, o tom e o volume da voz com que
as instrues so transmitidas podem influenciar
os resultados. Dessa forma, deve-se procurar usar
sempre a mesma intensidade ao instruir o indivduo
que se pretende avaliar.
Influncia da dominncia
Como a gerao de fora depende da rea
transversal do msculo e como esta depende do
treinamento a que o msculo submetido, fcil
imaginar que possam haver diferenas na DM
entre os lados do corpo, dependendo da mo de
preferncia do indivduo para realizar tarefas
cotidianas, como comer, escrever e carregar pesos.
Uma diferena de 10% na fora entre a mo
dominante e a no dominante foi descrita nos
anos 50, derivada de uma pesquisa realizada no
exrcito canadense, durante a Primeira Guerra
Mundial13. Entretanto, estudos que se propuseram
a quantificar a diferena de fora por dominncia,
no confirmaram esta regra de 10%.
Bechtol21, em 1954, relatou uma diferena
de fora entre a mo dominante e a no dominante que variava de 5,0% a 10,0% para a
maioria dos indivduos, podendo chegar a 30,0%
em alguns indivduos. Schmidt & Toews13, em
1970, apresentaram os resultados de DM obtidos
de uma amostra composta por 1.128 homens e
80 mulheres, candidatos a vagas como empregados de uma fbrica de ao, e observaram que
97,0% dos homens estudados apresentaram
diferena nos valores de fora entre a mo dominante e a no dominante menor do que 10,0%
(em mdia 3,2%). Alm disso, 22,6% dos homens
apresentaram maiores valores de DM para a mo
no dominante e 5,4%, no apresentavam diferena significante entre as mos. Entre as mulheres, 20,0% apresentaram maiores valores de DM
para a mo no dominante.
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Figura 1. Valores mdios de dinamometria manual (kg) em amostra de populao espanhola na mo dominante (D) e no dominante
(ND). Desenhado a partir de dados publicados por Luna-Heredia et al.23.
Nota: D: Mo dominante; ND: Mo no-dominante.
Valores de referncia
A proposta de desenvolver valores de
referncia consiste em descrever valores tpicos
ou padres normativos para uma dada caracterstica, de uma determinada populao considerada saudvel. Para comparar os dados observados
de um indivduo com valores de referncia existentes para uma determinada medida, impor-
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230
Quadro 1. Variaes nos valores de referncia para dinamometria manual (kg) para indivduos (homens e mulheres) de 20 e 45 anos
de diferentes nacionalidades.
Mulheres
Homens
Pas (referncia)
ND
ND
41,0
36,0
29,0
24,1
54,9
47,4
31,9
27,7
47,5
30,1
58,8
59,9
35,6
32,7
42,8
40,7
30,0
27,2
54,4
49,9
31,3
28,6
45,8
43,8
27,2
25,6
44,0
38,0
28,5
21,8
49,8
45,7
28,2
25,4
50,8
30,2
51,6
49,0
35,1
33,2
44,2
39,6
32,4
29,1
54,9
48,5
33,1
29,9
53,0
44,5
30,2
27,9
43,2
41,6
27,0
25,7
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232
Quadro 2. Sumrio descritivo dos estudos que apontam a dinamometria manual como um instrumento til de avaliao do estado
nutricional para pacientes hospitalizados.
Estudo
Amostra
avaliada
Dinammetro
Principais resultados
utilizado1
Referncia2
Medida
utilizada
Klidjian
et al.1
102 pacientes
(cirurgia
abdominal)
NI
Valores de DM abaixo de 85% dos valores mdios, observados em indivduos saudveis, foram considerados como indicador de alterao no estado nutricional capaz de predizer
complicaes no ps-operatrio em 87% dos pacientes que
as desenvolveram.
284 indivduos
saudveis
Maior valor
entre 3
medidas
Griffith &
Clark36
70 pacientes
NI
NI
Maior valor
entre 3
medidas
Webb et al.37
90 pacientes
Mecnico
247 indivduos
saudveis
Maior valor
entre 3
medidas
Single Spring
240 indivduos
saudveis
Maior valor
entre 3
medidas
(cirurgia de
grande porte)
cirrgicos
Kalfarentzos
et al. 38
95 pacientes
Hirsch
et al.39
207 pacientes
internados
( 127
cirrgicos)
Therapeutic
Instruments
400 indivduos
saudveis
Maior valor
entre 3
medidas
Guo et al.40
127 pacientes
internados e
96 cirrgicos
(cncer oral e
maxilofacial)
NI
203 indivduos
saudveis
Maior valor
entre 3
medidas
Qureshi
et al.8
128 pacientes
em
hemodilise
Harpenden
44 indivduos
saudveis
Maior valor
entre 3
medidas
NI
Maior valor
entre 3
medidas
cirrgicos
(cncer
gastrintestinal)
grupos de pacientes em hemodilise, observou-se uma tendncia linear de diminuio dos valores de DM conforme
aumentava o grau de desnutrio (p<0,001).
L Cornu
et al.9
82 pacientes
Figueiredo
et al.34
69 pacientes
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Harpenden
cirrgicos
(transplante
de fgado)
internados
(hepatopatas
terminais)
Jamar
Quadro 2. Sumrio descritivo dos estudos que apontam a dinamometria manual como um instrumento til de avaliao do estado
nutricional para pacientes hospitalizados.
continuao
Estudo
Figueiredo
et al.41
Amostra
avaliada
53 pacientes
Dinammetro
Principais resultados
utilizado1
Jamar
Referncia2
cirrgicos
(transplante de
fgado)
Medida
utilizada
Mdia de 3
medidas
Humphreys 50 pacientes
et al.42
internados (25
cirrgicos)
Maior valor
entre 3
medidas
lvares-da- 50 pacientes
Silva & da hepatopatas
Silveira43
Kratos
Maior valor
entre 3
medidas
Wang
et al.11
Smedley
Maior valor
entre 3
medidas
233 pacientes
nefropatas
A informao sobre o instrumento de aferio da DM no foi fornecida de forma padronizada pelos estudos revisados. Essas informaes esto
disponveis na forma de tipo e modelo do dinammetro, quando possvel; 2Indivduos avaliados especificamente para fornecer dados de
comparao. Siglas: ASG: avaliao subjetiva global; CMB: circunferncia muscular do brao; DM: dinamometria manual; IC: intervalo de
confiana de 95%; ICE: ndice creatinina-estatura; IMC: ndice de massa corporal; INP: ndice nutricional prognstico; NA: no se aplica;
NI: no informado; NSDC: the National Strength Database Consortium; RC: razo de chances; UTI: unidade de Tratamento Intensivo.
COLABORADORES
M.M. SCHLSSEL participou de todas as etapas
do estudo, desde o planejamento da reviso, levantamento bibliogrfico, seleo dos artigos, anlise dos
resultados at a elaborao final do artigo. L.A. ANJOS
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REFERNCIAS
1. Klidjian AM, Foster KJ, Kammerling RM, Cooper
A, Karran SJ. Relation of anthropometric and
dynamometric variables to serious postoperative
complications. BMJ. 1980; 281(6245):899-901.
2. Bohannon RW. Hand-grip dynamometry provides
a valid indication of upper extremity strength
impairment in home care patients. J Hand Ther.
1998; 11(4): 258-60.
3. Bohannon RW. Adoption of hand-held
dynamometry. Percept Mot Skills. 2001; 92(1):150.
4. Bohannon RW. Dynamometer measurements of
hand-grip strength predict multiple outcomes.
Percept Mot Skills. 2001; 93(2):323-8.
5.
Revista de Nutrio
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